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DARTH VADER E A ASCENSÃO DOS FASCISMOS: UMA PROPOSTA DE ENSINO COM O FILME STAR WARS EPISÓDIO III: A VINGANÇA DOS SITH Giovan Sehn Ferraz 1

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DARTH VADER E A ASCENSÃO DOS FASCISMOS: UMA PROPOSTA DE ENSINO COM O FILME STAR WARS EPISÓDIO III: A VINGANÇA DOS SITH

Giovan Sehn Ferraz1

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir uma proposta em ensino voltada para o 9º ano do Ensino Fundamental, ao abordar o período entre guerras e a ascensão dos fascismos na Europa, notadamente na Itália e na Alemanha, com a utilização do filme Star

Wars Episódio III: A vingança dos Sith2. O objetivo desta proposta é, por um lado, problematizar a produção cinematográfica de grande porte e, por outro, auxiliar os estudantes a compreenderem como se constroem os discursos fascistas, como se dá sua busca por legitimidade na defesa de um Estado forte na oposição a uma ideia de democracia corrompida e, principalmente, como esses discursos conseguem conquistar apoio popular. Essas discussões são especialmente relevantes em um momento histórico como o que vivemos atualmente no Brasil e no mundo, quando vemos ressuscitar, por vezes com força considerável, discursos antidemocráticos e de ódio que lembram muito a retórica fascista dos anos 1920 e 1930.

No presente trabalho, portanto, abordaremos, inicialmente, algumas reflexões em torno da utilização do cinema no ensino de História. No segundo momento, apresentaremos uma discussão introdutória acerca da saga e do “universo” Star Wars, buscando apresentar um pouco da história que se passa nos filmes e apontando algumas direções para debate. Indicamos, na sequência, elementos do filme e da saga que podem ser trazidos à análise junto aos alunos, com alguns exemplos de diálogos e discursos dos personagens, e, por fim, trazemos ainda mais alguns apontamentos sobre as múltiplas perspectivas de análise do filme, propondo elementos para debate e complexificação.

O CINEMA E O ENSINO DE HISTÓRIA

Criado em fins do século XIX, há um bom tempo o cinema faz parte do repertório cultural e de entretenimento das sociedades humanas, especialmente após a popularização dos

1 Professor da Rede Municipal de Ensino de Ivoti – RS. Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

2 As reflexões realizadas nesta proposta podem ser retomadas ao abordar também o período da Guerra Fria e a guerra ideológica entre Estados Unidos / Capitalismo e União Soviética / Socialismo.

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filmes propiciada pelos adventos do videocassete, do DVD e, finalmente, da internet. No entanto, sua inserção efetiva dentro das salas de aula ainda hoje encontra resistências, seja pela falta de preparo docente, por questões de infraestrutura ou pela cultura escolar que ainda vê os filmes apenas como recreação ou “matação de aula”.

No Brasil, o uso de filmes nas aulas de História já era defendido pelos escolanovistas, porém “desde que fosse para garantir a verdade histórica”, isto é, desde que apresentasse a história como “realmente foi”. (ABUD, 2003, p. 189). Embora tais concepções positivistas já tenham há muito sido abandonadas dentro das academias, para grande parte dos professores o filme ainda é utilizado “como um substituto do texto didático ou da aula expositiva” (ABUD, 2003, p. 189), como uma “ilustração” do tema ou, ainda, como “ressurreições históricas” (BITTENCOURT, 2008, p. 372).

Quando não utilizado dessa forma, muitas vezes o cinema também surge como “estratégia pedagógica”. Em pesquisa com professores universitários, Christofoletti averiguou que, embora se afirme que os filmes “estimulam a reflexão dos temas”, sua eficiência pedagógica se dá mais no sentido de motivação dos alunos que em uma melhor compreensão dos conteúdos. Nesse caso, não se trataria de “artifício para recreação”, mas tampouco de recurso didático, e sim de “estratégia [...] com finalidades paradidáticas” (CHRISTOFOLETTI, 2009, p. 611-12). Embora o autor não esclareça qual uso faz dos conceitos de “estratégia pedagógica” e “recurso didático”, compreendemos, aqui, o primeiro como o recurso utilizado que contribui para ganho de compreensão cognitiva dos temas abordados em aula ou para fomento de reflexões críticas dos alunos; enquanto o segundo se constitui em uma prática que visa contribuir para o bom andamento das aulas e do trabalho pedagógico.

Pensamos, portanto, que, para utilizar o filme na escola como recurso didático efetivo, é preciso ir além. Nesse caso, os avanços na historiografia contribuem para uma melhor compreensão do filme como “documento histórico”, pois entende-se que o filme é sempre “expressão de uma certa cultura inscrita em um determinado contexto sócio-histórico” (MEIRELLES, 2004, p. 79, 77). Ou seja, nenhum filme ou obra cultural está apartado do universo social e cultural do qual se origina, veiculando valores, preconceitos e visões de mundo; muitas vezes inclusive de forma independente à intencionalidade do cineasta (FERRO, 2010, p. 18). Compreendendo-se o filme como mercadoria da indústria cultural,

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deve-se levar em conta também que os filmes são orientados mais pelo princípio de sua comercialização que por seu próprio conteúdo (ADORNO, 1998, p. 288).

Dessarte, averiguamos pelo menos duas formas possíveis de utilização do filme como recurso didático efetivo: 1) analisando-o como documento histórico e como, a partir dele, podemos compreender melhor a sociedade que o produz; ou 2) como instrumento de reflexão e geração de debates críticos acerca de temas trabalhados em aula, problematizando-se as visões de mundo e valores veiculados na obra cinematográfica.

Ao utilizar o cinema como instrumento de reflexão e geração de debates, as possibilidades aumentam exponencialmente, pois não apenas filmes históricos ou documentários podem ser utilizados, mas qualquer filme em que se verifique elementos para debate e reflexão crítica. Assim, ganham especial ênfase justamente aqueles filmes que usualmente passam ao largo da escola, aqueles aos quais os alunos estão mais acostumados a olhar em suas casas exclusivamente como entretenimento. Utilizando esses filmes em sala de aula, como recurso didático efetivo – com estudo, análise crítica, reflexões e debates sobre os mesmos –, além dos objetivos específicos do trabalho na escola, contribuímos também para fomentar o senso crítico dos alunos sobre os bens culturais que consomem diariamente, como filmes, séries, novelas, desenhos, games ou noticiários.

Dessa forma, em vez de utilizarmos um filme que abordasse diretamente o tema dos fascismos e o período histórico em questão, optamos por utilizar um filme com forte apelo afetivo e ampla aceitação do público juvenil, principalmente nos dias atuais, quando a saga

Star Wars retorna com força e seus filmes e produtos midiáticos em geral alcançam

grandiosos números de venda e altos índices de popularidade em todo o continente americano. Assim, compreendemos que as preferências dos alunos e os tipos de filme com os quais estão acostumados devem ser considerados na construção de uma proposta de ensino com cinema (BITTENCOURT, 2008, p. 375-376). Essa escolha metodológica visa contribuir, assim, para despertar nos alunos a compreensão de que elementos históricos e sociais trabalhados em aula muitas vezes podem ser identificados e analisados nos mais diversos bens culturais de massa, inclusive naqueles aos quais eles têm acesso cotidianamente.

Nossa proposta de ensino, portanto, é analisar conjuntamente com os alunos os discursos que contrapõem Democracia/República a Ditadura/Império especificamente no terceiro episódio da saga, Star Wars Episódio III: A vingança dos Sith, por compreendermos ser neste que tais discursos aparecem de forma mais marcante. Percebemos, no filme, vários

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elementos nas falas e posturas das personagens que justificariam a mudança da forma de governo de uma República para um Império, e é a forma como estes elementos são mostrados no filme que pretendemos analisar. Já nos episódios I e II, há elementos que poderiam ser caracterizados como discursos “pró-Império”, porém, percebemos no Episódio III os elementos mais marcantes, até por se tratar do filme-desfecho da trilogia. As duas primeiras trilogias inteiras trazem uma noção superficial de que o Mal estaria todo na figura do Chanceler Supremo Palpatine, ou Lorde Sith Darth Sidious, e de que seria este o grande articulador e causador de todo o Mal da Galáxia, desestabilizando toda a República para criar as condições necessárias à instauração do seu Império.

Nesta proposta, visa-se problematizar o aparente simplismo com que esses discursos são apresentados, instigando os alunos a identificarem os discursos contrários e a favor do Império e da República e, através de posterior debate e problematização, identificarem inclusive elementos que poderiam contribuir para uma complexificação do embate essencial entre Bem (República) e Mal (Império) dentro do próprio universo da saga, como, por exemplo, a corrupção existente na República antes do Império.

Para esta atividade, propomos a estruturação em 4 momentos distintos, sugerindo que, desde o primeiro momento, disponibilize-se um espaço de tempo a cada aula para debate e organização internas ao grupo, orientando-se pesquisas à distância:

1) Apresentação da proposta; discussão inicial com levantamento das concepções prévias dos alunos acerca dos conceitos “República” e “Império”; divisão da turma em dois grupos (pró-Império e pró-República), preferencialmente de acordo com seus próprios interesses.

2) Trabalho com conteúdos referentes aos anos 1920 nos Estados Unidos e Europa, Crise de 1929, anos 1930, a crise das democracias liberais e a ascensão dos fascismos.

3) Exposição do filme Star Wars Episódio III: A Vingança dos Sith, na qual os grupos, auxiliados pelo professor, ficam responsáveis por reunir argumentos e exemplos para defender seu posicionamento.

4) Debate final entre os grupos, com exposição e análise de cenas específicas do filme, objetivando convencer “o público” de seus argumentos.

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A saga Star Wars começou com o lançamento do primeiro filme em 1977, intitulado à época apenas Star Wars e, posteriormente, Star Wars Episódio IV: Uma nova esperança (1977). A primeira trilogia, junto com os filmes Star Wars Episódio V: O Império

Contra-ataca (1980) e Star Wars Episódio VI: O Retorno de Jedi (1983), conta basicamente a queda

do Império, enquanto que os filmes da segunda trilogia – Star Wars Episódio I: A Ameaça

Fantasma (1999), Star Wars Episódio II: A Guerra dos Clones (2002) e Star Wars Episódio III: A Vingança dos Sith (2005) – apresentam a queda da República e a ascensão do Império,

simbolizado pela figura do Darth Vader. A partir de 2015, temos novos filmes lançados dentro do universo Star Wars, com os dois primeiros episódios da nova trilogia, Star Wars

Episódio VII: O Despertar da Força (2015) e Star Wars: Episódio VIII - Os Últimos Jedi

(2017), e duas antologias, Rogue One: A Star Wars Story (2016) e Solo: A Star Wars Story (2018).

Percebemos, ao analisar as duas primeiras trilogias da saga deste ponto de vista panorâmico, uma relação simples e direta entre a figura de Darth Vader e o Império, pois nos Episódios I, II e III é apresentado o crescimento de Anakin Skywalker paralelo à decadência da República e, quando a República finalmente cai e instaura-se o Império, Skywalker transforma-se em Darth Vader. Já, ao final do Episódio VI, quando Lord Vader morre, tem-se o fim do Império. Com isso, já em um primeiro momento, percebemos uma relação direta entre o Império e o “Mal”, enquanto que, do outro lado, temos os símbolos do “Bem”, os “mocinhos” do filme, Luke Skywalker, Leia Organa, Obi-wan Kenobi e Yoda defendendo sempre a República e a democracia.

O “universo” de Star Wars é o universo de uma grande galáxia. Esta galáxia foi, por milhares de anos, organizada na forma de uma grande República Galáctica, calcada na democracia parlamentar, e governada por um Chanceler que tinha poderes bastante limitados frente ao Senado, composto por representantes de todos os sistemas filiados à República. Claro que, mesmo com esta República vista como ideal, vários sistemas da Orla Exterior da Galáxia eram, de certa forma, excluídos da vida política da República, e muitos deles eram governados por lordes do crime, como o conhecido Jabba the Hutt, que comandava Tatooine, planeta natal de Anakin Skywalker.

Para manter a paz na República, o Senado Galáctico recusou-se, desde o princípio, a organizar um exército, pois isto ia contra seus ideais pacifistas. Mesmo assim, após a Ordem Sith ter sido extinta, foi criada a Ordem Jedi para manter a paz na Galáxia. Esta ordem,

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mesmo com seus ideais de paz e um Código Jedi muito forte, acabou por servir de força extra ao exército da República durante as Guerras Clônicas. Por outro lado, algumas instituições da República possuíam exércitos próprios para proteger seus membros, como a Federação do Comércio, que, no Episódio I, contestou a cobrança de impostos pelas principais rotas de comércio para sistemas remotos, dando início ao embate entre a Federação e a República.

Devido aos acontecimentos recentes envolvendo a Federação do Comércio, vários sistemas começaram a manifestar intenção de deixar a República, o que é tratado no Episódio II, dando vazão a um movimento separatista liderado pelo Conde Dooku, que depois irá se revelar aprendiz Sith do Lorde Sidious. Assim, tem-se início as Guerras Clônicas, entre a República e os separatistas, com a criação de um exército de Clones para servir à República.

DISCURSOS DO IMPÉRIO E DA REPÚBLICA

Além dos conflitos com as forças separatistas, a República Galáctica estava passando por um período de diversas crises internas e, nesse contexto, surge a ideia de tentar restabelecer a ordem da galáxia através de um governo forte e centralizado liderado pelo Chanceler Palpatine. Dessa forma, o conceito de “Império” nasce dentro da saga de Star Wars como uma possível solução aos problemas enfrentados pela República, embora os meios pelos quais esse tipo de regime se utiliza para manter a ordem sejam fortemente repudiados pelos apoiadores da democracia.

Star Wars apresenta, em uma visão superficial, o Império como um regime opressor,

que mexe facilmente com o imaginário do espectador, incitando-o a criar certos juízos de valor em relação aos tipos de governo em embate no contexto da saga. Assim, muitos espectadores podem acabar assimilando dessa forma maniqueísta, identificando, além dos aspectos positivos/negativos daquilo que está sendo representado, até possíveis comparações que acabam sendo feitas com o mundo real. No filme, o Império, liderado pelo Imperador Palpatine, também traduz todas as formas de opressão cuja democracia e seus defensores tentam a todo custo combater. Esta dualidade entre o “Bem”, representado pela República, e o “Mal”, identificado nas diversas formas de ação do Império, aparece com frequência no

Episódio III: a Vingança dos Sith, como, por exemplo, no momento em que Anakin

Skywalker aparece dividido entre seguir aquilo que lhe foi ensinado em seu treinamento Jedi – o caminho “certo” – e a procura pela totalidade do saber que apenas um Sith poderia ter.

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Em outro momento, temos em uma conversa entre Anakin e Padmé, uma senadora da República fiel à democracia, o posicionamento radical de Anakin ainda favorável aos princípios democráticos. Padmé diz: “E se a democracia que imaginamos servir não existe mais? E se a República tornou-se o mal que devemos combater e destruir?”, ao que Anakin responde: “Não acredito nisso. Você está parecendo uma separatista.”. (STAR WARS, 2005).

Concordamos com Morin, quando este coloca que

o nosso pensamento é comandado/controlado, desde a era cartesiana, por um paradigma disjunção/redução/simplificação que nos leva a quebrar e a mutilar a complexidade dos fenômenos. O que nos falta, portanto, é um paradigma que nos permita conceber a unidade complexa e a complementaridade do que é, igualmente, heterogêneo ou antagônico. (MORIN, 1997, p. 17).

Dessarte, buscamos analisar os discursos trazidos no filme sob este ponto de vista, complexificando-os ao invés de tratá-los todos sob a ótica de um dualismo simplista a favor ou contra a democracia liberal estadunidense.

Há, já em filmes anteriores, como nos episódios I e II, elementos que poderiam ser caracterizados como discursos “pró-Império”, mas percebemos no Episódio III os elementos mais enfáticos, até por se tratar do filme-desfecho da trilogia. A saga toda traz uma noção superficial de que o Mal está todo na figura do Chanceler Palpatine, ou Lorde Sith Darth Sidious, e de que seria este o grande articulador e causador de todo o Mal da Galáxia. É ele que, supostamente, convence a Federação do Comércio a aplicar o bloqueio econômico sobre Naboo, é ele que articula o movimento separatista sob liderança de seu aprendiz, Conde Dooku, e ele que dá início à criação do Exército de Clones; enfim, é ele que desestabiliza toda a República para criar as condições para a criação de seu Império. Cria-se a impressão, dessa forma, de que, sem esta força exógena do “Mal”, a República não passaria pelas crises internas necessárias à articulação fundamentada de um discurso opositor. Analisando mais especificamente as falas de personagens como o próprio Chanceler Palpatine e o jovem Jedi Anakin Skywalker (futuro Darth Vader), tem-se a impressão de que o que Palpatine fala é pura “politicagem”, mera manipulação dos fatos para seu próprio interesse, e no que Anakin fala, uma inocente crença no discurso do Chanceler.

Temos o ápice dos argumentos “pró-Império” na fala do Chanceler quando este proclama o Primeiro Império Galáctico, sob estrondosos aplausos do Senado: “A fim de garantir a segurança e manter a estabilidade, a República será reorganizada e convertida no

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Primeiro Império Galáctico, para uma segura e tranquila sociedade.”. Antes disso, ele ainda traz a ameaça de uma tomada do poder pelos Jedi, o que caracterizaria uma traição e justificaria a posterior política de extermínio dos Cavaleiros Jedi, utilizando-se de termos como “rebelião Jedi” e “complô Jedi”. Em conversa anterior com Anakin, ele diz: “O Conselho Jedi quer assumir o controle da República. Eles planejam me trair, [eles não confiam em mim], ou no Senado, ou na República, ou na Democracia, melhor dizendo”. (STAR WARS, 2005).

Já Anakin Skywalker, antes da proclamação do Império, quando se discutia ainda a ampliação dos poderes executivos ao Chanceler, no início do filme, devido ao estado de guerra, diz que isso significaria “menos burocracia e mais ação”, e assim seria “mais fácil acabar com a Guerra”. Mais tarde ele ainda chega a confirmar que “os Jedi tentaram derrubar a República” e, quando já transformado em Darth Vader, ele proclama: “Eu trouxe paz, liberdade, justiça e segurança para o meu novo Império.”. (STAR WARS, 2005).

Assim, percebemos que os discursos do Império são tratados no filme de uma forma bastante simplista, em que há o articulador do Mal de um lado, e o inocente fiel do outro, o que poderia, claro, ser relacionado com determinado líder, partido ou grupo político do “mundo real” e a “massa” de fiéis que aplaudiriam este grupo. Enquanto o Chanceler cria as condições necessárias para seu Império que não é nada menos que sua vontade pessoal de poder, o jovem Anakin ainda acredita que o Império é a solução para trazer paz à Galáxia. Mesmo como Darth Vader, no Episódio V, quando o Império se encontra em guerra com os rebeldes, ele fala a Luke: “Junte-se a mim e eu vou completar o seu treinamento. Com nossas forças combinadas, poderemos acabar com essa guerra destrutiva e trazer a ordem para a galáxia.”, mostrando ainda acreditar no Império como solução para a desordem da galáxia. (STAR WARS, 2009).

Do outro lado, temos o grito de lealdade à República no confronto final entre Obi-Wan e Anakin Skywalker, no Episódio III, quando Obi-Wan, acusado de traidor e em resposta à fala de Anakin sobre trazer paz para seu novo Império, diz: “Anakin, minha lealdade é para com a República, com a Democracia!” (STAR WARS, 2005). Ao longo dos Episódios I e II também temos discursos “pró-democracia” em outras falas de Obi-Wan e, principalmente, da Senadora Padmé, que seguem a mesma linha de defesa da democracia em discurso simples, como se a democracia fosse bem supremo e incontestável.

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Entretanto, no Episódio III, temos alguns momentos em que essa dualidade simplista entre a Democracia “do Bem” e o Império “do Mal” pode, e deve, ser complexificada. Quando o Conselho Jedi pede a Anakin que este “espione” os atos do Chanceler, Anakin deixa claro que isso é contra o Código Jedi, que isto significa “trair um amigo, um tutor e a República”, o que não é contra-argumentado por Obi-Wan, dando, assim, a entender que o Conselho tomou esta decisão sabendo ela ser contra o Código Jedi e contra os princípios democráticos. Pior ainda, Obi-Wan defende este posicionamento do Conselho com o argumento “Nós estamos em Guerra”, que, aliás, parece ser justificativa para muitas ações de ambos os lados. (STAR WARS, 2005).

Há, ainda, o posicionamento complexo de um dos Cavaleiros Jedi mais influentes do Conselho ao lado de Yoda, Mace Windu. Windu, em certo momento, afirma que o Chanceler deve abdicar de seus poderes ampliados por moções de guerra quando a guerra acabasse, e que, nesse momento, o Conselho Jedi deveria “assumir o Senado para garantir uma transição pacífica”, dando base, assim, para a argumentação do Chanceler sobre uma “tomada do poder” pelos Jedi. (STAR WARS, 2005). Em outro momento, em luta entre Mace Windu e Lord Sidious, Windu, ao desarmar o oponente, pretende matá-lo por considerá-lo perigoso demais para se manter vivo, ao que Anakin impede, argumentando que isso era totalmente contra o Código Jedi, que o Chanceler merecia julgamento justo e que não é o Modo Jedi matar alguém desarmado dessa forma. Mace Windu, mesmo assim, tenta cometer o assassinato.

PERSPECTIVAS DE ANÁLISE SOBRE O FILME

Compreendemos que não cabe, aqui, uma análise sobre a intencionalidade do diretor ou da produção, saber se George Lucas queria ou não fazer uma defesa aberta à democracia liberal estadunidense contra os regimes ditatoriais. O que percebemos é que, apesar de uma análise superficial de toda a trama apresentar o combate eterno entre o Bem e o Mal, em que o Mal é representado por um único ser maquiavélico que articula e corrompe todos os outros, há espaço na série de filmes para uma análise mais profunda da representação de sociedade que é apresentada.

Enquanto admitimos que o Império é mostrado como o Mal Supremo, a República não é de forma alguma apresentada como o Bem Supremo. Há brechas nessa República e nessa democracia para a corrupção. O Chanceler Palpatine não poderia ter “corrompido” tantas

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pessoas ao seu redor se estas não apresentassem certa predisposição para tal. O próprio Conselho Jedi é apresentado com falhas, o Conde Dooku, aprendiz de Darth Sidious, era um Jedi, e o próprio jovem Jedi Anakin Skywalker tem em seu comportamento elementos dos mais diversos que vão contra o “Modo Jedi” de ser. Em dado momento do filme, Mestre Yoda diz a Anakin que

O medo da perda é um caminho para o lado sombrio. [...] A morte é uma parte natural da vida. Alegre-se por aqueles que ao seu redor na Força se transformam. Lamentar, jamais. Sentir falta, jamais. Laços emocionais levam ao ciúme. Na sombra da cobiça se transforma. [...] Treine a si mesmo para se libertar de tudo o que você tem medo de perder.

E o medo da morte é de longe o elemento que mais contribui para Anakin ser “seduzido” pelo poder do Lado Sombrio da Força. Nisso, temos outro elemento que passa despercebido em uma análise superficial do filme. Sob certo ponto de vista, a raiz de toda a “decadência” de Anakin para o Lado Sombrio da Força está em seu comportamento de autoculpabilização, pois ele se culpa pela morte da mãe e se responsabiliza em não deixar que Padmé morra no parto, claramente tomando culpa e responsabilidade por questões que vão muito além da sua capacidade. Assim, comparando-se com a cultura ocidental em que vivemos, temos aqui também, no “mundo real”, a culpabilização diária do indivíduo, principalmente sob o American Way of Life, que coloca o indivíduo como único responsável por seu sucesso ou fracasso. Analisando-se sob este ponto de vista, poderíamos supor que talvez a raiz de todo o “Mal” do Império estaria, na verdade, no seio de uma sociedade exemplar democrata e republicana.

Além disso, há muitos outros aspectos da República que poderiam ser ainda avaliados, como os submundos de Coruscant, a capital da República, que é apenas apontado nos filmes, e as diferenças sociais e econômicas escancaradas entre os sistemas centrais da Galáxia e a Orla Externa, em que muitos sistemas são até mesmo controlados por gângsteres e em alguns sobrevivem ainda até regimes escravocratas, de onde, inclusive, saiu Anakin Skywalker, posteriormente conhecido como Lord Darth Vader. Ou seja, mais uma vez, a raiz do maior símbolo do Mal do Império, Darth Vader, poderia ser atrelada à ineficácia da República.

Compreendemos, portanto, que o filme possui basicamente duas atmosferas de análise em diferentes níveis de aprofundamento. Uma, simplista e dualista, que traz o discurso claro do Mal contra o Bem, do Império contra a República, dos Sith contra os Jedi. E a outra, que vai um pouco mais fundo, e traz à tona elementos que complexificam essa relação

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maniqueísta e permite uma argumentação que vai contra a ideia de que existe o lado do Bem e o lado do Mal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, buscamos apresentar uma proposta de ensino em História voltada para o 9º ano do Ensino Fundamental, pautada na utilização de um filme de mass media para trabalhar os conceitos de Democracia e Império e relacionando-os com o período entre o final da Primeira Guerra Mundial e o início da Segunda Guerra Mundial e o contexto de ascensão dos fascismos nos anos 1920 e 1930, especialmente na Itália e na Alemanha.

Após uma breve discussão acerca da utilização do cinema no ensino de História, procuramos apresentar algumas direções de análise e discussão sobre o tema no filme Star

Wars, Star Wars Episódio III: A vingança dos Sith (2005). Para esta proposta de ensino,

optamos pela utilização deste filme pois compreendemos a importância da aproximação com o imaginário dos alunos e com o “tipo” de produção cinematográfica com o qual eles estão acostumados, contribuindo, assim, para que eles possam também analisar criticamente as produções culturais a que têm acesso em seu cotidiano.

Compreendemos, também, que este filme se constitui em excelente viés de discussão sobre como se constroem os discursos fascistas, como se dá sua busca por legitimidade na defesa de um Estado forte na oposição a uma ideia de democracia corrompida e, principalmente, como esses discursos conseguem conquistar apoio popular.

Destacamos, no entanto, a importância e o cuidado que o professor deverá tomar, principalmente em um contexto sócio-político como o que vivemos atualmente, no sentido de que contribuir para melhor compreensão acerca da complexidade dos fenômenos históricos não acabe por contribuir para uma tomada de posição que vá de encontro aos princípios dos direitos humanos. Buscamos, com este trabalho, auxiliar os alunos a construir ferramentas cognitivas de compreensão e análise da realidade social que os auxiliem justamente a não serem vítimas de discursos simplistas que colocam regimes autoritários como única solução para os problemas da democracia. Sugere-se, portanto, que na sequência deste trabalho, principalmente ao dar prosseguimento aos conteúdos formais do percurso curricular de História, professor e alunos dediquem-se com especial atenção às consequências e violências perpetradas por regimes fascistas.

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REFERÊNCIAS

ABUD, Katia M. A construção de uma Didática da História: algumas ideias sobre a utilização de filmes no ensino. História, São Paulo, n. 22 (1), p. 183-193, 2003.

ADORNO, Theodor W. A Indústria Cultural. In: Público, massa e cultura. Rio de Janeiro: Record, 1998.

BITTENCOURT, Circe M. F. Documentos não escritos na sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de história: fundamentos e métodos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008, p. 351-400.

CHRISTOFOLETTI, Rogério. Filmes na sala de aula: recurso didático, abordagem pedagógica ou recreação? Educação, Santa Maria, v. 34, n. 3, p. 603-616, set./dez. 2009.

FERRO, Marc. Cinema e história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

MEIRELLES, William R. O cinema na história: O uso do filme como recurso didático no ensino de história. História & Ensino, Londrina, v. 10, p. 77-88, out. 2004.

MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário. Lisboa: Relógio d’Água, 1997.

STAR WARS: Episódio III: A Vingança dos Sith. Produção: Rick McCallum. Roteiro e direção: George Lucas. Manaus: Microservice Tecnologia Digital Amazonia Ltda, 2005. 1 DVD (139 min), son., color.

STAR WARS: Episódio V: O Império Contra-Ataca. Produção: Gary Kurtz. Roteiro: Leigh Brackett e Lawrence Kasdan. Direção: Irvin Kershner. Produção executiva: George Lucas. Manaus: Videolar S/A, 2009. 1 DVD (129 min), son. color.

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