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EXTENSÃO RURAL E A FORMAÇÃO HUMANA PARA O CAPITAL: O PROBLEMA DA MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA

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EXTENSÃO RURAL E A FORMAÇÃO HUMANA PARA O CAPITAL: O PROBLEMA DA MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NO CONTEXTO DA

DITADURA MILITAR BRASILEIRA

Cíntia Wolfart UFSCar/São Carlos Resumo

Este trabalho problematiza a formação humana promovida pela extensão rural durante a ditadura militar brasileira. A formação oferecida pelas agências de extensão não pretendiam oferecer conhecimentos historicamente sistematizados, nem mesmo emancipar os homens e mulheres do campo. Trataram-se, portanto, de ações que visavam adequar às famílias rurais nas características de produção capitalista e adestrá-las para sua respectiva integração aos circuitos do capital. O adestramento rural, terminologia usada pela própria extensão para se referir ao trabalho desenvolvido pelos extensionistas junto aos agricultores e agricultoras, é a expressão que representa o programa formativo do projeto da modernização, pois o projeto foi impulsionado por interesses hegemônicos, por políticas públicas escoltadas pelo Ministério da Agricultura vinculado às agências estadunidenses.

Palavras-Chave: Extensão rural; Formação humana; Modernização da agricultura.

INTRODUÇÃO

O projeto de extensão rural para a tecnificação da agricultura brasileira operou-se no interior do sistema Imperialista global e por meio de instituições privadas e públicas foi decisivamente impulsionado. A Segunda Guerra Mundial, oportunizou a mobilização de intensa concentração e centralização de capital nas mãos de poderosos grupos econômicos organizados em cartéis. Grandes bancos e industriais associados às corporações Imperialistas criaram mecanismos para a subordinação da agricultura convencionalmente traduzida como tradicional ao complexo agroindustrial (BRUM, 1988).

Segundo Fonseca (1985), a partir da nova ordem internacional, no pós- Guerra, prevaleceu um sistema de alianças internas agrário-industrial que atuou no sentido de estabelecer mecanismos de controle da força de trabalho para garantir a manutenção da estrutura da dominação e a subordinação dos

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trabalhadores rurais às determinações do capital. A valorização dos interesses dos países centrais e o afastamento da participação do Estado no processo de industrialização acentuaram-se desde então.

É neste contexto que a Missão Rockefeller no Brasil precisa ser entendida - não somente como mais uma das investidas do expansionismo americano sobre os países subdesenvolvidos, mas também pela firme disposição das elites brasileiras de responderem às demandas imediatas da economia, ou seja, de continuarem como detentoras dos lucros de uma acumulação que é gerada pela natureza das relações que se estabelecem entre as classes que compõem a sociedade como um todo. Como se viu anteriormente, estas elites tinham como dado que na manutenção dessas relações os recursos técnicos e financeiros estrangeiros seriam imprescindíveis (FONSECA, 1985, p. 64).

Operou-se no Brasil, a partir de então, a condução de um modelo de desenvolvimento econômico dependente, centrado no setor agrícola, cujo carro chefe era o capital industrial. O modelo formativo da extensão para o meio rural brasileiro seguiu os padrões de desenvolvimento estadunidense, porém teve consentimento das elites locais interessadas na manutenção da conciliação entre capital e o trabalho (FONSECA, 1985). Os vínculos internacionais foram imprescindíveis para a implantação de um modelo educativo no campo e para a materialização da modernização conservadora da agricultura.

O programa piloto de Santa Rita do Passo Quatro em São Paulo e a Associação de Crédito Rural em Minas Gerais, intermediadas pela Associação Internacional Americana (AIA), de ordem privada, criada por Rockfeller, repercutiram nacionalmente, influenciando na criação de experiências semelhantes em outros estados. Destes primeiros empreendimentos, originou-se outras associações: ACARPA, ACAR, ACARESC, ASCAR, ACAR-GO, ANCAR-CE, ANCAR-BA, entre outras” organizadas pelo Escritório Técnico de Agricultura (ETA), órgão binacional fundado em 1953 (MENDONÇA, 2007).

O ETA era responsável pela nacionalização do serviço de extensão no Brasil e mediante a captação de recursos do ponto IV conseguiu expandir-se

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no país.1 As iniciativas das forças dominantes (agrárias e industriais)

culminaram na criação da Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR) em 1956 iniciando um ciclo de nacionalização da extensão rural.

O Estado brasileiro teve um papel importante no processo da modernização agrícola, mas a hegemonia capitalista no campo brasileiro a partir do programa da “Revolução Verde”, não teria sido possível sem o papel organizativo de Fundações estadunidenses e mediante a formação de um quadro técnico de intelectuais à serviço do capital. Esses intelectuais foram formados em universidades como na Federal do Paraná, Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (que se transformou em Universidade Federal de Viçosa/1969), nos centros de treinamento especializados e em cursos oferecidos nos Estados Unidos, na Europa e América Latina.

A transição do complexo tradicional para o complexo agroindustrial foi mediada pela educação técnica e pela sua expansão às famílias do campo. As grandes corporações que participaram desse processo investiram maciçamente na formação de especialistas para atuarem junto aos agricultores e agricultoras com treinamentos para que fossem propagadores e propagadoras do projeto da modernização tecnicista, mas também, na preparação da força de trabalho para a reprodução de práticas, hábitos e costumes capitalistas no campo.

A Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, recebeu volumosos incentivos dessas associações internacionais como materiais de divulgação, bibliografias, bolsas de estudo aos estudantes e treinamento aos docentes.

BOLSAS DE ESTUDOS NO CAMPO DA INFORMAÇÃO AGRÍCOLA

1 O Ponto IV foi um Programa de ordem pública lançado em 1949 nos Estados Unidos durante a gestão Truman. Teve como principal objetivo ampliar a produtividade, expandir o poder aquisitivo e melhorar a saúde das populações nos países considerados “subdesenvolvidos”, através do investimento de capital para o desenvolvimento de projetos de assistência técnica e financeira. Truman ambicionava reproduzir no mundo altos níveis de industrialização e urbanização através da tecnificação da agricultura, desenvolvimento dos padrões de vida e adoção de novos e “modernos” padrões e valores culturais (MENDONÇA, 2007).

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A Agência de Desenvolvimento Internacional e o ETA, vêm comunicar à Universidade Rural, que estão proporcionando bolsas de Estudos no Campo da Informação Agrícola, para Cursos de treinamento a serem realizados em Costa Rica, Uruguay e Estados Unidos. Os candidatos deverão estar trabalhando ou serem interessados neste novo ramo da ciência agrícola em qualquer organização (INFORMATIVO UREMG, 1962).

Além das diversas bolsas de estudos disponibilizadas pelas organizações norte-americana, a Universidade Rural de Minas Gerais recebeu inúmeros professores de Universidades estadunidense, como de Purdue e Nebraska, entre outras instituições de Ohio e Louisiana. Esses professores prestaram serviços ao ETA, responsável pela interlocução do projeto entre os dois países.

PROFESSOR DA UREMG, BOLSISTAS DO PROJETO ETA-55 E DA FUNDAÇÃO ROCKFELLER FREQUENTARÃO POR DOIS ANOS OS CURSOS DE PÓS-GRADUADOS DA UNIVERSIDADE DE PURDUE

Com a finalidade de frequentar os cursos de pós-graduação da Universidade de Purdue, seguiram para os Estados Unidos, as Bacharéis em Ciências Domésticas Mércia Wenderley Lara e Dulce Maria da Fonseca, do Corpo Docente da ESCD e o Engenheiro Agrônomo José Alberto Gomide, do Departamento de Zootecnica da ESA.

Em Purdue, as Professoras da ESCD, graças às bolsas de estudos concedidas pelo Projeto ETA-55, conduzirão seus estudos por dois anos, para a obtenção do título de Master of Science (INFORMATIVO UREMG, 1962).

As bolsas de estudos eram um grande atrativo aos estudantes e professores, pois permitiu a incorporação de conhecimentos acerca das organizações extensionistas de outros países, suas atividades econômicas e sociais. Além disso, oportunizou o acúmulo de capital cultural tecnicista e a familiarização com a produção agrícola estadunidense. Essas experiências resultaram na assimilação e aplicação do “modelo clássico”2 e posteriormente

da “adoção-difusionista”3 na América Latina, além disso, requereu um manejo

2 Trata-se de um modelo em que o conhecimento é transmitido por meio da persuasão com uso intensivo de recursos audiovisuais (FONSECA, 1985, p. 40-41).

3 Segundo Fonseca (1985, p. 44) a adoção difusionista significava a transferência de traços culturais dos povos civilizados aos não – civilizados. O fato cultural poderia ser material ou moral.

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específico de como lidar com as populações rurais, identificadas em um estado tecnológico atrasado e sob condição de pobreza acentuado. A alternativa para a resolver a condição de “atraso” econômico do país, segundo a extensão rural, foi a aplicação das experiências americanas de organização de comunidades rurais, tomando como norte as conquistas realizadas nos países centrais.

O princípio “aprender a fazer fazendo” da extensão estava centrado no conhecimento empírico, na pesquisa, na descoberta, aprimoramento de práticas agrícolas, formação técnica e sua aplicação. A solução dos problemas vividos no campo, a orientação técnica voltada para o aumento da produtividade e melhoria da qualidade de vida fizeram parte da justificativa dessa ideologia. O principal papel do técnico passou a ser o de orientador e facilitador. No processo formativo do receptor, a extensão considerava que a motivação dependia da estimulação do técnico, da criatividade e iniciativas individuais.

Segundo Caporal,

Acreditando em seus propósitos, o extensionismo muniu-se de um aparato teórico/metodológico – muitas vezes tido como próprio ou exclusivo – capaz de instrumentalizar seus “agentes” na tarefa de eliminar as barreiras impostas ao progresso. Assim, educar as pessoas para que viessem a dotar novas ideias parece ter sido a motivação central do extensionismo, mesmo que para isso fosse necessário lançar mão de uma teoria difusionista alienante, calcada num processo educativo vertical, dominador, “bancário” (...) (CAPORAL, 1991, p.112).

O projeto educativo da extensão mostrou-se amplamente excludente. Enquanto muitos produtores pobres (muitos deles se manifestaram resistentes à modernização) foram excluídos do campo, gerando intenso êxodo rural, os países centrais negavam o desenvolvimento interno das culturas locais. Os povos latinos americanos e suas economias eram analisados tomando como referência os padrões e valores dos países imperialistas. Esses fatores explicam o intenso trabalho da extensão para a mobilização higienista e tecnicista no meio rural brasileiro.

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A prática extensionistas estava fundada, segundo Fonseca (1985), no princípio de que,

(...) as mudanças nas sociedades rurais se dão por intervenções técnicas e não por alterações nas estruturas sociopolíticas e econômicas dessas sociedades. Por conseguinte, esta postura levava os agentes envolvidos nestes programas de mudança a ficarem alheios aos conflitos e contradições existentes na realidade em que atuavam, sem contudo impedir o aprimoramento de técnicas e metodologias que acreditavam ser rigorosamente objetivas e neutras para a análise e solução dos problemas dessa realidade (FONSECA, 1985, p. 53).

Esta citação permite aferir que os agentes envolvidos no programa da modernização difundiram um ideal de sociedade permeada pela ideologia liberal, que propunha a construção de uma sociedade capaz de garantir o equilíbrio entre capital e trabalho. O programa educativo da extensão, impulsionada pela política de investimento empresarial brasileiro e estrangeiro seguiu a orientação centrada na justificativa de que o modo tradicional de produção era responsável pelo atraso econômico do país, e que a “pobreza” dos sujeitos do campo era fruto do uso incorreto da terra, do “atraso” na criação de animais e pela falta de higiene. Os problemas do setor agrícola eram colocados como um óbice para o desenvolvimento da economia industrial, caracterizado pela baixa produtividade e técnicas tradicionais. No entanto, a situação conjuntural, estrutural e a propriedade privada da terra impunham limites claros à melhoria da qualidade de vida da população do campo.

A METODOLOGIA DE TRABALHO DA EXTENSÃO E O PROBLEMA DA MODERNIZAÇÃO DURANTE A DITADURA MILITAR BRASILEIRA

A extensão aplicou diversas estratégias metodológicas de trabalho junto às comunidades rurais para difundir a modernização. O objetivo era atingir por completo às famílias rurais, porém, foram nos clubes 4-S que a extensão centrou um grande esforço, uma vez que considerou que o trabalho com os jovens rendia melhores resultados em termos de expansão do projeto. A juventude rural foi concebida como mais apta para aderir às transformações do

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processo produtivo pois como estavam em pleno desenvolvimento humano seria mais fácil a assimilação do modo de vida capitalista.

Carmem Lúcia Ferreira (1979), socióloga e responsável pela área da juventude rural da EMATER/RS durante a ditadura militar, produziu um manual para extensionistas e apresentou algumas razões da extensão para o trabalho com os jovens. Entre elas destacamos as seguintes;

2) A necessidade de preparar o jovem para viver numa sociedade tecnológica e em permanente mudança.

3) A mentalidade do jovem é mais maleável e moldável do que a do adulto, que já teve seus hábitos e atitudes sedimentados, sendo isto importante para uma agricultura que está mudando de tradicional para moderna (FERREIRA, 1979, p.04).

A metodologia dos Clubes 4-S, de matriz norte americana, ofereceu a possibilidade de produzir força de trabalho constante e “solidária” ao capital. Operacionalizou-se assim, uma proposta educacional liberal, alienante e descompromissada com os reais interesses e necessidades dos trabalhadores do meio rural.

Os clubes 4-S seguiram o modelo de trabalho dos clubes 4-H estadunidense e prestaram assistência técnica aos filhos dos proprietários rurais no Brasil.

Os Clubes 4-S (cuja sigla significa Saber, Sentir, Servir e Saúde) constituíram-se em um dos instrumentos da Extensão Rural para o trabalho com a juventude rural em todo Brasil e tinham como objetivo introduzir práticas agrícolas consideradas modernas junto aos jovens, considerando que esta atividade geraria maior resistência aos agricultores adultos. Tal programa voltou-se, segundo o discurso oficial, para o trabalho com jovens geralmente com idade entre 14 e 25 anos e foram muito difundidos principalmente em Minas Gerais, Santa Catarina, Espírito Santo e Rio Grande do Sul (SILVA, 2009, p.103).

Entre outras razões da extensão para o trabalho com os jovens, encontram-se a preparação geracional para a sociedade tecnológica capitalista; a mentalidade do jovem mais maleável e moldável do que a do adulto; a dificuldade de transferência e de convencimento tecnicista dos pais

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dos jovens assistidos pela extensão; falta de capacitação do jovem para o mercado de trabalho; maior permanência do jovem no processo produtivo e o nível de programação sintonizada (FERREIRA, 1979).

A formação de lideranças capazes de difundir o projeto voluntariamente, também complementaram o trabalho extensionista. Frequentemente os técnicos recebiam treinamentos para a orientação eficiente da ideologia da extensão. Nos treinamentos, os extensionistas eram formados para adotarem diversificados métodos de trabalho levando em conta as especificidades regionais e culturais das comunidades para garantir o máximo alcance e adesão voluntária ao projeto. Como os investimentos iniciais eram altos, o programa esperava resultados efetivos, isso explica as inúmeras mobilizações feitas nas comunidades rurais e atividades culturais atrativas para conquistar corpos e mentes no meio rural.

A extensão realizou visitações, dias de campo, reuniões nas comunidades; divulgações de materiais impressos; exposições dos resultados de projetos nas reuniões, projeções cinematográficas, treinamento técnico, demonstrações de resultados; festas de escolha da rainha; atendimentos em escritórios; exposições de tratores; campeonato de futebol; construção de placas rurais, entre outras atividades que serviam como mecanismo de convencimento.

A intervenção da extensão foi fortemente impulsionado a partir do Golpe ditatorial de 1964. Nesse contexto, o modelo de desenvolvimento associado ao capital externo foi imposto definitivamente e as políticas agrárias voltadas para a juventude rural foram aprofundadas. Isso se deveu, também, por interesses de frações agrárias brasileiras e grupos industriais internacionais. Nesse contexto a ditadura orientou-se para a inserção da agricultura no modelo de desenvolvimento orientado pelo grande capital monopolista. Por isso, em consonância com as expectativas de investimento desses setores, pretendeu-se proporcionar uma mão de obra jovem e adaptada ao novo contexto e, sobretudo, com discernimento voltado para a “racionalidade” capitalista. É importante lembrar que os problemas decorrentes da modernização propiciou a

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organização de enfrentamentos contra às políticas que privilegiavam o grande latifúndio.

Durante a ditadura, o setor agrícola recebeu volumosos investimentos do Estado garantindo assim a grande expansão da extensão para promover o aumento da produtividade: As campanhas de produtividade, os financiamentos à juros baixos, crédito juvenil e supervisionado eram meios para a integração da comunidade aos circuitos do capital. Por outro lado as ações da extensão rural com apoio do Estado procuravam preparar a força de trabalho para o setor industrial em expansão.

Analisando as ações da extensão, outras iniciativas incrementaram esse processo: a política e facilitação do escoamento da produção, os corredores de exportação (projeto de facilitação de compra e venda da produção de Delfin Neto que estava à frente do Ministério da Economia na ditadura militar) estímulo à diversificação agrícola e exportação, o cooperativismo e o sindicalismo patronal.

Após o Golpe militar de 1964, a extensão rural orientou e supervisionou os “agricultores” em três modalidades de crédito rural: o crédito rural supervisionado, o orientado e o juvenil. O crédito rural educativo/juvenil foi um dos principais mecanismos da extensão para implantar as técnicas aprendidas nos campos de pesquisa e experimentações na agricultura, pecuária e economia doméstica. A estratégia era desenvolver a propriedade em nível de empresa rural. Para a materialização do projeto, disponibilizaram aos proprietários rurais, o acesso aos créditos com juros baixos oriundos do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, Banco do Brasil S/A, Banco de Estado do Paraná S/A e outras redes bancárias privadas.

As referidas modalidades de créditos, nomeadas como o tripé financeiro da produção, difundida no meio social era apresentada enquanto uma estratégia “educativa", tinham delimitações com relação à destinação dos recursos (WOLFART, 2017). Essas opções de créditos foram difundidas pelos técnicos agrícolas, agrônomos da agência de extensão rural e eram supervisionadas pelos extensionistas rurais (SILVA, 2002).

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É importante esclarecer que, os extensionistas prestavam treinamento na perspectiva de “ensinar” os trabalhadores rurais a lidarem com o crédito e também de incentivá-los a adquiri-lo. A combinação entre crédito e educação eram partes do mesmo rol de interesses do projeto e as características do programa conjugava desde o gerenciamento creditício à orientação técnica, econômica e social, objetivando a difusão da racionalidade empresarial no campo.

Portanto, as características do modelo educativo oferecido pela extensão não eram em nenhum aspecto emancipacionista, e promotor do bem estar rural e/ou de melhoria da qualidade de vida. O que observamos é que a partir da ditadura militar, ocorreu um aumento significativo do êxodo rural (LINHARES, 1990), as migrações para as cidades, o arrocho salarial e concomitantemente o oferecimento de significativa força de trabalho para o setor industrial. Tal situação colaborou para a acumulação de capital por parte detentores dos meios de produção.

Essas grandes somas de força de trabalho disponibilizadas ao setor industrial por intermédio do trabalho educativo da extensão, se deu em decorrência da abertura do mercado brasileiro ao capital internacional, ocasionando em expropriações e endividamento por parte de muitos pequenos proprietários.

Analisando as contradições do projeto, a melhor expressão para caracterizar esse modelo educativo da extensão é o adestramento rural (WOLFART, 2017), pelo caráter de direção oferecido pelos técnicos, e pelas características da assimilação da ideologia da “Revolução Verde”, que difundia a concepção idealista de que bastava incorporar e aplicar as tecnologias no campo, bem como, adquirir créditos e integrar-se nos circuitos do capital que emergiria a qualidade de vida da população.

Havia um tendência dos técnicos da extensão em transferir ao próprio trabalhador rural o ônus dos problemas envolvendo endividamento e empobrecimento no campo. A instabilidade do mercado financeiro, os altos custos do pacote tecnológico, as propostas de financiamentos e as

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contradições inerentes ao próprio sistema capitalista, constituíram nos principais fatores determinantes para a permanência ou não desses produtores no meio rural. Aumentar a produtividade mediante modernização sem mexer no latifúndio e nem mesmo realizar a reforma agrária fizeram parte do plano empresarial multinacional de desenvolvimento do capitalismo no campo.

A permanência e/ou exclusão dos agricultores na propriedade era apresentada como uma questão de capacidade adaptativa individual, de gerenciamento e organização da propriedade e não como uma evasão forçada em decorrência das sucessivas crises do modo de produção capitalista. Ao mesmo tempo, observou-se resistências quanto à modernização. Prejudicados com o projeto da modernização, em decorrência das desapropriações e expropriações, os trabalhadores rurais organizaram-se em movimentos sociais a partir da ditadura militar brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O interesse pela direção da população rural não é um fenômeno recente. Uma intensa investida ocorreu a partir do desenvolvimento da extensão rural no Brasil em 1948, inicialmente nos estados de Minas Gerais e São Paulo. A orientação foi intensificada a partir dos acordos binacionais entre agências nacionais e internacionais intermediadas por multinacionais e organizações privadas como a Fundação Rockfeller, Fundação Ford e Aliança para o Progresso entre outras. O projeto teve como foco principal a difusão da modernização da agricultura do programa da “Revolução Verde”.

Uma importante investida na difusão da modernização ocorreu a partir da fundação da ABCAR, culminando na consolidação da extensão como política nacional em 1956 (OLIVEIRA, 2013). A partir do novo acordo entre Brasil e Estados Unidos, o projeto educativo voltado para promover mudanças de hábitos e manejos agrícolas estavam entre as principais frentes de atuação da extensão. Um trabalho bem dirigido e orientado representava o sucesso para a adesão das comunidades rurais ao projeto da modernização.

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O Golpe militar de 1964 possibilitou a intensificação da difusão da extensão e a mobilização de recursos voltados aos interesses agroindustriais. Ao mesmo tempo em que o complexo agroindustrial se consolidava a extensão interveio intensamente na formação humana nos locais de acesso limitado e distantes dos grandes centros em desenvolvimento. Mobilizou-se intensas campanhas de produtividade, investimentos nacionais e estrangeiros para desenvolver o capitalismo no campo, incentivo para a formação técnica- científica na área agrícola e facilitação no acesso aos créditos.

Em termos gerais, a formação humana promovida pela extensão rural em tempos de ditadura militar brasileira, não pretendeu oferecer conhecimentos que pudessem emancipar homens e mulheres que trabalharam e viviam no campo. Trataram-se, portanto, de ações que visavam adequar às famílias rurais ao sistema de produção capitalista e adestrá-las para sua respectiva integração aos circuitos do capital. O adestramento rural, terminologia usada pela própria extensão para se referir ao trabalho desenvolvido pelos extensionistas junto aos agricultores e agricultoras, é a expressão que representa o programa formativo do projeto da modernização, impulsionado por interesses hegemônicos, por políticas públicas escoltadas pelo Ministério da Agricultura que contribuíram para tornar os trabalhadores do campo progressivamente subordinados ao sistema financeiro.

REFERÊNCIAS

BRUM, A. J. Modernização da agricultura: trigo e soja. Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul: Vozes. (1988).

CAPORAL, Roberto Francisco. A extensão rural e os limites à prática dos

extensionistas do serviço público. Dissertação (mestrado em Extensão rural) -

UFSM, Santa Maria, 1991.

FONSECA. M.T.L. da. A extensão rural no Brasil, um projeto educativo para o capital. São Paulo: Loyola, 1985.

GOMES, Leonardo Ribeiro. “Progredir sempre” Os jovens rurais mineiros

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mestrado em Educação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2013.

LINHARES, Maria Yedda L. História geral do Brasil: Da colonização portuguesa à modernização autoritária. Rio de Janeiro: Campos, 1990.

MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e Educação Rural no Brasil: Alguns Escritos. Niteró/ Rio de Janeiro: Vício de leitura/FAPERJ. 2007.

OLIVEIRA, M.M. “As circunstâncias da criação da extensão rural no Brasil”. In: Cadernos de ciência e tecnologia, Brasília, v.16, n.2, maio/ago. 1999.

OLIVEIRA, Pedro Cassiano Farias de. Extensão rural e interesses

patronais no Brasil: uma análise da Associação Brasileira de Crédito e

Assistência Rural – ABCAR (1948-1974). Dissertação de mestrado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói/RJ, 2013.

PINHEIRO, Camila Fernandes. Estado, extensão rural e economia

doméstica no Brasil (1948-1974). Dissertação de Mestrado apresentada a

Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2016.

SILVA, Claiton Marcio da. Agricultura e cooperação internacional: a atuação da American International Association for economic and social development (AIA) e os programas de modernização no Brasil (1946-1961). Tese de doutorado em História das Ciências e da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro: s.n. 2009.

______ Saber, Sentir, Servir e Saúde: A Construção do Novo Jovem Rural nos Clubes 4-S, SC (1970-1985). Dissertação de Mestrado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, 2002.

FONTES

FERREIRA, Carmen Lúcia. Clube 4-S: Manual para extensionista. Porto Alegre, 1979.

Referências

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