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CATEGORIAS DESCRITIVAS DA EXPRESSÃO LINGÜÍSTICA DO AGIR HUMANO: QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS E DE NOMENCLATURA

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Estudos Linguísticos/Linguistic Studies, 3, Edições Colibri/CLUNL, Lisboa, 2009, pp. 383-397

CATEGORIAS DESCRITIVAS DA EXPRESSÃO

LINGÜÍSTICA DO AGIR HUMANO: QUESTÕES

EPISTEMOLÓGICAS E DE NOMENCLATURA

ROSALVO PINTO

(Universidade Federal de Minas Gerais)

ABSTRACT: The aim of this article is to, once more, restart the controversial dis-cussion about the conceptualization and the nomenclature of some basic categories of linguistic expression of the human action in natural languages. This work, there-fore, deals with an epistemological question with reflection on nomenclature. Key words such as discourse, text, textual genres, acting, action and activity, among others, may be related to different concepts of language or even to divergent theo-retical frames in the modern linguistics studies. Thus, the result is a certain concep-tual, classificatory and nomenclature chaos: discourse types and archetypes, text types, text genres, genre types, discourse genres, text genres, discourse analyses, sequence types, etc. This instability may bring about unwilling consequences to the development of these studies and especially to the learning and teaching activities in academic and school areas.

KEYWORDS: discourse; text; genres; textual genres; sequences; action, activity.

1. Introdução

O objetivo deste texto é retomar, mais uma vez, a controversa discussão sobre a conceituação, estruturação e classificação das categorias de expres-são lingüística do agir humano nas línguas naturais. Trata-se, portanto, de uma reflexão de natureza epistemológica, com um enfoque específico na questão da nomenclatura, a ser conduzida na linha dos princípios do intera-cionismo sociodiscursivo (ISD). O texto é o resumo de um projeto mais abrangente e, nos limites fixados para este artigo, apresenta apenas alguns tópicos de um estudo em andamento. O texto está assim organizado: no item 2 faço alguns comentários sobre a questão dos tipos de discurso, com uma ênfase na proposta de Bronckart (1999) a esse respeito. No item 3 retomo brevemente a proposta das seqüências de Jean-Michel Adam para alguns comentários críticos. No item 4 mostro ainda alguns exemplos de questões terminológicas variadas. No item 5 sinalizo apenas problemas emergentes de conceituação e nomenclatura no âmbito das questões referentes ao campo semântico que engloba os conceitos de agir, de ação e de atividade.

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O fato motivador dessa retomada de discussão foi a persistente observa-ção, na literatura lingüística atual, de algumas divergências conceituais, e, conseqüentemente, de nomenclatura e de classificação, no âmbito do estudos que tratam dos discursos humanos, em geral, e dos textos, em particular. Essa discussão envolve, em especial, os conceitos básicos de discurso, tipos de discurso, textos e gêneros de textos, bem como os conceitos referentes a

agir, ação e atividade.

Termos fundamentais como “discurso” e “texto”, entre outros, de origem e uso antigos, podem estar associados a concepções de linguagem e língua diferentes ou mesmo a quadros teóricos divergentes no âmbito dos estudos lingüísticos modernos. Além disso, a própria evolução da investigação do fenômeno da linguagem tem levado os estudiosos à necessidade de criar novas categorias explicativas, necessariamente seguidas de categorias classificató-rias. É o caso do “gênero de texto”, de origem mais recente. Discurso, texto e gênero integram hoje um campo semântico de contornos difusos. Instalou-se, assim, um certo caos conceitual, classificatório e de nomenclaturas: tipos de discursos, arquitipos discursivos, tipos de textos, tipos de gêneros, gêneros do discurso, gêneros de textos, análise do discurso, tipos de seqüências, etc. Essa instabilidade, necessariamente decorrente da crescente evolução dos estudos lingüísticos, pode certamente trazer conseqüências indesejáveis, tanto ao pró-prio desenvolvimento desses estudos, quanto, sobretudo, às atividades de ensi-no e de aprendizagem, nas áreas acadêmica e escolar.

O problema começa, necessária e preliminarmente, com a questão do termo “discurso”, talvez o mais emblemático, para não dizer problemático, tanto em sua amplitude semântica histórica, quanto em seu emprego nos estudos lingüísticos modernos. Um bom trabalho nessa área deveria, portan-to, partir de considerações sobre o emprego histórico desse termo, tarefa para a qual se pode contar, entre muitos outros, com os trabalhos minuciosos e esclarecedores de Adam (1990, 1992, 1999).

Sabemos que o termo discurso passou a desempenhar um papel crucial na terminologia da ciência da linguagem (e das ciências humanas, em geral), a partir de fins do século 19 e princípios do século passado. Lembrando Saussu-re, Voloshinov e Bahktin, para citar apenas três entre os nomes mais significa-tivos, ressalta-se a contribuição de Émile Benveniste, em meados do século passado, quando da formulação de sua teoria da enunciação. Como é natural na evolução de todas as ciências, Benveniste tentou ultrapassar a visão saussu-riana de que o signo se colocaria como princípio único de constituição da lin-guagem, do qual dependeriam ao mesmo tempo a estrutura e o funcionamento da língua. Fixando-se preponderantemente no “funcionamento”, Benveniste sugere uma virada metodológica, ao propor dois tipos de análise: um intralin-güístico e outro translinintralin-güístico, como forma de se dar conta do fenômeno da linguagem em sua totalidade. A análise translingüística significa, para ele, a abertura de uma nova dimensão nas relações significado/significante, a dimen-são por ele chamada de dimendimen-são semântica, ou seja, a dimendimen-são do discurso, que ele opõe à dimensão semiótica, a dimensão do signo. Era o passo inicial e indispensável para a formulação de sua teoria da enunciação. A dimensão

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translingüística compreenderia, segundo ele, os textos, as obras, que poderiam ser abordados, para além da dimensão semiótica, através de uma metassemân-tica, a semântica da enunciação. Em termos atuais, pode-se dizer que estava sendo dado um dos passos importantes para a formulação de uma nova frente de análise nos domínios da linguagem, a da Análise do Discurso.

A partir de inúmeras contribuições e formulações, o termo discurso ganhou um estatuto fundamental na epistemologia das ciências humanas e, evidentemente, na epistemologia da ciência da linguagem, em seus múltiplos ângulos de ataque com os quais hoje convivemos: entre outros, a Sociolin-güística, a EtnolinSociolin-güística, a Lingüística Textual, e, em especial, a Análise do Discurso. Entretanto, independente do sentido que se atribui ao termo discurso, seria possível dizer que, em última análise, todos esses múltiplos ângulos de ataque partem sempre, metodologicamente, de uma atividade de análise do discurso.

O problema crucial, portanto, se resume na pergunta: o que seria, afinal, o discurso? Em que sentido ele é tomado em expressões como: tipos de dis-cursos (“A narração é um dos tipos de discurso”, como em Bronckart, 1985; 1999); gêneros do discurso (Adam, 1999; Faïta, in Machado, 2004); gêneros discursivos (Schneuwly & Dolz, 2004:11,19); análise do discurso (a AD, disciplina, ou linha de pesquisa); discurso ideológico, discurso preconceituo-so; discurso jornalístico; discursos jurídico, religioso, político, científico, de esquerda, de direita; “o discurso do Lula é convincente”, “o deputado fez um belo discurso”, concepção discursiva da linguagem, etc. Definido ou esclare-cido o que seja “discurso”, em seus múltiplos sentidos, restaria ainda escla-recer as relações entre discurso, enunciação, enunciado, conversação, etc. Não há dúvida de que se trata de um trabalho exaustivo, porém necessário.

Veja-se, como exemplo inicial, um outro caso, o dos gêneros. Os nume-rosos estudos hoje disponíveis, sobretudo a partir das proposições redesco-bertas em Voloshinov e Bakhtin, têm contribuído para um nivelamento, principalmente conceitual, embora se verifiquem ainda divergências de nomenclatura, como, por exemplo, gêneros de texto ou gêneros textuais para alguns (como Bazerman, 2005), gêneros de discurso para outros (como Adam, 1999, ou Matencio, 2004) ou gêneros discursivos (como em Maga-lhães, 2005, que analisa o gênero discursivo publicitário), para citar apenas três casos. O caso de gêneros textuais e gêneros de texto não pode, obvia-mente, ser considerado como diferença ou divergência terminológica: trata--se apenas de diferença decorrente de arranjos morfossintáticos diferentes entre textual e de texto.

Partindo-se da amplitude maior e abstrata do discurso, as investigações lingüísticas têm se voltado mais recentemente para a questão dos tipos de discurso. A tipificação ou a tentativa de estabelecer tipologias é uma conse-qüência metodológica natural, decorrente da identificação e conceituação de um determinado fenômeno, no caso, o do discurso. Vou dar uma ênfase especial neste texto a essa questão, mais adiante, no item 2.

Do discurso passamos aos textos e aos gêneros. Ao se passar de uma entidade abstrata e presumivelmente única, o discurso, para entidades

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varia-das e empíricas, os textos e os gêneros de textos, era previsível constatar uma maior estabilidade conceitual e terminológica, o que de fato acontece. Por um lado, os notáveis avanços das pesquisas na área da Lingüística Textual (Isenberg, Weinrich, Dressler, Beaugrande, Halliday & Hasan, Genette, Cha-rolles, e, mais recentemente, Bronckart, entre os mais significativos) têm contribuído para um crescente nivelamento e têm conferido um certo grau de estabilidade de conceitos e de terminologia no âmbito desses estudos. Por outro lado, a partir das formulações fundadoras de Voloshinov e Bakhtin sobre os gêneros, e também do grande impulso dado recentemente aos estu-dos dessa questão (Schneuwly & Dolz, Bazerman, Marcuschi, entre outros), pode-se prever também um crescente nivelamento conceitual e nomenclatu-ral nessa área. Entretanto, persistem algumas divergências, que apontaremos adiante através de alguns exemplos mais típicos.

É interessante reiterar, por fim, que o fenômeno da instabilidade concei-tual e epistemológica é inerente ao processo de evolução de qualquer ciên-cia. Entretanto, justifica-se a necessidade de se promoverem, de tempos em tempos, tentativas de clarificação de conceitos e categorias e de adequação de nomenclaturas a esses conceitos e a essas categorias, tendo em vista as necessidades da própria atividade de pesquisa, bem como as necessidades didáticas, acadêmicas ou escolares. A não ser que se trate de mera descrição, é óbvio que qualquer tipo de tentativa deve levar em consideração a adesão a um determinado quadro teórico, por parte de quem se propõe realizar essa tarefa. Entretanto, é preciso ter em mente sempre que a questão epistemoló-gico-conceitual é muito mais relevante do que a mera questão da nomencla-tura. Uma vez definida a primeira, se é que se possa falar em possibilidade definitiva de definição, a segunda pode ser o resultado de um acordo ou de um consenso, a longo prazo. Em ciência não há como impor nada. É sua própria força propulsora, lastreada em evidências e em sólidos argumentos, que impulsiona as buscas em direção à verdade e ao consenso, numa dialéti-ca inexorável, e, como conseqüência, é possível se chegar a uma relativa estabilização de conceitos e nomenclaturas.

Previsivelmente, as ciências humanas seriam mais sensíveis a essa situação de instabilidade conceitual e nomenclatural. Por um lado, embora o objeto de seus estudos seja aparentemente unívoco, o próprio ser humano, são inúmeras as perspectivas pelas quais ele pode ser observado; por outro lado, os fenômenos a serem observados em relação ao ser humano e a seu agir, caracterizados mais no âmbito dos mundos subjetivo e social, nem sempre são visíveis, quantificáveis e susceptíveis de um controle empírico.

2. O discurso e sua tipologia

2.1. O enfoque da obra Atividades de Linguagem, textos e discursos, de Bronckart (1999)

Para uma pequena amostra dos casos enquadrados nos objetivos de minha pesquisa, dados os limites estabelecidos para este artigo, vou tomar

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como base e referência o texto de Bronckart (1999), atendo-me apenas a algumas questões terminológicas. Por essa razão, faço preliminarmente algu-mas considerações sobre essa obra, em tópicos que tangem de perto os con-tornos do tema deste texto.

Costumo dizer aos meus alunos que se trata de uma obra para ser lida palavra por palavra, nos seus mínimos detalhes e muitas vezes. É de uma den-sidade científica e técnica inigualável. Por isso mesmo, e não podia ser dife-rente, é de leitura difícil e penosa para nossos alunos da graduação e, por vezes, até da própria pós-graduação. Três grandes valores nela se evidenciam:

2.1.1. A fundamentação teórica e epistemológica do ISD (capítulo 1)

O ser humano e sua linguagem são vistos sob dois enfoques lapidares, na linha fundadora do ISD: o do desenvolvimento e o do agir humanos. Por isso essa fundamentação é ao mesmo tempo lingüística, filosofia, psicologia, sociologia, antropologia etc. E é também por isso que o capítulo 1, no con-junto do projeto de uma obra de tal envergadura, apresenta-se sintético, qua-se como sinalizador de teorias, desafios, nomes e problemas. Também não podia ser diferente, pois seu objetivo me parece ser o de abrir caminhos para o leitor curioso e interessado em desvendar os meandros do movimento do ISD. É só seguir a pista, longa e custosa, mas muito bem sinalizada, em ter-mos de conceitos fundamentais, de informações e de referências bibliográfi-cas.

2.1.2. Tipos de discurso (capítulo 5) e seqüências (capítulo 6)

Um segundo valor da obra está no conteúdo dos capítulos 5 e 6, sobre-tudo do 5. Ali está uma das novidades da obra: a tentativa de se chegar a uma visão universalista de um dos aspectos constitutivos da linguagem, o da essência epistemológica dos tipos do discurso humano, partindo-se da for-mulação abstrata dos arquitipos psicológicos (operações psicológicas consti-tutivas dos mundos discursivos) para a “tradução desses mundos no quadro de uma língua natural determinada” (Bronckart, 1999: 149), ou seja, o nível concreto de expressão lingüística dos (arqui)tipos. Tem o grande mérito de ser uma proposta aberta, como o próprio autor assinala, ao dizer que, por ser um modelo simplificador, pode gerar desvios reducionistas e retificadores. E vai mais além, ao afirmar que “se a defendemos, é apenas como um instru-mento de análise, que nos parece indispensável para tentarmos esclarecer a rede complexa da textualidade, mas que, de outro lado, só é explorável sob a condição de que indiquemos todos os seus limites” (Bronckart, p. 182). No capítulo 6 o autor analisa e adota a proposta das “seqüências” de Adam, sugerindo uma sexta, a injuntiva, às cinco constantes daquela proposta: nar-rativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal. Bronckart, entretan-to, defende a idéia de que os tipos de discursos por ele propostos têm estatu-to diferente das seqüências propostas por Adam, considerando, ao mesmo tempo, que ambos fazem parte da organização da infra-estrutura textual.

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2.1.3. Proposta global de um modelo de arquitetura textual

Um terceiro valor diz respeito à proposta global e abrangente de um modelo de textualização, um dos grandes objetivos da obra, coerentemente fundamentado nos pressupostos teóricos acima mencionados (e em outros não mencionados), bem como num extenso córpus de exemplos do francês rigorosamente analisados.1 Ressalta-se na proposta desse modelo a novidade

do aprofundamento do tratamento dado às questões da temporalidade (que merece um capítulo à parte na obra, o 8: “A coesão verbal”), com um enfo-que e detalhamento, na linha da textualização, talvez não encontrado em outras obras hoje disponíveis em língua portuguesa. Evidencia-se também, e por fim, a questão dos mecanismos enunciativos (capítulo 9), que, como o mesmo Bronckart o reconhece e o adverte, trata-se de uma abordagem inicial e aberta a ulteriores estudos. O próprio autor já vem reformulando, ultima-mente, conceitos e nomenclaturas referentes a essa questão.

2.1.4. Sugestão didática para o estudo da obra

Ainda sobre a obra em questão, fica aqui uma sugestão para nós, pro-fessores: planejar e oferecer cursos, na pós-graduação e mesmo na gradua-ção, com o fim específico de fazer uma leitura sistemática e minuciosa da obra. Vai dar um pouco de trabalho ao professor, especialmente para a leitu-ra do capítulo 1. Mas vale a pena. Registre-se ainda o fato de que há os pro-blemas naturais decorrentes de ser uma tradução na qual optou-se pela manutenção de todo o exemplário do original francês, traduzindo-o para o português. Apraz-me lembrar aqui que tive o primeiro contacto com essa obra logo após a edição de sua versão em português aqui no Brasil, exata-mente nas mesmas circunstâncias de minha sugestão didática acima. Como andava, em 2000, às voltas com problemas de textualidade/textualização, chamou-me a atenção um curso oferecido pelo Prof. Marco Antônio de Oli-veira, no quadro das disciplinas do PosLin (Programa de Pós-graduação em Estudos Lingüísticos da FALE/UFMG), cujo objetivo único e específico era estudar o recém publicado “Atividades de linguagem, textos e discursos”. Matriculei-me imediatamente no curso, acompanhei-o com o maior interesse e, resultado, posso dizer que dele não saí até hoje. Enfim, acredito que não dispomos, hoje, em língua portuguesa do Brasil, de um tratado sobre a tex-tualidade mais abrangente e mais profundo. Sobretudo pelas propostas ino-vadoras que a obra inclui.

1 Uma espécie de “relatório-síntese” do projeto que gerou essa obra, com a descrição dos

detalhes metodológicos e estatísticos, que foi consolidado no livro “Le fonctionnement des discours – Un modèle psychologique et une méthode d’analyse”, de autoria de Jean-Paul Bronckart, com a colaboração de D. Bain, B. Schneuwly, C. Davaud & A. Pasquier, e publicado pela Delachaux & Niestlé, em 1985.

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2.2. Questões terminológicas

Volto à questão dos tipos de discurso em Bronckart (1999) para uma rápida reflexão sobre algumas questões terminológicas nele envolvidas. Mais que tipos de discurso ou tipos discursivos, a formulação inovadora está na proposta ou na idéia mais abstrata e generalizante dos arquétipos discursivos (tal como está na tradução da edição brasileira, embora eu prefira falar em arquitipos discusivos, por razões que não vêm ao caso discutir aqui). Esses tipos seriam gerados por operações psicológicas superiores e teriam o estatu-to de uma matriz generalizante que estaria na base de estatu-todos os discursos humanos. Bronckart, na verdade, tal como o fez Benveniste em relação a Saussure, anteriormente citados, retomou tentativas anteriores, como as de Weinrich (1973), Benveniste (1969) e Simonin-Grumbach (1975), em espe-cial os dois primeiros, e as aglutinou e ultrapassou em sua nova proposta. Weinrich teve a percepção de que os discursos humanos operam ora em conjunção, ora em disjunção (usando a terminologia de Bronckart) com as coordenados do mundo (donde os discursos comentado e relatado) e Benve-niste teve a percepção de que eles operam ora na situação de implicação das presenças do enunciador e do enunciatário, ora de não-implicação ou auto-nomia dessas presenças (igualmente utilizando a terminologia de Bronckart, donde os discursos do tipo discurso e do tipo história, nos termos do autor). Examino a seguir apenas três tópicos relacionados à proposta de Bronckart.

2.2.1. Tipos discursivos

Bronckart justifica o termo discursivo, utilizado por Simonin-Grumbach (cf. Bronckart, 2006:11), mas não deixa de mencionar Genette (1979), que fala em modos de enunciação. Além dessa “sugestão” de Genette, a inspira-ção em Benveniste para a construinspira-ção do quadro dos arquitipos aponta mais para a idéia de tipos enunciativos e não de tipos de discurso. Um argumento contra a adoção de discursivo é o amplo e difuso valor referencial desse ter-mo, que parece hoje mais ligado a questões de ideologia da linguagem (dis-curso de direita/esquerda, dis(dis-curso preconceituoso, dis(dis-curso nacionalista, etc.) ou aos textos que expressam os discursos típicos das variadas forma-ções sociais (discursos jurídico, médico, científico, jornalístico, etc.), acep-ções assumidas pela corrente da Análise do Discurso da linha francesa, que trabalha com os discursos dispersos no interdiscurso. Baltar (2006) discute, em interlocução com Bronckart, essas e outras nomenclaturas. Ele propõe a adoção da expressão modalidades ou atitudes enunciativas (pp. 6-14), utili-zada, segundo ele, (a atitude enunciativa) inclusive pelo próprio Bronckart em passagens de seus textos. No caso dessa proposta de Baltar, talvez a manutenção do termo tipos, ao invés de atitudes fosse mais conveniente, por ser mais neutro e por pretender expressar simplesmente espécies variadas de um mesmo conjunto, sem o conteúdo nocional de um nome. O termo atitude, ao contrário, sugere uma ligação maior com as questões de posicionamento enunciativo (modalizações). Baltar sugere, então, adotar o termo atitudes enunciativas para se referir às quatro formas básicas e universais de

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expres-são lingüística, que, no folhado textual, sempre segundo ele, se manifesta-riam nos tipos de atitudes discursivas do argumentar, expor, narrar, relatar, descrever, instruir, poetizar e dialogar (modos de organização predominantes no folhado textual). Nesse ponto sua proposta parece incorrer numa situação de duplicidade ou superposição de termos: as atitudes (ou modalidades) enunciativas compreenderiam os quatro tipos básicos: os discursos interati-vo, relato interatiinterati-vo, teórico e narrativo (ou narração). Essas quatro atitudes enunciativas se manifestariam no folhado textual nos tipos de atitudes dis-cursiva do argumentar, expor, narrar, relatar, etc. Haveria, então, uma atitu-de enunciativa do expor que se manifestaria, por exemplo, sob a forma atitu-de um tipo de atitude discursiva do expor. O mesmo ocorreria com o narrar.

A meu ver, o uso da expressão tipo de discurso passou a ter no portu-guês do Brasil, talvez por influência da grande divulgação, nas últimas déca-das, tanto da vertente de estudos da Sociolingüística, como da vertente da Análise do Discurso, um significado mais ligado aos parâmetros teóricos dessas correntes. Assim, expressões como o tipo de discurso jurídico, o tipo de discurso ideológico, o tipo de discurso preconceituoso, etc. passaram a ser utilizadas em larga escala nos textos acadêmicos e nos textos divulgados pela mídia. Essa poderia ser, por isso, uma boa razão para a adoção da expressão tipos enunciativos, quando referida à tipificação básica dos discur-sos humanos, tal como a apresentada por Bronckart (1999).

2.2.2. Discurso interativo e Discurso relato interativo

Essas duas categorias poderiam ter suas nomenclaturas re-analisadas, pois poderiam suscitar um problema epistemológico face às novas concep-ções de linguagem modernamente adotadas, inclusive pelo próprio ISD. O próprio apoio buscado por Bronckart em Foucault (1969) e em Bakhtin, por ele citados (Bronckart, 1999: 140-141) permite levantar a dúvida crucial: afinal, todos os tipos de discurso não seriam, de alguma maneira, interati-vos? Não seria o caso de se examinar a opção por dialogado, ou dialogal, ou outra, ao invés de interativo? Nesse caso teríamos o discurso dialogado e o discurso relato dialogado, ao invés de discurso interativo e relato interativo. Vale lembrar que o próprio Bronckart (1999: 152) faz menção a Benveniste, que já falava em interação dialogada.

2.2.3. O discurso teórico

Discute-se aqui o uso do termo teórico na expressão discurso teórico. Em algum de seus textos Bronckart lembra que a adoção desse termo já teria sido objeto de controvérsia, ainda na ocasião do desenvolvimento do projeto do Le fonctionement des discours (1985, cf. nota 1), tendo-se decidido, na ocasião, pela adoção da expressão discurso teórico. Seria o caso de se ques-tionar a conveniência dessa adoção, considerando-se não só a larga extensão semântico-conceitual desse termo, mas também o fato de ele estar mais natu-ral e comumente gravado na mente dos falantes (e escreventes) de língua portuguesa em sua acepção relacionada à oposição teórico-prático. Para uma

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melhor simetria do quadro dos tipos de discurso (1999: 157), no qual o mun-do mun-do narrar se expressa na narração (melhor seria, também por questão de simetria, no discurso narrativo), por que não observar a mesma relação simétrica entre mundo do expor / discurso expositivo? Mas é bom lembrar também, a propósito, um problema relativo a esse termo, o fato de ele ser, nos estudos lingüísticos tradicionais, associado ou relacionado a outros, como: comentado (veja-se, por exemplo, o mundo comentado de Weinrich), bem como aos termos explicativo (veja-se a tênue distinção entre expor e explicar), descritivo, etc. Bronckart (1999: 152) lembra também o comentá-rio teórico de Weinrich. A propósito do termo expositivo vale ainda registrar o fato de se tratar de uma antiga e consagrada categoria, nos estudos lingüís-ticos tradicionais brasileiros, exatamente nesse mesmo sentido. Ao tratar das seqüências discursivas de Adam, no item 3, retomo ainda uma outra questão referente ao teórico/expositivo.

Em síntese, adotando-se a nomenclatura de tipos enunciativos (ao invés de tipos discursivos) foge-se de alguma maneira dos riscos conceituais difu-sos do termo discursivo. Por outro lado, substituindo-se o interativo pelo dialogal (ou dialogado), e o teórico pelo expositivo, o quadro ganharia um formato mais simétrico e mais simples, tornando-se mais claro e compreen-sível. Para encerrar essa reflexão, é bom lembrar que estamos sempre no campo da nomenclatura, no qual nada se faz por imposição ou decreto (com uma honrosa e discutível exceção, talvez, a da Nomenclatura Gramatical Brasileira, de 1961). Além disso, a nomenclatura é algo periférico em rela-ção ao que é mais relevante: a intuirela-ção, a descoberta, o risco, a idéia, o cria-tivo, em síntese, o conceitual. No nosso caso, independente da nomenclatura, prevalece sempre no quadro dos tipos de discurso o que ele tem de essencial e de mais importante: o risco assumido por uma proposta com características de universalidade, através da percepção de um primitivo lingüístico, que me parece até o momento inquestionável. Veja-se, por curiosidade, o quadro abaixo (ver Bronckart, 1999: 157):

TIPOS ENUNCIATIVOS

Coordenadas gerais dos mundos

conjunção disjunção

EXPOR NARRAR

Referência ao ato de produção

implicação dialogal relato dialogado

autonomia expositivo narrativo

3. O problema das seqüências textuais de Jean-Michel Adam

É por demais conhecida a proposta de ADAM, consolidada em sua obra de 1997 (Les textes: types et prototypes – récit, description, argumentation, explication et dialogue). Numa definição simplificada, as seqüências seriam para o autor “tipos relativamente estáveis de enunciados” encontrados nos

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textos, ou “gêneros primários do discurso” (1997: 28). Em seguida Adam propõe uma tipologia das mesmas. As seqüências prototípicas, descritas em sua proposta em suas minúcias, inclusive históricas, como é peculiar em seus escritos, são as seguintes: narrativa (unidade textual mais trabalhada pela tradição retórica), descritiva, na qual ele inclui a sempre questionada seqüência injuntiva ou instrucional, mas que não aparece na sua tipologia como prototípica, a argumentativa, a explicativa e a dialogal.

Por que cinco? É a questão crucial que se pode colocar para essa pro-posta. Veja-se que Baltar (2006), acima citado, de certa maneira já esbarrou no mesmo problema, ao propor seus oito tipos de atitudes discursivas, que me parecem semelhantes aos das seqüências de Adam. Se comparada à pro-posta de Adam, a de Baltar contempla quatro de suas cinco seqüências (nar-rativa, descritiva, argumentativa e dialogal), omitindo, portanto, a explicativa e acrescentando outras quatro: expor, relatar, instruir e poetizar. Essa sim-ples comparação evidencia a dificuldade de se estabelecer tipologias que não sejam decorrentes de uma matriz referente a um determinado fenômeno, coerentemente fundamentada e fechada, como é o caso dos arquitipos dis-cursivos de Bronckart (1999). Da observação da proposta de Baltar ressalta, de imediato, o problema da distinção entre relatar e narrar, sobre o qual farei breve comentário no item seguinte.

Bronckart incorpora, no seu projeto de arquitetura textual, a realidade das seqüências de Adam, por entender que são segmentos de estatutos dife-rentes no interior dos textos e dos gêneros, argumentando que “é unicamente no interior desses segmentos que podem ser identificadas regularidades de organização e de marcação lingüística” (Bronckart, 1999: 138).

Uma questão se coloca, a meu ver, apenas do ponto-de-vista didático da questão: qual seria a diferença básica de estatuto entre os tipos de discurso e as seqüências? As seqüências seriam, teoricamente, em número aberto, ou fechado? A dificuldade de se responder a essas questões, aliás, fica provada pela instabilidade conceitual e nomenclatural e, conseqüentemente numérica, desse tipo de categoria. Ao considerá-las como componentes complementa-res da infra-estrutura textual, Bronckart está sugerindo exatamente isso. Para atender às necessidades comunicativas humanas, cada língua natural poderia, em tese, desenvolver variados “segmentos de estatutos diferentes no interior dos textos”, como ele os define. Mas, para se manter a validade da proposta dos tipos discursivos (ou tipos enunciativos) é necessário que todos esses “segmentos de estatutos diferentes” sejam sempre gerados por um dos quatro tipos discursivos. As seqüências argumentativa, explicativa, instrucional, injuntiva (se é que haveria diferença entre essas duas últimas), descritiva, etc. parecem ser todas geradas e construídas nos parâmetros psicológicos e lingüísticos definidos pelo tipo de discurso teórico (ou expositivo...). Apenas um comentário ao que diz Adam, quando considera suas seqüências como “tipos relativamente estáveis de enunciados” ou “gêneros primários do dis-curso”. Quanto ao “relativamente estáveis”, de acordo. Mas seriam enuncia-dos? Gêneros? Primários? Fica uma dúvida, em razão da nomenclatura por ele utilizada. De volta o problema de nomenclatura. Entretanto, é preciso

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lembrar que Adam não tem o propósito de relacionar sua proposta com a proposta de Bronckart.

4. Outras considerações sobre problemas conceituais e de nomenclatura

Faço ainda algumas considerações adicionais sobre conceitos e termos do campo semântico até aqui considerado. As dúvidas quanto ao seu empre-go costumam ocorrer tanto nos contextos de produção de estudos e pesqui-sas, quanto no contexto de produção de textos de finalidade didática. Além dos conceitos mais abrangentes de enunciação, enunciado, discurso, seqüên-cias, textos, gêneros e outros, não mencionados neste texto, somam-se aque-les, ainda mais numerosos, referentes a conseqüentes tipificações: narração, relato, descrição, exposição, argumentação, explicação, instrução, informa-ção, injuninforma-ção, entre outros, com seus respectivos adjetivos. Entre esses últi-mos verifica-se uma maior instabilidade conceitual, em razão de seus con-tornos semânticos difusos, sobretudo quando comparados entre si, como no caso de exposição/ explicação, instrução/injunção etc.

Mas há outro caso semelhante e mais problemático: a instabilidade con-ceitual entre narração e relato. Bronckart (1999: 162) chama a uma mesma seqüência de “segmento de relato” e, mais adiante, de “um narrar”: “no quadro desse mundo disjunto desenvolve-se um narrar que implica...”. Mas ele mes-mo admite (Bronckart, 1999: 182) que, no uso do senso comum, relato e nar-ração aparecem como sinônimos: qualquer forma de produção da ordem do narrar. Por outro lado, também no senso comum, costuma-se imaginar que o relato diz respeito a uma narração de fatos realmente acontecidos no passado, em oposição à narração, que se referiria mais a fatos ou acontecimentos fic-cionais.

As divergências de nomenclaturas em livros técnico-acadêmicos ou em textos de pesquisas são, até certo ponto, explicáveis. Tal como ocorre neste meu texto, os autores geralmente usam determinadas nomenclaturas proposi-tadamente, muitas vezes com o fim especial de tentar convencer seus leitores sobre a propriedade ou a conveniência de uma determinada nomenclatura sobre outra concorrente. Entretanto, no caso de livros destinados às ativida-des didáticas, deve prevalecer um cuidado especial com o uso de nomencla-turas, quer utilizando as mais recorrentes e mais estabilizadas no contexto de uma comunidade científica, quer mantendo uma coerência de nomenclatura ao longo de um mesmo texto ou de uma mesma coleção didática. A análise das coleções didáticas feitas pelo Ministério da Educação do Governo Brasi-leiro, através do seu PNLD (Programa Nacional de Livros Didáticos) tem mostrado muitas falhas em relação a esse problema. Entre muitos casos por mim registrados, veja-se o seguinte, extraído de uma coleção para o ensino de Português para o nível fundamental, a qual, na orientação de atividades de leitura e de produção de textos, o autor considera e rotula como gêneros: poema – texto informativo – reportagem – história em quadrinho – cartaz –

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instruções – carta – texto descritivo – quadro informativo – texto narrativo – fábula – foto e legenda – textos-imagem. Sem comentários.

Outra obra, esta dirigida a professores, considera como estruturas de gêneros escolares por excelência a narração, a descrição e a dissertação. Tudo bem que o uso do termo gêneros ali possa ser ambíguo, mas não deixa de causar estranheza nos tempos atuais, quando a noção de gênero vem se estabilizando rapidamente.

O Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos (PosLin), da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais é estruturado em nove linhas de pesquisa, a primeira das quais (linha A) se chama “Gêne-ros e Tipos textuais”. Nenhum problema em relação aos gêne“Gêne-ros textuais. Mas fica a dúvida em relação ao que seriam os tipos textuais.

Anoto também o título de um artigo de livro recentemente lançado no mercado brasileiro: Gênero discursivo publicitário.

5. Campo semântico dos termos agir, ação e atividade

Outro campo semântico fundamental na agenda do ISD e que com-preende termos com conceituações problemáticas e controvertidas é o que engloba as noções de agir, ação e atividade.

Embora se trate de termos muito antigos e, por isso mesmo, possivel-mente transcendentais, em todas as línguas naturais humanas, é possível dizer que, nas últimas décadas, eles integram um campo semântico em cons-trução, se levarmos em conta as diversas correntes de estudos e pesquisas que deles se apropriam nas ciências em geral, e nas humanas, em particular.

No texto de Bronckart (1999), que já traz emblematicamente em seu título o termo atividade (Atividade de linguagem, textos e discursos), já se delineia, logo no início do capítulo 1 (“Quadro e questionamento epistemo-lógicos”, itens 3: “Atividade social e linguagem e 4: “Ação e linguagem”), a perspectiva acional que constitui uma das marcas fundamentais do ideário do ISD. A compreensão das ações e das atividades humanas, em especial as da linguagem, vistas sempre de uma perspectiva social, é inspirada princi-palmente nas formulações de Leontiev, Habermas, Ricoeur e de pensadores da filosofia analítica inglesa (Anscombe e von Wright).

Confirmando o que comentei no item 2 acima, sobre a necessidade de uma leitura atenta e minuciosa de Bronckart (1999), descubro que já no capí-tulo 1, o autor apresenta uma primeira definição lapidar da proposta do ISD, com o objetivo de nela incluir uma noção preliminar do estatuto da ação, na construção do novo quadro:

A tese central do interacionismo sócio-discursivo é que a ação constitui o resul-tado da apropriação pelo organismo humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem.

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Uma recente clarificação das noções de agir, ação e atividade, relacio-nadas agora às questões do trabalho, pode ser vista em Bronckart (2006: 209-213), não sendo necessário reproduzi-las aqui.

Entretanto, ao nos confrontar com outros campos do saber sobre o tra-balho, hoje tendencialmente interligados com o ISD, podemos constatar divergências conceituais. Destaco apenas um caso, o da estreita interligação ISD/ergonomia/ergologia. Na busca de conhecimentos sobre a o problema do desenvolvimento humano, questão central e crucial na agenda do ISD, as questões referentes ao trabalho se colocam como fundamentais, tornando-se inevitável a aproximação com as vertentes de estudo que se ocupam dessas questões, entre elas a ergonomia e a ergologia.

Aponto aqui apenas a proposta de um dos mentores do grupo que, de há anos, vem investigando o objeto “trabalho” na França, em estreita correlação com a ergonomia e a ergologia e preocupando-se, como era de se esperar, com a necessária correlação também com o campo do saber sobre a lingua-gem. Refiro-me ao filósofo, ergonomista e ergologista, Prof. Yves Schwartz. Em duas conferências recentes na FAE/UFMG (setembro de 2007), nas quais ele relacionava trabalho, formação humana e linguagem, inevitavel-mente ele abordou a questão dos conceitos de agir, ação e atividade, cen-trando-se no último. A “atividade”, para a ergonomia, seria tomada num sentido mais abrangente, que excluiria as características de intencionalidade e de motivação. É nesse sentido que se fala, por exemplo, na atividade das abelhas. Embora desenvolvidas numa determinada organização gregária de trabalho, essas atividades são inconscientes e desprovidas de intencionalida-de. O mesmo pode ocorrer com determinadas atividades humanas.

Para o efeitos deste meu estudo, verifico mais essa diferença conceitual ao comparar a definição de Schwartz com a de Bronckart, quando este, atri-buindo ao termo um estatuto teórico ou interpretativo, diz que a atividade designa “uma leitura do agir que implica, principalmente, as dimensões motivacionais e intencionais e os recursos mobilizados por um coletivo organizado (Bronckart, 2006: 213), ao passo que a ação, designa uma leitura do agir que implica as mesmas dimensões, mobilizadas por uma pessoa par-ticular (p. 113).

Tive oportunidade também de ouvir uma palestra do Prof. Yrjö Engeström, um dos mentores da conhecida “Teoria da Atividade”, por oca-sião do 16º. InPLA (PUCSP, 2007), na qual pude observar divergências con-ceituais em relação a termos desse mesmo campo semântico.

6. E concluo...

A reflexão desenvolvida neste texto e alguns poucos exemplos selecio-nados e discutidos tiveram como objetivo dar uma idéia do estado atual do problema de divergências de conceituações e de nomenclatura em dois cam-pos semânticos específicos: o referente a discursos, ticam-pos de discurso, textos,

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gêneros de texto e seqüências e o referente às noções de agir, ação e ativida-de. Se esse foi o objetivo específico deste texto, reitero que tenho em vista um objetivo mais amplo, o de produzir um trabalho que se coloque como base e estimulador de ulteriores discussões.

É-me estimulante lembrar aqui que, no âmbito dos numerosos estudos já realizados pelo Grupo ALTER/ISD, sempre na persecução de seu objetivo maior, a da compreensão do agir e do desenvolvimento do ser humano, pos-so constatar que outros pesquisadores do grupo vêm investigando, por ângu-los diferentes, mas convergentes, o mesmo problema aqui discutido. Repor-to-me aos trabalhos de Maria Antónia Coutinho, da Universidade Nova de Lisboa (“Gêneros de texto, tipos de discurso e organização do conhecimen-to”); Rosalice Pinto, da mesma universidade (“Modos de raciocínio nos gêneros textuais: alguma convergência?”); Florencia Miranda, da Universi-dade Nacional de Rosário, Argentina (“Uma discussão acerca das relações entre gêneros de texto e tipos de discurso no quadro do ISD”) e Marcos Bal-tar, da Universidade de Caxias do Sul (“O Interacionismo sociodiscursivo: uma teoria do agir humano em construção”). Esses trabalhos, não comenta-dos neste texto (à exceção de Baltar), servirão de suporte para o desenvolvi-mento do meu projeto. O estudo sistemático de todas essas questões consti-tuem peças que vão sendo gradativamente adicionadas à construção coletiva do arcabouço do movimento do ISD.

Para as atividades de elaboração deste e de outros trabalhos do grupo, é sempre útil lembrar e aplicar aqui um dos princípios básicos da fenomenolo-gia de Hegel. Os estudos científicos avançam num processo dialético em que, a cada entrechoque de tese e antítese, segue-se necessariamente uma síntese. Isso significa que as discussões, as divergências e o contraditório são inerentes ao processo dialético da evolução científica. Por isso são e serão sempre bem vindos. Significa também que não devemos nos iludir com nos-sas presumíveis certezas de que a verdade está em nossa tese ou em nossa antítese. É sempre bom esperar a síntese, que, por sua vez, poderá ser a tese contraposta a uma nova antítese. E assim, sucessivamente, avança a ciência.

A minha expectativa é de que essa e outras análises possam contribuir para a colocação de uma certa ordem no caos epistemológico e nomenclatu-ral existente. Obviamente, sem a mínima pretensão de propostas definitivas e salvadoras, sem o menor intuito de impor nada a ninguém. Como bem lem-bra Bronckart, citando o filósofo Paul Ricoeur: “há sempre qualquer coisa de irremediavelmente acidental em qualquer classificação” (Bronckart, 1999: 181). Entretanto, como não se fazem estudos ou pesquisas sem um mínimo de expectativas, não se pode esconder um desejo, ainda que modes-to, de que esse tipo de discussão venha a se concretizar num instrumento teórico facilitador em nosso intercâmbio de estudos sobre as grandes ques-tões da linguagem, sobretudo, em nossas atividades escolares e acadêmicas. Não há dúvidas de que essas instâncias escolares e acadêmicas e o próprio trabalho do professor sejam muito prejudicados por essa instabilidade con-ceitual e nomenclatural. Tarefa impossível? Acredito que não. Possível e gratificante.

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Referências

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