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Da Inglaterra Neo-vitoriana à Coreia Colonialista: uma análise fílmica sobre a adaptação de Fingersmith para as telas coreanas 1

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – VIRTUAL – 1º a 10/12/2020

Da Inglaterra Neo-vitoriana à Coreia Colonialista: uma análise fílmica sobre a adaptação de ​Fingersmith​ para as telas coreanas​1

Marina Machado MENEGON2

Vitoria Schimidt PIAZZETTA3

Alexandre Silva WOLF4

FAE Centro Universitário, Campus Curitiba, PR

Resumo

O presente artigo apresenta uma reflexão e análise do filme A Criada ​(2016) ​de Park Chan-wook, uma produção de adaptação literária do livro ​Fingersmith (2002) de Sarah Waters. Por meio de uma revisão bibliográfica de autores e autoras que abordam estudos referentes à produção audiovisual em questão, foi levantado aspectos da contrução da narrativa cinematográfica, fotografia, direção de arte e direção, assim como uma discussão acerca da relevância da representatividade da mulher lésbica e a transição cultural Neo-vitoriana à Coreia Colonialista.

Palavras-chave: ​A Criada;​ ​Adaptação; Literatura; Representatividade. INTRODUÇÃO

Como um dos nomes mais famosos no cinema coreano, Park Chan-wook foi um dos primeiros diretores que deu abertura à sétima arte sul-coreana no Brasil com seu filme

Oldboy ​(2003) (FUJITA, 2010). As obras fílmicas do país só tiveram sua ascensão com a

independência do regime colonialista Japonês, que proporcionou liberdade para criar e construir uma identidade própria na indústria: melodramas com teor de vingança e que abordam questões políticas e de classe (ROSEBUD, 2020).

A obra coreana A Criada (2016), dirigida e produzida por Park, teve sua narrativa inspirada no romance histórico ​Fingersmith ​(2002) de Sarah Waters, previamente adaptado para a televisão britânica em 2005 como uma minissérie de duas partes. O longa foi muito

1 Trabalho apresentado no IJ04 - Comunicação Audiovisual, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 23​°​ Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Aluna do 6​° semestre do curso de Publicidade e Propaganda da FAE Centro Universitário, e-mail:

marina.menegon@mail.fae.edu​.

3 Aluna do 6​° semestre do curso de Publicidade e Propaganda da FAE Centro Universitário, e-mail:

vitoria.piazzetta@mail.fae.edu​.

4 Orientador do trabalho. Professor do curso de Publicidade e Propaganda da FAE Centro Universitário, email:

alexandre.wolf@fae.edu.

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além de uma simples adaptação para o cinema, e sim uma releitura com transições culturais, que criaram um poder de dinâmica entre o dualismo Inglaterra neo-vitoriana e Coreia colonialista.

Em todos os segmentos comunicacionais, não só no cinema, é possível notar a falta de representatividade de mulheres lésbicas nos ambientes. Em grande parte das abordagens a representação é feita por meio de estereótipos construídos e/ou reforçados: a "lésbica" que encontra o homem certo; da lésbica fetichizada ou do relacionamento quieto, aquele que fica sob interpretação do telespectador se existe ou não (SILVA, 2019). A Criada (2016) é uma obra cinematográfica que muda e oferece pensar essa perspectiva por trazer um enredo em que duas mulheres podem se amar e encontrar um final feliz em união.

Apesar de ser uma produção notável e aclamada pelo público, percebeu-se na busca por fundamentações teóricas uma carência de estudos científicos realizados no Brasil e/ou traduzidos para o português disponíveis para leitura. A escassez reforça a falta de acessibilidade à materiais de qualidade que dão visibilidade à causa LGBTQ+.

O conteúdo apresentado nesta pesquisa busca agregar a comunidade cinematográfica acerca da temática e riqueza da narrativa do filme, bem como gerar interesse em aprofundamentos analíticos sobre o tema. Sendo assim, para alcançar os objetivos propostos foi realizado uma revisão bibliográfica de materiais e estudos que abordam a cinematografia coreana, matérias em sites, vídeos e artigos de autores e autoras que analisaram o filme em questão.

1 A ADAPTAÇÃO

A ideia de que um livro é "sempre" melhor do que sua releitura fílmica é precipitada e muitas vezes errônea, visto que a leitura de textos é um ato de interpretação extremamente pessoal, consequentemente a adaptação depende muito da imaginação individual do leitor e dos recursos disponíveis e planejados da direção. A complexidade integrada na produção audiovisual é tão rica quanto na literária, meramente é expressada de uma forma diferente.

Na literatura há uma harmonização das palavras. Em contrapartida, na adaptação fílmica se tem o derivado disso, com o uso de expressões técnicas e jogo de imagens compostos na ​mise en scène​. Todos esses elementos resultam em uma fascinante dinâmica

entre a sexta e sétima arte ​(​CARTMELL ​et al.​, 2007). Tanto os suportes quanto os veículos

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de consumo, em ambas as obras são dissemelhantes e gera um impacto muito grande na leitura e análise de cada tipo de produção.

Em A Criada (2016) a releitura da obra sob os olhos de Park Chan-wook e Jeong Seo Kyeong, traz uma pluralidade cultural, linguística e sexual multidimensional. A adaptação coreana transita pelos pilares de cenário propostos por Waters, aborda a obscuridade da sexualidade e da redenção patriarcal, cria lacunas de questionamento de poder e pornogarfia e principalmente a erotização feminina (HEEBON ​et al.​, 2019).

É importante ressaltar que a obra original, diferente do filme, foi escrita por uma mulher lésbica que critica a produção de conteúdo lésbico feito por homens e para homens. Seus diversos livros retratam perfeitamente o papel feminino, a opressão, a luta de gênero e a dominação masculina na sociedade. Chan-wook conseguiu trabalhar com a representatividade presente no livro e apresentou o romance para uma Coreia do Sul contemporânea homofóbica e patriarcal sem apagar as discussões levantadas por Sarah (PHILIP, 2018).

A obra de Waters, apesar de ser escrita nos tempos atuais, é um exemplo dos romances vitorianos da época, com melodrama e intrigas. Sarah é conhecida por seu ativismo na causa LGBTQ+ e pelos seus livros que abordam uma representação alternativa da sociedade vitoriana, onde mulheres homossexuais não possuíam o papel protagonista. Sarah intitula esse movimento como "Lesbo Victorian Romps", em tradução livre: travessuras lésbicas na era Vitoriana. ​Fingersmith se tornou uma obra tão renomada e influente que entrou para a lista ​Bowie's 100,​lista elaborada pelo cantor David Bowie com seus cem livros favoritos (ARMITSTEAD, 2017).

2 NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA

Como em Fingersmith​, A Criada ​(2016) conta a história de uma jovem contratada para trabalhar para uma herdeira japonesa, que leva uma vida isolada no interior da Coreia, por conta do estilo de vida de seu tio. Ao longo da narrativa é revelado o verdadeiro motivo da contratação: a criada na verdade é uma vigarista que planeja roubar a herdeira.

O filme é separado em três atos: "Parte Um", sob o ponto de vista de Sook-hee, "Parte Dois" por Hideko e "Parte Três" com uma figura onipresente. Todo o percurso da narrativa é construído de tal forma que o telespectador é obstruído da informação completa.

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A cada ato é revelado fragmentos da história, com sequências de abertura que brincam com a curiosidade do telespectador (TOMORROWED, 2018).

O contexto histórico da época é um reflexo das ações e personalidades dos personagens. A dualidade entre Coreia e Japão transita o filme todo: da arquitetura ao figurino, dos diálogos e até a própria legenda do filme, intercalando entre japonês (amarelo) e coreano (branco) (SHIN, 2018). A relação entre os dois países era extremamente controversa e resultou em muitos coreanos terem dificuldades na criação de uma identidade cultural própria e até mesmo admirarem a força bruta do governo japonês.

Em um diálogo entre Fujiwara e Kouzuki, o tio deixa claro a preferência ao Japão, país que ocupou e controlou a Coreia por meio de um governo totalitário e de terror, um espelho da sua personalidade em relação a sua sobrinha (HEEBON ​et al.​, 2019). “Por que essa urgência de ser japonês?” , a resposta de Kouzuki é: “Porque a Coreia é feia e o Japão é bonito”5​ (A CRIADA, 2016).

Apesar de o filme focar no romance ardente e erótico das protagonistas, a essência da narrativa é a busca pela identidade própria, o despertar sexual e a luta de mulheres contra o patriarcado e o abuso. Na cena final do longa se tem uma ressignificação positiva de um objeto que previamente era usado para forçar obediência e submissão em Hideko, por meio de um encontro sexual entre as mulheres, reforçando mais uma vez a liberdade feminina (HEEBON ​et al.​, 2019).

2.1 MUDANÇAS NARRATIVAS

A comparação de perspectivas culturais e de valores das obras é inevitável por conta da transição do ocidente para o oriente e a mudança de temporalidade. Enquanto o trabalho de Waters se passa na Inglaterra neo-vitoriana (1862) e estrela Sue Trinder e Maud Lilly, a de Chan-wook situa-se na Coreia ocupada pelo Japão (1930) e protagoniza Nam Sook-hee (Kim Tae-ri) e Izumi Hideko (Kim Min-hee).

Ao contrário da narrativa proposta no livro, a história das protagonistas parte para outro caminho a partir do segundo ato: Hideko e Sook-hee conspiram contra Fujiwara após Sook-hee salvar Hideko de uma tentativa de enforcamento.

5 Tradução livre pelas autoras: “Why this urge to become Japanese?” “Because Korea is ugly and Japan is beautiful”.

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Uma das maiores premissas do livro é a revelação das verdadeiras intenções da senhora Sucksby (Bok-soon) e a troca de Sue e Maud no nascimento. Por conta do tempo limitado nas telas a história dessa personagem não pode ser explorada e tomou proporções diferentes na versão coreana (PHILIP, 2018).

No original coreano o foco narrativo é na elite feminina, a ​agassi​6, enquanto que

Fingersmith ​centraliza justamente na classe trabalhadora, a criada (HEEBON ​et al.​, 2019). Park transformou um clássico da literatura em uma obra audiovisual magnífica, com elementos estéticos e narrativos góticos.

Personagem no Livro Personagem no Filme

Sue Trinder Nam Sook-hee

Maud Lily Izumi Hideko

Mrs. Sucksby Bok-soon

Richard Rivers Fujiwara

Christopher Lilly Kouzuki

3 DIREÇÃO

Park Chan-wook é um diretor, produtor e roteirista Sul-coreano muito popular em seu país de origem. É conhecido por suas cinematografias ousadas, enquadramentos e temas brutais que sempre englobam a vingança. Tem como inspiração o surrealismo e o absurdo do escritor Franz Kafka (IMDB, 2016), que acaba por transmitir para seus espectadores por meio das suas produções filmes agressivos e fortes.

A trajetória cinematográfica de Chan-wook conta com vários ​filmes aclamados pelos críticos. A Trilogia da Vingança: ​Sympathy for Mr Vengeance​, ​Oldboy ​e ​Sympathy for Lady Vengeance​, rendeu ao diretor diversos prêmios e indicações, entre eles o ​Director's Cut

6 Título original coreano, que significa “Lady”, “Moça”.

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Awards​, ​Critic's Choice Movie Awards​, ​Korean Film Awards, Cannes Film Festival, ​entre

outros.

Em seu mais novo trabalho, A Criada (2016) conquistou alguns prêmios como:

Baeksang Arts Award: Grand Prize for Film (2017) e o ​Prêmio BAFTA de Cinema: Melhor

Filme Estrangeiro (2018). Sem contar os oito prêmios que ganhou por Melhor Revelação,

Direção de Arte, Melhor Figurino, entre outros.

A Criada ​(2016) ficou marcada como uma transição temática de seus filmes, que deixou de lado seus personagens vingativos, frios e distantes, e abriu espaço para protagonistas cheios de empatia e humanidade com a criação de personagens ricamente desenvolvidos, escritos e com diálogos prósperos (NUNES, 2016).

4 DIREÇÃO DE ARTE

O Gótico foi um movimento que contemplou um contexto artístico e

comportamental, está presente nos livros, filmes, músicas, obras de arte e na arquitetura. Seu modelo ficcional na literatura e no cinema baseia-se no fantástico e no horror. A literatura era permeada pelo sinistro, o pavor e o sobrenatural, já o cinema contava com uma atmosfera sonhadora e de medo (MARTONI, 2011).

O movimento trouxe atmosferas fictícias e de horror com uma plasticidade pesada, escura e sombria, jogos de luz e de sombra. Na produção de Park os cenários melancólicos ganham vida não só por meio da narrativa e da fotografia, mas principalmente pela direção de arte com composições de cores e cenários.

4.1 FIGURINO

A elaboração da direção de figurino é essencial para uma boa obra, sobretudo quando a produção não se passa na época atual. A direção de arte proporciona camadas indispensáveis para qualquer trabalho, e em A Criada ​(2016)​Sang-gyeong Jo desenvolveu o papel perfeitamente, rendendo inclusive o ​Asian Film Award​ para melhor figurino.

Apesar das mudanças aparentes de cenário, os aspectos de figurino seguiram as ideias propostas por Waters. Em ambos textos o estilo tem uma ligação muito forte com as normas de vestimenta e de como a classe econômica é um fator que influencia diretamente

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nos trajes usados. Sook-hee só consegue se passar por Hideko, uma herdeira, na hora de ser internada por conta de seus trajes, que representam uma dignidade pertencente a uma classe superior (HEEBON ​et al.​, 2019).

Hideko é uma mulher, à primeira vista, frágil, rica e inocente. Seu estilo na primeira parte do longa é um reflexo disso. Os tecidos claros, rendas e algodão reforçam, ou melhor, forçam suas características infantilizadas (Figura 1). Ao longo da narrativa é apresentado ao telespectador que essas características são propositais para passar uma imagem de uma mulher fragilizada. A partir de seu ponto de vista, quando se tem a introdução à performances, seus desejos e conhecimentos eróticos são evidenciados (Figura 2). A mudança comportamental é representada no figurino: cores mais vibrantes e sensuais, com sedas, estampas e cortes tipicamente japonesas (YANG, 2018).

A luva é um acessório importante e que tem como característica intensificar as expressões do corpo e a acentuação de gestos. Em A Criada (2016) ela possui grande importância simbólica e de caracterização da protagonista. Em seu armário, Hideko possui uma grande coleção de luvas de couro, sedas e pares de sapatos, que sugere a extrema luxúria da personagem. ​Por meio do livro ​Fingersmith​, Waters descreve como a herdeira foi forçada pelo seu tio a usá-las durante as performances para manter a maciez de suas mãos para poder lidar com os livros delicados. Sendo assim, as luvas também retratam um papel de submissão (FILMED IN ETHER, 2017). Na cena do navio, quando Sook-hee e Hideko conseguem fugir juntas, as luvas são jogadas no mar, um ato símbolo de libertação do abuso sofrido por Hideko.

A personificação de um homem por meio do traje é um movimento de libertação das personagens. Quando Hideko escolhe usar roupas culturalmente masculinas e um bigode, ela assume um papel de poder que mulheres não possuíam na época, e é uma parte do filme que fica evidente a posição indumentária homossexual proposta por Waters em todos os seus romances (HEEBON ​et al.​, 2019).

Figura 1:​ Conversa entre Hideko e Sookee.

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Fonte: ​Filmed In Ether, 2017.

Figura 2: ​ Performance literária de contos eróticos na biblioteca.

Fonte:​ A Criada, 2016. 4.2. CENÁRIO

A produção cenográfica foi um dos pontos mais importantes para Park. O diretor juntamente a equipe construiu ambientes e atmosferas góticas, com elementos coreanos, japoneses e ingleses de extrema importância para narrativa, contextualização e identidade

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dos personagens. Por essa razão, foi utilizado CGI7para chegar em uma arquitetura perfeita

(ROTH, 2017).

A mansão é uma das partes mais importante do cenário da obra. Assim como os castelos retratados em obras literárias góticas, foi necessária a criação de um ambiente sombriamente belo, com jardins impecáveis e cômodos em grande dimensão, com quartos atrás de quartos e portas atrás de portas para criar um suspense nos espaços e desenvolver uma aura que provoca o telespectador.

A propriedade é uma construção com estilo ocidental desenhada por um arquiteto inglês, e combina duas alas em seu projeto: uma japonesa e outra inglesa. Os ambientes na ala ocidental são escuros, de madeira e com um grande número de retratos. Em compensação, a ala oriental possui papéis de parede floridos, com menos decorações e éseparada por portas de correr feitas de tela.

Cenas de grande importância para o filme são retratadas no centro da mansão, como a biblioteca de ​Kouzuki, um ambiente inteiramente japonês para arquivo histórico de livros e estúdio pornográfico ​(ROTH, 2017)​. Logo na entrada da biblioteca há uma cobra que representa fisicamente os limites que não podem ser ultrapassados.

No aposento de Hideko a caracterítica do ambiente é escura e fria. As paredes são em um tom de azul claro frio, os móveis são escuros e distantes e a vista da janela é diretamente à árvore em que sua tia se suicidou ​(HEEBON ​et al.​, 2019)​.

7 FOTOGRAFIA

Marcada por tons mais escuros, cores terrosas, acinzentadas e frias, a fotografia em A Criada (2016) ajuda a intensificar o período e local em que o filme se passa. Ao longo da da obra é transmitido uma sensação de que há sempre uma névoa pairando sobre a tela, fria e sem esperança (CINEMA COM CRÍTICA, 2017). Há uma sutil mudança na coloração, momentaneamente em cenas posteriores com as relações entre Hideko e Sook-hee. A cor esquenta por um curto período de tempo, mas volta a esfriar logo em seguida.

Chung-Hoon não deixa a desejar em movimentos de câmera. O diretor trabalha com suavidade e busca fazer transições imperceptíveis de forma que o caminho percorrido sejo fluido. Valoriza enquadramentos de planos gerais (Figura 3), close-ups (Figura 4) e

7 Imagens geradas por computador.

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planos detalhes (Figura 5), que são característicos de seus filmes. Tais técnicas resultam em um sentimento de proximidade e transforma as cenas em uma conversa pessoal com o telespectador.

Figura 3: ​Cenas​ ​Plano Geral.

Fonte: ​A Criada, 2016. Figura 4: ​Cenas Close-up.

Fonte: ​A Criada, 2016 Figura 5: ​Cenas Plano Detalhe.

Fonte: ​A Criada, 2016

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Chan-wook trouxe, junto de sua fotografia excepcional, uma brincadeira com os espelhos ao longo da obra. Em algumas cenas é possível perceber a intenção de espelhamento e reflexo entre as duas personagens principais reforçado com alguns diálogos, troca de olhares e respostas (Figura 6).

Figura 6: ​Jogo de espelhos.

Fonte: ​A Criada, 2016

A fotografia possui técnicas muito bem pensadas e trabalhadas para acompanhar as relações interpessoais e pessoais de cada personagem. Em uma das cenas o diretor Park utilizou como inspiração de enquadramento e representação das personagens em cena a obra do pintor surrealista René Magritte, ​La réproduction interdite ​(Figura 7). Na cena em questão, Hideko está atrás de Sook-hee afrouxando seu espartilho. A cena espelhada desconstrói a posição de ator em cena por deixar o espectador imaginar a expressão das personagens durante o diálogo que ocorre entre as duas. Pela falta da visibilidade expressiva e pouco diálogo, a cena traz uma tensão sexual ao mesmo tempo que deixa claro o início da ligação entre as duas.

Figura 7:​ Referência da pintura de Magritte, usada por Park em um de seus frames.

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Fonte: ​Arte na Rede, 2016 e A Criada, 2016 respectivamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra de Park Chan-wook certamente foi um marco cinematográfico. A produção reúne uma narrativa profunda e conquistadora, direção de arte com diferentes culturas e representações e uma fotografia que completa o visual artístico e sublime do filme. O diretor preenche as lacunas deixadas pela obra literária e intensifica a atenção político-cultural não tão presente no livro.

A obra prima cinematográfica possui uma intensidade na abordagem de temas sociais e culturais de extrema relevância sem perder o foco da narrativa proposto por Sarah Waters. O filme explora o erotismo e a força feminina, assim como o abuso e a perversão. A obra transmite uma beleza dos personagens, uma estética impagável e desperta um turbilhão de reações e sentimentos no decorrer do suspense da narrativa.

Park Chan-wook produziu um de seus filmes mais fortes e marcantes, por abordar uma temática poderosa, com uma ótima profundidade de personagens e principalmente pela representatividade proporcionada. Conclui-se com a análise a importância de refletir sobre as questões socioculturais e de gênero, não apenas os espectadores mas a academia de cinema, a qual possui um papel importante na categorização e influência de filmes distribuídos e consumidos ao redor do mundo.

REFERÊNCIAS

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ARMITSTEAD, Claire. Sarah Waters: ‘The Handmaiden turns pornography into a spectacle – but it's true to my novel'. ​The Guardian​, 2017. Disponível em:

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