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Argumentos relevantes acerca da legalidade da prisão civil do depositário infiel

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA CINTYA DE BONA PORTON

ARGUMENTOS RELEVANTES ACERCA DA LEGALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL

Tubarão 2010

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ARGUMENTOS RELEVANTES ACERCA DA LEGALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção de título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Maurício Daniel Monçons Zanotelli, Msc.

Tubarão 2010

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ARGUMENTOS RELEVANTES ACERCA DA LEGALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL

Este trabalho de curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão, 22 de novembro de 2010.

__________________________________________ Prof. e orientador Maurício Monçons Zanotelli, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

__________________________________________ Prof. Lester Marcantonio Camargo, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

__________________________________________ Prof. José Paulo Bittencourt Junior, Esp.

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A Deus pela sabedoria e pela força que tem me dado em todas as fases de minha vida.

Ao meu pai Raulino que me deixou um grande exemplo de amor, respeito, caráter e de luta.

À minha mãe Anita pelo seu carinho e dedicação, por estar sempre ao meu lado acreditando na minha capacidade, sendo a pessoa que mais me incentivou à conclusão deste trabalho.

Aos meus irmãos, pela preocupação que sempre tiveram comigo, pelos conselhos, e principalmente pelo apoio, meu imenso agradecimento.

Ao meu orientador, professor Maurício Monçons Zanotelli, pelo ensinamento e dedicação dispensados à concretização dessa monografia e pelo apoio que sempre me proporcionou.

Ao professor Lauro José Ballock, por disponibilizar doutrinas, e ainda pelo apoio e incentivo que me ofereceu no decorrer do curso sendo sempre muito atencioso e dedicado.

Por fim, gostaria de agradecer aos meus amigos, em especial ao meu namorado Nelson pelo carinho e pela compreensão nos momentos em que a dedicação aos estudos foi exclusiva. Enfim, a todos que contribuíram, direta ou indiretamente, para que este trabalho se concluísse, minha imensa GRATIDÃO.

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Este trabalho tem como objetivo pesquisar e analisar a prisão do depositário infiel, de acordo com a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), bem como demonstrar argumentos favoráveis acerca da legalidade da prisão civil do depositário infiel. Para a elaboração deste trabalho foi utilizada a pesquisa bibliográfica, que consistiu no exame de obras de vários doutrinadores, artigos científicos, leis e jurisprudências. O método de abordagem utilizado foi o dedutivo, por meio do qual se partiu de proposições gerais sobre a inadmissibilidade da prisão civil do depositário infiel para se chegar a uma conclusão particular, qual seja a legalidade dessa prisão. O Supremo Tribunal Federal, em atual decisão, pacificou entendimento acerca da inadmissibilidade da prisão civil do depositário infiel em decorrência do Pacto de São José da Costa Rica, assinado pelo Brasil. Tal tratado proíbe a existência da referida prisão por defender os direitos humanos. Entretanto, a Constituição Federal brasileira permite, em seu artigo 5º, inciso LXVII, a referida prisão. O presente trabalho demonstrou argumentos relevantes acerca da legalidade da prisão do infiel depositário. Conclui-se que os argumentos acerca da legalidade da prisão civil do infiel depositário se relacionam com a existência da segurança jurídica, da efetividade das decisões judiciais e dos processos, bem como a eficácia do judiciário, pois a prisão civil é uma medida de cumprimento de ordem judicial, medida esta, que faz com o que o depositário cumpra sua obrigação.

Palavras-chave: Depositário infiel. Prisão civil. Constituição Federal. Pacto de São José da Costa Rica.

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This work has the objective of surveying and analyzing the arrest of the depositary, according to Federal Constitution and the Pact of São José da Costa Rica (American convention of human rights), as well as show favorable arguments on the legality of civil arrest of the depositary. In order to conclude this work it was used bibliographic survey based on the work of many teachers, scientific papers, law, and jurisprudence. The approach used was deductive from which general propositions were taken about the inadmissibility of civil arrest of the depositary to reach a private conclusion, whatever the legality of this arrest is. The Supremo Tribunal Federal has pacified the decision understanding about the inadmissibility of civil arrest of the depositary because of the Pact of São José da Costa Rica which Brazil has signed; this treat forbids the existence of the arrest to defend the human rights, however the Brazilian Federal Constitution allows the arrest in its 5th incise LXVII. This work showed relevant arguments about the legality of the arrest of the depositary. We can conclude that arguments about the legality of the civil arrest of the depositary are related to the existence of legal security and effectiveness of legal decisions and the suits. As well as the effectiveness of the judiciary, for the civil arrest is a legal order that makes the depositary comply with the obligation.

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1 INTRODUÇÃO...7

2 BREVE HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DA PRISÃO CIVIL...10

2.1 PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL...13

2.2 CONTRATO DE DEPÓSITO...15

2.3 PRISÃO CIVIL E DIREITOS HUMANOS...19

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM RELAÇÃO À PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL ...25

3.1 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...26

3.2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL...30

3.3 PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA E A EMENDA CONSTITUCIONAL N° 45...35

4 ARGUMENTOS RELEVANTES ACERCA DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL...42

4.1 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL...43

4.2 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL...47

4.3 POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL...49

4.4 SEGURANÇA JURÍDICA...52

5 CONCLUSÃO...57

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal estabelece em seu art. 5º, LXVII que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”1

Entretanto, a partir do Decreto Presidencial nº. 592/92, de 6.7.1992, passou a integrar no sistema jurídico brasileiro o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos que, em seu artigo 11º, estabelece: Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir uma obrigação contratual.2

Ainda, através do Decreto nº. 678/92, também passou a integrar o Pacto de São José da Costa Rica o qual, em seu art. 7º, § 7º, determina que ninguém deve ser detido por dívidas. Esse princípio não limita os mandados de autoridades judiciárias competentes expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.3

Por muitos anos houve discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca de qual norma se adotaria em relação à prisão civil do depositário infiel, isto é, se ele seria preso ou simplesmente responderia através de seu patrimônio.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal em recente decisão pacificou o entendimento de que a prisão do infiel depositário é ilegal, uma vez que o Brasil firmou pacto com São José da Costa Rica, e tal tratado proíbe a prisão civil por dívida admitindo somente o a prisão do devedor de obrigação alimentar. Tal posicionamento adotado pela prezada Corte se deu pela preocupação com os Direitos Humanos.

A Constituição Federal Brasileira sustentada pelos princípios democráticos básicos, trouxe a proteção aos direitos humanos em seu artigo 5º, caput, incisos e parágrafos 1º e 2º, o que demonstra que ela também se preocupa com os Direitos Humanos.

Portanto, criou-se uma celeuma jurídica, pois de um lado tem-se a Constituição Federal permitindo a prisão civil do infiel depositário e do outro o Pacto de São José da Costa Rica proibindo-a.

1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 27 mar. 2010.

2 BRASIL. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992: atos internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis

e Políticos. Promulgação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em: 15 set. 2010.

3 SÃO PAULO. Procuradoria Geral do Estado. Convenção Americana dos Direitos Humanos. Disponível em:

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 20 ago. 2010.

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Desse modo, surge o cerne de toda a discussão do presente estudo, isto é, quais argumentos o Supremo Tribunal Federal utilizou para fundamentar sua posição sobre a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel, quais os argumentos favoráveis e contrários acerca da legalidade dessa prisão, que segurança jurídica o posicionamento atual do STF traz para a efetivação das decisões judiciais.

O presente estudo justifica-se no sentido de trazer os argumentos relevantes acerca da legalidade da prisão civil do infiel depositário, uma vez que tal instituto gera a efetividade jurisdicional e consequentemente a segurança jurídica e social, além do respeito às ordens judiciais.

Dessa forma, tem-se a finalidade de avaliar as normas existentes acerca do assunto, e analisar as interpretações contrárias e favoráveis em relação ao tema proposto, buscando apresentar a legalidade da prisão civil do depositário infiel.

Nesse trabalho tem, ainda, por objetivo pesquisar e analisar a prisão do depositário infiel, de acordo com a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) bem como demonstrar argumentos favoráveis acerca da legalidade da prisão civil do depositário infiel.

Assim, configura-se como objetivo principal da pesquisa analisar a prisão civil do depositário infiel sob a ótica Constitucional e sob o atual posicionamento do STF acerca da inadmissibilidade desta prisão.

No presente trabalho monográfico utilizou-se a técnica de pesquisa bibliográfica, uma vez que, para sua elaboração, adotou-se conhecimentos teóricos publicados em livros, artigos, revistas, legislações, jurisprudências entre outros.

O método científico utilizado foi o dedutivo, o qual se caracteriza pela aplicação de uma idéia geral para obtenção de resultado específico, haja vista que se analisou texto Constitucional, Civil e Processual Civil, bem como súmulas, e Tratado Internacional além de acórdãos que tratam da aplicação ou não da Prisão civil do Depositário Infiel.

O trabalho subdivide-se em três capítulos, sendo que o primeiro refere-se à evolução histórica da prisão civil, a prisão civil do depositário infiel, contrato de depósito, prisão civil e direitos humanos.

O segundo trata dos princípios constitucionais em relação à prisão civil do depositário infiel, princípio da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, Constituição Federal, Pacto de São José da Costa Rica e a Emenda Constitucional nº 45.

No terceiro e último capítulo abordar-se-ão os argumentos relevantes acerca da prisão civil do depositário infiel, assim os argumentos favoráveis e contrários à

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admissibilidade da prisão do depositário infiel, bem como a posição do Supremo Tribunal Federal e, ainda, a segurança jurídica de tal posicionamento.

Finalmente, são explanadas as considerações finais e a bibliografia referente à pesquisa realizada.

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2 BREVE HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DA PRISÃO CIVIL

A prisão civil pelo descumprimento de obrigação surgiu entre os egípcios, os quais acreditavam que os deuses eram testemunhas do acordo entre o devedor e o credor, sendo contra a inadimplência do que foi pactuado. No código de Hamurabi, constava a morte do devedor de dinheiro ou sementes e a escravidão de sua Família. No Direito Romano, versava a lei das XII Tábuas em que era permitido a execução pessoal do devedor.4

O Código de Hammurabi foi um conjunto de leis criado pelo rei Hamurabi na Mesopotâmia, baseado na lei de talião, “olho por olho, dente por dente.”5 Os artigos 115 e

seguintes, estabeleciam que o bem tomado como garantia era o ser humano, sendo possível também a penhora de um animal. A pessoa se subestimava ao credor, em face da dívida contraída, podendo, inclusive, entregar membros de sua família para trabalharem durante 3 anos para adimplir a dívida, podendo ser libertados apenas no quarto ano. Se houvesse a morte do executado, não motivava qualquer tipo de questionamento sobre a causa da mesma.6

Assim, em análise ao artigo 115, se uma pessoa tinha contra outra um crédito de trigo ou de prata e se o credor tomasse, em garantia desse crédito, uma pessoa, e se esta pessoa executada morresse, de morte natural, na casa do mesmo credor, essa causa não motivava qualquer reclamação.7

Já o Código de Manu, elaborado por volta do século XIII a.C., estabelecia:

Art. 123º Quando um credor reclama perante o rei a restituição de uma soma emprestada que o devedor retém, que o rei faça o devedor pagar, depois que o credor fornecera prova da dívida.

Art. 124º Um credor, para forçar seu devedor a satisfazê-lo, pode recorrer aos diferentes meios em uso na cobrança de uma dívida.

Art. 125º Por meios conforme ao dever moral, por demanda, pela astúcia, pela ameaça e, enfim, pelas medidas violentas, pode um credor se fazer pagar da soma que lhe devem.

Art. 126º O credor que força seu devedor a lhe restituir o que lhe emprestou, não deve ser censurado pelo rei por haver retomado o seu bem.

Art. 127º Quando um homem nega uma dívida, que o rei lhe faça pagar a soma de que o credor fornecer prova e o puna com uma ligeira multa proporcional às suas faculdades.

Art. 189º O homem que não entrega um objeto confiado, e aquele que reclama um depósito que não fez, devem ambos ser punidos como ladrões, se se trata de objeto

4 CAVALCANTI, C. P. Prisão civil. Revista Jurídica Consulex, Brasília, ano 5, n. 113, p. 46, 2001. 5 PORTAL DE PESQUISA. Código de Hammurabi. Disponível em:

<http://www.suapesquisa.com/mesopotamia/codigo_hamurabi.htm>. Acesso em: 15 ago. 2010.

6 TERRA. Código de Hammurabi. Disponível em: <http://paginas.terra.com.br/arte/hammurabi/05.html>.

Acesso em: 11 ago. 2010.

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importante como ouro ou pérolas; ou condenado a uma multa igual em valor à coisa em questão, se ela tem pouco preço.8

Tal instituto também utilizou a prisão civil por dívida, acrescentando, ainda, o emprego de violência. O credor poderia utilizar todos os meios estabelecidos no código para cobrar seu crédito, tanto através de ofensas morais quanto violentas. Além disso, o objeto devido deveria ser entregue ao proprietário no mesmo estado em que foi recebido, e se não o fizesse, poderia ser preso e coagido até a sua correta devolução.

Nesse período, havia a execução pessoal do devedor, podendo ser transformado em escravo, sendo tratado como pessoa indigna e ainda, era obrigado a entregar os membros de sua família para garantir o adimplemento da obrigação.

O direito romano também estabeleceu a prisão civil por dívida, sendo codificada na Lei das XII Tábuas, de 450 a.C., admitindo a execução pessoal do inadimplente:

Tábua Terceira, Lei IV – Aquele que confessa dívida perante o magistrado ou é condenado, terá 30 dias para pagar; V – Esgotados os 30 dias e não tendo pago, que seja agarrado e levado à presença do magistrado; VI – Se não paga e ninguém se apresenta como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso até o máximo de 15 libras; ou menos, se assim quiser o credor; VII – O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que o mantém preso dar-lhe-á por um dia uma libra de pão ou mais, a seu critério; VIII – Se não há conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias, durante os quais será conduzido em 3 dias de feira ao comitium, onde se proclamará, em altas vozes o valor da dívida; IX – Se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre.9

Através dos requisitos supras, conclui-se que o Direito Romano utilizava a prisão do devedor como meio de garantir o adimplemento da obrigação, adotando, inclusive, a divisão do corpo do vendedor, além de vendê-lo a estrangeiros.

Com o surgimento de manifestações populares que eram contrárias às crueldades físicas sofridas pelos devedores, criou-se a Lex Poetelia Papiria, de 326 a. C., a qual estabeleceu que o inadimplemento passaria a ensejar, não mais a execução pessoal, mas a execução patrimonial do devedor.10

8 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA. Código de Manu. Disponível em:

<http://www.ufra.edu.br/legislacao/CODIGO%20DE%20MANU.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2010.

9 JURISCIÊNCIA. Lei das XII tábuas. Disponível em:

<http://www.jurisciencia.com/legislacoes/legislacao-diversa/lei-das-doze-tabuas-lei-das-12-tabuas-lei-das-xii-tabuas/210/>. Acesso em: 16 ago. 2010.

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Assim, os credores passam a agir sobre os bens do devedor o que antes era sobre a pessoa do próprio devedor. Tais bens eram levados à arrematação pública, uma vez emitidos em posse dos credores. 11

Também surgiu a edição da Lex Iulia, em 17 a.C., em que na ocasião, o Imperador César Otaviano Augusto efetivou um novo critério processual, deixando mais branda a execução pessoal do devedor, que ficava isento de morte, mas sujeitava-se à condição de escravo.12

Assim, ficou proibida na antiguidade a punição física do devedor, podendo o credor atingir apenas seu patrimônio.

Contudo, a ideia de atingir o patrimônio do devedor como meio de fazê-lo adimplir sua obrigação novamente foi abandonada, tendo em vista o surgimento do iluminismo cujo pensamento teológico acreditava que a dívida era um acordo inviolável entre credor e devedor e o descumprimento desse acordo provocaria uma “mentira”, considerada um pecado infame para a época. Nesse período permitia-se que o credor tomasse o devedor a fim de escravizá-lo ou até mesmo matá-lo para adimplir a dívida contraída.13

A evolução histórica desse instituto fez com que o conceito de obrigação não se direcionasse pela coação pessoal, mas pelo fundamento de vínculo jurídico de maneira transitória com a finalidade de afastar a escravidão, respondendo o patrimônio pelo inadimplemento da obrigação assumida entre as partes.

Por um longo período, a prisão civil foi admitida no ordenamento jurídico brasileiro, constando previsão legal no Código Comercial (artigo 20, 91, 114 e 284) e no Código Civil de 1916 (artigo 1.287).

Tanto a Constituição de 1824 quanto a Constituição Republicana de 1891 não previam a possibilidade da prisão do devedor inadimplente, sendo que o legislador ordinário tinha liberdade para arbitrar os preceitos e disposições de tratamento de tais casos, não sendo necessário abordar sobre o tema através de texto constitucional.14

11 RABELLO, J. G. J. Alienação fiduciária em garantia e prisão civil do devedor. São Paulo: Saraiva, 1987.

p. 37.

12 AZEVEDO, 1993, p. 27.

13 GRAVAZZONI, Aluisio. História do direito: dos sumérios a nossa era. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

2002. p. 122.

14 CONCEIÇÃO, Arnaldo Alves da. A inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel face aos

tratados internacionais de direitos humanos. Âmbito Jurídico, Rio Grande, n. 69, 1 out. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6836>. Acesso em: 16 set. 2010.

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A Constituição de 1934 proibiu a prisão civil em seu artigo 113, XXX: “Não haverá prisão por dívida, multas ou custas.”15 Tal proibição foi derrogada pela Constituição de

1937, que, silenciou sobre o assunto.

As Constituições de 1946, 1967, 1969 e 1988 proibiram a prisão civil por dívida, permitindo apenas duas exceções: depositário infiel e devedor de alimentos. Atualmente, dispõe o art.5º, LXVII, da Constituição: “Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”

A prisão civil por dívida, portanto, é vedada pelo ordenamento jurídico, em face da regra contida no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal. As únicas exceções, e estas se interpretam restritivamente, são decorrentes da prisão pelo inadimplemento de dívida de caráter alimentar e do depositário infiel.

Entretanto, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, com a inclusão do Pacto de São José da Costa Rica, a regra civil prevista no antigo artigo 1287 e atual artigo 652 do Código Civil foram inutilizados, tendo em vista a existência de um tratado internacional do qual o Brasil é consignatário. Tal tratado será explicado no decorrer da pesquisa.

2.1 PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL

A prisão civil pode ser entendida, nas palavras de Rabelo, como: “um instrumento de coercibilidade, utilizado na jurisdição civil, de cunho eminentemente econômico, previsto em lei, com o objetivo de compelir o devedor, seja depositário ou de alimentos, a cumprir o seu dever de obrigação.”16

Pode-se analisar o conceito adotado por Azevedo: “um dever ou de uma obrigação descumprida e fundada em norma jurídica de natureza civil.17

Damásio Evangelista de Jesus ensina que:

a pena tem caráter retributivo, ao passo que priva o agente de seu bem jurídico, e duplo caráter preventivo, na medida em que intimida a sociedade, a fim de impedir

15 BRASIL. Constituição (1934). Constituição da república dos estados unidos do Brasil. Loc. cit. 16 RABELLO, 1987, p. 46.

17 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Prisão civil por dívida. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo. Revista dos

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que seus membros pratiquem crimes (prevenção geral), e retira o autor do delito do meio social, impedindo-o de delinqüir novamente (prevenção especial).18

É de se perceber, portanto, que tal instituto existe para garantir a segurança, pois ao cidadão que confia um bem a um depositário deve-se fornecer uma segurança efetiva, já que sendo o devedor insolvente, não há como fazê-lo adimplir com a obrigação senão adotar medidas coercitivas. Ao mesmo tempo, a existência de tal instituto faz com que haja o cumprimento de ordem judicial, pois a prisão é o meio que qual a sociedade teme.

Não se pode confundir a prisão civil com a prisão penal. A título de esclarecimento, pode-se melhor explicar tal instituto com as palavras de Azevedo:

A prisão penal [...] está prevista na legislação criminal e é decretada quando os princípios reconhecidos por esta são ameaçados ou violados. Ela apresenta, fundamentalmente, o caráter de pena, de punição. Essa pena, ainda que vista sob a situação de segregar pessoa perigosa da sociedade, seja não só para puni-la, mas para educá-la, recuperá-la, ela encontra fundamento na legislação criminal específica, pertencendo ao âmbito da Ciência Jurídica Penal. A prisão penal, portanto, decorre da aplicação de pena criminal, em razão da prática de ato ilícito penal, assim definido como crime ou contravenção.19

Já a prisão civil, trata-se de uma medida de força, restritiva de liberdade, que, sem intenção de castigo, existe como meio coercitivo para forçar o cumprimento de determinadas obrigações.

A Constituição Federal regulamenta a prisão civil no artigo 5°, LXVII determinando que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”

Nas palavras de Marmitt:

a prisão existente na jurisdição civil é simples fator coercitivo, de pressão psicológica, ou de técnica executiva, com fins de compelir o depositário infiel ou o devedor de alimentos, a cumprirem sua obrigação. Insere-se na Constituição Federal como exceção ao princípio da inexistência de constrição corporal por dívida. Sua finalidade é exclusivamente econômica, pois não busca punir, mas convencer o devedor relapso de sua obrigação de pagar.20

Como regra, não havia o que se falar em prisão do devedor, estabelecendo a Constituição Federal duas exceções: o inadimplemento das obrigações alimentícias e a infidelidade do depositário, tendo tais hipóteses como finalidade o adimplemento da obrigação assumida.

18 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 1. p. 547. 19 AZEVEDO, 2000, p. 53.

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Entende-se por depositário, segundo o Dicionário Jurídico, “Auxiliar da justiça responsável pela guarda e conservação de bens penhorados, arrestados, sequestrados ou arrecadados. A remuneração do seu trabalho é fixada pelo juiz, atendendo à situação dos bens, ao tempo do serviço e às dificuldades de sua execução.”21

Conclui-se, portanto, que o depositário é a pessoa a quem se entrega ou a quem se confia alguma coisa.

A prisão civil do depositário infiel, mesmo não sendo mais permitida por entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal merece no mínimo ser questionada, pois pode vir a ser o melhor método para fazer com que o inadimplente cumpra a ordem judicial, como será visto no decorrer desta pesquisa.

Pedro Simon, senador e autor do Projeto de Lei nº 132/2004 que altera o artigo 14 do Código de Processo Civil, permitindo a prisão pelo descumprimento de ordem judicial justifica a prisão civil da seguinte forma:

Assim, a fim de alcançar o resultado pretendido pelo legislador e para dar maior eficácia à prestação jurisdicional, mormente no que diz respeito aos provimentos de natureza mandamental, sugerimos a cominação de prisão como sanção para o seu descumprimento. E vale lembrar que não há incompatibilidade com a ordem constitucional vigente. [...] Nos termos da proposta de alteração legislativa que segue, a prisão não advém do inadimplemento de uma obrigação, mas sim do descumprimento de uma ordem judicial.22

Tal Projeto, atualmente, encontra-se tramitando anexado ao Projeto de Lei do Senado nº. 166 de 2010, o qual foi encaminhado à Comissão Temporária do Senado Federal.23

Por conseguinte, a prisão civil pelo descumprimento de ordem judicial é uma forma de coerção para que a mesma seja cumprida, não afrontando a Constituição Federal, mas sim garantindo sua efetividade com o intuito de proteger o Estado Democrático de Direito.

2.2 CONTRATO DE DEPÓSITO

21 DIREITONET. Dicionário jurídico. Disponível em:

<http://www.direitonet.com.br/dicionario_juridico/x/13/44/134/>. Acesso em: 16 jul. 2010. 22

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PROCESSUAL. Projeto de lei do senado 132/2004. Disponível em: <http://www.direitoprocessual.org.br/dados/File/enciclopedia/propostas_legislativas/ processo_civil/ (doc%2013)%20PLS%20132%20de%202004.doc>. Acesso em: 16 ago. 2010.

23 BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei do senado nº 166. Disponível em:

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O instituto chamado Depósito, pode ser entendido segundo, Gonçalves, como “um contrato em que uma das partes, nomeada depositário, recebe da outra, denominada depositante, uma coisa móvel, para guardá-la, com a obrigação de restituí-la na ocasião ajustada ou quando lhe for reclamada.”24

Maria Helena Diniz exemplifica tal instituto da seguinte forma: “tem-se quando determinado indivíduo, obrigado a retirar-se temporariamente do país, não podendo consigo levar seus pertences e não tendo com quem deixá-los, contrata outra pessoa para guardá-los e conservá-los até o seu retorno. Nesse caso, tem-se o depósito.”25

O depósito é uma modalidade de contrato, estando sua matéria disciplinada no artigos 627 a 652 do Código Civil brasileiro.

O contrato de depósito, portanto, é aquele onde o depositário recebe um bem para guardá-lo, comprometendo-se a restituí-lo. Foi previsto no Código Civil de 1916, em seu artigo 1265, e está no Código Civil vigente em seu artigo 627 e seguintes.

O depósito pode ser contratual ou judicial. Entende-se por depósito contratual aquele que decorre de um acordo de vontades, obrigando o depositário a guardar e conservar o que lhe foi confiado, devendo haver a restituição assim que exigido pelo depositante.

Já o depósito judicial é aquele determinado em Juízo, onde se entrega um bem, objeto de um processo, a um depositário, com o intuito de guarda e zelo, até decisão final, preservando-se os direitos das partes.

Entre as principais características de um contrato de depósito citam-se algumas encontradas nas palavras de Queiroz:

a) Não uso. Significa que a coisa não deve ser usada e nem dada à outra pessoa. O depositário é extremamente responsável pela coisa que lhe foi confiada. Caso for concedido o uso da coisa, o depósito assemelha-se com o comodato se gratuito, ou ainda da locação se oneroso.

b) Interesse primário do depositante. No depósito o interessado é o depositante. c) Objeto é coisa corpórea e infungível. Significa que a coisa deve ser móvel e não fungível, embora existam algumas exceções.

d) Disponibilidade. Por tal característica entende-se que a coisa ficará com o depositário até que o depositante requeira.

24 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva,

2004. v. 3. p. 360.

25 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.

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e) Prazo em benefício do depositante. Quando existir prazo, este é estabelecido em benefício do depositante.26

Segundo Theodoro Júnior o depósito contratual pode ser:

regular ou irregular: o primeiro é o que tem por objeto coisas não fungíveis, e o depositário se obriga a restituir especificamente a própria coisa depositada; e o irregular é o que incide sobre coisas fungíveis, e ajustado mediante transferência do domínio ao depositário, que pode usar e consumir os bens que lhe são confiados, com obrigação apenas de restituí-los em objetos que sejam do mesmo gênero, qualidade e quantidade. O depósito irregular escapa do regulamento específico do depósito e sujeita-se à disciplina legal do mútuo.27

A prisão do infiel depositário deriva de sua principal obrigação que é a de guardar a coisa, conservá-la e restituí-la, in natura, quando exigida pelo depositante ou pagar o preço equivalente se a coisa não mais existir na sua esfera de disponibilidade.28

Tem-se a ação de depósito como um meio de exigir a restituição da coisa depositada. D’Câmara ensina que “a força da ação de depósito está na decretação da prisão de depositário infiel ou na ameaça de prisão, pois, caso contrário perderá totalmente a força e a finalidade para a qual fora criada.”29

Vale dizer que, em algumas circunstâncias, o depositário estará isento de responsabilidade quando surgir caso fortuito ou de força maior, porém precisa ele fazer provas excludentes de responsabilidade. Responderá, nesses casos, conforme os artigos 239 e 240 do Código Civil Brasileiro.

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos.

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239.30

Cabe salientar que a ação de depósito será proposta quando o depósito for contratual, pois se for judicial, não há necessidade de propositura de ação, uma vez que o Juiz poderá determinar a busca e apreensão do bem através de simples mandado.

26 QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Prisão civil e os direitos humanos. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 33-35.

27 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

v. 3. p. 54.

28 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 7. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 1124.

29 UNIVERSO JURÍDICO. Olavo D’Câmara. A prisão do depositário infiel, o Pacto de San José da Costa

Rica e aspectos constitucionais. Disponível em:

<http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/4869/A_Prisao_do_Depositario_Infiel_o_Pacto_de_San_Jose_d a_Costa_Rica_e_aspectos_constitucionais>. Acesso em: 10 set. 2010.

30 BRASIL. Código civil, lei n.º 10.406. 10 jan. 2002. Disponível em:

(19)

Assim, a Súmula 619 do Supremo Tribunal Federal, antes do seu atual posicionamento, estabelecia: “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito.”31

Ainda, sobre o depositário, convém citar o que o Código de Processo Civil estabelece:

Art. 148. A guarda e conservação de bens penhorados, arrestados, seqüestrados ou arrecadados serão confiadas a depositário ou a administrador, não dispondo a lei de outro modo.

Art. 149. O depositário ou administrador perceberá, por seu trabalho, remuneração que o juiz fixará, atendendo à situação dos bens, ao tempo do serviço e às dificuldades de sua execução.

Parágrafo único. O juiz poderá nomear, por indicação do depositário ou do administrador, um ou mais prepostos.

Art. 150. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada; mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo.32

É importante acrescentar que tanto o código civil de 1916 quanto o de 2003, em seus respectivos artigos acerca da prisão civil, assim dispuseram: “seja voluntário ou necessário o depósito, o depositário que o não restituir, quando exigido, será compelido a fazê-lo, mediante prisão não excedente a 1 (um) ano e a ressarcir os prejuízos.”

Portanto, tais dispositivos, tanto o de 1916 quanto o de 2003, estabelecem a possibilidade da prisão civil do infiel depositário não excedendo a pena imposta. A Constituição Brasileira, como já citado, também prevê a prisão do depositário infiel em seu art. 5º, inciso LXVII.

Desse modo, o ordenamento jurídico brasileiro admite apenas duas exceções de prisão civil: a do não pagamento de pensão alimentícia e daquele que, tendo celebrado contrato de depósito, sem justo motivo, se nega a devolver a coisa depositada quando solicitada pelo depositante. Porém, a influência de um Tratado Internacional gerou a ilegalidade dessa prisão.

No ordenamento interno instalou-se uma contradição. A Constituição Federal admite a prisão civil do depositário infiel, ao passo que os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, subscritos pelo Brasil, vedam expressamente tal expediente.

31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 619. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=619.NUME.%20NAO %20S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 29 ago. 2010.

32 BRASIL. Código de processo civil (1973). Disponível em:

(20)

2.3 PRISÃO CIVIL E DIREITOS HUMANOS

A prisão civil, no direito internacional, tem sido vedada como um meio de respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana. Não se deve questionar da extrema importância do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o qual deve fazer parte dos ordenamentos jurídicos, convivendo de forma pacífica entre os países.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas afirma em seu artigo 1º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”33

A Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem:

como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.34

A Constituição Federal Brasileira, amparada pelos princípios democráticos básicos, trouxe a proteção aos direitos humanos em seu artigo 5º, caput, incisos e parágrafos 1º e 2º.

No caso dos depositários infiéis, determinou a Constituição Federal a possibilidade da prisão civil. Conforme Queiroz, “esta prisão tem por objetivo conseguir o perfeito adimplemento da obrigação assumida, não se revelando, pois, como uma pena, mas sim como uma pressão psicológica a agir sobre o devedor.”35

O Brasil, ao firmar acordo através do Pacto de São José da Costa Rica, criou antinomia em seu direito positivo acerca da disciplina jurídica, no caso de descumprimento do dever jurídico de restituição nas relações jurídicas, envolvendo depósito de bens, uma vez que aquele tratado não permite a prisão civil do sujeito passivo inadimplente.36

33 NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Declaração dos Direitos Humanos. Disponível em:

<http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 6 ago. 2010.

34 Ibid.

35 QUEIROZ, 2004, p. 68.

36 SÃO PAULO. Procuradoria Geral do Estado. Doutrina. Disponível em:

(21)

A Convenção em foco não permite a prisão do depositário infiel, mas tão somente nos casos do devedor de alimentos.

Dessa forma, surge o confronto do dispositivo constitucional brasileiro com o artigo 7º do Pacto de São José dá Costa Rica.

A diferença entre o direito interno brasileiro e o direito internacional refere-se às exceções, pois a Convenção Americana de Direitos Humanos só admite uma exceção (inadimplemento de obrigação alimentícia) e a Constituição Federal estende sua possibilidade incluindo a prisão civil nos casos de depositário infiel.

Conforme Queiroz, “para afastar tal antinomia é preciso que os juristas busquem a interpretação mais consentânea e fiel à ratio legis, visando à busca da fundamentação necessária para impedir a perpetração de gravíssimas injustiças.”37

Portanto, o legislador deve se preocupar não apenas com a prevalência do tratado firmado, mas também com a efetividade do instituto da prisão civil, pois tal instituto assegura o ressarcimento ao cidadão daquilo que lhe é devido, e faz com que os depositários temam, fazendo com que efetivamente cumpram o que assumiram.

Um dos mais recentes posicionamentos acerca da força hierárquica dos Tratados Internacionais no âmbito do Direito interno, refere-se à Emenda Constitucional número 45 que acrescentou o § 3º no artigo 5º da Constituição Federal, estabelecendo: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”38

Portanto, antes da EC nº 45, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, era de que todos os tratados (de direitos humanos ou não) seriam recebidos como lei ordinária.39

O presente trabalho demonstra argumentos relevantes acerca da legalidade da prisão civil do depositário infiel, pois, por mais importante que seja a existência dos direitos humanos, não se pode olvidar da existência de uma norma maior, a Constituição Federal e esta possui capítulos específicos sobre direitos fundamentais. Tais direitos são indispensáveis à dignidade de qualquer cidadão e, não menos importante, para o funcionamento da justiça.

Ao mesmo tempo, tem-se extrema preocupação com a efetividade do texto Constitucional, com sua real execução, com a concretização da norma no mundo dos fatos e na vida de cada indivíduo.

37 QUEIROZ, 2004, p. 70.

38 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa do Brasil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 27 mar. 2010.

39 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O direito internacional e o Supremo Tribunal Federal. Revista de Direito

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Nas palavras de Queiroz:

[...] temos que considerar que sempre é concedido às partes signatárias dos tratados o direito de arrependimento, cujo exercício não ocorre automaticamente. Afinal, ao assinar um tratado, ainda que ratificado, e portanto cumpridas todas as exigências do trâmite procedimental que lhe é peculiar, isto não significaria, em nenhuma hipótese, que o país tenha vestido uma camisa de força.40

É certo que os tratados internacionais obrigam os países a cumprirem o que consentiram sob pena de absoluto descrédito no âmbito internacional. Porém, a título de esclarecimento, quando o país observar a inconveniência de manter-se a um tratado poderá ele utilizar do recurso à denúncia. Assim, se desligará do tratado que não pretender mais fazer parte.

Estabelece o artigo 78 do Pacto de São José da Costa Rica: “Os Estados-partes poderão denunciar esta Convenção depois de expirado o prazo de cinco anos, a partir da data em vigor da mesma e mediante aviso prévio de um ano, notificando o Secretário Geral da Organização, o qual deve informar as outras partes.”41

Sendo assim, nota-se que existe a possibilidade de o Brasil se desvincular de um tratado internacional do qual não deseja mais fazer parte, mas não apenas pelo simples desejo de não fazer mais parte, e sim pelo fato de esse tratado estar contrariando o que sua Constituição estabelece sobre a prisão civil do infiel depositário. Tal instituto não tem o objetivo de sancionar alguém, mas de apresentar uma maneira realmente efetiva acerca de descumprimento de obrigação, dando maior segurança a todos.

Ademais, conforme entendimento de Queiroz:

a pena de prisão civil do depositário infiel é uma sanção com características peculiares, cujo escopo outro não é senão conseguir o perfeito adimplemento da obrigação assumida, não se revelando, pois, como uma pena e sim, como uma pressão psicológica a agir sobre o devedor.42

Preocupa-se com o real adimplemento da obrigação assumida, pois a prisão civil é o meio efetivo de garantir o cumprimento daquilo que foi acordado entre as partes, fazendo com o que o depositário não seja infiel.

Não há dúvida de que os direitos humanos são direitos básicos e indispensáveis à dignidade humana não devendo serem violados, já que possuem caráter universal. A Constituição Federal brasileira de 1988, porém, também trata de princípios implícitos

40 QUEIROZ, 2004, p. 94-95.

41 SÃO PAULO. Procuradoria Geral do Estado. Convenção Americana dos Direitos Humanos. Disponível

em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 20 ago. 2010.

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protetivos de direitos humanos e o que estabelecia acerca da prisão civil não afeta seus princípios, pois a real preocupação é fazer com o que o devedor cumpra sua obrigação e obedeça à ordem judicial.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal atualmente pacificou seu entendimento acerca do assunto, posicionando-se da seguinte maneira:

EMENTA: “HABEAS CORPUS” - PRISÃO CIVIL – DEPOSITÁRIO JUDICIAL - REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF - A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) - NATUREZA CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL, AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL.

Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito [...]. Revogação da Súmula 619/STF. [...] A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). [...] - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. [...].

HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), [...] - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano.43

A decisão do acórdão supra se baseou na hermenêutica constitucional, colocando a profunda preocupação com os Direitos Humanos em primeiro lugar, fundamentando, ainda, que se aplica ao caso a norma mais favorável como critério de interpretação das legislações conflitantes. E como norma mais favorável escolheu-se a liberdade do indivíduo.

Não há sombra de dúvidas que a liberdade do indivíduo é um dos direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, e que tanto esse direito quanto outros devem

43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus nº. 96.772-8. 2ª turma. Relator: Min. Celso de Mello.

Brasília, DF, 9 jun. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp? s1=pris%E3o%20civil%20deposit%E1rio%20infiel&base=baseAcordaos>. Acesso em: 31 ago. 2010.

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ser respeitados. Porém, o que se questiona é: como ficarão os casos em que o depositário descumprir uma ordem judicial. Uma vez que existe, no ordenamento jurídico, pena para aquele que descumprir ordem judicial. Salientando-se que tal penalidade não é objeto da pesquisa.

É o que acontece com os depositários quando são chamados a devolver o que lhes foi confiado em juízo. Se os mesmos não cumprirem a ordem, estarão descumprindo sua obrigação, logo se conclui que, além de causarem lesão ao depositante, estão desrespeitando uma ordem jurídica.

Desse modo, as ordens judiciais que forem descumpridas levarão o Poder Judiciário ao descrédito em face de sua não operacionalização, bem como da ineficácia da prestação jurisdicional, pois como medida mais favorável também há de se pensar na efetividade jurisdicional.

Mota estabelece alguns requisitos essenciais para o alcance da efetividade processual:

1. O processo deve ser acessível, permitindo uma ordem jurídica justa e célere aos destinatários da prestação jurisdicional;

2. Os provimentos judiciais obtidos devem ser capazes de produzir efeitos reais para o jurisdicionado, de forma a atribuir-lhe resultados dirigidos à realização do direito material;

3. O processo deve proporcionar uma “tutela jurisdicional adequada”, tornando úteis as decisões proferidas pelo magistrado.44

À luz dos requisitos estabelecidos pode-se concluir que é indispensável obter-se efetividade nos processos e, levando para o caso do depositário infiel, garantir-se a obrigação ao depositante lesado, pois somente com a prisão civil é que poderá se garantir o real cumprimento da obrigação assumida.

Segundo o artigo 5º, XXXV da Constituição federal, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”, portanto ao poder judiciário cabe analisar os casos de lesão e ameaça de direito e não somente a preocupação com a liberdade, pois tal restrição é meio de coerção com o intuito de fazer o devedor e toda a sociedade temer uma futura infidelidade.

Além disso, atualmente, a litigância de má-fé vem crescendo no universo jurídico entre as partes, sendo evidente que tal expediente infringe um dos princípios mais importantes do processo civil: o princípio da lealdade entre as partes. Princípio segundo o qual as partes,

44 MOTA, Lise Nery. Prisão civil como técnica de efetivação das decisões judiciais. Rio de Janeiro: Lúmen

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incluindo também os advogados, devem agir com lealdade e boa fé durante todo curso do processo, como prevê o código de processo civil em seu artigo 14, II.45

Assim, descumprindo-se o princípio da lealdade processual e não havendo mais prisão civil para os responsáveis pelo inadimplemento, a litigância de má-fé só tem a aumentar, pois o indivíduo, maliciosamente, poderá se aproveitar da sua situação de depositário para não adimplir com sua obrigação ou, ainda, retardar a satisfação de um crédito, podendo, inclusive, ficar com um bem que não lhe pertence.

(26)

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM RELAÇÃO À PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL

Antes de adentrar nos princípios referentes ao presente trabalho, necessário se faz a conceituação dos mesmos, para Reale princípios são:

[...] verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.46

Pode-se dizer que, em qualquer ciência, o princípio é o ponto de partida de qualquer sistema.

Nesse sentido, pode-se assegurar que os princípios constituem adequadas presunções coerentes, sendo alicerces do sistema jurídico.

Os Estados se organizam a partir de um Estado de Direito, isto é, a atuação dos mesmos fica limitada por um ordenamento maior, a Constituição Federal.

Os princípios constitucionais podem ser compreendidos nas palavras de Barroso como: “conjunto de normas da ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus afins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamento ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui.”47

Conclui-se, por conseguinte, que os Princípios Constitucionais, são bases do sistema jurídico. Tudo que lhes segue deve estar em perfeita harmonia e conformidade com seus preceitos.

Vale lembrar que os princípios constitucionais possuem diversas funções, Lima explana sobre essas funções da seguinte forma:

Na realidade, os princípio são ‘multifuncionais’ (CANOTILHO), sendo que pelo menos três funções podem ser apontadas aos princípios no direito em geral:

a) função fundamentadora;

b) função orientadora da interpretação; c) função de fonte subsidiária.48

46 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 299.

47 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades

da constituição brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. p. 285.

48 LIMA, George Marmelstein. As funções dos princípios constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n.

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Os princípios, portanto, são multifuncionais, pois além de fundamentar a criação das regras, servem de base para se fazer uma melhor interpretação em num determinado caso respeitando o que estiver estabelecido na Carta Magna.

Mostra-se evidente, a extrema importância da Constituição Federal e de seus princípios no ordenamento jurídico, uma vez que são indispensáveis para a existência de um verdadeiro Estado de Direito. Dentre os princípios constitucionais existentes, preocupa-se com o princípio da proporcionalidade e dignidade da pessoa humana, os quais serão explicados a seguir.

3.1 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da proporcionalidade não está expressamente positivado na Constituição Federal de 1988, porém isso não faz com que o mesmo não seja aplicado no ordenamento jurídico do país com o intuito do controle da legalidade.49

Nas palavras de Castro sobre o princípio da proporcionalidade:

Sua afirmação traduz o dever jurídico do intérprete e aplicador do direito de guardar e buscar sempre a almejada justa medida no trato intersubjetivo. Essa cláusula, que é imanente à idéia de direito e que hoje ostenta fecunda vocação expansiva para a compreensão do fenômeno jurídico na pós-modernidade, expressa a noção de equitatividade, de adequabilidade, de suficiência, de ausência de abuso ou excesso, de equilíbrio de conduta, de equânime distribuição de ganhos e ônus nas relações jurídicas, enfim, de justa e aceitável proporção na correlação entre os direitos e os deveres impostos, reprimidos, admitidos ou de qualquer forma promovidos pela ordem jurídica plural e democrática.50

O princípio da proporcionalidade, mesmo não estando explícito na Carta Magna, é de extrema importância, pois é um dos meios de controle da legalidade de atos cometidos pelo Poder Judiciário. E, levando-se em conta a admissão da prisão civil do depositário infiel pela Constituição Federal, deve o legislador buscar a melhor medida. Ao se referir à melhor

49 COSTA,Gerson Godinho da. Princípio da proporcionalidade e individualização da sanção criminal

abstratamente cominada. p. 141. Disponível em:

<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/18225/Princ

%C3%ADpio_da_Proporcionalidade_e_Individualiza%C3%A7%C3%A3o_da_San

%C3%A7%C3%A3o_Criminal_Abstratamente_Cominada.pdf?sequence=2:. Acesso em: 4 out. 2010.

50 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da

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medida, se quer dizer que deve-se escolher o que trouxer maior segurança e efetividade ao caso apresentado, em conformidade com a legislação pátria.

Em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana, o mesmo pode ser conceituado, nas palavras de Moraes, da seguinte forma:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.51

Entende-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana refere-se principalmente ao respeito que todo e qualquer cidadão possui como pessoa humana, sendo, inclusive, um direito, estando tal direito protegido pelo ordenamento jurídico pátrio. Assim, a Constituição Federal, em seu artigo 1º, estabelece como um de seus fundamentos, em seu inciso III, a dignidade da pessoa humana. 52

Posto isso, importante analisar o princípio da proporcionalidade em relação a seus três sub-princípios, quais sejam: adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.53

O sub-princípio da adequação está relacionado à compatibilidade entre o instrumento utilizado e o fim, devendo haver uma harmonia entre ambos. Portanto, levando tal princípio para a prisão civil, tem-se o adimplemento da obrigação, pois o devedor dependerá de seu comportamento para livrar-se da prisão.54

O sub-princípio da exigibilidade estuda as medidas disponíveis adotando-se as menos gravosas para atingir determinado objetivo. No caso específico, tem-se a prisão como forma de alcançar a tutela pretendida. 55

Finalmente o sub-princípio da proporcionalidade, em sentido estrito, tem por objetivo a ponderação dos princípios supras. É fundamental que o intérprete faça uma análise da relação custo-benefício da norma avaliada. 56

51 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo:

Atlas, 2005. p. 128.

52 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 15 set. 2010.

53 GUERRA, Marcelo Lima. Prisão civil de depositário infiel e princípio da proporcionalidade. Revista de

Processo, São Paulo, ano 27, n. 105, p. 38, jan./mar. 2002.

54 MOTA, Lise Nery. Prisão civil como técnica de efetivação das decisões judiciais. Rio de Janeiro: Lúmen

Júris, 2007. p. 99-101.

55 Ibid., p. 101-102. 56 Ibid., p. 99-100.

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Através do princípio da proporcionalidade deve-se adotar a melhor medida quando existirem conflitos de normas, isto é, o Pacto de São José da Costa Rica trouxe a proibição da prisão civil considerando-se tal proibição hierarquicamente superior a uma norma já existente, qual seja, a Constituição Federal. Esta permitia a prisão civil do depositário infiel em seu artigo 5º inciso LXVII.

Em votação ao Hábeas Corpus nº. 87.585-8, Lewandoski comenta seu posicionamento da seguinte maneira:

[...] Ademais, a prisão, que é sempre a última ratio do Estado, neste caso, se afigura absolutamente desproporcional, irrazoável, a meu ver, pois não atinge os seus objetivos, além de ser ofensiva ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é um dos postulados basilares do nosso sistema constitucional.57 (grifo nosso).

Um dos argumentos do Supremo Tribunal Federal, que justifica a contrariedade da prisão civil do depositário refere-se ao desrespeito da dignidade da pessoa humana, pois entende que a prisão seria uma violação a tal princípio.

Entretanto, não se pode ter a idéia absoluta de que a prisão civil desrespeita a dignidade da pessoa humana, pois tal prisão não possui caráter penal, sendo considerado por Mazuolli apenas como um meio indireto de execução. 58

Conforme já demonstrado sobre a finalidade do princípio da proporcionalidade, este existe justamente para que o legislador adote a melhor forma de solucionar um conflito ou de melhor adequar uma norma a um caso específico. Não se pretende no presente trabalho provar que o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser inferior a outros princípios, mas sim demonstrar que tal princípio não é absoluto, e que no caso específico da prisão do infiel depositário, além do princípio da dignidade da pessoa humana, deve-se analisar como resultado de tal prisão, a efetividade do processo, a segurança jurídica e social, a eficácia da justiça bem como o cumprimento do papel do poder judiciário, qual seja, adotar a melhor medida de modo que não prejudique a eficácia dos processos.

É inquestionável que o respeito pela dignidade da pessoa humana é de fundamental importância. O questionamento, portanto, se refere à aplicabilidade do princípio da proporcionalidade, pois de um lado encontra-se o princípio da dignidade da pessoa humana e do outro a busca pela efetividade, pela garantia do cumprimento das obrigações, pela segurança jurídica e pela efetividade do processo. Além do mais, a prisão civil deve-se dar em

57 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas corpus nº. 87.585-8 de Tocantins. Relator: Min. Marco

Aurélio. 13 dez. 2008. p. 333. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp? docTP=AC&docID=597891>. Acesso em: 20 set. 2010.

58 MAZUOLLI, Valério de Oliveira. Prisão civil por dívida e o pacto de San José da Costa Rica de acordo

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razão do descumprimento de ordem judicial, e a inexistência dela leva o Poder Judiciário ao descrédito.

O princípio da proporcionalidade aqui se encaixa, porque, através dele, o legislador constituinte adequaria a melhor forma para se trazer a segurança jurídica aos processos. Preocupou-se o legislador com a liberdade do inadimplente, mas não com o cidadão que venha a ser lesado nem com o próprio judiciário que obtém sua ordem negada.

Ademais, se o princípio da dignidade da pessoa humana fosse utilizado ao extremo em relação aos outros princípios, não existiria, inclusive, a prisão penal.

O objetivo, no caso do estudo apresentado, é fazer com que a obrigação seja cumprida pelo infiel depositário. Assim, colocar como medida de obrigação apenas o seu patrimônio não seria a melhor forma de garantir o seu cumprimento, pois nos casos de devedores insolventes, estes nada sofrerão.

Conforme Chiovenda: “A vontade da lei tende a realizar no domínio dos fatos até as extremas conseqüências praticamente e juridicamente possíveis. Por conseguinte, o processo deve dar quanto for possível praticamente, a quem tenha direito, tudo aquilo que ele tenha direito de conseguir.”59

Portanto, o depositário infiel tem o dever de restituir aquilo que está em sua guarda e o depositante tem o direito de receber aquilo que depositou em mãos de um depositário. Caso haja um descumprimento de obrigação por parte do depositário, este merece ter sua prisão decretada para que cumpra o que foi estabelecido.

Ainda, sobre o princípio da proporcionalidade, muitos doutrinadores e jurisprudências empregam o princípio da proporcionalidade indistintamente com o princípio da razoabilidade, como sinônimos, pois o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade viabilizam a observância do devido processo legal, contribuindo para o funcionamento do Estado Democrático de Direito, preocupando-se ambas com os Direitos e Garantias Fundamentais.

Pontes explica a diferenciação entre esses princípios da seguinte maneira:

Todavia, a proporcionalidade não se esgota na razoabilidade. Em outras palavras, a decisão jurídica que atende aos comandos do princípio da proporcionalidade manifesta razoabilidade, mas não se esgota nela. Com efeito, o ato estatal que atende às exigências do princípio da proporcionalidade apresenta-se razoável e racional, todavia nem sempre um ato razoável (racionalmente aceitável) atende aos deveres impostos pelo princípio constitucional da proporcionalidade.

Portanto, enquanto a razoabilidade exige que as mediadas estatais sejam racionalmente aceitáveis e não arbitrárias, o princípio da proporcionalidade determina que as mesmas, além de preencherem tal requisito, constituam

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instrumentos de maximização dos comandos constitucionais, mediante a menor limitação possível aos bens juridicamente protegidos.60

Ainda, Pires, em artigo científico, explica de maneira compreensível a diferença entre ambos os princípios:

A razoabilidade se manifesta quando existe uma norma, atitude, resolução, atos e outros que são irrazoáveis, ou seja, foge do senso comum. Já o princípio da Proporcionalidade é consultado com o intuito de sacrificar uma regra ou um princípio em relação a outro, com o interesse de buscar a melhor solução entre as partes, por ex.: Proporciona-se: os princípios individuais em prol dos coletivos, já que a sociedade (o conjunto) precisa de maior proteção jurídica.61

Em suma, tais princípios apresentam pequenas diferenças, pois defendem que as medidas estatais sejam racionais, aceitáveis e legais, fundamentos estes indispensáveis para o funcionamento da justiça. Porém, o princípio da proporcionalidade tem como característica o objetivo de proteção jurídica com o intuito, inclusive, de sobrepor-se entre outros princípios ou regras jurídicas, fazendo valer a maneira mais justa de solucionar um conflito de normas.

3.2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Constituição Federal é a norma fundamental de organização do Estado e de seus cidadãos, que tem por finalidade estruturar e delimitar o poder político do Estado garantindo direitos fundamentais ao povo.

Pode-se dizer, ainda, que a Constituição Federal brasileira é a base de todo ordenamento jurídico, isto é, não existe norma que a sobreponha, sendo que todas as outras normas devem respeitá-la, caso contrário serão consideradas inconstitucionais e carecerão de validade.

A Constituição Federal de 1988, estabelece:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

60 PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. São Paulo:

Dialética, 2000. p. 89-90.

61 PIRES, Diego Bruno de Souza. Princípio da proporcionalidade versus razoabilidade. Âmbito Jurídico, Rio

Grande, n. 46, 31 out. 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php? n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2428>. Acesso em: 26 ago. 2010.

Referências

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