Registro: 2016.0000067670 ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Execução Penal nº 7012682-52.2015.8.26.0482, da Comarca de Presidente Prudente, em que é agravante DEIVID BATISTA DE JESUS, é agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, nos termos do v. acórdão. v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E NEWTON NEVES.
São Paulo, 16 de fevereiro de 2016. Guilherme de Souza Nucci
RELATOR Assinatura Eletrônica
Agravo em Execução nº 7012682-52.2015.8.26.0482 Comarca: Presidente Prudente
Agravante: Deivid Batista de Jesus Agravado: Ministério Público
VOTO Nº. 12.303
Agravo em Execução. Pedido de reforma da decisão que
indeferiu progressão ao regime semiaberto com
fundamento exclusivo no período de reabilitação de falta grave anteriormente cometida. Ilegalidade do prazo de reabilitação previsto na Resolução SAP nº. 144/10. Prazo para reabilitação de falta que deve observar o princípio da legalidade. Lacuna legal que não pode ser suprida por Resolução. Vício configurado. Nulidade reconhecida. Agravo provido para que outra decisão seja proferida, desconsiderando-se o ilegal prazo de reabilitação.
Trata-se de Agravo em Execução, interposto por DEIVID BATISTA DE JESUS contra a decisão de fl. 58, proferida em 09/03/2015 pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Atis de Araújo Oliveira, da 1ª Vara das Execuções Criminais da Comarca de Presidente Prudente, que indeferiu pedido de progressão ao regime semiaberto, por entender ausente o requisito subjetivo, porquanto encontra-se em fase de reabilitação de sua
conduta.
Irresignada, a defensoria do reeducando sustenta a ilegalidade da Resolução SAP nº 144 no tocante à fixação de prazo para a
por conseguinte, sua progressão ao regime intermediário (fls. 68/99).
O recurso foi respondido (fls. 101/112), a decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (fl. 113) e a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do reclamo (fls. 117/120).
A decisão merece ser anulada.
De início, é oportuno observar o estabelecido pela Constituição Federal, em seu art. 24, inciso I, segundo o qual compete à
União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.
Destarte, a Carta Magna é expressa ao prever que o Direito Penitenciário deve ser regrado por meio de lei, assim considerada em sentido estrito, cuja atividade é de competência exclusiva do Poder Legislativo.
Na mesma esteira, a Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal dispõe, em seu item 19, in verbis:
O 'princípio da legalidade' domina o corpo e o espírito do Projeto, de forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometem a dignidade e a humanidade do Direito Penal.
Com efeito, resta patente a orientação de respeito ao Princípio da Legalidade, sendo certo que a matéria penitenciária é reserva
de lei, não se podendo acolher qualquer outra fonte normativa para tanto
(decretos, portarias, leis municipais, resoluções, provimentos, regimentos, dentre outros), pois seria ilegal e, por via reflexa, inconstitucional, uma vez completamente alheias aos campos penal e processual penal, assim como
às execuções penais1.
Nesse diapasão, faz-se mister ressaltar que o mesmo deve ser observado em relação ao prazo de reabilitação das faltas disciplinares, em vista de sua nítida implicação no processo de cumprimento das penas, especificamente no tocante à forma progressiva e à concessão dos demais benefícios ao sentenciado.
Como sabido, a presença de falta disciplinar, de qualquer natureza (graves, médias ou leves), no prontuário do reeducando, impede a certificação de boa conduta carcerária e, em última análise, inviabiliza a progressão de regime, acarretando-lhe prejuízos.
Nem se olvide que o atestado de conduta carcerária possui especial relevo para a análise do requisito subjetivo pelo magistrado, mormente após a edição da Lei nº. 10.792/2003, responsável pela atual redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, que elidiu a exigência quanto à prévia realização de exame criminológico.
Por derradeiro, o período depurador, posterior ao qual as faltas disciplinares não mais influirão para a certificação de boa conduta carcerária, tem evidente natureza de direito material, acentuando-se, nesse tocante, a necessidade de respeito ao princípio da legalidade. Neste sentido, vimos defendendo:
Princípio da legalidade: a execução penal, como
não poderia deixar de ser, constituindo a efetivação do poder punitivo do Estado, exige o respeito à legalidade. Portanto, da mesma forma que inexiste crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem lei anterior que a comine (art. 5º, XXXIX, CF; art. 1º CP), demanda-se que não haverá falta nem sanção
disciplinar sem expressa e anterior lei ou regra regulamentar. [...] Não fosse assim, estaria aberta a possibilidade de diretores de presídios 'legislarem' em matéria de execução penal, com reflexos na individualização da pena no Brasil2.
Dessa feita, impossível a criação de prazo de
reabilitação pelo Executivo, porquanto além de usurpar função tipicamente
legislativa, incorreria em patente ofensa ao princípio da legalidade.
Com efeito, a edição de leis prelecionadoras do período depurador de faltas caberá ao Poder Legislativo, Federal ou Estadual (de acordo com a responsabilidade sob a direção da unidade prisional), nos termos do preceituado pelo inciso I, do art. 24, da Constituição Federal.
No mesmo passo, ante a presente lacuna legal, e, tendo em conta a ilegalidade da disposição emanada do Poder Executivo, por meio de Resolução, forçoso convir inexistente o período depurador de faltas disciplinares, as quais devem se considerar reabilitadas automaticamente, tão logo sejam praticadas.
Frise-se, a despeito da carência de lei dispondo sobre o prazo de reabilitação, não cabe à Secretaria da Administração Penitenciária criá-lo, ao seu bel prazer, tampouco ao magistrado submeter-se a tal regramento, evidentemente ilegal.
Por outro lado, excetuado o gravame imposto pela reabilitação, a avaliação meritória do sentenciado deve ser feita casuisticamente pelo magistrado, em observância ao prelecionado pela
Individualização Executória da Pena, sempre pautado em elementos
2 NUCCI, Guilherme de Souza, Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, Forense, 8ª ed., nota
concretos atinentes à condução da execução da reprimenda pelo reeducando.
Observe-se a ilogicidade que seria respeitar uma Resolução Administrativa, emanada de um órgão do Executivo, que poderia fixar para a mencionada reabilitação qualquer prazo. Somente o Poder Legislativo, pelos representantes do povo, pode tomar tal decisão.
É preciso relembrar termos convivido, no Brasil, com a instalação concreta do Regime Disciplinar Diferenciado, igualmente, por Resolução Administrativa de Secretaria de Estado. Criou-se um sub-regime, vinculado ao fechado, sem lei. Durante um bom tempo o Judiciário denegou
habeas corpus contra o referido RDD, mesmo calcado em Resolução.
Não é possível, no Estado Democrático de Direito, aceitar-se o domínio do Executivo sobre o Judiciário.
Inexiste, em nosso entendimento, Direito Penitenciário por Decreto, Resolução ou Portaria. Cabe a disciplina por Lei, ainda que estadual.
Lembre-se, também, da fixação das faltas médias e leves, que somente podem ser previstas em lei jamais em decreto ou resolução.
O princípio da legalidade vigora, plenamente, na execução penal.
In concreto, contudo, o magistrado a quo deixou de
progredir o agravante, uma vez não findo o prazo de reabilitação da falta disciplinar anteriormente praticada, ensejando nulidade absoluta da decisão, posto calcar-se exclusivamente em dispositivo ilegal.
anulando a decisão agravada para que outra seja proferida, desconsiderando-se o ilegal prazo de reabilitação.
GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator