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Esquemas iniciais desadaptativos em transgêneros com transtorno por uso de substâncias

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Academic year: 2021

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I

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – MEC

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – SESu/MEC HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE – HCPA

MESTRADO PROFISSIONAL EM PREVENÇÃO E ASSISTÊNCIA EM SAÚDE MENTAL E TRANSTORNOS ADITIVOS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Esquemas Iniciais Desadaptativos em Transgêneros com Transtorno Por Uso de Substâncias

Milene Corrêa Petry

Orientadora: Dra. Joana Corrêa de Magalhães Narvaez

Porto Alegre 2019

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I

MILENE CORRÊA PETRY

Esquemas Iniciais Desadaptativos em Transgêneros com Transtorno Por Uso de Substâncias

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Prevenção e Assistência em Saúde Mental e Transtornos Aditivos.012a

Orientadora: Dra. Joana Corrêa de Magalhães Narvaez

Porto Alegre 2019

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II

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional Prevenção e Assistência em Saúde Mental e Transtornos Aditivosdo Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA, sob orientação do(a) Prof(a) Drª Joana Corrêa de Magalhães Narvaez.

Aprovada por:

Profª Drª Joana Corrêa de Magalhães Narvaez Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre

Presidente

Profª Drª Carla Dalbosco

Hospital de Clínicas de Porto Alegre - MPAD/UFRGS Membro

Profª Drª Margareth da Silva Oliveira

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Membro Externo

Profª Drª Prisla Ücker Calvetti

Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre Membro Externo

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III

Dedico este trabalho ao meu filho Lucca, que, mesmo sem saber da importância, me motivou a nunca desistir e a sempre buscar atingir novos objetivos.

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IV AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora, Dra. Joana Narvaez, por acreditar que o tema explorado neste estudo era pertinente ao fazer científico. Também por aceitar lutar contra as adversidades deste processo, pelas críticas bem fundamentadas, que possibilitaram ampliar minha visão sobre a necessidade de se entender o impacto que as questões de gênero têm sobre o uso de substâncias.

Ao Felipe Ornell, pela disponibilidade em me ajudar a desenvolver o olhar acadêmico, o que foi fundamental para o meu desenvolvimento.

Aos meus colegas e amigos desta turma do mestrado, por compartilharem comigo informações, angústias e alegrias neste processo tão importante da nossa formação.

Às minhas sócias, Alexandra Nabinger, Kelly Paim e Rossana Andriola, pelo apoio e pela torcida que foram fundamentais para que este trabalho se realizasse.

A todos os professores e profissionais do CPAD e UAA que contribuíram para o meu desenvolvimento neste período de formação.

Ao Guilherme e à Patricia, que sempre acreditaram e me apoiaram nas escolhas que contribuem para meu desenvolvimento profissional e pessoal.

E, por fim, ao meu filho Lucca, por tolerar a minha ausência nos sábados de aula e nas noites em que não pude dar toda a atenção que ele merece. É por pensar em seu futuro que todos os meus esforços valem a pena.

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V ÍNDICE 1 Introdução 12 2 Método 15 2.1 Delineamento 15 2.2 População 15

2.2.1 Critérios de Inclusão do estudo: 15

2.2.2 Critérios de Exclusão do estudo: 15

2.3 Procedimentos de coleta 16

2.4 Instrumentos 16

2.5 Análise de Dados 17

2.6 Aspectos Éticos 17

3 Apresentação e análise dos resultados 18

3.1 Dados Descritivos 18

Tabela1. Dados Sóciodemográficos 18

Tabela 2. Dados de violência relacionados à identidade de gênero 19 Tabela 3. Preocupações em relação à sexualidade e à atividade sexual 19

Tabela 4. Esquemas Iniciais Desadaptativos 20

3.2 Dados Qualitativos 21

4 Discussão 28

5 Considerações finais 34

REFERÊNCIAS 36

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VI LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Dados Sociodemográficos ...18

Tabela 2. Dados de Violência Relacionada à identidade de Gênero...19

Tabela 3. Preocupações em Relação à Sexualidade e à Atividade Sexual ...20

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VII LISTA DE ABREVIATURAS

CAAE – Certificado de Apresentação para Apreciação Ética CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

EID – Esquemas Iniciais Desadaptativos HCPA – Hospital de Clínicas de Porto Alegre HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística SPA – Substâncias Psicoativas

TCI – Inventário de Temperamento e Caráter

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TE – Terapia do Esquema

TPB – Transtorno de Personalidade Borderline TUS – Transtorno por Uso de Substâncias

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VIII RESUMO

Introdução: O uso de álcool e outras drogas pelos transgêneros é um assunto ainda pouco explorado, apesar de sua relevância. Rocha, Pereira e Dias (2013) indicam que 85% das pessoas trans usam álcool e 36% referem usar drogas por, pelo menos, um ano ininterruptamente. Esses dados apontam para a necessidade de atendimento especializado e que contemple as diferentes necessidades das pessoas transgêneras (Miyamoto, 2013). No que se refere ao tratamento para problemas relacionados ao uso de substâncias, a Terapia dos Esquemas tem ganhado bastante espaço no entendimento da complexidade relacionada aos Transtornos por Uso de Substâncias (TUS), sobretudo nas características de personalidade associadas. Diferenças nos Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) entre os gêneros podem interferir nas estratégias de enfrentamento utilizadas pelos sujeitos. Pondera-se que o entendimento dos EIDs em transgêneros poderia fornecer subsídios para uma compreensão ampliada dos pacientes, contribuindo para o desenvolvimento de propostas de tratamentos mais especificamente direcionadas conforme suas demandas emocionais. Objetivo: Identificar e analisar os EIDs em 2 transgêneros femininos e 1 transgênero masculino, usuários de álcool e outras drogas. Método: Estudo de múltiplos casos, em que se aplicou: a) Questionário Sociodemográfico visando descrever características demográficas e questões sociais relacionadas ao gênero; b) e Inventário de Esquemas de Young - Versão Reduzida (YSQ-S3). Foi utilizada a Análise de Conteúdo Temática das questões pontuadas com escore 5 ou 6 no YSQ-S3. Resultados: A composição esquemática dos participantes é bastante distinta, apesar de todos apresentarem os mesmos diagnósticos psiquiátricos (TUS e Personalidade Borderline). O único EID comum aos transgêneros deste estudo foi o Abandono. Foi possível observar que as mulheres transgêneras apresentaram maiores ativações nos esquemas dos dois primeiros domínios - Desconexão e Rejeição e Autonomia e Limites Prejudicados, o que indica que as primeiras experiências, incluído abuso sexual, foram determinantes para a estruturação de personalidade e TUS. Além disso, o uso de substâncias mostrou ser uma estratégia compensatória para o alívio de sentimentos negativos associados às ativações esquemáticas. Considerações Finais: A formação esquemática parece estar mais relacionada à identidade de gênero do que à designação biológica do gênero. O entendimento da função do uso de substâncias por transgêneros, a partir dos esquemas, pode colaborar para a adequação de programas de tratamento que atendam às necessidades específicas desta população.

Palavras-Chave: Esquemas Iniciais Desadaptativos. Transgêneros. Transtorno por Uso de Substâncias. Terapia dos Esquemas.

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IX ABSTRACT

Introduction: The use of alcohol and other drugs by transgender people is an issue still poorly explored, despite its relevance. Rocha, Pereira, & Dias (2013) indicate that 85% of transgender people use alcohol and 36% report using drugs for at least one year without interruption. These data demonstrate the need for specialized care for different needs of transgender people (Miyamoto, 2013). With regard to treatment for substance use problems, Scheme Therapy has evolved in understanding the complexity related to Substance Use Disorder (SUD), especially in the associated personality characteristics. Differences in Early Maladaptive Schemas (EMS) between genders may interfere with coping strategies used by subjects. It is considered that the understanding of transgender EMS could provide a basis for a broader understanding of patients, contributing to the development of treatment that are more specifically targeted according to their emotional demands. Objective: To identify and analyze EMS in 2 female and 1 male transgender, users of alcohol and other drugs. Method: Multiple case studies in which it applied: a) Demographic Socio Questionnaire to describe demographic characteristics and social issues related to gender. b) Young Scheme Inventory Reduced Version (YSQ-S3). Thematic content analysis of the questions scored with score 5 or 6 in the YSQ-S3 was used. Results: The schematic composition of the participants is quite different, although all have the same psychiatric diagnoses (SUD and Borderline Personality). The only transient EMS common to this study was Abandonment. It was observed that trans women had greater activations in the schemes of the first two domains - Disconnection and Rejection and Autonomy and Limits Impaired - indicating that the first experiences, including sexual abuse, were determinants for the structuring of personality and SUD. In addition, substance use has been shown to be a compensatory strategy for relieving negative feelings associated with schematic activations. Final Considerations: Schematic formation seems to be more related to gender identity than to the biological designation of gender. Understanding the role of substance use by transgender from the schemes can contribute to the adequacy of treatment programs that meet the specific needs of this population.

Keywords: Schema Therapy. Transgender. Substance Use Disorder. Early Maladapatative Schemas.

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10 1 INTRODUÇÃO

A Terapia dos Esquemas é um modelo de tratamento derivado da Terapia Cognitivo-Comportamental que amplia os conceitos propostos por Beck (1967) na construção cognitiva dos esquemas. Esquemas são estruturas cognitivas que os indivíduos usam para codificar, rastrear e interpretar informações que encontram em seu ambiente. Embora os esquemas possam se dar em qualquer fase do desenvolvimento, acredita-se que a maioria dos esquemas se desenvolve inicialmente durante a primeira infância e se perpetua durante toda a vida (Young, Klosko, & Weishaar, 2008). Como os esquemas representam temas centrais por meio dos quais os indivíduos interpretam seu ambiente, eles definem a forma como experiências e estímulos são processados ao longo da vida (Young, Klosko, & Weishaar, 2008). Embora a maioria dos esquemas desenvolvidos pelos indivíduos seja adaptativa durante toda a vida, os primeiros esquemas desadaptativos são altamente disfuncionais. Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) são definidos como “padrões emocionais e cognitivos autoderrotistas iniciados em nosso desenvolvimento desde cedo e repetidos ao longo da vida” (Young, Klosko, & Weishaar, 2008, p. 22).

Acredita-se que os esquemas desadaptativos precoces se desenvolvam por meio de experiências traumáticas e tóxicas durante a infância, particularmente experiências que envolvem a família de origem e os responsáveis primários (Ball, 1998; Young, 2008 Young, Klosko, & Weishaar, 2008). Os EIDs são perpetuados ao longo da infância, da adolescência e da idade adulta, tornando-se altamente difusos e resistentes a mudanças rápidas (Ball, 1998; Riso et al., 2006). Por sua vez, o estresse emocional, causado pela ativação do esquema, pode resultar em interações altamente disfuncionais com os outros e em respostas de enfrentamento desadaptativas (Young, Klosko, & Weishaar, 2008). Além disso, Young, Klosko e Weishaar (2008) especulam que os EIDs podem estar no centro dos transtornos de personalidade, problemas caracterológicos e transtornos do Eixo I. Os estudos de Young, Klosko e Weishaar (2008) evidenciam a presença de 18 EIDs, que foram agrupados em cinco domínios. Este agrupamento é determinado pelas necessidades

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emocionais não satisfeitas caraterísticas de cada etapa do desenvolvimento psicológico (domínios) (Wainer, Paim, Erdos, & Andriola, 2015).

As necessidades emocionais não satisfeitas em cada domínio dão origem aos esquemas. No Domínio de Desconexão e Rejeição, a necessidade não satisfeita é a de vínculos seguros. No Domínio de Autonomia e Competência, a necessidade de autonomia e desempenho estão prejudicados. No Domínio de Limites Realistas e Autocontrole, os limites pessoais são insuficientes. No Domínio de Orientação para o Outro, a falha se refere à validação de necessidade e emoção. No Domínio de Supervigilância e Inibição, os indivíduos necessitam de espontaneidade na manifestação das emoções.

Young, Klosko e Weishaar (2008) afirmam que o abuso de substâncias representa uma forma desadaptativa de lidar com ativações esquemáticas representativas das vivências insatisfatórias na infância (Masley, Gillanders, Simpson, & Taylor, 2012). Os EIDs têm um importante papel nos tratamentos para o uso de substâncias (Ball, 1998). Existem várias pesquisas revelando que os resultados do tratamento com uso de substâncias podem ser melhorados quando também se concentram em traços de personalidade desadaptativos (Alterman & Cacciola, 1991; Messina, Farabee, & Rawson, 2003; Nace, Saxon, & Shore, 1986).

Sabe-se que existem diferenças nos EIDs entre homens e mulheres. No que se refere ao gênero em população não clínica, encontrou-se diferença significativa entre homens e mulheres nos esquemas de Fracasso, Vulnerabilidade a Danos e Doenças, Autossacrifício e Inibição Emocional, assim como nos domínios de Autonomia e Desempenho Prejudicados e de Orientação para o Outro. As mulheres obtiveram maior pontuação do que os homens em todas as áreas citadas, exceto no esquema de Inibição Emocional, onde os homens obtiveram pontuação superior (Luz, Santos, Cazassa, & Oliveira, 2015).

Na população geral, os resultados sobre diferenças de personalidade entre homens e mulheres e transsexuais masculinos relatados préviamente são inespecíficos e, por vezes, contraditórios. Enquanto alguns estudos não evidenciam diferenças entre os sexos e identidade de gênero ao avaliarem características de personalidade (Gómez-Gil et al., 2013), outros verificaram a presença de mais critérios para personalidade patológica entre transexuais (29%), quando comparados a controles (17%) (Bodlund et al., 1993).

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Gomes-12

Gil et al. (2013) avaliaram as dimensões de caráter e de temperamento em transsexuais e as diferenças em relação a homens e mulheres, concluindo que transsexuais têm características de personalidade semelhantes às da população geral.

No entanto, transsexuais mostram uma tendência significativa para serem mais independentes, menos cooperativos (ambos os grupos) e mais transcendentes (especificamente transsexuais femininos) do que a população geral. Além disso, os transsexuais femininos pontuaram mais alto que os transsexuais masculinos em essencialmente as mesmas escalas e subescalas do TCI em que as mulheres pontuaram mais do que os homens. Este segundo achado apoiaria a hipótese de que o perfil da personalidade de transsexuais está mais próximo do perfil dos sujeitos que compartilham sua identidade de gênero do que daqueles que compartilham seu sexo biológico.

Estudos que avaliaram a diferença nos EIDs entre homens e mulheres usuários de álcool identificaram quatro esquemas: esquemas de Autossacrifício, Padrões Inflexíveis, Autocontrole Insuficiente e Autopunição. Autossacrifício foi o esquema indicado com mais frequência em homens e em mulheres usuários de álcool (Shorey, Anderson, & Stuart, 2012). Este esquema é caracterizado por focar a quantidade excessiva de atenção em atender às necessidades de outras pessoas à custa de se concentrar nas próprias necessidades e desejos (Young, Klosko e Weishaar, 2008). Os indivíduos com Autossacrifício muitas vezes se sentem sobrecarregados por cuidar de outras pessoas, o que pode resultar em falta de satisfação emocional para si mesmos. Uma possível explicação do porquê ser este esquema extremamente prevalente nesta amostra tem a ver com o fato de que os participantes podem ter usado o álcool como um mecanismo para lidar com a falta de realização pessoal, concentrando-se nas próprias necessidades não atendidas. De fato, a pesquisa mostra que a evitação das crenças no nível do esquema está associada à maior gravidade do uso de álcool (Brotchie, Hanes, Wendon, & Waller, 2007, citados por Shorey, Anderson, & Stuart, 2012).

Diferenças nas estratégias de enfrentamento utilizadas pelos sujeitos entre os gêneros podem ser influenciados por determinados arranjos de EIDs entre homens e mulheres. Entretanto, as pesquisas consideram a determinação biológica dos gêneros e não a identidade do gênero com que os participantes se identificam. Neste sentido, estudos que apontem EIDs em transgêneros usuários de álcool e outras drogas são desconhecidos. Esta

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população, por ser um grupo minoritário, apresenta dificuldades de acesso aos serviços de saúde. Além disso, observam-se especificidades, que se negligenciadas pelas equipes de saúde, podem comprometer a adesão terapêutica. Ainda que o TUS seja amplamente verificado em transgêneros (Rocha, Pereira, & Dias, 2013) e que a TE possa ser uma ferramenta potencialmente eficaz de tratamento, desconhece-se, até o momento, a existência de estudos que indiquem terapêuticas que atendam as especificidades desta população. Pondera-se que o entendimento dos EIDs em transgêneros poderia fornecer subsídios para uma compreensão ampliada dos casos. Esse entendimento pode contribuir para o desenvolvimento de propostas de tratamentos cientificamente embasadas e que permitam tecer terapêuticas mais efetivas.

Dessa forma, o objetivo geral deste estudo foi identificar e analisar os EIDs de transgêneros que apresentam problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas, considerando as diferenças e semelhanças nos EIDs entre transgêneros. Ademais, o estudo visa discutir os EIDs dos usuários transgêneros, com base na literatura prévia, porém com enfoque sobre os gêneros biologicamente determinados, masculino e feminino, atentando para pontos similares e distintos.

2 MÉTODO

2.1 Delineamento

Como método para o desenvolvimento deste trabalho, optou-se pelo estudo de múltiplos casos de modo exploratório, descritivo e qualitativo. Utilizou-se como referencial metodológico a Teoria Fundamentada em Dados – TDF (Cassiani, Caliri, & Pelá, 1996), que busca estabelecer teorias, conceitos e hipóteses a partir das vivências relatadas pelos sujeitos. A interpretação dos dados se deu a partir do referencial teórico da Terapia dos Esquemas, de Jeffrey Young, que determinou as categorias de análise dos dados.

Foram recrutados três transgêneros - masculinos e femininos - usuários de álcool e outras drogas em acompanhamento ambulatorial em unidade de tratamento especializado para Transtorno por Uso de Substâncias de um hospital geral, na cidade de Porto Alegre. A análise qualitativa foi escolhida por mostrar-se a mais adequada neste estudo,

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possibilitando conhecer em profundidade as vivências precoces que podem ter originado os EIDs dos transgêneros participantes deste estudo, que são usuários de álcool e outras drogas.

2.2 População

A amostra deste estudo foi composta por três transgêneros (dois femininos e um masculino), adultos jovens, recrutados por conveniência no serviço especializado, localizado em Porto Alegre/RS, em que realizam seus tratamentos em caráter ambulatorial para problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas.

2.2.1 Critérios de Inclusão do estudo:

● Ser usuário de álcool ou outras substâncias psicoativas; ● Ser transgênero;

● Ter idade entre 18 e 65 anos;

● Ser usuário do serviço citado e aceitar participar do estudo, de acordo com os preceitos éticos vigentes formalizados a partir do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

2.2.2 Critérios de Exclusão do estudo:

● Ter deficiência intelectual severa clinicamente detectável;

● Apresentar sintomas psicóticos ativos, indicados pela equipe de médicos psiquiatras e psicólogos que realizam o acompanhamento.

2.3 Procedimentos de coleta

A aplicação dos instrumentos foi realizada por um pesquisador, especialista em Terapia dos Esquemas, com ampla experiência na aplicação deste instrumento. Os sujeitos inicialmente foram indicados por seus terapeutas, que esclareceram e informaram a respeito dos critérios de inclusão e exclusão, bem como sobre os diagnósticos identificados nos participantes e sobre o estágio de seus tratamentos.

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Após a indicação de seus terapeutas, os sujeitos foram abordados individualmente no serviço onde realizam seus tratamentos, e os objetivos e método do estudo foram explicados minuciosamente. Após, os sujeitos foram convidados a participar do estudo. O aceite na participação da pesquisa foi formalizado através do TCLE. A entrevista e aplicação dos instrumentos foi realizada em uma sala reservada, com iluminação apropriada e com a garantia do sigilo das informações prestadas pelos participantes.

2.4 Instrumentos

● Questionário de dados Sociodemográficos (ANEXO 1): O questionário foi adaptado a partir do questionário Sociodemográfico do IBGE, visando descrever características como etnia, sexo designado no nascimento, nível de escolaridade, renda, ocupação profissional e questões sociais relacionadas ao gênero dos casos.

● Inventário de Esquemas de Young - versão reduzida (YSQ-S3) (ANEXO 2): é um dos mais frequentemente utilizados nesta mensuração, e tem o objetivo de mapear os principais esquemas do paciente, assim como sua intensidade, orientando o tratamento a ser realizado (Garcia Da Silva et al., 2012; Young, Klosko, & Weishaar, 2008). Prevê, na clínica, o estudo exploratório, a fim de compreender as vivências geradoras dos EIDs, a partir das questões pontuadas como mais relevantes dos esquemas identificados como prevalentes ao sujeito. As respostas pontuadas com escore entre 5 e 6 (alto potencial de ativação) foram transcritas na íntegra para posterior análise qualitativa.

● Entrevista Semiestruturada: a partir das questões pontuadas com escores de 5 e 6 no YSQ-S3, foi aplicada uma entrevista semiestruturada em que os sujeitos eram convidados a explorar as memórias afetivas evocadas pela indagação da questão, cujo objetivo era identificar a origem do esquema e a forma como reage a ativação esquemática. Os sujeitos foram questionados sobre quem eram as pessoas presentes na evocação da memória, como se sentiram naquela ocasião, como esta situação se resolveu e que tipo de desfecho aliviaria o sentimento negativo.

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Todos os participantes responderam ao Questionário de Dados Sociodemográficos e ao Inventário de Esquemas de Young na versão reduzida (YSQ - S3). As informações sobre vivências traumáticas e relacionadas à identidade de gênero e às preocupações com a atividade sexual foram exploradas a partir das questões específicas sobre essa temática que foram incluídas no questionário referido.

2.5 Análise de Dados

Considerou-se um EID o esquema que apresenta escore médio bruto >= 4,5. As questões que obtiveram pontuação entre 5 e 6 no YSQ-S3 foram exploradas em profundidade.

Como técnica para coleta de dados, foi realizada uma entrevista semiestruturada com perguntas que buscavam identificar a origem dos esquemas ativados na aplicação do YSQ-S3. A análise dos dados foi ocorrendo à medida em que foram coletados, conforme preconiza a TFD. A categorização dos dados foi realizada por similaridade, de acordo com os EIDs correspondentes das questões do questionário. Assim, foi possível compreender a origem do esquema e as situações ativadoras a partir das vivências descritas. A análise qualitativa das categorias proporcionou uma discussão aprofundada da estrutura emocional e do funcionamento das personalidades dos sujeitos em questão.

2.6 Aspectos Éticos

Este estudo seguiu as recomendações éticas da Resolução de 510/16, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2016), que regulamenta as condições da pesquisa que envolve seres humanos, considerando a ética e a preservação da identidade dos participantes, oferecendo-lhes o mínimo de riscos. O projeto inicial deste estudo foi submetido à Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA, credenciado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) sob CAAE 97103718.1.0000.5327.

O TCLE foi apresentado aos sujeitos e assinado antes do início da coleta. Nele, consta o objetivo da pesquisa, os procedimentos a serem realizados, os possíveis riscos e

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benefícios para o participante e a possibilidade de retirar-se do estudo a qualquer momento, sem acarretar prejuízos em seu tratamento; além das responsabilidades do pesquisador em relação à garantia da confidencialidade, da privacidade dos resultados e do sigilo com relação à identidade dos participantes. Para assegurar os quesitos relatados, a pesquisadora designou nomes fictícios, de acordo com a identidade de gênero dos participantes. O TCLE foi desenvolvido após consultoria do Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA, após o Exame de Qualificação desta dissertação.

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

3.1 Dados Descritivos

Foram entrevistados três sujeitos, adultos jovens, não brancos, de baixa condição socioeconômica, sendo um transgênero masculino e dois transgêneros femininos. Os dados sociodemográficos dos participantes estão apresentados na Tabela 1. Além disso, o relato de bulliyng no período escolar foi frequentemente atribuído à identidade de gênero. Observa-se que as mulheres transgêneras não reconhecem a atividade profissional com sexo como fonte de renda, atribuindo esta aos benefícios que recebem do governo.

Tabela1. Dados Sociodemográficos

Apolo Perséfone Afrodite

Idade 19 anos 35 anos 29 anos

Etnia Negro Pardo Pardo

Escolaridade Ensino Médio Ensino Fundamental Ensino Fundamental Anos Completos de

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18 Repetência Escolar Situação Ocupacional Realiza Trabalho Informal Renda Média Sexo biológico Identidade de Gênero Entre 0 e 3 vezes Exerce trabalho remunerado Sim Inferior a R$900,00 Feminino Homem Transgênero Entre 0 e 3 vezes Não exerce trabalho

remunerado Sim Inferior a R$900,00 Masculino Mulher Transgênera Entre 0 e 3 vezes Não exerce trabalho

remunerado Sim Inferior a R$900,00

Masculino Mulher Transgênera

Observa-se que a exposição a situações de violência foi relatada apenas pelas mulheres transgêneras (Tabela 2). Além disso, as análises qualitativas permitiram identificar que estas agressões foram atribuídas à identidade de gênero e foram praticadas por pessoas conhecidas recentemente.

Tabela 2. Dados de violência relacionados à identidade de gênero

Questão Apolo Perséfone Afrodite

Violência verbal Violência Física Não sofreu Não sofreu Familiares, amigo, companheiro/a e Pessoa conhecida Não sofreu Pessoa conhecida Pessoa conhecida

A ocorrência de abuso sexual, tanto precoce, quanto na vida adulta, foi evidenciada nas mulheres transgêneras. Estas manifestaram maior preocupação com a segurança física relacionada à atividade sexual, já que ambas são profissionais do sexo (Tabela 3). Por sua vez, o homem transgênero não referiu interesse por sexo.

A limitação do interesse sexual de terceiros a um fetichismo decorrente do transgênero foi uma preocupação explicitada por todos os participantes. Todavia, nenhum deles manifestou interesse em realizar cirurgia de redesignação sexual (Tabela 3).

(20)

19

Tabela 3. Preocupações em relação à sexualidade e à atividade sexual

Questão Apolo Perséfone Afrodite

Segurança física Sempre Às vezes Sempre

Sentir vergonha do corpo Sempre Nunca Às vezes Os outros não achem meu corpo atraente Às vezes Nunca Sempre Que poucas pessoas queiram fazer sexo comigo Sempre Nunca Nunca Quando eu estiver nu/nua, não vão me ver com o gênero

que tenho Sempre Nunca Sempre

Que as pessoas só queiram fazer sexo comigo porque sou

transgênero Sempre Às vezes Sempre

Que não consiga fazer sexo como quero até fazer uma

cirurgia (redesignação sexual) Nunca Nunca Nunca

A composição esquemática é bastante distinta entre os participantes. Entretanto, o esquema de Abandono é comum aos três casos (Tabela 4). Apolo explicita verbalmente o abandono pelo pai, enquanto Perséfone e Afrodite manifestam temor importante da perspectiva de abandono da figura materna. Ambas também não contam com a presença da figura paterna. A ativação deste esquema pode estar relacionada ao diagnóstico de Transtorno Borderline de Personalidade presente nos três casos, uma vez que este transtorno apresenta como característica central o temor ao abandono real ou imaginário.

As mulheres transgêneras apresentam em comum os esquemas de Desconfiança/Abuso, Vulnerabilidade ao Dano/Doença e Postura Punitiva (Tabela 4). Ambas sofreram abuso sexual precoce, o que pode ter contribuído na origem do esquema de Desconfiança/Abuso. Por outro lado, o esquema de Postura Punitiva e Vulnerabilidade aparece relacionado aos diagnósticos clínicos e psiquiátricos apresentados.

Tabela 4. Esquemas Iniciais Desadaptativos

EID Apolo Perséfone Afrodite

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20 Abandono 4,6 Pai 5,4 Mãe e avó 5 Mãe e companheiro Desconfiança/Abuso 2,4 4,8 Traição de amigos e abuso sexual 4,6 Trabalho com sexo

Isolamento Social 2,4 3 3 Defectividade 2 2,2 4 Fracasso 2,6 3,8 2,8 Dependência 3 2 4 Vulnerabilidade ao Dano/Doença 3,4 6 Amparo em situações de violência e tratamento psiquiátrico 5,6 Maior exposição à violência Emaranhamento 2,6 5 Mãe 5,4 Mãe Subjugação 2,4 3,8 4,4 Autossacrifício 3,2 3,6 4,6 Amigos e familiares Inibição Emocional 2,2 4,2 4 Padrões Inflexíveis 1,8 5,8 Autocriticismo 3,6 Arrogo 2,8 3,8 4,2 Autocontrole Insuficiente 4 4 4,8 Impulsividade

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21 Busca de Aprovação 2,8 3,6 4 Negativismo 2,2 4 5,8 Finanças Postura Punitiva 2,2 4,6 HIV, TUS e abuso sexual

5 TUS

Os EIDs ativados são aqueles que apresentam escore médio >= 4,5. Na tabela, estão descritos os tipos de situações que ativam o esquema.

3.2 Dados Qualitativos

A partir desses resultados, são apresentados os EIDs ativados em cada um dos sujeitos. As afirmações em que os sujeitos apresentam maior identificação (escores entre 5 e 6) foram exploradas, a fim de se compreender a origem do esquema, bem como a forma em que o esquema se manifesta na vida atual de cada participantes do estudo.

Apolo*

Tem 19 anos, sua identidade de gênero é homem transgênero. Apresenta uso abusivo de substâncias, Transtorno de Personalidade Borderline e Anorexia Nervosa. Concluiu mais de 11 anos de estudo formal (equivalente ao Ensino Médio) e exerce atividade remunerada informal. Está em abstinência há dois anos.

Com relação às vivências traumáticas, nega ter sofrido algum tipo de violência (verbal ou física) direcionada a sua identidade de gênero, apesar de manifestar temor em se proteger fisicamente de agressões físicas relacionadas à atividade sexual. As preocupações em relação ao sexo estão relacionadas à vergonha do seu corpo, ao medo de que seu parceiro(a) sexual não o veja com o gênero com o qual se identifica, ao fato de ser atrativo sexualmente para poucas pessoas e à possibilidade de que só queiram fazer sexo com ele por ser transgênero.

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Em relação aos EIDs, verificou-se a ativação do esquema de Abandono, em que relaciona o falecimento do pai por consequência do alcoolismo: “Ele não queria se cuidar.

Sabia que tinha filhos, mas isso não era algo que fizesse ele cuidar”.

A dificuldade de se afastar de forma adequada e de tolerar a ausência das pessoas importantes também aparecem com alta reatividade emocional, conforme se pode constatar na sua fala: “A minha amiga, por exemplo, a gente brigou ano passado. A gente ficou meio

ano sem se falar. Na hora, me desesperei, quebrei uma janela na impulsividade. É, naquele dia eu me desesperei um pouco.”

Outras ativações menos significativas que Apolo apresenta dizem respeito ao Autocontrole Insuficiente, evidenciado na sua dificuldade de renunciar a um prazer imediato em prol de um benefício em longo prazo, quando afirma, por exemplo: “Às vezes

eu quero perder peso, mas eu quero perder peso pra ontem (risos)”.

A ativação deste esquema está presente em Apolo através da Anorexia Nervosa, em que a recusa em se alimentar é resultado da ativação deste esquema. Mesmo em tratamento, mostra-se bastante resistente em seguir as orientações terapêuticas.

Em relação ao Arrogo, percebe-se a dificuldade em ser impedido de realizar alguma vontade, ainda que isso represente algo essencial para a manutenção de coisas fundamentais, como o tratamento para Anorexia Nervosa: “Tive que parar de fazer

exercício e não gostei. (...) quem tem anorexia, algumas coisas são privadas, né? Tipo fazer exercício físico, subir escada... tipo na internação: o copo estava ali, mas eu tinha que pedir pra alguém pegar o copo, porque eu não podia ir até ali. Essas coisas me irritam, entendeu?”. Em outras situações, ainda relacionadas ao tratamento, fala sobre as

dificuldades em seguir as regras: “eu não estava acostumado a ouvir não”.

Em relação ao Esquema de Vulnerabilidade, Apolo traz situações relacionadas ao desamparo vivenciado pelo temor de ele ou alguém íntimo sofrer algum tipo de violência, social ou física, em que se sente vitimado. Nestas situações, deixa clara a necessidade de proteção, característica principal deste esquema.

A relação de Apolo com o tratamento muitas vezes pode ser ativadora do esquema de Dependência. A ausência dos técnicos que acompanham seu tratamento trouxe-lhe a sensação exagerada de desamparo, que lhe causou agitação e necessidade de receber manejo medicamentoso para lidar com seu sentimento.

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Sobre Desconfiança/Abuso, apesar de negar vivência precoce de abuso, mostra-se desconfiado sobre a intenção dos outros em relação a ele. Este tipo de ativação indica que este é um EID que possui um potencial de ativação inerente.

O Emaranhamento é evidenciado pela dificuldade em dormir sozinho, dividindo a cama com a mãe e com o irmão: “Até eu dormir com a minha mãe, eu durmo (risos).

Agora, nessa semana que a gente dividiu, cada um para o seu lado. Eu e meu irmão para um (quarto) e a minha mãe para outro, né? É que meu irmão tem 27 e eu 19 (anos) e a gente sempre dormiu juntos os três.”

A necessidade de receber aprovação, como forma de se sentir incluído ou de sentir seu valor, se mostra pela importância dada aos elogios que recebe. Ainda que possa se sentir envergonhado, Apolo evita se conectar com os sentimentos que reforçam seu valor pessoal, em prol de se ajustar ao que será mais aceito.

Perséfone*

Possui 35 anos e se identifica como mulher transgênera. Completou 11 anos de educação formal (equivalente ao Ensino Médio completo) e trabalha com atividade informal relacionada ao sexo. Está em abstinência de drogas, após recente recaída. Possui o diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline, apresenta sorologia reagente para o HIV e faz uso regular de medicamentos antirretrovirais.

Refere ter sofrido violência verbal direcionada a sua identidade de gênero, tanto por familiares e amigos, quanto por pessoas desconhecidas. Nega ter sofrido violência física relacionada a sua identidade de gênero nos últimos 6 meses, apesar de referir ter sofrido abuso sexual coletivo motivado pela sua identidade de gênero.

Sobre a sua preocupação em relação à atividade sexual, evidencia temor parcial no que se refere a sua segurança física e ao fato de que as pessoas só desejem fazer sexo com ela por ser transgênero. Em relação aos EIDs, Perséfone apresenta seis principais ativações.

Sobre o Abandono, a participante evidencia essa ativação esquemática quando associa o apoio da família, sobretudo nas figuras da mãe e da avó materna, com a manutenção da abstinência. O temor ao abandono aparece sob a perspectiva da morte destas familiares que a apoiam emocionalmente, pois acredita que, a partir dessas perdas, não

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conseguirá viver nas condições que possui atualmente. Isso é evidenciado em suas palavras:

“Tenho medo de voltar a usar droga, de morar na rua. Isso tudo passa pela minha cabeça. É como se eu não tivesse ninguém para poder me inspirar”.

A forma como Perséfone se relaciona com as outras pessoas é influenciada pelas vivências precoces geradoras do esquema de Desconfiança/Abuso. A percepção de que não será considerada ou de que será traída é algo que faz com que tenha dificuldade de acreditar na intencionalidade das outras pessoas, “porque, às vezes, eu sinto que as pessoas, quando

eu usava droga, elas vinham com a maldade, querendo me elogiar e eu sabia que elas tão falando isso só para tirar alguma coisa, alguns R$ 5,00. Ou quando querem me humilhar, me achando feia, magra, gorda. Eu sinto isso. E vem de amigos, não de familiares”. E

ainda quando refere: “Já fui roubada muitas vezes, até por amigas”. Outro acontecimento que corrobora com este esquema refere-se ao fato de ter sofrido abuso sexual. A sensação de negligência extrema, assim como a percepção de que as ações dos outros têm a intenção de prejudicá-la, podem ser identificadas ao afirmar: “não confio em homem nenhum”. Esta dificuldade de confiar nos homens é reativa a acontecimentos anteriores, como o fato de já ter sido roubada por amigos.

A Vulnerabilidade aparece no relato através do temor de perder as pessoas da família que lhe socorrem em situações de desamparo, como quando sofreu violência física motivada por sua identidade de gênero. Outra situação que evidencia o esquema de Vulnerabilidade ao Dano e Doença se relaciona aos seus diagnósticos clínicos e psiquiátricos, onde apresenta resistência em aceitá-los e, com isso, tende a negligenciar seus tratamentos, o que acaba por reforçar o ciclo da vulnerabilidade.

A dificuldade de Perséfone em se sentir como uma pessoa independente da sua mãe demonstra a intensidade do seu esquema de Emaranhamento. A sensação de que não sobreviverá sem a presença da mãe é revelada quando explica como se sente: “Eu me sinto

impotente. Tudo pra mim é ela. Até os meus remédios, tudo ela que vê, ela que sabe; eu não sei nada, nada. Porque, para mim, eu não tomaria nada, mas ela pede, fica em cima, tudo. Mas acho que é a preocupação dela para não me perder”.

No esquema de Emaranhamento, é comum que as pessoas sintam culpa quando fazem tentativas de manter a individualização. Mesmo nas situações em que Perséfone obteria vantagens em romper com o emaranhamento, ela demonstra resistência: “Se eu tô em algum tumulto, já prefiro ligar para ela e dizer. Mesmo quando eu vou buscar maconha

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25 em alguma boca, eu já aviso que vou lá pegar maconha para não dizer que eu fui pegar outro tipo de droga”.

As ativações do esquema Padrões Inflexíveis são bastante intensas e são evidenciadas pelo hipercriticismo sobre si e pelo esforço em se adequar a um padrão internalizado rígido que acredita ser essencial. Quando o indivíduo não consegue manter suas regras rígidas, sente como inevitável a punição ou prejuízos de seus comportamentos, conforme fica claro quando Perséfone relata a situação em que sofreu abuso sexual coletivo: “Quando aconteceu o abuso comigo, eu fui avisada também que eu tava demais

nas drogas, e a minha mãe mandou eu dar um tempo, parar tudo e eu não quis. Daí foi acontecendo coisa por coisa. Mas até ali eu não quis ver, fui ver depois”. Nesta fala, fica

claro que a participante entende que seus comportamentos foram os causadores do abuso sexual, demonstrando acreditar que, se negligenciar suas regras rígidas, as consequências serão desastrosas.

Da mesma forma, sente que mereceu ser contaminada com HIV. A perspectiva dicotômica pela qual percebe o mundo reforça a expectativa de que não poderá ter uma vida satisfatória, porque não teve comportamentos impecáveis.

A crença de merecer ser severamente punida por seus atos é uma das características do esquema Postura Punitiva. Perséfone evidencia a ativação deste esquema fundamentalmente através da autopunição, que inclui uma dificuldade de perdoar seus próprios erros ou os erros dos outros, relutando em considerar atenuantes do contexto e a imperfeição humana. Perséfone associa isso ao fato de ter sido contaminada com HIV: “Se

eu peguei o HIV, foi porque eu procurei, porque eu maltratei muita gente. E, na hora de me cuidar, eu não me cuidei. Deixei tudo acontecer. Achei que em mim nunca ia acontecer. Julgava uma prima minha que tinha, só que hoje em dia estou na mesma situação que ela. Acho que isso foi um pouco de castigo também, para eu me colocar um pouco no lugar dela”. A falta de empatia com os sentimentos contribuem para a depreciação de si, reafirmando o merecimento da punição: “Penso que se eu devo, vou pagar. Acredito muito

na lei de Deus. O que a gente faz aqui, a gente paga aqui mesmo. Não paga lá embaixo nem lá no céu. Eu acho que se tu fez, tem que pagar de um jeito ou doutro.”

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Possui 29 anos, se identifica como mulher transgênera, completou entre 6 e 9 anos de estudos (equivalente ao Ensino Fundamental) e realiza atividade informal relacionada ao sexo. Atualmente, está em abstinência de drogas e possui o diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline. Afrodite teve uma recaída recente e, a partir disso, interrompeu o tratamento hormonal que realizava, o que afeta sua aparência.

Em relação à atividade sexual, manifesta preocupações quanto à segurança física e outras relacionadas à possibilidade de que não achem o seu corpo atraente, de que seu parceiro não a veja com o gênero com o qual se identifica quando estiver nua, e que as pessoas só queiram fazer sexo com ela pelo fato de ser transgênero. Apesar disso, não deseja realizar cirurgia de redesignação sexual.

Nas situações ativadoras do esquema de Abandono, Afrodite traz a figura da mãe e do companheiro como central no seu amparo. A possibilidade de experimentar o abandono gera a necessidade exagerada de sentir o amparo, fazendo com que precise comprovar que não ficará sozinha e desamparada. A partir disso, os comportamentos de risco de Afrodite evidenciam uma alternativa desadaptativa de experimentar essa sensação, conforme descreve: “Um dia ele (companheiro) pediu um tempo para mim. Eu surtei, já queria sair

para usar… Quando eu digo que vou sair, a minha mãe já sabe que eu vou voltar drogada.

A sua identidade de gênero e a atividade de trabalho relacionada ao sexo proporcionaram muitas situações que reforçaram o esquema de Desconfiança/Abuso em Afrodite. A relação com os clientes e com outras pessoas transgêneras do trabalho reativam a sua percepção de que não deve confiar nas pessoas, porque estas sempre têm a intenção de abusá-la de alguma forma. O ciclo de abuso, que iniciou na vivência precoce de abuso sexual por parte de um tio, quando a participante tinha apenas dois anos de idade, é reafirmado na atividade profissional. O trabalho com prostituição perpetua este ciclo. Afrodite refere ter sofrido diversos tipos de abuso físico e sexual desde a infância até os dias atuais.

Da mesma forma, o enfrentamento de várias situações de preconceito social pela sua identidade de gênero reforça o esquema de Vulnerabilidade ao Dano ou Doença. Muitas vezes, os temores associados à vulnerabilidade partem de dados da realidade que parecem justificar a presença deste esquema. Entretanto, a forma como enfrenta os riscos que corre é que se mostra desadaptativos, pois quando ativada pelo esquema, a participante tem

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tendência a responder de forma hipercompensatória, ampliando os riscos inerentes destas situações, como quando conta sobre um enfrentamento, motivado pela transfobia, com um membro de uma facção criminosa no bairro onde vive: “Então tu atira, porque eu não

tenho medo de morrer. Porque eu sou criada desde pequena aqui e vocês têm que ter respeito, porque vocês estão vendendo as drogas de vocês aqui e eu não me meto, então vamos se respeitar”.

As consequências das exposições para uso de substâncias e para situações de abuso e agressão podem ter originado o esquema de Emaranhamento. Este esquema é evidenciado pelo controle e invasão da privacidade da participante por parte da sua mãe, que é entendido por Afrodite como um excesso de cuidado necessário para garantir a manutenção dos seus tratamentos. Mesmo durante a entrevista para coletar os dados desta pesquisa, a mãe da participante precisou ser orientada a deixá-la sozinha com a entrevistadora, o que a deixou desconfortável inicialmente.

Satisfazer as necessidades dos outros em detrimento das suas próprias é a característica central do esquema de Autossacrifício. As situações relatadas por Afrodite evidenciam a sistematização de situações em que abre mão de coisas materiais para doar aos outros, ainda que esses itens lhe façam falta. Chama a atenção neste esquema o caráter voluntário pelo qual a participante age. Esses comportamentos têm o intuito de evitar o sofrimento dos outros e, assim, se aliviar de uma possível culpa em relação a pessoas que apresentam alguma carência. Por outro lado, pode levar ao ressentimento daqueles que foram cuidados por gerar expectativas de retribuição que não ocorrem.

O esquema de Autocontrole Insuficiente é bastante comum em usuários de substância e em pacientes que apresentam o Transtorno Borderline de Personalidade. A participante traz como exemplos desta ativação esquemática a dificuldade de controlar a impulsividade para abdicar de uma gratificação imediata em prol de uma gratificação de longo prazo, como quando desistiu de concluir a educação básica, justificada pelo seu impulso de sair de situações em que sofria com o preconceito, e quando apresenta resistência para usar medicações fundamentais ao seu tratamento com antirretrovirais. Além disso, as recaídas no tratamento para uso de substâncias exemplificam a forma como a participante responde à ativação deste esquema.

A Negatividade é expressa pelo temor inesperado e injustificado de que possa sofrer perdas ou agressões. Percebe que precisa despender esforços exagerados para manter uma

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mínima funcionalidade, expressando medo “de virar mendigo, o medo de ficar sem nada,

nada. De que acabou tudo”. É como se, no futuro, seus recursos pessoais e financeiros

esgotassem e não fossem mais suficientes, conforme refere: “Se eu tô muito bem assim, se

eu tô ganhando muita roupa, eu tenho que me preocupar, porque vem coisa aí”.

O esquema de Postura Punitiva aparece de forma intensa, sobretudo quando é dirigida a si própria. Não aceita atenuantes e é implacável na percepção da necessidade de punição, tendo dificuldade em perceber que algumas punições podem ser desproporcionalmente severas e que algumas infrações podem não ter consequências significativas. Afrodite atribui as perdas materiais que sofreu como consequência direta do uso de substâncias. Suas recaídas merecem uma punição e não permite atenuantes ao entender que possui um transtorno que tem como característica altos índices de recaída, por exemplo. Ela relata que devido a sua última recaída, interrompeu o tratamento hormonal responsável pela aparência feminina que lhe agrada. Com isso, ao observar sua aparência menos feminina, a aceita como punição pela sua recaída.

4 DISCUSSÃO

Os principais resultados evidenciados neste estudo demonstram que a composição esquemática dos participantes transgêneros é bastante distinta, ainda que todos apresentem em comum os diagnósticos de Transtorno de Personalidade Borderline e Transtorno por Uso de Substâncias. Além disso, todos relataram a ocorrência de situações potencialmente geradoras dos esquemas, como, por exemplo, vivências precoces de abandono e exposição à violência. Da mesma forma, o uso de substância parece ser uma estratégia de enfrentamento disfuncional para lidar com o sofrimento gerado pelas ativações dos esquemas. As mulheres transgêneras apresentaram maior número de EIDs, assim como também maior ativações esquemáticas, o que está em acordo com dados da literatura prévia (Garcia Da Silva et al., 2012; Shorey, Stuart, & Anderson, 2012).

Observa-se situações ativadoras comuns em alguns EIDs nos três participantes. Os esquemas que foram ativados a partir das mesmas questões do YSQ –S3 foram: Abandono, Autocontrole Insuficiente, Arrogo, Busca de Aprovação, Dependência/Incompetência, Desconfiança/Abuso, Emaranhamento e Vulnerabilidade a Dano/Doença. Ainda que alguns destes esquemas não tenham pontuado suficientemente para serem considerados um EID

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relevante, as mesmas questões relacionadas aos esquemas obtiveram pontuações a partir de 5,0, o que indica que o esquema possui alto potencial para ativação. Isso demonstra uma similaridade das necessidades emocionais que não foram satisfeitas na infância e que influenciam os comportamentos na vida adulta (Ball,1998; Young, Klosko, & Weishaar, 2008).

Apesar do Arrogo não ser um EID relevante em nenhum dos casos, ele aparece em algumas situações como uma estratégia compensatória em ativações de vulnerabilidade e incompetência. Ou seja, para evitar sentir o desconforto gerado pela sensação de vulnerabilidade e incompetência, os participantes utilizam comportamentos típicos do arrogo, como impor uma superioridade ou oposicionismo. Esse comportamento disfuncional aumenta a possibilidade de se colocarem em situações de risco de agressão, assim como de perpetrar a vitimização nas relações afetivas.

Da mesma forma, esquemas de Busca de Aprovação e Dependência/Incompetência, que não são EIDs relevantes em nenhum dos casos, são ativados em situações similares nos três sujeitos desta pesquisa. A Busca de Aprovação é evidenciada em situações em que os participantes manifestam que precisam receber elogios dos outros para sentirem que possuem algum valor. Sua autoestima depende das reações dos outros, de modo a buscarem uma adaptação e aceitação do meio (Luz, Santos, Cazassa, & Oliveira, 2015). Esse dado é evidenciado pelo alto valor que os sujeitos dão na adaptação da aparência física condizente com o gênero que se identificam, por exemplo. O esquema Dependência/Incompetência é acionado na sensação de que não são capazes de administrar as demandas de suas rotinas sem auxílio. Estes esquemas aparecem relacionados à manutenção do tratamento para o TUS, em que a preservação de uma rotina estruturada depende da presença e controle de outras pessoas, que, nos casos estudados, centra-se na figura da mãe.

O esquema de Abandono está presente nos três participantes. O mesmo temor associado a este esquema também é fator central na Personalidade Borderline (Esmaeilian, Dehghani, Koster, & Hoorelbeke, 2019). Com isso, acredita-se que o abandono real vivenciado pelos participantes pode estar na origem deste esquema, uma vez que o abandono reacende a sensação de negligência e falta de cuidado. Apesar de entender que a presença deste EID seja relevante na Personalidade Borderline, não é suficiente para determinar um diagnóstico, mas é fundamental no entendimento do funcionamento geral desses pacientes. Do mesmo modo, o uso de substância parece ser utilizado como uma

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forma de evitar entrar em contato com os sentimentos provocados pela ativação deste esquema nos três casos estudados. No relato de Afrodite, por exemplo, percebe-se que uso de substância em uma situação de recaída foi reativo à intensidade da sensação de abandono pelo namorado em momento de crise na relação.

As mulheres transgêneras deste estudo apresentaram quatro EIDs em comum: Desconfiança/Abuso, Vulnerabilidade a Dano ou Doença, Emaranhamento e Postura Punitiva. Esses dados se relacionam a algumas vivências, tanto precoces, como perpetuadas na vida adulta, em que a violência e a vitimização estão presentes. A precocidade da experiência de violência destas participantes se relaciona positivamente com a intensidade das ativações esquemáticas, sugerindo que experiências tóxicas na infância contribuem na formação esquemática (Algarves, 2018). Da mesma forma, a perpetuação das ativações é constante e estas podem ser identificadas na atividade profissional destas mulheres (ambas trabalham com sexo) e na violência verbal direcionada à identidade de gênero. Em relação ao esquema de Postura Punitiva, este pode ser evidenciado no discurso das participantes, quando revelam que seus transtornos são uma punição para suas condutas disruptivas, pois acreditam merecer terem sido contaminadas pelo vírus HIV.

Outro dado que deve ser ressaltado refere-se à diferença na pontuação geral do inventário. Enquanto o participante identificado como Apolo (transgênero masculino) apresentou um escore médio de 2,6, que indica um baixo nível de ativação esquemática geral, as participantes Perséfone e Afrodite (transgêneras femininas) apresentaram escore médio de 4,0 e 4,2 respectivamente. Esses achados corroboram o estudo de Shorey, Anderson, & Stuart (2012) que mostra as mulheres pontuando mais do que homens em ativações esquemáticas.

Essas diferenças apresentadas pelas mulheres podem estar relacionadas à piora no prognóstico de TUS, com mais fissura e mais sintomas relacionados às comorbidades psiquiátricas (Maciel, Tractenberg, Habigzang, & Wainer, 2013), o que pode ser evidenciado nas mulheres transgêneras deste estudo, por terem apresentado necessidade de mais intervenções em seus tratamentos psiquiátricos. Da mesma forma, a maior ativação esquemática nas mulheres transgêneras pode ter sido influenciada pela vivência precoce de violência (Algarves, 2018), uma vez que, em seus relatos, observa-se a revivência de situações de violência e abuso no trabalho com o sexo. Esses dados mostram que as

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experiências de negligência e falta de cuidado precoce foram significativos na formação de suas personalidades.

As altas ativações esquemáticas nas mulheres em estudos prévios também foram observadas nas mulheres transgêneras deste estudo. Esse dado sugere que a identidade de gênero apresenta maior relevância na formação dos padrões esquemáticos do que a designação biológica de gênero, o que pode apontar para a importância da identidade social na estruturação da personalidade, sendo ainda um campo fértil de investigação entre os transgêneros.

Ao considerar a identidade de gênero, este dado corrobora os da literatura prévia, que demonstram que as mulheres apresentam escores mais altos em todos os esquemas, exceto o de Inibição Emocional (Luz et al., 2015). Este esquema não esteve presente nas ativações da população deste estudo. Entretanto, o esquema de Autossacrifício, comum tanto em homens, quanto em mulheres dependentes de álcool (Shorey, Anderson, & Stuart, 2012), também apareceu como EID em uma participante mulher transgênera. Os esquemas Padrões Inflexíveis, Autocontrole Insuficiente e Autopunição, também prevalentes em homens e mulheres, aparecem isoladamente entre os participantes, exceto a Autopunição, presente nas duas mulheres transgêneras do estudo. A pressão extrema associada aos Padrões Inflexíveis, a criticidade associada à Autopunição e a falta de autodisciplina associada ao Autocontrole Insuficiente podem levar alguns indivíduos a consumirem álcool como um método para lidarem com esses esquemas mal adaptativos (Young, Klosko, & Weishaar, 2008).

O escore geral apresentado pelos participantes também mostra a associação entre gravidade de consumo e intensidade da ativação dos esquemas. Pessoas com Transtornos de Personalidade apresentam maior vulnerabilidade para desenvolver uso problemático de substâncias (Jahng et al., 2011; Kienast, Stoffers, Bermpohl, & Lieb, 2014), assim como apresentam maior número de EIDs. Somado a isso, essas mulheres também evidenciam aumento no comprometimento em relação ao uso de substâncias (Newcomb et al., 2019). Tanto Perséfone quanto Afrodite evidenciam, em seus relatos, como o uso de substâncias amenizou os sentimentos negativos, principalmente quando ativados os esquemas de Abandono e Vulnerabilidade ao Dano/Doença.

Dentre os Transtornos de Personalidade mais frequentemente associados ao TUS, está o Transtorno Borderline de Personalidade (TBP) (Jahng et al., 2011; Miyamoto, 2013;

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Kienast, Stoffers, Bermpohl, & Lieb, 2014; Wapp et al., 2015). Estes dados foram observados nos participantes da pesquisa. Ainda que os três casos apresentem diagnóstico para TBP, a composição dos esquemas é bastante distinta entre eles, o que reforça a hipótese de que diferentes EIDs estão associados a vários transtornos clínicos e de personalidade. Assim, a identificação dos EIDs, por si só, não é uma ferramenta capaz de predizer um diagnóstico nosológico, mas é uma forma de entender o funcionamento global da personalidade das pessoas (Young, Klosko, & Weishaar, 2008).

A vivência traumática precoce, além de gerar EIDs, é um importante fator de risco para desenvolver doenças mentais. Além disso, o abuso sexual precoce também pode gerar importantes impactos na formação da personalidade, identificado na fragilidade da identidade, aumentando a chance de desenvolver transtornos mentais e problemas psicossociais (Hailes, Yu, Danese, & Fazel, 2019). Entre eles, destacam-se transtornos clínicos, como depressão, ansiedade, TUS (Hohendorff, Habigzang, & Koller, 2012) e Transtornos de Personalidade, sobretudo o TBP (Teicher, 2012). Somado a isso, o histórico de abuso sexual na infância é um importante preditor de dependência de álcool e outras drogas na vida adulta (Sanjeevi, Houlihan, Bergstrom, Langley, & Judkins, 2018). Nos relatos das participantes, esses dados são reafirmados, indicando que o abuso sexual sofrido mostrou ser um fator relacionado com os transtornos psiquiátricos apresentados pelas mulheres transgêneras deste estudo, incluindo TUS e TPB.

Além disso, abusos físicos e sexuais precoces podem estar na origem dos EIDs do domínio de Desconexão e Rejeição identificados nos esquemas de Abandono e Desconfiança/Abuso. A negligência e a falta de cuidados vivenciadas pelas participantes reforçam as crenças negativas sobre si e sobre os outros. Segundo os dados deste estudo, o abandono sofrido por familiares e a ausência da figura do pai na infância evidenciaram que o senso de pertencimento e aceitação foram insuficientes.

Essas crenças são ativadas nas situações atuais, perpetrando os abusos e os maus tratos. Estes EIDs são formados muito precocemente, assim como os esquemas do domínio de Autonomia e Desempenho Prejudicados, evidenciados nos esquemas de Vulnerabilidade ao Dano/Doença e Emaranhamento (Paim & Falcke, 2016). Foi identificado nas mulheres transgêneras deste estudo que o desenvolvimento do senso de competência e confiança em si foi pouco estimulado e validado pelas famílias. Além disso, o bullying direcionado à

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identidade de gênero na infância e adolescência e a baixa escolaridade parecem ter reforçado a crença de incompetência destas mulheres.

Entre outros fatores, a falta de cuidado e negligência é determinante no desenvolvimento dos transtornos mentais comuns aos três participantes do estudo. Estes aspectos exigem atenção e determinam algumas das necessidades afetivas não satisfeitas dos domínios de Rejeição e Desconexão e de Autonomia e Desempenho Prejudicados. Os EIDs destes domínios são representativos das primeiras tarefas evolutivas do desenvolvimento da personalidade (Young, Klosko, & Weishaar, 2008, Wainer, Paim, Erdos, & Andriola, 2015), acarretando em impacto negativo na formação esquemática dos sujeitos.

Diante deste contexto, é comum que pessoas que sofreram violência sexual recorram ao abuso de álcool e de drogas como uma estratégia desadaptativa para evitar o sofrimento (Miyamoto, 2013). As mulheres transgêneras deste estudo recorrem ao uso de substâncias na relação com a atividade sexual. Além disso, os achados evidenciam que o trabalho com sexo reforça o ciclo de abuso sofrido por essas mulheres, uma vez que essa prática aumenta o risco de sofrerem outras situações de violência, além de perpetuar a sensação de inadequação que, esquematicamente, merece ser punida.

Apesar de somente Apolo não referir ter sofrido violência sexual, ele apresenta uma postura evitativa em relação ao sexo, o que geralmente poderia estar relacionado com o histórico de abuso e agressões. Estudos prévios sobre violência e gênero mostram que as mulheres cis são mais vulneráveis a sofrerem violência. No Brasil, essa proporção é de 1 em cada 4 meninas e de 1 em cada 6 meninos (Hohendorff, Habigzang, & Koller, 2012). Nos transgêneros deste estudo, este dado pode ser confirmado quando respeitada a identidade de gênero. Ou seja, parece que ter sofrido abuso sexual causa maior repercussão na estruturação da personalidade, sobretudo na própria sexualidade.

Somado-se a isso, as preocupações com a sexualidade foram evidenciadas pelo esquema de Desconfiança/Abuso nas mulheres transgêneras que participaram do estudo. A vitimização vivenciada pela violência aparece como temática fundamental deste esquema. A dificuldade que as participantes deste estudo têm de confiar nas pessoas e nos relacionamentos serve como estratégia protetiva para o abuso; ao passo que, em outras ativações, podem lidar com a desconfiança de forma hipercompensatória, expondo-se mais nas relações, o que faz aumentar a chance de sofrerem algum tipo de abuso. Ambas as

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estratégias de enfrentamento reforçam o esquema, uma vez que não lhes permite constituir relações interpessoais que estabeleçam vínculos estáveis. Paim, Madalena e Falcke (2012) referem que o esquema de Desconfiança/Abuso está associado tanto à vitimização, quanto à perpetração da violência, seja através da hipercompensação ou da resignação ao esquema (Paim, Madalena, & Falcke, 2012).

Outro dado que contribui para a manutenção esquemática destas mulheres se refere ao fato de que acreditam que os outros só manifestam interesse sexual por serem transgêneras, como informaram as participantes deste estudo. Isso reforça a sensação de que o valor que possuem está atrelado exclusivamente a um componente físico, que lhes causa desconforto, fazendo com que não se sintam desejadas enquanto pessoas, mas enquanto objetos.

A TE tem ganhado força no entendimento sobre a forma como cada pessoa lida com seus esquemas. É comum que os indivíduos recorram a estratégias desadaptativas, cujo objetivo é evitar o sofrimento. Uma das estratégias utilizadas para evitar o sofrimento gerado pelas ativações esquemáticas é o uso de substância (Young, Klosko, & Weishaar, 2008; Bamelis, Evers, & Arntz, 2012), o que também pode ser observado nos relatos dos casos. Esta estratégia pode representar o alívio temporário de emoções negativas que determinados EIDs podem gerar, por aumentar a sensação de autoconfiança e facilitar determinados tipos de relações sociais (Maciel et al., 2013). Entretanto, esta é uma estratégia desadaptativa, porque, além de aumentar o risco de desenvolver o TUS, favorece que sejam recriadas as situações em que as necessidades emocionais não foram atendidas.

Por fim, percebe-se que a Terapia do Esquema pode ser um importante recurso do entendimento, tanto do impacto que os traumas precoces podem gerar na estrutura de personalidade, quanto da função do uso de substâncias como uma estratégia de enfrentamento desses traumas (Ball, 1998). Nos casos estudados, observa-se que, na população transgênero, a TE possibilitou aprofundar entendimento da causa do uso de substância, bem como a terapêutica desse comportamento disfuncional. Portanto, entender a estrutura de personalidade dos transgêneros através dos EIDs pode ser uma importante ferramenta de inclusão desta população nos programas de prevenção e tratamento para o Transtorno por Uso de Substâncias.

Vale ressaltar ainda que este estudo possui algumas limitações. A principal se refere ao fato do desenho da pesquisa utilizada ser um Estudo de Múltiplos Casos, o que não

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possibilita fazer generalizações dos resultados. Porém, reconhece-se o valor heurístico destes, porque, a partir dos relatos, se inicia uma nova perspectiva de questionamento sobre este paradigma. Outra limitação se refere à dificuldade de acesso a esta população. Apesar da ideia inicial do estudo almejar um número maior de sujeitos, algumas questões éticas impossibilitaram a realização do projeto inicial em tempo hábil. Com isso, reconhece-se o caráter incipiente deste estudo e sugere-se que pesquisas futuras com amostras maiores, com delineamento longitudinal e com análises estatísticas adequadas permitam identificar variáveis que relacionem os EIDs na população transgênero e o TUS.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo se propôs a identificar e analisar os EIDs de transgêneros usuários de álcool e outras drogas. A partir dos resultados, foi possível observar que os transgêneros não apresentaram uma formação esquemática comum, além do esquema de Abandono, presente nos três casos estudados, indicando que as vivências precoces geradoras deste esquema tiveram um importante papel na estruturação da personalidade destes sujeitos. A formação esquemática, assim como as situações ativadoras dos esquemas, mostrou estar mais de acordo com a identidade de gênero do que com a designação biológica do gênero.

Os resultados deste estudo corroboram dados de pesquisas prévias, que afirmam que, tanto na população geral, quanto nas populações clínicas, incluindo DQ, as mulheres apresentam mais EIDs de uma forma geral e pontuam escores mais elevados do que os homens nos esquemas. Ainda foi possível observar que as mulheres transgêneras apresentaram maiores ativações nos esquemas dos dois primeiros domínios - Desconexão e Rejeição e Autonomia e Limites Prejudicados -, o que indica que as primeiras experiências foram determinantes para a dificuldade de estabelecer vínculos afetivos seguros, que promovam autonomia e autoconfiança, causando possíveis impactos na estruturação de personalidade.

Nesse sentido, outro dado que deve ser considerado diz respeito às repercussões que a vivência precoce de abuso pode causar na estruturação da personalidade. Esta experiência está relacionada à formação de EIDs e à base do Transtorno de Personalidade Borderline, além de ser comum em pessoas que desenvolvem o Transtorno por Uso de Substâncias. Com isso, o entendimento da função do uso de substâncias por transgêneros, a partir dos

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