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ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA LEI Nº , DE 9 DE JUNHO DE 2008

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ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA LEI Nº 11.689, DE 9

DE JUNHO DE 2008

Vilson Farias

RESUMO: O presente artigo trata da análise das modificações introduzidas no CPP pela Lei nº 11.689/08, que introduziu alterações de relevo nos procedimentos bifásicos do Tribunal do Júri, como a extinção do recurso de protesto por novo Júri, a exigência de oportunização de defesa ao imputado antes mesmo do efetivo recebimento da denúncia, simplificação procedimental na primeira fase do rito do Júri, prevê a possibilidade de intimação por edital da decisão de pronúncia do acusado solto que não foi encontrado, cabimento de apelação, e não mais recurso em sentido estrito, de decisão de impronúncia ou absolvição sumária, entre outras não menos importantes.

Palavras-chave: Lei nº 11.689/08; Tribunal do Júri; Intimação; Desaforamento; Libelo; Jurados.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Substituição da Iudicium Accusatione por uma Fase Contraditória, Preliminar, a Ser Encerrada em 90 Dias; 2 Vedação Expressa da Eloqüência Acusatória na Decisão de Pronúncia; 3 Ampliação das Hipóteses de Absolvição Sumária; 4 Recurso Cabível Contra as Decisões de Impronúncia e Absolvição Sumária, que Não Será Mais o Recurso em Sentido Estrito, mas Sim Apelação; 5 Intimação da Decisão de Pronúncia: em se Tratando de Réu Solto, Passa a Ser Admitida por Edital, com o Normal Prosseguimento do Feito, o que Colocou Fim à Chamada Crise de Instância; 6 Desaforamento; 7 Do Processo de Desaforamento (Cabimento e Oportunidade); 8 O Princípio do Contraditório e o Desaforamento; 9 Do Efeito Suspensivo para o Pedido de Desaforamento; 10 Da Possibilidade de Desaforamento para Segundo Julgamento; 11 Do Reaforamento; 12 O Reaforamento e a Anulação da Decisão de Pronúncia; 13 Desaforamento para Comarca

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Vizinha: Quando Julgamento Não Realizado nos 6 Meses Seguintes ao Trânsito em Julgado da Decisão de Pronúncia; 14 Extinção do Libelo Acusatório; 15 Relativamente aos Jurados; 16 Adoção da Cross Examination; 17 Limitação na Leitura das Peças em Plenário; 18 Da Quesitação; 19 Extinção por Protesto por Novo Júri; 20 Atribuições do Presidente do Tribunal do Júri; 21 Considerações Finais; 22 Bibliografia.

Introdução

A Lei nº 11.689/08, que altera dispositivos do DL 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal -, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras providências, foi aprovada em 9 de junho, e é oriunda de um projeto que começou a ser discutido no ano de 2001, por meio de uma iniciativa do Poder Executivo, que nomeou uma comissão de juristas, presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover, para a criação de propostas tendentes a reformular o Código de Processo Penal, buscando mais eficácia em suas medidas e celeridade nos processos. Dentre os projetos elaborados, estava o de nº 4.203/01, que versava especificamente sobre o Tribunal do Júri.

Trata-se de lei basicamente processual, e, sendo assim, suas normas têm eficácia em relação aos processos que se encontrarem em tramitação quando entrar em vigor.

Quanto ao direito intertemporal, dúvidas surgirão, sobretudo nos processos em que se aguardava intimação pessoal da pronúncia - agora possibilitada a intimação pela via editalícia - e nos que há pendência ou qualquer superveniência ou recurso de protesto por novo júri, o qual foi agora suprimido. Aqui, é questionável a aplicação da lei nova aos fatos praticados anteriormente a sua vigência, por se tratar de norma processual atrelada a preceito fundamental. Além disso, aos fatos ocorridos anteriormente, atual redação do art. 366 do CPP, em relação à possibilidade de intimação editalícia da pronúncia, há espaço para discussão por tratar-se de novatio legis prejudicial ao réu.

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O texto se fundamenta em predicados de celeridade, eficiência, simplicidade e segurança. Embora esteja propenso a críticas, não há como negar que o legislativo deu importante contribuição para a celeridade e simplificação do rito e do sistema de formulação de quesitos. Tais alterações representam sinalização para o judiciário, no sentido de que se deve estruturar para traduzir em efetividade o anseio social que inspirou a lei nova. Noutra idéia, impende reconhecer a necessidade urgente de conferir prioridade aos processos que versam sobre crimes dolosos contra a vida.

Como bem ensina o Promotor de Justiça Rodrigo Iennaco de Moraes, a instrução é orientada pelos princípios da oralidade e da concentração dos atos em audiência, obedecendo à seguinte lógica: serão inquiridos, nessa ordem, ofendido, quando for possível, e testemunhas presentes, com a impossibilidade de inversão se testemunhas arroladas pela acusação não comparecerem. A seguir, aparece o esclarecimento dos peritos, caso previamente requerido, acareação, reconhecimento de pessoas e coisas e, ao final, o acusado será interrogado, o qual, evidentemente, já estará a par das provas produzidas contra si.

As testemunhas serão inquiridas pelas partes e o juiz complementa a instrução. O réu é interrogado primeiro pelo juiz; as partes o complementam, formulando perguntas diretamente ao réu, sem a intervenção do juiz. Encerrada a coleta de provas, seguem-se os debates orais, destinando-se às partes o tempo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez; havendo assistente admitido, terá a palavra por dez minutos, prorrogando-se neste caso o tempo da defesa por igual período. Finalmente, a decisão sobre a pronúncia deverá ser prolatada na própria audiência, ou, excepcionalmente, em 10 (dez) dias.

A lei estabelece que o prazo para encerramento da instrução será de 90 (noventa dias), portanto, se não observado, dará ensejo a excesso que poderá, conforme o caso, resultar na soltura do acusado preso. Constata-se que o prazo fixado na lei refere apenas a instrução, devendo ser contado, pois, do recebimento da denúncia, nele não se computando o tempo regular para

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investigação, em que houver, desde logo, prisão provisória. Ressalte-se que tal prazo não é peremptório, eis por que deve ser interpretado em cada processo concreto, conforme o princípio da razoabilidade, já consagrado, nesse diapasão, na jurisprudência do STJ.

Como bem escreveu Reinaldo Daniel Moreira no Boletim IBCCrim do mês de julho de 2008 (ano 16, n. 187), a extinção do recurso de protesto por novo júri disciplinado nos arts. 607 e 608 do CPP, cabível nos casos de condenação à pena privativa de liberdade igual ou superior a 20 (vinte) anos de reclusão para um único crime, ou quando este patamar de pena for resultado de continuidade delitiva ou concurso formal de delitos, tal remédio não encontra correspondente no direito comparado, nem mesmo no direito anglo-americano, cenário em que preponderam os julgamentos populares.

Os doutrinadores frisam que a origem de tal recurso remonta o CPP de 1832, quando sua previsão alicerçava única e exclusivamente em questões de índole humanitária, razão pela qual, com abolição das penas de morte, degredo e galés perpétuas então previstas. O dito recurso teria perdido seu sentido. A partir de agora, com esta nova lei, apenas caberá recurso de apelação para atacar o mérito das decisões dos jurados, quando estas se apresentem manifestamente contrárias às provas dos autos.

No aspecto procedimental, a nova Lei nº 11.689 consagra, na nova proposta para o art. 406 do CPP, a exigência de oportunização de defesa ao imputado antes mesmo do efetivo recebimento da peça vestibular, por escrito, e no prazo de 10 (dez) dias. Na realidade, trata-se de uma defesa preliminar (atípica) já presente em alguns ritos, como no caso dos crimes funcionais, art. 514, CPP, no rito do julgamento dos crimes de competência dos tribunais e na Lei nº 11.343 (de 23 de agosto de 2006 - Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção e uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências).

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Na primeira fase do rito do júri (judicium accusationis) em que se procede o juízo de admissibilidade de acusação, a nova lei promove uma simplificação procedimental, pois, segundo a nova redação do art. 411 do CPP, dispõe que o juiz deve ordenar a realização de diligências requerida pelas partes e providenciar para a inquirição das testemunhas em 10 (dez) dias, logo após, realizar-se-á a audiência de instrução, na qual serão ouvidas as vítimas, as testemunhas e os peritos, procedendo a eventuais acareações e o reconhecimento de pessoas ou coisas. Ao final da audiência será interrogado o acusado acerca do fato, isto na realidade já vinha sendo aplicado na Lei nº 9.099/95, como dispõe o art. 81, o que é considerado pela doutrina uma medida de ampla defesa.

A nova disciplina exterioriza uma tendência já presente na Lei nº 11.343/06 de concentração de toda a instrução e decisão em uma só audiência, pois o legislador optou por privilegiar a celeridade, abreviando o rito, o que poderá causar muita polêmica. A nova lei ainda, conforme dispõe o art. 420, prevê a possibilidade de intimação por edital da decisão de pronúncia do acusado solto que não foi encontrado, o que leva à não suspensão do curso do processo quando o réu não é encontrado para a intimação da pronúncia (denúncia), no caso de delito inafiançável, como prevêem atualmente os arts. 413 e 414 do CPP. Outra novidade é a que consta no art. 416, de cabimento de apelação, e não mais de recurso em sentido estrito, de decisão de impronúncia ou absolvição sumária.

Na segunda fase do rito do júri (judicium causae) observa-se como modificação de relevo a supressão do libelo-crime acusatório, com esta modificação, a peça acusatória a ser levada em plenário é a própria denúncia. Outra modificação proposta é referente ao instituto do desaforamento, além das hipóteses antes em vigor, acrescenta a nova lei, que esta pode ser determinada, também, em razão do comprovado excesso de serviço no juízo, ouvidos o juiz-presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado em 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. Razão pela qual fica suprimida a hipótese da atual redação do 424, parágrafo único, CPP, no sentido de que o desaforamento poderia ser

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requerido passado 1 (um) ano do recebimento do libelo, se o julgamento ainda não tivesse sido realizado.

Além dessas profundas modificações, também a nova lei eleva o número de jurados sorteados para integrar a cada seção de 21 para 25. Acrescenta também ao rol dos impedidos de funcionar como jurados no mesmo julgamento, além daquelas constantes no vigente 462, as pessoas que vivem em união estável, previsão adequada à Constituição, que reconhece a união estável como entidade familiar. Também consagra o impedimento daqueles que já funcionaram no mesmo processo, ou que já tenham integrado o conselho de sentença que tenha julgado outro réu, em caso de concurso de pessoas.

A idade mínima para o serviço do júri é de 18 (dezoito) anos completos, e não mais de 21 (vinte um). Em plenário, dentre outros pontos relevantes, o projeto prevê expressamente que o uso de algemas será permitido apenas quando absolutamente necessário, como dispõe o art. 474, § 3º, CPP. Os debates orais também têm nova duração, uma hora e meia para a acusação e igual período para a defesa, acrescidos de mais uma hora para cada parte, caso haja mais de um acusado, e uma hora para eventual réplica e tréplica, duplicados no caso de mais de um acusado. Há modificações também no que se refere à quesitação, no novo art. 483, CPP, os jurados serão indagados acerca: I - da materialidade do fato; II - da autoria ou participação; III - se o acusado deve ser absolvido; IV - se existe causa e diminuição de pena alegada pela defesa; V - se existe qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecida na pronúncia ou em decisão posterior que admitiu a acusação.

Essas foram as principais alterações, bem como outras de não menos importância que foram esmiuçadas por ocasião desse trabalho.

Passo a comentar as mudanças trazidas.

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1 Substituição da Iudicium Accusatione por uma Fase Contraditória, Preliminar, a Ser Encerrada em 90 Dias

A primeira fase do procedimento, idealizada pela doutrina de sumário da culpa (iudicium accusatione) sofreu profundas modificações, pois os arts. 406 e ss. do CPP que anteriormente tratavam da decisão de pronúncia, impronúncia e absolvição sumária, passaram a constar em novos dispositivos.

Agora, com o advento dessa nova lei, essa etapa será substituída por uma fase preliminar onde dar-se-á o contraditório, o qual antecede o próprio recebimento da denúncia quando o magistrado ouvirá as testemunhas, interrogará o acusado, determinando diligências e logo após decidirá sobre a admissibilidade ou não da peça acusatória, em 90 (noventa) dias.

A doutrina costuma se referir a tal fase "de juízo de admissibilidade da acusação marcada pelo contraditório". O descumprimento desse prazo pode ensejar a impetração de habeas corpus, pois é evidente a incidência do constrangimento ilegal. É importante analisar a nova redação que se conferiu ao art. 406: "oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias ou, no caso de citação por edital, do comparecimento pessoal do acusado ou defensor constituído".

Entre as mudanças está ainda o fato de que a citação do réu passa a ser feita também por edital, e não mais apenas pessoalmente, o que contribui com a rapidez na contagem de prazos no julgamento.

Como bem escreveu Luis Lopes de Souza Jr. e Luma Gomides de Souza, algumas alterações sugeridas pelo projeto foram aplaudidas em âmbito doutrinário, não obstante, em sua maioria, houve críticas, que desencadearam o oferecimento de quatro substitutivos, sendo que, a nosso ver, algumas apresentavam propostas melhores que as do texto original, como é o caso do

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substitutivo apresentado pelo Deputado Flávio Dino, mas a redação da Lei nº 11.689/08 demonstra, no entanto, que não houve aprovação total de nenhuma das propostas apresentadas.

Realmente o legislador quis aplicar ao Tribunal do Júri o que parece ser uma tendência do Processo Penal, qual seja, a criação de uma fase preliminar contraditória. Pois, conforme o Projeto de Lei nº 4.203/01, após o oferecimento da peça acusatória, o réu deveria ser citado para apresentar defesa preliminar, no prazo de 10 (dez) dias. A peça vestibular (denúncia ou queixa-crime) só seria recebida ao final da instrução criminal, após o oferecimento das alegações finais da acusação e defesa, o que certamente poderia causar certos entraves, considerando que o indivíduo estaria respondendo a um procedimento, sem haver, formalmente, acusação válida. Além disso, sabemos que a prescrição se interrompe com o oferecimento da denúncia, o que somente ocorreria meses após o seu oferecimento.

Por outro lado, a nova redação do art. 406 do CPP põe fim a esta discussão, afirmando que primeiro o Magistrado receberá a denúncia ou queixa e somente depois abrirá prazo para a apresentação da resposta escrita do réu, oportunidade em que o acusado apresentará o seu rol de testemunhas, que se mantém de no máximo 8 (oito), e não 5 (cinco), como pretendia o Projeto de Lei. A maior novidade, realmente, é aquela que tem lugar no art. 411, e que realiza uma audiência de instrução, debates e julgamento. Sendo assim, em uma mesma oportunidade o juiz togado, o qual poderá ser o presidente do tribunal do júri (ou outro, a quem a lei de organização judiciária local atribuir a competência para cuidar da primeira fase do procedimento), procederá à oitiva do ofendido, das testemunhas de acusação e de defesa (nesta ordem), colherá esclarecimento dos peritos, se for o caso, evidentemente, efetuará acareações, reconhecimento de pessoas ou coisas, colherá o interrogatório do réu e determinará a realização de debates orais (que na realidade são alegações finais orais proferidas pelos representantes da acusação e da defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos cada, prorrogáveis por mais 10 (dez); havendo assistente de acusação, este terá a palavra por 10 (dez) minutos, também prorrogáveis após a fala do MP)

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A audiência de instrução passa a ser uma, pois deverão ser ouvidas a vítima (quando possível), as testemunhas de acusação e defesa, bem como os peritos, quando houverem. A seguir, no mesmo ato, as acareações e reconhecimentos de pessoas e coisas, caso sejam necessários. Somente após tudo isto é que se ouvirá o acusado. "Há críticas diante de tal mudança,

principalmente entre membros do MP, pois alegam que a mesma poderá trazer inconvenientes neste ponto, pois o réu terá oportunidade de assistir toda a produção de provas para somente depois prestar suas declarações, terá chance, portanto, de elaborar uma defesa mais convincente e não necessariamente verídica".

Honestamente não compartilho de tal entendimento, pois, diante do nosso sistema preliminar de investigação, o réu quando chega em juízo já sabe o que lhe pesa (ou seja, tudo sobre o processo). Surgem outras críticas, senão vejamos: encerrada a etapa de produção de prova, mas ainda na mesma audiência, será concedido prazo para oferecimento das alegações finais, as quais passam a ser orais. A lei frisa que serão concedidos 20 (vinte) minutos para acusação e defesa, respectivamente, prorrogáveis por mais 10 (dez) nos dois casos.

Filio-me à corrente que sustenta que tal alteração trará prejuízos incalculáveis à defesa do acusado, pois é nesta fase de alegações finais que o advogado tentará convencer o juiz a não levar o caso à apreciação dos jurados, a desclassificá-lo, desqualificá-lo, entre outras teses, para embasar. Para fundamentar cada uma dessas hipóteses será necessária a realização de um minucioso estudo, com base na doutrina e jurisprudência, visando demonstrar ao juiz o equívoco do argumento do MP.

Terminados os debates, poderá o juiz proferir decisão imediatamente, ou em dez dias. Ramon Gimenes Tavares refere-se à lei, neste passo, a decisão de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação. De ressaltar ainda, que como prevêem as novas regras, a decisão de pronúncia nada mais será que a decisão de recebimento da denúncia, pois o juiz somente deliberará acerca da viabilidade da ação penal após a dilação proba

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Imprescindível assinalar que o novo regramento pretende imprimir celeridade ao procedimento, assinalando, por exemplo, que nenhum ato será adiado (exceto quando imprescindível a prova faltante, e isso é óbvio), que o juiz determinará a condução coercitiva de ausentes e que poderá inquirir testemunhas que comparecerem, independentemente da suspensão da audiência. Ainda na parte relativa da instrução inicial, houve o legislador por bem em admitir, expressamente, as figuras do emendatio libeli e mutatio libeli, como dispõe o art. 411, § 3º, e prosseguindo na fase da judicium accusationis, observa-se que o art. 415 está mais pormenorizado que o revogado art. 411, no que tange às hipóteses de absolvição sumária.

Certamente esse trabalho poderá tornar-se impossível diante da obrigatoriedade de alegações orais, razão pela qual seria necessário, ou será necessário que o defensor já levasse pronto para audiência um roteiro sobre os principais pontos que serão abordados para fundamentar a tese previamente escolhida, ou teses, no entanto esta hipótese também se mostra de difícil realização, posto que todas as provas constantes nos autos, até então, eram provenientes de procedimento policial, podendo ser alteradas na fase judicial, o que não raras vezes acontece. Por isso, o mais provável é que só se vislumbre, efetivamente, eventual tese defensiva durante a audiência de instrução, minutos antes do oferecimento das alegações finais.

Na realidade, o legislador criou uma verdadeira defesa prévia, como já havia criado na Lei nº 10.409/02, com um procedimento judicial de natureza bastante garantista, inseriu a possibilidade de ser realizada uma defesa preliminar antes mesmo de a autoridade judiciária receber a denúncia, como bem ensina Paganella Boschi (A Nova Lei Antitóxicos: primeiras impressões. Revista do ITEC, n. 7, 2002, p. 62), pois agora, como se obtém do art. 406, o juiz antes de receber a denúncia ou a queixa manda citar o acusado para responder à acusação por escrito.

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Portanto, a primeira alteração reside logo no artigo inaugural, que prevê a citação do réu para que em dez dias responda à acusação por escrito. Cuida-se, em caso da introdução no procedimento do júri, da defesa preliminar, instrumento já utilizado, por exemplo, no âmbito dos processos afeitos a entorpecentes e vigente, também, nos casos de competência originária dos Tribunais (Lei nº 8.038/90).

Diria ainda, alicerçado em Rodrigo Lennaco de Moraes, que esta nova lei estabelece um novo rito, próprio para os processos de competência do júri, com uma instrução sumária-preliminar. Oferecida e recebida a denúncia (ou queixa-crime), o acusado será citado para oferecer resposta escrita em 10 (dez) dias, a partir da efetiva citação válida, quando houver inércia, será nomeado defensor para fazê-lo, em obediência ao princípio da defesa efetiva. Ultrapassada a fase da defesa prévia, abre-se vista à acusação, a fim de que esta se manifeste sobre preliminares e documentos em 5 (cinco) dias. A seguir, são inquiridas as testemunhas, seguindo-se diligências, no máximo em 10 (dez) dias. A primeira dúvida que surge, realmente, é sobre a efetividade da argüição de preliminares, com a denúncia recebida (a menos que tais questões se resolvessem com possível aditamento à denúncia, ou no âmbito da impronúncia ou da absolvição sumária).

Como bem ensina Ramon Gimenes Tavares, a seguir, após a defesa, em cujo bojo deverá ser deduzida toda a espécie de tese defensiva (e por isso mesmo ela é obrigatória, como dispõe o art. 408), inovou uma vez mais o legislador ao prever no art. 409 a réplica do MP ou do querelante (nas hipóteses de ação penal privada subsidiária da pública e de conexão entre crime doloso contra a vida e outro sujeito a ação penal privada), também à semelhança do que ocorre nos feitos que tramitam sob os efeitos da Lei nº 8.038/08. Interpretando o art. 412 é que vislumbramos o prazo de 90 (noventa) dias para o término dessa fase. Luis Lopes de Souza Jr. e Luma Gomides de Souza, em relação ao art. 412, que fixa o prazo de 90 (noventa) dias para a conclusão da instrução, "sustentam também estar clara a intenção legislativa de empreender celeridade ao processo a todo custo, razão pela qual também discordo da referida previsão, pois na Europa, onde se mantém um invejável

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sistema judiciário, casos complexos como homicídios qualificados podem ter duração de até 4 (quatro) anos (considerando somente a fase de instrução), e, portanto, arremata com uma pergunta: como o Judiciário brasileiro poderá fazer um trabalho razoável em 90 (noventa) dias?". E não precisa pensar-se única e exclusivamente em comarcas de grande porte como São Paulo e Rio de Janeiro, onde o volume das varas do júri é estrondoso. Diante disto, parece que vai chover impetração de habeas corpus por excesso de prazo.

No que se refere à decisão de pronúncia, não se constatam grandes modificações, pois conforme o atual CPP, em se tratando de crime inafiançável, a intimação da decisão de pronúncia teria que ser sempre pessoal ao réu. Caso o mesmo não fosse encontrado, o processo ficaria suspenso, assim como o prazo prescricional, a fim de que não houvesse prejuízo a nenhuma das partes. Diante da nova roupagem, se o acusado se encontra em lugar incerto e não sabido, poderá ser intimado da pronúncia por edital, ainda que se trate de crime inafiançável. Certamente esta é outra alteração que vai ao encontro da celeridade, mas, por outro lado, influi no direto de defesa do acusado que fica impossibilitado de apresentar recurso.

Na fase de preparação do processo para o julgamento em plenário, determina-se que o juiz faça relatório sucinto do que constar nos autos, ordenando que o mesmo seja incluído na pauta de julgamentos. No respectivo PL (4.203/01) este relatório seria enviado a cada um dos 25 (vinte cinco) jurados sorteados, mas tal previsão não foi ratificada pelo legislador no momento da edição da lei.

Por sua vez o art. 413 define que "encerrada a instrução preliminar, o juiz, fundamentalmente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes da autoria ou participação". Analisando o teor desse artigo não encontramos nada de novo, pois o mesmo se limita a frisar o que trazia o art. 408 do CPP, apenas com uma diferença: fala-se também em indícios suficientes de participação no crime.

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2 Vedação Expressa da Eloqüência Acusatória na Decisão de Pronúncia

É importante deixar bem claro que o legislador inseriu esse dispositivo proibindo de forma clara o juiz que ao pronunciar realize qualquer valoração sobre os fatos ou sobre o réu, a vedação esta contida no § 1º do dispositivo referido, segundo o qual "a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à

indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena". É o fim da chamada eloqüência acusatória, como

bem escreve a jurista Patrícia Donati de Almeida em brilhante artigo, do qual colhemos vários subsídios para este trabalho.

Por sua vez, Rodrigo Iennaco de Moraes frisa que a fundamentação da pronúncia permanece restrita, ligada ao juiz positivo de materialidade e indício de autoria. Portanto, a capitulação jurídica se refere ao tipo base, qualificadoras e majorantes, razão pela qual a partir de agora o acusado solto com paradeiro ignorado será intimado da decisão de pronúncia por edital. Pouca ou nenhuma novidade está prevista para a hipótese de impronúncia, que permanece como antítese da pronúncia.

A decisão de impronúncia, destarte, equivale, em efeitos práticos, a que determine ao arquivamento do inquérito policial, a ampliação e o aperfeiçoamento das hipóteses de absolvição sumária, que subtrai do júri a análise de fato intencional praticado contra a vida, sendo admitida em hipóteses evidentes de: a) inexistência do fato; b) não ser o réu autor ou partícipe do fato; c) o fato não constituir infração penal; d) causa de exclusão do crime ou de isenção de pena (salvo o art. 26, caput, do CP, se não for a única tese da defesa). Nenhuma alteração significativa consta para a hipótese

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de desclassificação, para crime de competência do juiz singular nesta fase do procedimento.

3 Ampliação das Hipóteses de Absolvição Sumária

Em relação à absolvição sumária esta nova lei estende as suas hipóteses, frisando no art. 415 que "o juiz, fundamentalmente, absolverá desde

logo o acusado, quando: 1) provada a inexistência do fato; 2) provado não ser ele o autor; 3) o fato não constituir crime; 4) demonstrada a causa de isenção de pena ou de exclusão de crime". A diferença está no seguinte: o antigo art.

411 do CPP fala em absolvição sumária, quando "o juiz se convencer da

existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu, recorrendo, de ofício, da sua decisão. Este recurso terá efeito suspensivo e será sempre para o Tribunal de Apelação".

É importante atentar para o que dispõe o art. 415 e seu parágrafo único, que transcrevo literalmente:

"Art. 415. O juiz, fundamentalmente, absolverá desde logo o executado,

quando:

I - provada a inexistência do fato;

II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III - o fato não constituir infração penal;

IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do DL 2.848/40 - Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva."

É importante transcrever o art. 26, caput, do Código Penal:

"Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao mesmo tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento."

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Portanto, este parágrafo único, inserido ao art. 415, tem uma ressalva importantíssima de que não haverá absolvição sumária com base no inciso IV, exceto se essa for a única tese defensiva.

4 Recurso Cabível Contra as Decisões de Impronúncia e Absolvição Sumária, que Não Será Mais o Recurso em Sentido Estrito, mas Sim Apelação

Os recursos previstos contra a decisão de impronúncia e absolvição sumária também foram modificados. O recurso em sentido estrito que era previsto no art. 581, IV e VI, do CPP não mais se aplica e sim o de apelação, como dispõe o art. 416 (contra sentença de impronúncia ou absolvição sumária caberá apelação). Por outro lado, deve se reconhecer que a modificação não se coaduna com o sistema recursal vigente, uma vez que tais juízos configuram meras prelibações, isto é, decisões interlocutórias que deveriam ser enfrentadas por recursos em sentido estrito, como muito bem ensina Ramon Gimenes Tavares, razão pela qual criou-se uma exceção à sistemática do CPP, pelo que o apelo destinava-se, via de regra, ao questionamento de decisões de mérito stricto sensu.

Em conseqüência, ao tratar da intimação da pronúncia, uma improbidade técnica foi corrigida no art. 420 com a nova redação trazida pela Lei nº 11.689/08, que estabelece: "a intimação da decisão de pronúncia será

feita: 1) pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao MP; 2) ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do MP".

Como muito bem escreveu a jurista Patrícia Donati de Almeida, "com

tais alterações, estará encerrada a discussão em torno da natureza jurídica da pronúncia, pois realmente grande parte da doutrina entende, hoje, que se trata de sentença, mais precisamente, uma sentença processual (Mirabete). De outra banda, há quem defenda a sua natureza de decisão interlocutória não terminativa, posto que não encerra o processo, mas apenas uma fase,

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determinando o início de outra". Por isso filio-me à corrente que defende ser

esse o entendimento mais correto, eis por que com a sanção dessa reforma a polêmica termina pelo fato de que a norma se refere expressamente à decisão.

5 Intimação da Decisão de Pronúncia: em se Tratando de Réu Solto, Passa a Ser Admitida por Edital, com o Normal Prosseguimento do Feito, o que Colocou Fim à Chamada Crise de Instância

Nos crimes inafiançáveis é imprescindível que ocorra a intimação pessoal do réu da sentença de pronúncia, razão pela qual o processo não pode ter prosseguimento. É a denominada "crise de instância" que impõe a suspensão do processo até que o réu seja encontrado e permite a decretação preventiva, alicerçado na garantia da aplicação da lei penal. Com o advento da nova lei (11.689/08), quando se tratar de réu solto, admite a intimação dessa decisão por edital, com o regular prosseguimento do feito (art. 420, parágrafo único).

Não é demais assinalar mais uma vez no respeitante à intimação da decisão de pronúncia, constata que com a eliminação da chamada "crise de instância", situação ocorrente quando o réu pronunciado por crime inafiançável não era encontrado para referida cientificação, o que ocasionava na suspensão do processo até a sua localização, razão pela qual, com o surgimento do parágrafo único do art. 420, será possível a intimação por edital, alteração que poderá ser eficaz no combate à impunidade, sem sombra de dúvidas.

6 Desaforamento

O colega Rodrigo Tourinho Dantas escreveu um brilhante artigo em torno do desaforamento e do reaforamento no novo procedimento do Júri, intitulado "O desaforamento e o reaforamento no novo procedimento do júri", disponível no site Jus Navigandi, que, por ser excelente, com freqüência o cito

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quase literalmente, pois concordo em gênero e grau com as suas afirmações, e também em torno da elaboração do artigo.

Não menos brilhante foi o que escreveu Rodrigo Iennaco de Moraes, Promotor de Justiça, em torno do assunto, e que passamos a reproduzi-lo integralmente pela profundidade e esgotamento do tema. "O sistema de desaforamento previsto atualmente sofrerá significativa ampliação e o instituto passa a funcionar, também, como mecanismo de controle do tempo processual. Além das hipóteses atuais (ordem pública, dúvida sobre a imparcialidade do júri ou para segurança pessoal do acusado), o projeto prevê o desaforamento do julgamento em caso de excesso de serviço, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 meses, contado do trânsito em julgado da pronúncia - salvo o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.

Não havendo excesso de serviço ou processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação nas reuniões periódicas previstas para o exercício, diz a lei que "o acusado poderá requerer" ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento. Quanto ao desaforamento, a interpretação dos dispositivos legais não deixa dúvida que, em todas as hipóteses de desaforamento (tradicionais e em virtude de morosidade por excesso de serviço), estarão legitimados juiz, acusação (MP, querelante ou assistente) e defesa. Isso embora o texto pareça restringir a possibilidade de o assistente pleitear o desaforamento no caso de mora por excesso de serviço, vez que tal restrição não se coaduna com o espírito do projeto, que admitiu expressamente a legitimidade do assistente para o pedido de desaforamento, o que não se verifica na sistemática do CPP atual.

A dúvida que surgirá diz respeito à morosidade do julgamento (após admissibilidade da acusação) não justificada por excesso de serviço. Nesse aspecto, o texto legal parece confirmar a dicção inicial da exposição de motivos, no sentido de que somente o acusado poderia requerê-lo. Não obstante a conclusão que se extrai de uma primeira leitura consagrar uma

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exegese restritiva, não há como negar a legitimidade do MP para tal pleito, o que se afirma sob a ótica do sistema constitucional.

É que o MP (a quem a Constituição atribuiu o status de defensor da sociedade, da ordem jurídica e dos direitos fundamentais) quando atua como parte no processo penal (sendo o titular da ação penal condenatória), age no interesse público de evitar a impunidade e a prescrição. Nesse sentido, eventual restrição do legislador, prevendo a hipótese como prerrogativa exclusiva da defesa, viola o princípio do contraditório, mais especificamente a paridade de armas, que é seu corolário. E não apenas. A legitimação ministerial ainda encontra respaldo na defesa do interesse indisponível do acusado (todo e qualquer cidadão acusado) de ver-se julgado em tempo razoável, haja vista o prejuízo social, moral e psicológico que o status de processado acarreta ao cidadão.

Sobre o tema, portanto, podem-se estabelecer três conclusões:

1) O desaforamento, nos moldes previstos no PL 4.203/01, passa a funcionar, também, como mecanismo de controle temporal do processo penal: a) para evitar a prescrição e a impunidade; b) para melhor distribuir o ônus da duração do processo entre acusado e sociedade; c) para garantir ao acusado julgamento em tempo razoável.

2) O pedido de desaforamento, em qualquer hipótese, inclusive em virtude de demora no julgamento motivada por excesso de serviço, poderá ser feito pelo MP, assistente, querelante, acusado ou juiz, conforme interpretação sistemática dos arts. 427 e 428, com a redação que lhes dá o PL 4.203/01.

3) O MP, atuando no processo penal como parte ou como fiscal da lei, possui legitimidade para requerer ao Tribunal a determinação de julgamento prioritário

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de processo do júri, em caso de atraso não justificado por excesso de serviço, de acordo com a interpretação constitucional do PL 4.203/01.

O juiz presidente reservará datas na mesma reunião periódica para a inclusão de processo que tiver o julgamento adiado. Sorteio dos jurados para a reunião pelo próprio juiz, precedido de intimação do MP, OAB e Defensoria Pública, independentemente do comparecimento efetivo. Serão sorteados 25 (vinte cinco) jurados, em vez dos 21 (vinte um) atualmente previstos. Recusa no alistamento ou não comparecimento acarretam multa de 1 a 10 salários-mínimos ao jurado. Havendo escusa de consciência, há previsão de serviço alternativo (proporcional e razoável): atividades administrativas, assistenciais, filantrópicas ou mesmo produtivas, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no MP ou em entidade conveniada.

Evita-se o adiamento de julgamentos por ausências injustificadas. Ausência MP: redesignação primeiro dia desimpedido da mesma reunião; ciência ao Procurador-Geral de Justiça do fato e da nova data. Se a ausência for do advogado: se outro não for constituído, adiamento único, ciência OAB, com designação de nova sessão no prazo mínimo de 10 dias, intimando-se a Defensoria Pública para patrocínio da defesa, que, no caso, independerá da condição econômica do réu (nada impedindo que o juiz arbitre honorários em favor da instituição, se for o caso, a serem custeados pelo próprio acusado).

O julgamento não será mais adiado, se o acusado solto tiver sido intimado e não comparecer à audiência. Na ausência do acusado preso, salvo pedido de dispensa de comparecimento subscrito pelo acusado e por seu defensor, adia-se para o primeiro dia livre da mesma reunião. No caso de ausência de testemunha: condução coercitiva, crime de desobediência, aplicação de multa. Somente haverá adiamento quando arroladas (art. 422) com a marca da imprescindibilidade e pedido de intimação por mandado. Certificada não-localização da testemunha, realiza-se o julgamento.

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Instalada a sessão, os jurados receberão cópias da pronúncia (e/ou decisões posteriores de admissibilidade) e do relatório do processo. Juiz, MP, assistente e advogado poderão inquirir diretamente o ofendido e testemunhas (aliás, aqui o juiz passa a exercer atividade complementar apenas); jurados por intermédio do juiz. Partes e jurados poderão requerer acareações, reconhecimentos, esclarecimento dos peritos, e a leitura de peças (exclusivamente precatórias, cautelares, antecipadas ou não-repetíveis). Após interrogatório judicial, MP, assistente, querelante e defensor perguntam diretamente ao acusado, se presente. Emprego excepcional de algemas, vedada referência nos debates (em seu benefício ou prejuízo). Há expressa vedação de referência, sob pena de nulidade, à pronúncia como argumento de autoridade, ao silêncio ou eventual ausência de interrogatório por falta de comparecimento (que passa a ser direito do acusado).

Inicia-se o debate com a sustentação da acusação admitida e de eventuais agravantes. Alterou-se o tempo: uma hora e meia seguida de uma hora de réplica, se for o caso; se há mais de um acusado, acresce uma hora para cada e dobra o tempo da réplica. Possibilidade, via juiz, de pedido de indicação da fonte do argumento pelas partes e jurados e de solicitação de esclarecimentos ao orador pelos jurados.

De acordo com a nova lei, serão formulados quesitos sobre: a) matéria de fato; e b) possível absolvição do acusado (que entendemos ser de formulação obrigatória, ex vi legis, independente das teses sustentadas pela defesa). Os quesitos serão elaborados com base na pronúncia, interrogatório e alegações das partes, observando-se a seguinte ordem: a) materialidade do fato; b) autoria ou participação; c) se o acusado deve ser absolvido; d) se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; e) se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena (reconhecidas na pronúncia ou em decisões de admissibilidade posteriores).

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A resposta coincidente em número superior a três encerra a votação (sigilo dos veredictos), de acordo com a interpretação sistemática dos arts. 483, § 1º, e 487 do projeto, a despeito de alteração da redação do art. 489 aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Assim, não haverá revelação de decisão unânime. Negada materialidade ou autoria, absolve-se; afirmadas, quesita-se, ainda, se "o jurado absolve o acusado(?)". Condenado, prossegue-se na votação.

No caso de tentativa (ou alteração da tipificação para crime de competência do próprio júri), a quesitação se dará após o segundo quesito (ordem: materialidade-participação-tentativa). A nosso sentir, deve-se observar que, como regra, haverá a precedência da tese desclassificatória sobre a absolvição; na dúvida, prestigia-se a ordem indicada pela própria defesa. Em caso de desclassificação, com alteração da tipificação para crime de competência singular (desclassificação propriamente dita), formula-se quesito a respeito, em regra antes do terceiro (quesito absolutório obrigatório). Havendo alegação de tese impropriamente denominada desclassificatória (excesso culposo em descriminantes), em que não há repercussão na competência do próprio Júri, quesita-se após o terceiro. Da mesma forma se procede quando a "desclassificação" se refere, em verdade, à dúvida na tipificação de injustos capitulados no rol dos dolosos contra a vida ("desclassificação" de homicídio para infanticídio), em que o quesito respectivo será formulado após o segundo e antes da questão absolutória, por força do art. 483, § 5º, do CPP, com a redação que lhe deu a lei nova.

Secundum eventum litis, as decisões de impronúncia ou absolvição sumária desafiam o recurso de apelação; a decisão de pronúncia, recurso em sentido estrito. O protesto por novo júri será simplesmente suprimido.

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O art. 70 do CPP frisa que a determinação da competência jurisdicional no Brasil é via de regra estabelecida pelo lugar da infração, o que vale dizer que será fixada pelo lugar em que se consumou a infração, ou no caso de tentativa, pelo local em que for praticado o último ato de execução, razão pela qual os doutrinadores sustentam que o réu deve ser julgado no distrito da culpa, onde cometeu a infração penal. Por outro lado, essa regra do art. 70 do CPP não é absoluta, pois, em se tratando dos crimes de competência do Tribunal do Júri, poderá haver uma derrogação para outra comarca da mesma região, como se obtém dos novos arts. 427 e 428 do CPP, com redação dada pela Lei nº 11.689/08.

Por isso, poderíamos conceituar desaforamento como esse deslocamento de competência. Por sua vez o processualista Fernando da Costa Tourinho Filho assim se manifesta: "desaforar é deslocar o julgamento que deve ser realizado no foro onde se consumou a infração, que é previsto em lei como dispõe o art. 70 do CPP, para outro próximo. Em síntese, é retirar o processo do foro original, para que seja julgado em outro, o que vale dizer que o réu será julgado fora do distrito de sua culpa". O Professor Hélio Tornaghi diz que "desaforar é tirar o processo do foro em que está". Naturalmente, mandá-lo a outro foro.

Portanto, o desaforamento é uma exceção à regra da fixação da competência em razão do lugar da infração (ratione loci). Nesse sentido, já decidiu a Egrégia Suprema Corte brasileira, no julgamento do HC 70.799, aparecendo com o Relator o Ministro gaúcho Paulo Brossard de Souza Pinto (o art. 424 do CPP), ao qual faz alusão o Ministro, corresponde ao atual art. 427 do CPP, como se vê:

"HC 70.799/GO. GOIÁS. JÚRI. DESAFORAMENTO. EXCEPCIONALIDADE. A

teor do disposto no art. 424 do CPP, o desaforamento consubstancia exceção. JÚRI. DESAFORAMENTO. COMARCA MAIS PRÓXIMA. O desaforamento há de ocorrer considerada a comarca mais próxima ao distrito da culpa."

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Assim, tem-se que o desaforamento importa na modificação da competência territorial, quando presentes os requisitos dos arts. 427 e 428, CPP, ou ainda questões de ordem material, a saber, por exemplo, precariedade de instalações. Nesse diapasão, é bom lembrar a posição de Eugênio Pacelli in verbis: "a decisão, como se vê, pertence ao Tribunal de

hierarquia jurisdicional competente, tendo em vista que importa em modificação de competência envolvendo comarcas e, por isso, juízos distintos, e ambos de primeira instância".

É importante também registrar que o instituto do desaforamento não fere os preceitos constitucionais, precisamente porque, ao contrário do que possa transparecer, o referido instituto não colide com o princípio do juiz natural, tampouco com a vedação de tribunal de exceção. É que o desaforamento desloca o julgamento de um foro para outro, em razão das situações previstas na lei processual, mas a competência para julgar continua com o Tribunal do Júri, que é constitucionalmente o juiz natural para apreciar os crimes dolosos contra a vida.

Acrescente-se ainda que o desaforamento não enseja a formação de tribunal de exceção, uma vez que faz variar apenas o local do julgamento, como dispõe o antigo art. 424, CPP e o atual 427, já com a redação dada pela Lei nº 11.689/08, visando assegurar a imparcialidade dos jurados. Em outras palavras: a excepcional modificação da competência ratione loci é medida que se impõe à isenção e imparcialidade do conselho de sentença. O nosso tribunal maior (STF), instado a se manifestar sobre o tema, assim se colocou:

"HC 67.851/GO. HABEAS CORPUS. JÚRI. JUIZ NATURAL. TRIBUNAL DE

EXCEÇÃO. DESAFORAMENTO. REAFORAMENTO. 1. Não é de ser conhecido o habeas corpus, no ponto em que se impugna o desaforamento deferido, porque pretensão idêntica já foi repelida por duas vezes pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Juiz natural de processo por crimes dolosos contra a vida e o tribunal do júri. Mas o local do julgamento pode variar,

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conforme as normas processuais, ou seja, conforme ocorra alguma das hipóteses de desaforamento previstas no art. 424 do CPP, que não são incompatíveis com a Constituição anterior nem com a atual (de 1988) e também não ensejam a formação de um 'Tribunal de Exceção'. 3. Não se justifica o restabelecimento da competência do foro de origem ('reaforamento'), se permanecem as razões que ditaram o desaforamento. HC conhecido, em parte, e nessa parte, indeferido."

Interpretando o que diz o art. 427 do CPP, conclui-se cristalinamente que a figura processual do desaforamento aplica-se tão-somente aos processos de competência do júri, sendo inadmissíveis para processos de competência do juiz singular. É imprescindível registrar que o desaforamento só poderá ocorrer quando a decisão de pronúncia não comportar mais recurso, assim, só tem aplicação para o réu pronunciado e deve ser argüida depois de transitada decisão de pronúncia, até antes do início do julgamento do foro originário.

Tal entendimento vem sendo há muito tempo adotado pela doutrina e jurisprudência brasileiras, passou a ser positivado com a reforma processual penal, conforme se obtém do § 4º do art. 427 do CPP, como se vê:

"Art. 427 (...)

§ 4º Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado."

Casos de desaforamento:

Antes da atual reforma o desaforamento era objeto de apenas um artigo, o qual assim dispunha:

"Art. 424. Se o interesse da ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre

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Apelação, a requerimento de qualquer das partes ou mediante representação do juiz, e ouvido sempre o procurador-geral, poderá desaforar o julgamento para comarca ou termo próximo, onde não subsistam aqueles motivos, após informação do juiz, se a medida não tiver sido solicitada, de ofício, por ele próprio.

Parágrafo único. O Tribunal de Apelação poderá ainda, a requerimento do réu ou do Ministério Público, determinar o desaforamento, se o julgamento não se realizar no período de um ano, contado do recebimento do libelo, desde que para a demora não haja concorrido o réu ou a defesa."

O instituto do desaforamento foi contemplado com uma secção própria (secção 5ª do Capítulo II do CPP) pela Lei nº 11.689/08. A seguir, passo a transcrevê-los literalmente:

"Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre

a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

§ 1º O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente.

§ 2º Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo Júri.

§ 3º Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada.

§ 4º Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado."

"Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do

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se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.

§ 1º Para a contagem do prazo referido neste artigo, não se computará o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.

§ 2º Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento."

O atual art. 427, seguindo a esteira do anterior 424 do CPP, prescreve que o desaforamento pode ser determinado pelos seguintes motivos, a saber: o interesse da ordem pública, dúvida quanto à imparcialidade do júri, ou ainda se houver incerteza quanto à segurança do réu. No que se refere à primeira hipótese, caberá o desaforamento, quando o interesse da ordem pública assim o exigir. A nossa doutrina é unânime em afirmar que é indispensável existir um estado de paz e tranqüilidade, de modo a que se realize o julgamento dentro das normalidades. Outra situação que leva a impor o pedido de desaforamento, é quando houver dúvida acerca da imparcialidade do júri. O inesquecível Magalhães Noronha, com a clareza de sempre, assim ensina: "A

imparcialidade do Júri é fundamental. Parcialidade e justiça são idéias antitéticas. Não é raro que o crime apaixone a opinião pública, gerando no meio social - de onde são tirados os jurados -, antipatia, malquerença e mesmo ódio contra o réu, não raro sendo que aqueles que vão servir no júri manifestem sua opinião contra o acusado, embora sem conhecerem o delito nos pormenores descritos pelo processo, disso surgindo situação incompatível com a Justiça".

É oportuno registrar que para requerer o desaforamento na hipótese de existir dúvida sobre a imparcialidade do júri, é indispensável que haja indícios necessários para que se suscite essa suspeita. A nossa jurisprudência, de maneira uníssona, vem afirmando que as dúvidas devem ser sérias, sendo vedadas as suspeitas vagas. O jurista Francisco Monteiro Rocha assim se pronunciou: "A dúvida sobre a imparcialidade do júri deve ser séria e baseada

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em elementos suasórios convincentes. Não basta a presunção ou receio de que o júri afrontará a lei, para prejudicar ou beneficiar o réu. Urge que o argüente demonstre evidências de que o julgamento está comprometido mesmo pela imparcialidade dos jurados".

Diante disso, constatamos cristalinamente que é necessário haver indícios sobre a parcialidade. Assim, não configura imparcialidade a simples reação favorável ou não da imprensa, o poder econômico e político do réu, popularidade do acusado, dentre outros. Fator que também caracteriza o desaforamento é a incerteza quanto à segurança do acusado. É quando há um eminente perigo à integridade corporal ou à vida do réu em face da revolta popular diante do fato delituoso, o que a lei quer evitar é que ocorra o justiçamento ou constrangimento do acusado pelo povo, como não raras vezes tem ocorrido, razão pela qual se evita com a medida que se faça justiça com as próprias mãos. O caso típico é quando ocorre o desaforamento para evitar o linchamento do réu.

Por outro lado, para que tudo isso aconteça, e também porque o desaforamento é medida rara, é indispensável que haja prova séria e idônea a autorizar a medida. O anterior art. 424 do CPP prescrevia que poderia haver o desaforamento se transcorrido um ano do recebimento do libelo, não tivesse sido realizado o julgamento, desde que não tivesse concorrido o réu tampouco à defesa para tal procrastinação. Nesse sentido, a Lei nº 11.689/08 introduziu importantes modificações: a) o prazo não é mais de 1 (um) ano, mas sim de 6 (seis) meses; b) agora o prazo de 6 (seis) meses não é contado da data do recebimento do libelo e sim contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia; c) porque o desaforamento não leva mais em conta a demora para o julgamento e o parâmetro atual é o excesso de serviço.

É importante registrar que se não houver excesso de serviço e o julgamento não se realizar dentro de 6 (seis) meses do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, não caberá desaforamento. Não obstante, como se obtém do § 2º do art. 427 do CPP, incidindo tal situação, bem como na hipótese de existência de processo aguardando julgamento em quantidade que

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ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o causado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento.

Conclui-se que poderá haver o desaforamento em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de seis meses contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. É preciso sublinhar que para a contagem desse prazo não se computará o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.

Rodrigo Tourinho Dantas levanta uma polêmica. Seriam as hipóteses contempladas nos arts. 427 e 428 do atual CPP introduzidas pela reforma

numerus clausus, isto é, são taxativas?

A doutrina e a jurisprudência, majoritariamente, posicionavam-se, anteriormente, diante do velho art. 424 de que se tratava de rol meramente exemplificativo. Filio-me à corrente esboçada pelo eminente jurista Rodrigo Tourinho Dantas de que este posicionamento permanece mesmo depois da referida reforma processual-penal.

Diante disso, por outros motivos como força maior ou caso fortuito (questões de ordem material, apenas para exemplificar) podem ensejar o desaforamento. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em torno do assunto, decidiu favoravelmente a respeito, quando na comarca não havia prédio onde poderia se realizar o júri e também por falta de instalações adequadas, quando o julgamento era de longa duração e repercussão.

7 Do Processo de Desaforamento (Cabimento e Oportunidade)

O desaforamento só pode ocorrer quando os processos forem de competência do Tribunal do Júri, não havendo respaldo legal para os processos de competência do júri singular. Nesse sentido a nossa

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jurisprudência já se consolidou, pois entende que em nenhum outro rito é possível

O pedido de desaforamento somente poderá ocorrer depois que transitar em julgado a decisão interlocutória de pronúncia ou no recurso formulado contra a pronúncia.

Outra não é a posição do festejado Magalhães Noronha, senão vejamos: "o desaforamento é só do julgamento, carecendo de razão Borges da

Rosa quando sustenta que também se pode dar, relativamente, a instrução criminal, pois o Código é de clareza meridiana ao dizer: '(...) poderá desaforar o julgamento'. Trata-se também de medida somente aplicável ao julgamento do júri".

Em boa hora a Lei nº 11.689/08 ratificou esse entendimento como se dispõe do art. 427, § 4º, o qual transcrevo:

"§ 4º Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando

efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto ao fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado."

É oportuno que se ressalte que não cabe o pedido de desaforamento na apelação da decisão do júri, pois atentaria contra a soberania deste, razão pela qual, se a acusação, a defesa, ou ainda o juiz não diligenciou o desaforamento na oportunidade adequada, não tem sentido que venha a fazer quando do segundo julgamento ditado por apelação, exceto quando o fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado. O pedido de desaforamento deverá ser realizado junto ao tribunal de instância superior.

Quaisquer das partes, inclusive o assistente de acusação, bem como o juiz (MP ou querelante, nos casos de crime de ação privada), podem requerer a mudança do local do julgamento. Entretanto, caso seja o juiz que requeira o desaforamento, ele só poderá fazê-lo nas hipóteses do caput do art. 427, mas

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as partes poderão requerê-la tanto nas hipóteses do caput do art. 427, bem como na hipótese trazida pelo art. 428, CPP

O MP pode requerer o desaforamento em quaisquer das hipóteses já mencionadas, pois pode agir como parte ou como custos legis, no caso de crime de ação privada. Nesses casos é imprescindível que se dê vista ao defensor do réu como garantia ao princípio constitucional da ampla defesa. Anteriormente à reforma processual havia um entendimento que antes de ser decidido o desaforamento pelo Tribunal, havia necessidade de o juiz prestar as informações pertinentes ao pedido. A Lei nº 11.689 ratificou tal posicionamento, como dispõe o art. 427, § 3º.

Com base no princípio constitucional da celeridade processual, consagrado na Carta Magna pela Emenda nº 45, bem como atendendo ao princípio da economia processual, o juiz normalmente envia o processo ao Tribunal já devidamente informado. Como dispõe o art. 427, CPP, no caso de o juiz solicitar o pedido, evidentemente que já serão explicitadas as informações necessárias ao julgamento. Posteriormente, superada esta fase de prestação de informações, os autos serão remetidos ao Procurador Geral de Justiça, para que o mesmo se manifeste, ou ao representante do MP na Câmara. O pedido de desaforamento tem preferência nos julgamentos na câmara ou turma competente, quando estiver no STJ. Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar fundamentalmente a suspensão do julgamento pelo Júri, inclusive decidindo liminarmente.

Antes do surgimento da Lei nº 11.689, discutia-se se o assistente da acusação poderia ou não pedir o desaforamento. A doutrina posicionava-se de modo contrário e o festejado Fernando da Costa Tourinho era exceção, pois se posicionava favoravelmente. Realmente, a Lei nº 11.689 acabou com tal discussão, pois o art. 427 é claro como a luz do meio-dia, senão vejamos:

"Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre

a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado

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ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próxima.”

A nova roupagem dada pela Lei nº 11.689/08 passa a prever que o desaforamento será para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas, em obediência ao que a melhor doutrina e jurisprudência já vinham adotando anteriormente.

8 O Princípio do Contraditório e o Desaforamento

A nossa lei maior escreveu no rol dos direitos e garantias fundamentais dois princípios dos mais importantes no Estado Democrático de Direito, a seguir: o princípio do contraditório e da ampla defesa, razão por que encontram alicerce legal no art. 5º, LV, segundo o qual os litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. O contraditório e a ampla defesa devem ser observados qualquer que seja o procedimento, razão pela qual, no procedimento do júri, em relação ao desaforamento, tais princípios não poderiam ser postos de lado.

A Súmula 712 do STF sedimentou o seguinte entendimento: "é nula a

decisão que determina o desaforamento do processo de competência do júri sem audiência da defesa". Como já referido, sendo o MP o requerente do

desaforamento, é imprescindível participação do defensor no processo como garantia ao princípio constitucional da ampla defesa. Não obstante, o art. 428 do CPP, com a nova redação dada por essa reforma processual, apenas proclame expressamente, na hipótese do desaforamento em razão do comprovado excesso, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de seis meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, a necessidade de manifestação da parte contrária, entendemos que, em qualquer hipótese, faz-se imprescindível a audiência das partes

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Caso o juiz não tiver propiciado às partes o contraditório, o Tribunal deve fazê-lo, como ensina James Tudenchlak, citado por Francisco Monteiro Rocha: "Constatamos grave omissão da lei, ao não dispor acerca do

pronunciamento das partes, cujo interesse na decisão é evidente. De bom alvitre, portanto, serem elas intimadas pelo tribunal, da representação judicial, com abertura de prazo para se manifestarem a respeito".

Por outro lado, é imperioso que se assinale que o STF, a respeito da necessidade de manifestação das partes quando o requerimento é feito pelo juiz, ainda não se posicionou pacificamente, como se pode observar:

"HC 77.580-1/RS. DESAFORAMENTO. INTIMAÇÃO. O crivo do Tribunal

referente a pedido de desaforamento só poderá acontecer mediante ciência prévia da defesa e acusação. Precedentes: HC 69.054 /MT, 64.207/MG e 71.059/PB, julgados no Plenário, na Primeira e Segunda Turmas, relatados pelos Ministros Célio Borja, Néri da Silveira e por mim, com arestos veiculados nos DJU de 10 de abril de 1992, 10 de outubro de 1986 e 9 de agosto de 1994, respectivamente."

Em sentido oposto, a mesma Egrégia Suprema Corte já se manifestou pela dispensabilidade da manifestação das partes quando o juiz requisitar ex officio o desaforamento:

"HC 71.345/GO. O desaforamento, por constituir derrogação da regra do

julgamento no distrito da culpa, é de aplicação restrita. Partindo do magistrado o pedido, ele deve ser acolhido. A regra de que no desaforamento deve-se ouvir a parte contrária à vista do contraditório não prevalece quando o alvitre é do magistrado. A presunção é de imparcialidade."

Somos da mesma opinião do jurista Rodrigo Tourinho Dantas de que esta última posição é completamente equivocada, pois a presunção de imparcialidade que atribui o STF ao Magistrado não é capaz de afastar uma garantia constitucional.

Referências

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