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ANAMARIA BECK A VARIAÇÃO DO CONTEÚDO CULTURAL DOS SAMBAQUIS LITORAL DE SANTA CATARINA

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Academic year: 2021

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A VARIAÇÃO DO CONTEÚDO CULTURAL DOS SAMBAQUIS LITORAL DE SANTA CATARINA

Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Florianópolis 1972

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INDICE

Agradecimentos 6

0.0. Introdução 7

0.1. Os Sítios Litorâneos 11

0.1.1. Sítios Litorâneos do Brasil Meridional 13

0.2.0. O Projeto de Pesquisa 15

0.2.1. Justificativas do Projeto 15

0.2.1.1. Razões do Projeto de Pesquisa 16

0.2.1.2. Recursos Disponíveis 17

0.2.2. O Planejamento do Projeto de Pesquisa 19

0.2.2.1. Hipóteses 19

0.2.2.2. A Escolha dos Sítios 22

0.2.2.3. Encaminhamento da Pesquisa 24

0.2.2.3.1. Etapas de campo 24

0.2.2.3.1.1. Sub-projeto I- Litoral Sul 24

0.2.2.3.1.2. Sub-projeto II- Litoral Central 27 0.2.2.3.1.3. Sub-projeto III- Litoral Norte 30

0.2.2.3.2. O Trabalho de Campo 31

0.2.2.3.3. O Registro Estratigráfico 34

0.2.3. Os Sambaquis do Litoral de Santa Catarina 36

0.2.3.1. Os Sambaquis Escavados 37

0.2.3.2. Outros Sambaquis Escavados 40

0.2.4. O Trabalho 42

0.2.5. Os Resultados Obtidos 44

1.0. O Litoral de Santa Catarina e as Relações Homem/Meio 45 1.1. A Formação do Litoral e a localização dos Sambaquis 45

1.1.1. O Litoral Sul 48

1.1.2. Litoral Central 52

1.1.3. O Litoral Norte 56

1.2. Recursos Naturais do Litoral de Santa Catarina 60

1.2.1. Recursos de Origem Marinha 60

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1.2.3. Fauna 66

2.0. O Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - Litoral Sul. 67

2.1. Recursos Naturais e Ocupação Humana 71

2.2. Instrumentos e Atividades de Subsistência 73

2.2.1. Instrumentos Líticos 73

2.2.2. Instrumentos de Ossos e Dentes 77

2.2.3. Instrumentos de Conchas 78

2.2.4. Obtenção de Corantes 79

2.2.5. Conclusões 79

2.3. Restos Ósseos Humanos 80

2.3.1. Sondagem. nº. 1 80

2.3.2. Sondagem nº. 2 87

2.3.3. Análise dos Dados 89

2.4. Evidências da Ocupação 91

2.5. Os Sambaquis do Litoral Sul 92

3.0. O Sambaqui de Ponta das Almas - SC LS 17 - Litoral Central 93

3.1. Recursos Naturais e Ocupação Humana 100

3.2. Instrumentos e Atividades de Subsistência 102

3.2.1. Instrumentos Líticos 102

3.2.2 Conclusões 105

3.3. Restos Ósseos Humanos 105

3.3.1 Sondagem nº 1 106

3.3.2. Sondagem nº 2 107

3.3.3. Sondagem nº 3 109

3.3.4. Análise dos Dados 112

3.4. Evidências da Ocupação 113

3.5. Sambaquis do Litoral Central - Sambaquis sem Cerâmica 114

4.0. O Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - Litoral Norte 116

4.1. Recursos Naturais e Ocupação Humana 118

4.2. Instrumentos e Atividades de Subsistência 121

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4.2.2. Instrumentos de Osso 125

4.2.3. Instrumentos de Concha 125

4.2.4. Conclusões 126

4.3. Restos Ósseos Humanos 126

4.3.1. Sondagem nº1 127

4.3.2. Referências Bibliográficas 131

4.3.3. Análise dos Dados 133

4.4. Evidências da Ocupação 133

4.5. Os Sambaquis do Litoral Norte - Sambaquis sem Cerâmica 136

5.0. O. Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - Litoral Central 138

5.1. Recursos Naturais e Ocupação Humana 140

5.2. Instrumentos e Atividades de Subsistência 143

5.2.1. Instrumentos Líticos 144

5.2.2. Instrumentos de Ossos e Dentes 150

5.2.3. Instrumentos de Conchas 155

5.2.4. Instrumentos de Cerâmica 155

5.3. Restos ósseos Humanos 159

5.4. Comparações com Sítios da Mesma área 160

6.0. O Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - Litoral Norte 163

6.1. Recursos Naturais e Ocupação Humana 165

6.2. Instrumentos e Atividades de Subsistência 173

6.2.1. Instrumentos Líticos 173

6.2.2. Instrumentos sobre Ossos e Dentes 176

6.2.3 Instrumentos de Conchas 185

6.2.4. Recipientes de Cerâmica 186

6.2.5. Conclusões 189

6.3. Restos ósseos Humanos 190

6.3.1. Sondagem nº1 190

6.3.2. Sondagem nº2 199

6.3.3. Análise dos Dados 202

6.4. As Evidências da Ocupação 206

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7.0. A Variação do Conteúdo Cultural dos Sambaquis 209

7.1. Tecnologia e Subsistência 213

7.1.1. Técnicas de Subsistência 215

7.1.1.1. A Coleta 216

7.1.1.2. A Caça e a Pesca 220

7.1.2. Técnicas de Confecção de Instrumentos 225 7.1.2.1. Técnicas de Confecção de Artefatos Líticos 225 7.1.2.2. Técnicas de Confecção de Artefatos Conchas 226 7.1.2.3. Técnicas de Confecção de Artefatos de Ossos e Dentes 227

7.1.2.4. Recipientes de Cerâmica 228 7.2. Os Costumes Funerários 229 7.3. Conclusões 231 8.0. Bibliografia 233 8.1 Figuras 8.2 Pranchas

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AGRADECIMENTOS

O presente trabalho é o resultado de projeto de pesquisa que desenvolvemos no litoral de Santa Catarina. Durante o desenvolvimento da pesquisa e elaboração do trabalho contamos sempre com a colaboração e estímulo do Diretor do Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Professor Dr. Oswaldo Rodrigues Cabral.

O incentivo para levarmos a cabo este trabalho foi decorrente de discussões mantidas com o Diretor, em exercício do Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Professor Dr. Sílvio Coelho dos Santos e os colegas e estagiários do mesmo Museu.

Os Professores Edson Medeiros de Araújo, Gerusa Maria Duarte, Maria José Reis e Victor Hugo Oliveira da Silva, participaram dos trabalhos de campo, colaboração indispensável para a realização do projeto de pesquisa.

Aceitando a orientação da tese ao Professor Dr. João Batista Borges Pereira, devemos sugestões importantes referentes aos detalhes, necessários a apresentação da tese em sua redação final.

Os recursos financeiros para a efetivação dos trabalhos de campo foram concedidos pela Universidade Federal de Santa Catarina, nas gestões dos Reitores Professores - João David Ferreira Lima e Ernani Bayer.

A estas pessoas e instituições agradecemos pela possibilidade de realizar o que nos propúnhamos.

Agradecemos também ao senhor Pedro Geraldo Batista, que se responsabilizou pelos trabalhos de datilografia, bem como aos funcionários do Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, principalmente na pessoa do seu Secretário, Bel. José Antônio da Costa.

Finalmente, os nossos agradecimentos aos familiares e amigos, cujo estímulo nunca nos faltou.

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Introdução

A pesquisa arqueológica em Santa Catarina apenas se iniciou em moldes sistemáticos. As evidências da ocupação do território por populações pré-históricas ocorrem por todo o Estado, da Costa Atlântica aos limites com a Argentina, das fronteiras com o Rio Grande do Sul as fronteiras com o Paraná. Estas evidências deixam claro que grupos pré-históricos de diversa tradição cultural ocuparam de forma esporádica ou de forma mais permanente regiões do território de Santa Catarina. Seus remanescentes materiais indicam, também que sua atividade variou, quer estes grupos estivessem no planalto, às margens do Rio Uruguai ou no litoral. Desconhecendo os limites territoriais, impostos por convenções modernas, os grupos pré-históricos percorreram indiferentemente a Região Meridional do Brasil, utilizando caminhos líquidos, representados pelos numerosos rios que compõem a hidrografia da região ou ao longo do litoral, deslocando-se entre as numerosas pequenas ilhas, baías, enseadas e lagoas, em torno das quais se estabeleciam por períodos de tempo mais ou menos longos.

A ausência de instituições científicas dedicadas à pesquisa arqueológica, mais especificamente de Arqueologia Pré-histórica, bem como de pessoal especializado impediram que as investigações sobre a pré-história em Santa Catarina fossem mais efetivas e sistemáticas. Na verdade, até recentemente os trabalhos efetuados no estado foram o resultado do interesse de especialistas por detalhes da ocupação pré-histórica do território do Estado, mas sem que necessariamente houvesse preocupações de maneira a se estabelecer um quadro relativamente amplo, a partir do qual pudessem partir as pesquisas que se lhe seguissem.

O litoral, talvez pela quantidade e pelo tipo de sítios arqueológicos, bem como pela facilidade de observação destes mesmos sítios foi a região do estado de Santa Catarina que recebeu maior atenção por parte de todos aqueles que de alguma forma se interessaram pelas populações pré-históricas. O problema não específico do litoral de Santa Catarina, uma vez que os mesmos tipos de sítios arqueológicos, designados como sambaquis, são encontrados largamente no litoral do Brasil Meridional, tendo sido, sempre objeto de grande atenção quer de leigos quer, mais recentemente, de especialistas.

Constituem os sambaquis remanescentes de grupos pré-históricos que localizados temporariamente no litoral, construíram sítios arqueológicos com os restos de suas refeições. Por consumirem moluscos de forma acentuada, as carapaças desses animais representam o principal substrato dos sítios arqueológicos desse tipo. O conteúdo dos

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sambaquis nos permite observar importantes elementos que manifestam a cultura, ou parte dela, dos grupos pré-históricos que os construíram. Parte da cultura material desses grupos, representada por artefatos de várias categorias (pedra, osso, conchas, cerâmica), bem como os costumes funerários evidenciados nos sepultamentos, sempre numerosos e, ainda, estruturas resultantes de restos de fogueiras, fossas culinárias, atividades diversas, relativas à vida pré-histórica no litoral, nos permitiram o trabalho de investigação através do qual procuramos entender a ocupação pré-histórica do litoral de Santa Catarina.

A escolha da região de atuação do projeto de pesquisa que nos propúnhamos a realizar se deveu a uma série de circunstâncias, que vieram permitir a sua efetivação. A criação do Instituto de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, atualmente Museu de Antropologia, da mesma Universidade, onde passamos a atuar, constituiu um importante evento, no sentido de permitir o surgimento de recursos os mais variados, que puderam ser aplicados para a pesquisa antropológica, em geral, incluindo-se as de arqueologia pré-histórica.

O fato de no Estado de Santa Catarina não terem sido efetuados trabalhos de investigação, quer em profundidade, quer em extensão, foi também uma das possibilidades que não deixamos de considerar, ao procedermos à escolha da região e do tema. O projeto de pesquisa que efetuamos é conseqüentemente, um trabalho extenso, que aborda os aspectos mais variados das manifestações culturais dos grupos pré-históricos que ocuparam o litoral. O próprio título do projeto de pesquisa o indica. Nos propúnhamos a estudar a variação do conteúdo cultural dos sambaquis, no litoral de Santa Catarina, a fim de estabelecermos um quadro amplo, a partir do qual pudessem ser investigados problemas mais específicos.

A relativa facilidade com que estes sítios arqueológicos podiam ser atingidos, o fato de se encontraram situados próximos de cidades ou de balneários, tornava-os vulneráveis a destruição que se processava de forma rápida e intensiva, tendo já levado ao desaparecimento um grande número de sambaquis, e ameaçando alguns outros, em três áreas do litoral de Santa Catarina. Assim, o projeto de pesquisa era também, ao menos em parte, um projeto de salvamento arqueológico, uma vez que todos os sítios escavados se achavam ameaçados de uma forma ou de outra, pela rápida ocupação do litoral em face da expansão dos centros urbanos ou de balneários. Procuramos, através da investigação que procedemos preservar, pelo menos parcialmente, as evidências de ocupação do litoral, no período anterior ao povoamento de origem européia.

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de laboratório e, ainda, a redação de relatórios preliminares e de notas prévias sobre as várias etapas da pesquisa. As etapas de campo foram cumpridas rigorosamente, de acordo com os planos anuais de trabalho que elaboramos, a fim de sistematizá-los. Nem sempre as condições foram das mais favoráveis, uma vez que em função dos prazos que dispúnhamos, só puderam ser concluídas sob chuva ou frio, muitas vezes intensos. Após os trabalhos de escavação os trabalhos de gabinete ou de laboratório tinham lugar. Eram então elaborados os mapas e perfis, classificados os artefatos e redigidos os relatórios preliminares, bem como notas prévias sobre os trabalhos de campo e laboratório desenvolvidos naquele ano.

O levantamento bibliográfico e uma análise dos trabalhos já efetuados em sítios litorâneos, do tipo sambaqui, constituiu importante passo para o entendimento e orientação de como se estavam procedendo aos trabalhos de pesquisa arqueológica no litoral Meridional do Brasil. As orientações seguidas pelos autores, embora diversas, permitiram que nos informássemos sobre as técnicas utilizadas, os achados que haviam sido efetuados, a forma de tratar determinados materiais. Possibilitaram, também, a comparação entre os achados efetuados em Sambaquis do litoral de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, com os Sambaquis do litoral de Santa Catarina, em que estávamos procedendo a trabalhos de investigação.

Procedemos praticamente a um estudo de caso, de cada sambaqui escavado durante a efetivação do projeto de pesquisa. Foram escavados sambaquis em cada uma das áreas do litoral de Santa Catarina. Procuramos, a partir dos achados efetuados, situá-los dentro da área, comparando os resultados obtidos com aqueles obtidos por outros autores em sambaquis da mesma área. E, finalmente, comparar os resultados obtidos em cada uma das áreas entre si.

Os critérios utilizados para comparar foram, é óbvio, condicionados pelos tipos de achados que costumam ocorrer nos sambaquis. Selecionamos assim os restos de alimentos, em três categorias: marinhos, vegetais e fauna terrestre (aves e mamíferos); tecnologia e subsistência, comparando os tipos de instrumentos encontrados em cada sambaqui, a fim de podermos identificar as atividades de subsistência praticadas; costumes funerários considerando que constituem um ótimo indicador quanto às influências que estes grupos possam ter recebido além de ser uma constante, o achado de sepultamentos em sambaquis.

A utilização de dados etnográficos para comparação foi feita com relativa reserva. Consideramos, apenas, algumas informações tomadas a viajantes, no período colonial brasileiro, sobre grupos indígenas do litoral. O fato de fazermos uso dessas informações,

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não significa que aceitemos ou afirmemos que os grupos pré-históricos construtores dos sambaquis tivessem o mesmo comportamento quanto à pesca e a coleta de moluscos. Apenas, estamos informando que grupos indígenas do litoral Brasileiro praticavam atividades de subsistência, confeccionavam e utilizavam tipos de artefatos que, possivelmente, poderiam ter sido praticados e utilizados pelos primitivos habitantes do litoral de Santa Catarina, responsáveis pela construção dos sambaquis. Tampouco consideramos os grupos indígenas descritos pelos cronistas citados, como remanescentes dos habitantes pré-históricos do litoral, em qualquer região da Costa do Brasil, o mesmo acontecendo com relação aos dois grupos indígenas atuais Xokleng (Santos, 1972) e Xetá (Fernandes, 1959). Sempre que fizemos uma observação dessa ordem cuidamos de que fosse acompanhada da necessária ressalva, quanto à possibilidade de que tal pudesse ter ocorrido com os construtores dos sambaquis sem, no entanto, afirmá-lo.

No que se refere à reconstituição do habitat litorâneo, por ocasião da época em que os sambaquis foram construídos, pouco se pôde fazer. A impossibilidade de utilização de certas técnicas, como a análise de Carbono 14 e análise polínica impediram-nos de, em primeiro lugar, estabelecer uma seqüência cronológica absoluta, para os sambaquis do litoral de Santa Catarina. E, em segundo lugar, de constatar pequenas mudanças climáticas que teriam sido registradas por mudança da flora da região. A intensidade de povoamento do litoral de Santa Catarina, nos últimos três séculos, destruiu praticamente a vegetação original o mesmo acontecendo à fauna, quanto a mamíferos e aves, além dos bancos de moluscos, que se encontram reduzidos a proporções mínimas.

O estudo de caso que fazemos de cada sambaqui escavado, descrevendo, às vezes em detalhes, certos aspectos dos dados utilizados na comparação, objetiva permitir a observação das variações existentes entre os sambaquis do litoral de Santa Catarina, no que se refere ao conteúdo cultural. A variação mais flagrante é sem dúvida alguma a introdução da cerâmica

Embora levantemos algumas hipóteses quanto ao fato, não podemos afirmar categoricamente a sua origem, uma vez que nos faltam dados para o planalto. Também as variações quanto aos costumes funerários são, algumas vezes bastante claras, permitindo a constatação de duas ocupações de um mesmo sítio.

Finalmente, o presente trabalho não pretende esgotar as possibilidades de pesquisa, nem estabelecer definitivamente, o quadro da ocupação pré-histórica da região litorânea. Acreditamos, porém, ter levantado alguns problemas importantes, através do estabelecimento de um quadro amplo, sobre a pré-história do litoral de Santa Catarina. O

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estudo detalhado dos problemas levantados permitirá que se aprofunde o conhecimento sobre as populações pré-históricas litorâneas. Assim, a contribuição que acreditamos trazer a Arqueologia Pré-histórica liga-se ao fato de reunirmos dados dispersos em vários trabalhos compará-los com os dados obtidos a partir da efetivação do projeto de pesquisa que desenvolvemos, na tentativa de estabelecer um quadro para a ocupação do litoral de Santa Catarina. Sabemos que este trabalho pode e deve ser completado, na medida em que novas pesquisas sejam feitas. É necessário ressaltarmos que o que aqui expomos é fruto de um trabalho de investigação realizado dentro de um planejamento para atender a determinados objetivos, não pretendendo desta forma, ultrapassar os limites desses mesmos objetivos.

0.1 - Os Sítios Litorâneos

Com a expressão sítios litorâneos entendemos, os sítios arqueológicos do tipo sambaqui. Por sua localização e por estarem situados a céu aberto utilizamos, em algumas circunstâncias, essa designação. Embora, de uma maneira geral a mesma expressão possa ser utilizada para indicar outros tipos de sítios arqueológicos, também localizados no litoral e situados a céu aberto.

É somente a partir do momento em que condições climáticas permitem que se constitua habitat favorável ao desenvolvimento da fauna malacológica que os grupos humanos pré-históricos, atraídos à costa começam a construir sítios arqueológicos litorâneos do tipo sambaqui. O fato pode ser observado no litoral de diversos continentes, como na Europa, na América do Norte, na Costa do Pacifico da América do Sul, na Ásia enfim, praticamente em todas as áreas do globo em que a fauna malacológica aliada a fauna ictiológica permitiu a fixação temporária de grupos humanos.

Os grupos que se fixaram no litoral procederam conseqüentemente a toda uma modificação de uma tecnologia tradicional, adaptando-a ao meio aquático. Embora a coleta de moluscos não tenha substituído totalmente a coleta de vegetais e de pequenos animais, ela se torna em algumas circunstâncias a atividade predominante, praticada pelos grupos litorâneos. A pesca, que poderia ser considerada como uma atividade complementar da caça provoca toda uma adaptação ao novo meio.

Hewes (1948:238-246) analisa alguns dos aspectos relativos à adaptação tecnológica de sociedades de caçadores e coletores, quanto à utilização de uma tecnologia de pesca. O habitat em que vivem os animais que devem ser pescados, difere totalmente

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daquele em que os caçadores estão habituados a se locomover, em busca de sua presa. Os instrumentos a serem utilizados devem ser adaptados ao meio aquático, uma vez que devam ser introduzidos nele. Conseqüentemente, uma especialização técnica deve ser desenvolvida, paralelamente, a uma tecnologia de caça, já conhecida pelos grupos de caçadores. Esta especialização técnica envolve, sem dúvida alguma, o conhecimento decorrente de uma observação continuada do comportamento dos animais que desejam os pescadores apresar.

Entretanto, a mais importante observação do autor sobre o assunto é a que se refere à estabilidade de certos sítios de pesca. Algumas espécies retornam periodicamente, através de migrações continuas aos mesmos locais. Com isso, permitem que também os grupos humanos interessados no seu apresamento retornem na mesma época, uma vez que em tais períodos a produção de pesca é bem mais acentuada do que nos meses seguintes.

Embora o autor faça tal observação, considerando a importância econômica do evento, podemos estendê-la para interpretar certos fenômenos de deslocamentos de grupos pré-históricos, ao longo do litoral. Os cardumes retornando anualmente aos mesmos locais permitiriam pesca abundante, com um esforço menor do que aquele que deveria ser despendido, em outras épocas do ano, quando os peixes deveriam ser menos abundantes.

Conhecedor do comportamento das espécies de que depende a sua sobrevivência, o pescador pré-histórico deslocava-se periodicamente ao litoral onde procedia uma intensa atividade de pesca, a qual seria secundada pela coleta de moluscos e outras atividades como a caça de animais terrestres e a coleta de vegetais.

Atualmente, os restos das atividades dos grupos humanos pré-históricos, nos permitem constatar apenas parcialmente o quadro em que se movimentaram, numa tentativa de entender seu relacionamento com o habitat e as suas formas de subsistência, através de uma tecnologia simples. Os sítios litorâneos, que designamos também como sambaquis constituem o local onde estão depositados esses restos e é através de trabalhos de investigação sistemática que se poderá chegar a entender não apenas as formas de vida pré-histórica mas todo o processo de ocupação pré-histórica do litoral.

Na impossibilidade de estender nossas observações diretas a outras áreas onde o litoral foi ocupada por grupos humanos, no período pré-histórico, concentramos nossa atenção no Brasil Meridional e mais especificamente no litoral de Santa Catarina. Para tanto elaboramos projeto de pesquisa e através dele levantamos dados a fim de comparar as formas de vida dos grupos que demandaram ao litoral do Brasil Meridional e, principalmente, de Santa Catarina, durante a Pré-História.

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0.1.1 - Sítios Litorâneos do Brasil Meridional.

Os sítios litorâneos do Brasil Meridional que se estende do litoral de São Paulo ao litoral Norte do Rio Grande do Sul atestam a intensidade de ocupação da área, no período pré-histórico. São numerosos os sambaquis aí localizados distribuindo-se preferencialmente em torno de lagoas e enseadas de águas remansosas, embora, possam ser encontradas também, acima de costões batidos pelo Oceano.

Foram desde há muito tempo objeto do interesse ou da curiosidade de estudiosos ou leigos, respectivamente e não são poucos os trabalhos que o atestam. Uma relação bibliográfica (Magalhães, 1965:93-111) relaciona 166 trabalhos que tratam especificamente sobre sambaquis ou que fazem algum tipo de menção aos mesmos, em todo o litoral Brasileiro. Cerca de 70% dos trabalhos publicados sobre os sambaquis brasileiros são sobre aqueles situados na Grande Região Sul.

É somente a partir de 1950, aproximadamente, que os trabalhos de investigação dos sambaquis no Sul do Brasil se tornam mais sistemáticos, eclodindo com a criação de instituições de pesquisas e de proteção nos Estados de São Paulo e do Paraná. Em Santa Catarina, os trabalhos de investigação são iniciados em 1949, com os trabalhos de Bigarella, J.J. (1949).

Segundo Altendelder Silva (1967:18) a situação da arqueologia Brasileira se define, partir de 1954, com a realização do XXXI Congresso Internacional de Americanistas, realizado em São Paulo. Textualmente diz o que segue:

"Deixando de lado as tentativas individuais de pesquisa, realizadas nos últimos vinte anos por um pequeno grupo de arqueólogos profissionais, desejamos mencionar em particular o que consideramos como as três etapas básicas no desenvolvimento da pré-história brasileira. Em primeiro lugar, e interessante mencionar que, em 1954, durante a realização do XXXI Congresso Internacional de Americanistas, reunido em São Paulo, apesar de alguns bons trabalhos apresentados sobre arqueologia brasileira, tornou-se patente o relativamente quase nada que sabíamos sobre a maior parte do imenso território brasileiro. Foi, então, proposta e aprovada uma moção em que se sugeria aos poderes competentes a criação de cadeiras de

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pré-história em nossas universidades. É claro que se tratava de uma sugestão visando a que algumas universidades, melhor equipadas iniciassem o ensino da pré-história. Pois a criação da cadeira de pré-história ou arqueologia em cada uma de nossas faculdades de filosofia não somente ultrapassaria o domínio das possibilidades reais de nosso ensino, como também se defrontaria com a necessidade de improvisação de professores dada a falta de especialistas devidamente qualificados. A referida moção, contudo, serviu para alertar os nossos estudiosos sobre a carência de técnicos em pré-história e sobre a necessidade de ensino dessa matéria. Cabe, em segundo lugar, mencionar a criação da Universidade do Paraná, sob a direção do Prof. José Loureiro Fernandes do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, que se constituiu em marco importante na sistematização e ensino dos conhecimentos e pesquisas da pré-história brasileira.

Finalmente, a terceira etapa foi atingida já em 1963, durante a VI Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em São Paulo, com uma secção de história onde se evidenciou o progresso alcançado pelos nossos estudiosos, bem como se fundamentou a base para uma melhor cooperação entre os arqueólogos brasileiros".

Com a criação da Comissão de Pré-História, depois Instituto de Pré-História e Etnografia, da Universidade de São Paulo e do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade do Paraná iniciam-se em moldes sistemáticos os trabalhos de investigação dos sambaquis. E partir daí, através do desenvolvimento de alguns projetos de pesquisas, como aqueles orientados por Emperaire e Laming (1956:5-163), Hurt e Blasi, (1960) foram escavados sambaquis localizados no Litoral de São Paulo e Paraná. A partir de 1960 novos pesquisadores começam a desenvolver suas atividades estendendo-as também ao litoral do Estado de Santa Catarina (Bryan, 1961). São escavados novos sambaquis. Desenvolvem-se campanhas a fim de impedir e preservar da destruição final um grande número de sítios.

Finalmente, é criado em Santa Catarina, em 1965, e instalado em 1967 o Instituto de Antropologia, atualmente, Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, que vai dar início a sistematização da pesquisa em sambaquis, no litoral de Santa Catarina.

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0.2 - Projeto de Pesquisa

Considerando a situação exposta no tópico anterior, resolvemos em 1967, elaborar projeto de pesquisa para o estudo sistemático dos sambaquis do Litoral de Santa Catarina. Os trabalhos de pesquisa efetuados anteriormente não haviam assumido uma forma sistemática, embora trouxessem sua contribuição para o conhecimento de alguns problemas relativos ao estudo do conteúdo cultural desses sítios arqueológicos.

As pesquisas efetuadas podem ser classificadas em duas categorias: trabalhos assistemáticos de salvamento e trabalhos sistemáticos de levantamento e escavação de sítios. Na primeira categoria poderíamos situar os trabalhos de Guilherme Tiburtius.1 Na segunda categoria podemos citar os trabalhos de Castro Faria (1959) sobre o Sambaqui de Cabeçuda-SC LS 7; de Rohr (1959, 1960, 1961, 1966, 1968 e 1969 ) sobre levantamento de sambaquis do Litoral Sul, Central e Norte, bem como a escavação de um sambaqui no litoral Central; Bryan (1965) sobre a escavação do Sambaqui do Forte Marechal Luz - SC LN 76; Piazza (1966a,1966b, 1966c e 1967) sobre a escavação e levantamento de sambaquis no Litoral de Santa Catarina, bem como levantamento bibliográfico.

Cada um dos trabalhos citados acima levantou dados importantes sobre a localização, número, distribuição e conteúdo cultural dos sambaquis. Através da leitura desses trabalhos e do conhecimento superficial, o hesitamos em dizê-lo, das coleções que se constituíram a partir das investigações efetuadas, observamos então que um trabalho sistemático de investigação se fazia necessário a fim de se obter uma visão global da ocupação do litoral e das variações culturais existentes em função do tempo e do espaço em que os grupos humanos pré-históricos haviam atuado na região.

0.2.1 – Justificativas do Projeto

Tendo em vista as dificuldades e os problemas existentes elaboramos um projeto de pesquisa para estudar sistematicamente os sambaquis do litoral de Santa Catarina.

1 Guilherme Tiburtius publicou numerosos trabalhos descrevendo o salvamento arqueológico que efetuou no Litoral Norte de Santa Catarina, graças ao qual, uma grande parte do conteúdo cultural de sambaquis, hoje totalmente destruídos, foi preservada. Entre estes trabalhos podemos destacar: aqueles efetuados em colaboração com Bigarella, I. K. e Bigarella J.J. (1951), sobre a jazida paleoetnográfica de Itacoara – Joinville; e ainda em colaboração com os dois pesquisadores já citados, sobre o sambaqui de Rio Pinheiros – Joinville (1954); também o trabalho sobre o sambaqui da Conquista (1966).

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Aproveitando a oportunidade da criação do Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina1 e, conseqüentemente, uma certa disponibilidade de recursos que passaram a existir a partir do momento de sua instalação foi desenvolvido o projeto de pesquisa, com a duração de 5 anos. Iniciado em julho de 1967, o projeto teve terminado o trabalho de campo em 1971. Os trabalhos de laboratório, todavia prosseguiram até o final de 1972.

Durante o seu desenvolvimento foram escavados sambaquis em três áreas do litoral de Santa Catarina, bem como efetuado o correspondente levantamento bibliográfico, elaboração de mapas, quanto à localização dos sítios arqueológicos, procurando resolver, na medida do possível, os problemas levantados pelos trabalhos anteriores. Não pretendemos, porém, ter esgotado as possibilidades de pesquisa, da área ou do tema. Pelo contrário, acreditamos que a partir dos resultados do projeto de pesquisa, que desenvolvemos novas hipóteses relativas a ocupação pré-histórica do Litoral de Santa Catarina poderão ser levantadas e solucionadas tornando sempre mais claro o quadro da Arqueologia Brasileira.

0.2.1.1 - Razões do Projeto de Pesquisa

As razões que nos levaram a elaborar um projeto de pesquisa, justamente sobre Sambaquis, ou grupos pré-históricos litorâneos, prendem-se a objetivos diversos. Além da preocupação com aumentar as possibilidades de entendimento sobre as populações pré-históricas do litoral de Santa Catarina, em termos de análise do conteúdo cultural dos sambaquis, consideramos principalmente a necessidade de preservarmos do total desaparecimento os remanescentes materiais de grupos pré-históricos.

No momento em que elaboramos o projeto de pesquisa grande número de sambaquis havia sido totalmente destruído e alguns outros se encontravam em vias de destruição. Mesmo com a criação da Lei nº. 3.924 de 26 de julho de 1961 o processo de destruição continuava. Os fins a que se destinavam as conchas retiradas dos sambaquis eram os mais diversos: fabrico de adubos, corretivos de solo, ração para animais, pavimentação de estradas, cal etc. Visitas que efetuávamos com freqüência as áreas onde se localizavam os sambaquis nos permitiram observar que este processo que cada vez mais se acelerava, pela facilidade com que se podia desmontar os sambaquis, uma vez que a fiscalização exercida era ineficiente, em face da

1 O Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, foi criado, originalmente, como Instituto de Antropologia pela Resolução nº 89 de 30 de dezembro de 1965, do Conselho Universitário.

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extenso do Litoral, o número e a localização dos sambaquis, bem como a praticamente ausência ou omissão das autoridades responsáveis pela preservação desses sítios, após a criação da Lei Federal já citada.

Em algumas oportunidades pudemos observar a destruição dos sambaquis para diversas finalidades, obtendo documentação fotográfica. Nas Pranchas nºs 1, 2, 3 e 4 observamos a progressiva destruição do Sambaqui de Cabeçuda - SC LS 7 - e, ainda a destruição de sambaquis no Litoral Central e Norte, antes que providências fossem tomadas pelas autoridades competentes, no ano de 1972.

Tendo em vista o acelerado processo de destruição a que se achavam submetidos os sambaquis do Litoral de Santa Catarina, o que pode ser facilmente constado pela documentação fotográfica apresentada, é justo que nos preocupássemos com a preservação ao menos parcial, da cultura das populações litorâneas pré-históricas. Assim, sem nenhuma excessão, todos os sambaquis escavados estavam ou haviam estado em algum momento, submetidos a um intenso processo de destruição, o que de certa forma nos permitiu prever, em parte, o conteúdo cultural dos sambaquis onde iríamos proceder ao trabalho de escavação.

Duas foram fundamentalmente as razões que nos levaram a elaborar e desenvolver o projeto de pesquisa. A primeira, estudo das populações pré-históricas do Litoral de Santa Catarina, através de seus remanescentes materiais e que na verdade constitui a matéria prima a partir da qual foi elaborado o presente trabalho. A segunda a preservação, pelo menos parcial, do conteúdo cultural dos sambaquis do Litoral de Santa Catarina, tendo em vista o intenso processo de destruição a que se achavam submetidos os sítios arqueológicos do tipo sambaqui.1

0.2.1.2 - Recursos Disponíveis

No desenvolvimento de todo o projeto de pesquisa, como é sabido diversos tipos de recursos devem ser carreados, a fim de permitir resultados positivos ao final da investigação. No desenvolvimento do projeto de pesquisa que descrevemos, no momento foram utilizados recursos de três ordens: humanos, materiais e financeiros.

1 A destruição intencional dos Sambaquis do Litoral de Santa Catarina, com fins econômicos será objeto de um trabalho especifico. Por esta razão, nos limitamos a referir superficialmente o problema.

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Com a criação do Museu de Antropologia houve possibilidade de se obter estes recursos, através da elaboração de planos de trabalho anuais que eram apresentados com essa finalidade.

Os recursos humanos utilizados durante a realização do projeto de pesquisa foram de três ordens: especialistas em Geologia do Quaternário e Geomorfologia, em Anatomia Humana, em Tipologia do Material Lítico e em Cerâmica Pré-Histórica Brasileira. Estes especialistas participaram dos trabalhos de campo, desenvolvendo atividades relativas a suas especialidades e, ainda de tarefas pertinentes aos trabalhos de escavação. A participação de alunos de Cursos de Graduação e de alunos graduados constituiu uma outra ordem de recursos humanos que utilizamos. Suas atividades prenderam-se principalmente a trabalhos de campo, sendo engajados nos Planos de Trabalho como auxiliares de Campo. Algumas vezes desenvolveram trabalhos em laboratório, no que tange a limpeza e numeração do material arqueológico coletado. Finalmente, a terceira categoria de recursos humanos foram os operários braçais, utilizados nos trabalhos de campo para limpeza da superfície dos sítios, retirada e peneiramento do material escavado. O número de operários braçais utilizados foi de quatro, no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30, chegando a oito, no Sambaqui de Enseada I - SC LN 71.

Os recursos materiais foram todos fornecidos pelo Museu de Antropologia que dispunha de laboratório de Arqueologia, bem como de todo o equipamento necessário ao trabalho de campo. Os Planos de Trabalho, além disso, previam a aquisição de equipamento, caso este se encontrasse deficitário, em face de constante utilização.

Também o transporte de pessoal, equipamento e material arqueológico coletado foi sempre obtido através do Museu de Antropologia que, em algumas ocasiões, como quando foi procedida à segunda etapa de escavação do Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - colocou uma condução à disposição da equipe durante todo o tempo de duração dos trabalhos de campo.

Finalmente, os recursos financeiros foram fornecidos pela Universidade Federal de Santa Catarina através do Museu de Antropologia. Nos Planos de Trabalhos fizemos constar sempre um item orçamentário sobre o custo daquela etapa de campo, onde eram previstos as despesas relativas à manutenção e pagamento de pessoal, equipamento, transporte e trabalhos de gabinete.

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esgotar ou pelo menos utilizar certos recursos técnicos que poderiam ter fornecido dados que iriam confirmar algumas de nossas hipóteses. No caso, por exemplo, da obtenção de datações pela Análise do Carbono 14. Não nos foi possível obter datas absolutas para os sambaquis escavados, uma vez que não dispusemos de recursos para tanto. Por outro lado, um outro recurso técnico de que não pudemos lançar mão foi a Análise Palinológica, pela ausência de trabalhos sistemáticos na área.

Consideramos, porém, que embora os dados fornecidos pela utilização de tais recursos pudessem ser realmente compensadores na interpretação dos dados coletados, nada impede que sejam utilizados posteriormente, completando o que vamos expor neste trabalho.

0.2.2 - O Planejamento do Projeto de Pesquisa

0.2.2.1 – Hipóteses

A Escavação dos Sambaquis de Congonhas I - SC LS 30 - Rio Lessa - SC LC 39 - Morro do Ouro - SC LN 41 - e Enseada I - SC LN 71 - foi efetuada no desenvolvimento do Projeto de Pesquisa "A Variação do Conteúdo Cultural dos Sambaquis". Este projeto foi desenvolvido durante o período 1967/1971, num total de cinco anos, envolvendo o litoral de Santa Catarina. O Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - foi escavado em três ocasiões distintas referidas no tópico competente.

Ao iniciarmos os trabalhos de pesquisa na Universidade Federal de Santa Catarina, pouco se havia feito neste setor de investigação no Estado. Os primeiros trabalhos sistemáticos se haviam iniciado, porém ligados principalmente ao estudo de sítios cerâmicos, do tipo tupi-guarani.1

Assim na introdução do projeto de pesquisa, dizíamos:

“... observamos a necessidade de se desenvolver um trabalho

1 Entendemos como sitio cerâmico tupi-guarani aqueles em que são encontrados cacos de cerâmica com características técnicas e de decoração identificadas como tal. Estes sítios foram objeto de um projeto de pesquisa de âmbito nacional: o Programa Nacional de Pesquisa Arqueológica.

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de pesquisa sistemático, em sambaquis, envolvendo também um levantamento bibliográfico, comparando e analisando os trabalhos publicados em seus diversos aspectos, desde enfoque dados pelos autores a partir de suas próprias especialidades, às linhas gerais de cada publicação e às conclusões a que chegou cada autor ao fim de suas observações de campo e análise do material coletado.” (Beck, 1968:77).

O desenvolvimento do projeto de pesquisa nos mostrou as dificuldades existentes na efetivação de um trabalho orientado em tal sentido. Embora sentíssemos a necessidade de generalizações para o entendimento da ocupação pré-histórica do litoral do Brasil Meridional, compreendemos também, que estas só seriam possíveis a partir de estudos de casos pormenorizados. Isto é, somente na medida em que entendêssemos o conteúdo cultural, de vários sambaquis, é que seria possível estabelecer generalizações orientadas no sentido de explicar a ocupação humana do Brasil Meridional, anteriormente à colonização européia.

O projeto de pesquisa, como, o próprio título indica "A variação do conteúdo cultural dos Sambaquis", pretendia estabelecer o que era idêntico e o que era diferente em cada sambaqui e de um sambaqui para outro. Como objetivos da pesquisa, colocávamos:

"A construção dos sambaquis se estendeu por um período de tempo, bastante longo. Seu conteúdo arqueológico sofre variações, não são de uma área geográfica para outra, mas, também, dentro da mesma área. Concluímos, assim, que os sambaquis não apresentam homogeneidade cultural, ou seja, que seus construtores eram de origem cultural diversa ou sofreram influências culturais de vá rios outros grupos.

Um apoio para o esclarecimento do problema é o da localização dos sambaquis do ponto de vista geológico. De uma maneira geral os sambaquis são encontrados na planície sedimentar litorânea do quaternário. Atualmente estão fora da linha de costa, mas em época anterior corresponderiam grosseiramente a ela. Considerando a modificação das linhas da costa como, em parte, conseqüência de alterações climáticas e variação do nível dos oceanos, teriam estas mudanças do ambiente geográfico, embora lentas, influenciado a cultura dos grupos humanos do litoral,

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modificando-a? Chegamos, assim, a uma terceira questão, relativa, à seqüência cronológica dos sambaquis. As poucas datas obtidas têm indicado que certos sambaquis correspondem a determinadas alterações do nível dos oceanos (Hurt, 1964:21). Segundo Hurt (1965), não foram, porém, escavados um número suficiente de trincheiras para permitir uma correlação definitiva entre as três as idades dos sambaquis e as idades geológicas características.

A resposta a essas questões: determinação do conteúdo cultural, influência do ambiente geográfico e o estabelecimento da seqüência cronológica, nos permitiram esclarecer o problema da variação do conteúdo cultural dos sambaquis, definindo suas fases, explicando as variações existentes entre jazidas de uma mesma área, a duração de cada fase, e a sua seqüência no tempo e no espaço.

O projeto que se estenderá a todo litoral de Santa Catarina, abordará, portanto, o problema das influências sofridas pelos grupos humanos que buscando sua subsistência nos recursos alimentares do litoral, criaram um tipo de construção na forma de acúmulo de cascas de moluscos cuja variedade de formas e manifestações, segundo podemos concluir, poderão ser reunidas em fases culturais distintas (Beck, 1968: 81-82 ).

A necessidade de uma reorientação do projeto se tornou evidente, na medida em que prosseguiamos em seu desenvolvimento. A análise da bibliografia nos permitiu constatar a ausência de um trabalho monográfico que abordasse o problema com profundidade, estudando detidamente as relações existentes entre os grupos construtores dos sambaquis e o meio ambiente. Observamos mais, que as diferenças entre os vários sítios arqueológicos estavam grandemente relacionadas às atividades ligadas ao nível adaptativo. Os artefatos ligados às atividades de subsistência mostravam diferenças de um sítio para outro. As formas de obtenção de certos recursos naturais deveriam conseqüentemente ser também diversificadas.

Diante do que podíamos apreciar, passamos a considerar de suma importância, o estudo de sítios arqueológicos do tipo sambaqui, onde ficassem perfeitamente evidenciadas as relações existentes entre os grupos humanos e o meio-ambiente, resultando em atividades perfeitamente caracterizadas, ao nível adaptativo, através dos remanescentes orgânicos de sua alimentação e dos artefatos aí encontrados. Considerando, que os sítios arqueológicos são, apenas, remanescentes de períodos de sociedades, atualmente extintas, é importante observar a

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totalidade dos elementos que podem levar a uma resposta quanto às relações, que teriam existido, entre elas e o ambiente.

Foi neste sentido que reorientamos o projeto de pesquisa desenvolvido entre 1967/1971.

Numerosos fatores contribuíram para que tal ocorresse: a localização dos sítios, a proximidade de outros sambaquis, a existência de recursos naturais, na atualidade, semelhantes àqueles utilizados pelos grupos primitivos, artefatos diferenciados, enfim, todo um conjunto, que nos permitiu elaborar estudos no sentido que desejávamos, quando reorientamos o projeto de pesquisa.

0.2.2.2 - A Escolha dos Sítios

O trabalho de campo teve início com a escolha dos sítios que deveriam ser escavados. Essa escolha foi procedida anualmente, embora a orientação adotada no projeto de pesquisa fosse a de que, pelo menos um sambaqui deveria ser escavado em cada uma das três áreas do litoral de Santa Catarina. Os critérios que orientaram a escolha dos sítios foram os objetivos que nos propúnhamos a alcançar no projeto de pesquisa. Entretanto, com a quantidade de sítios do tipo sambaqui, existentes no Litoral de Santa Catarina tornou-se difícil definir entre os vários sambaquis de uma mesma área, qual deles se incluía dentro dos objetivos propostos. Desta forma, passamos a adotar um tipo de critério, que nos permitia ter um conhecimento prévio do conteúdo cultural do sítio a ser escavado.

Conhecendo a bibliografia arqueológica da região tínhamos ciência do conteúdo cultural existente nos sambaquis aí localizados. O que não possuíamos eram dados coletados de forma sistemática, interessando-nos conseqüentemente, obtê-los. Assim, passamos a nos informar sobre o conteúdo arqueológico dos sambaquis que estavam sendo destruídos. No momento em que assim procedíamos pensávamos em obter informações sobre os artefatos líticos do tipo zoólito, a indústria óssea especializada, a cerâmica, certos costumes funerários que poderiam explicar a variação do conteúdo cultural dos sambaquis.

Os trabalhos sistemáticos eram relativamente poucos, como já tivemos oportunidade de observar em tópico anterior. Mas, haviam numerosas referências a achados de artefatos efetuados durante a exploração econômica dos sambaquis. Desejando explicar a variação do conteúdo cultural dos sambaquis e entender ocupação pré-histórica do Litoral de Santa Catarina utilizamos os critérios estabelecidos pelos objetivos de nosso projeto de pesquisa

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aliados ao critério de um conhecimento prévio do conteúdo cultural dos sambaquis em vias de destruição. Isto explica porque, com uma única exceção, os sambaquis que escavamos estavam ou haviam estado, em algum momento, submetidos a processo de desmonte mo sistemático.

Antes de elaborarmos o plano de trabalho para proceder a escavação, visitamos cada um dos sambaquis, sondando as possibilidades de um trabalho produtivo, as dimensões do sítio, os artefatos encontrados e escutando "estórias", dos operários braçais que se ocupavam do desmonte do sítio, quanto aos artefatos encontrados,

Esta sondagem prévia, além de possibilitar que os objetivos propostos fossem atingidos, nos permitiu fazer um cálculo aproximado da duração do trabalho de escavação. De posse desses dados elaborávamos então um plano de trabalho, incluindo os objetivos mediatos e imediatos da escavação daquele sambaqui. Cada etapa de trabalho de campo, em que procedíamos à escavação do sambaqui, era antecedida pela elaboração de um plano de trabalho. Foram elaborados assim, diretamente relacionados ao projeto de pesquisa seis planos de trabalho, envolvendo a escavação dos seguintes sambaquis: Congonhas I - SC LS 30; Morro do Ouro - SC LN 41; Rio Lessa - SC LO 39; e Enseada I - SC LN 71. Além destes sítios, a escavação do sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - foi objeto de um plano de trabalho anterior a elaboração do projeto de pesquisa.

O Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - localizado no Litoral Sul foi escavado no período de 12 a 25 de julho de 1967, de acordo com cronograma estabelecido no plano de trabalho; o Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - foi escavado no período de 1º de setembro a 15 de outubro de 1968, tendo ultrapassado de 5 dias o período previsto pelo plano de trabalho; o Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 localizado no Litoral Central foi escavado no período de 2 de maio a 15 de junho de 1969, tendo excedido em 15 dias, o prazo previsto pelo plano de trabalho, o Sambaqui de Enseada I - SC LN 71- também localizado no Litoral Norte foi escavado em três etapas de campo, tendo sido objeto de três planos de trabalho: o primeiro desenvolvido no período de 1º de setembro a 30 de novembro de 1969 o segundo desenvolvido no período de 1º a 30 de junho de 1970, e o terceiro no período de 12 de julho a 12 de agosto de 1971.

Não foi cumprido em sua totalidade, apenas o plano de trabalho relativo ao Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17, por razões que estão expostas no tópico competente.

A escolha dos sambaquis que foram escavados durante o desenvolvimento do projeto de pesquisa, obedeceu a critérios que visavam objetivos mediatos, expostos no próprio projeto, como a explicação da variação de seu conteúdo cultural e o entendimento do povoamento pré-histórico do litoral de Santa Catarina e ao atendimento de objetivos imediatos, quais sejam o de

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salvaguardar o material arqueológico dos sambaquis que estavam sendo destruídos e o de obter dados sistemáticos para o entendimento dos objetivos mediatos.

0.2.2.3 - Encaminhamento da Pesquisa

O desenvolvimento do projeto de pesquisa se efetuou, por razões de sistematização do trabalho, em três sub-projetos, abrangendo três áreas do litoral de Santa Catarina. O primeiro sub-projeto envolveu o litoral Sul; o segundo, o litoral Central; e o terceiro, o litoral Norte. Os trabalhos de campo, entretanto, não estiveram condicionados, quando a sua efetivação a ordem acima estabelecida. (Figuras nºs 1 e 2).

Ao iniciarmos o trabalho, em cada área, procurávamos levantar a bibliografia existente, quanto à localização de sambaquis, dados geográficos, escavações já efetuadas, as técnicas utilizadas e os resultados obtidos. Selecionávamos um sitio arqueológico, naquela área, que era então escavado parcialmente, sendo os resultados obtidos, objeto de um relatório preliminar ou de uma nota prévia. Anualmente, eram feitos planos de trabalho de campo, partindo dos resultados já obtidos. Resumidamente, expomos abaixo o trabalho de investigação e os resultados obtidos em cada uma das áreas.

0.2.2.3.1 - Etapas de Campo

0.2.2.3.1.1 - Sub-projeto I – litoral Sul

Em 1967 concentramos nossa atenção no litoral Sul. Foi escavado, então, o Sambaqui de Congonhas I – SC LS 30, localizado no município de Tubarão. Outros sambaquis haviam sido escavados, anteriormente, na mesma área1, e os dados pareciam suficientes para elaborarmos algumas generalizações.

O relatório preliminar elaborado sobre a escavação desse sambaqui (Beck, 1968:37-49) teve a seguinte conclusão:

"O Sambaqui de Congonhas I apesar da intensidade de

1 Em 1966, nos meses de setembro/dezembro, foram escavados, no litoral Sul, especificamente, no município de Laguna, os sambaquis da Caieira - SC LS 29; da Carniça I - SC LS 13;e da Carniça II - SC LS 14. Este, projeto de pesquisa foi intulado "The Determination of the Cronological Sequence and the Cultural Content of the Sambaquis of the Zona de Laguna Region Santa Catarina. Brasil". Em 1951/52, foi escavado o Sambaqui da Cabeçuda - SC LS 7 (Faria, 1959:95-138) localizado, também, no município de Laguna.

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desmonte, forneceu numerosos dados que poderemos utilizar na comparação com sítios arqueológicos idênticos, da mesma área ou de outras áreas do litoral de Santa Catarina. Localizado sobre terreno geológico recentes, à margem de antiga lagoa, atualmente entulhada e formando área pantanosa, podemos admitir para esse Sambaqui uma data relativamente recente. É provável que os grandes sambaquis dessa área tenham sua construção datada no mesmo período, em que a planície litorânea sofreu uma ligeira invasão marinha (Bigarella, Tiburtius e Sobanski, 1954:101), da qual resultaram numerosas lagoas e baías de pequena profundidade, permitindo o acentuado desenvolvimento da fauna malacológica e seu conseqüente aproveitamento pelo homem que ocorreu ao local em numerosos grupos (Bigarella, 1954:207 ). Os sambaquis de Congonhas I, Carniça I, IA e II, Cabeçuda, Perrechil, Caieira, Rio D' Una e outros estariam, então situados à margem de lagoas ou lagunas, sobre tabuleiros e terraços arenosos, ou, sobre af1oramentos e encostas rochosas.

O material lítico desses sambaquis é tipologicamente semelhante, segundo pudemos observar, quase permitindo afirmar ser o produto de um mesmo grupo humano, o mesmo acontecendo com os costumes funerários, como dissemos anteriormente". (Beck, 1968:48-9)

Em trabalho elaborado, posteriormente, fizemos as primeiras generalizações para a área. Nas conclusões, nos preocupamos com três aspectos, que consideramos muito importantes, para o esclarecimento do povoamento pré-histórico do litoral Sul: a cronologia absoluta, a dieta alimentar e a dispersão dos grupos.

"1. Os sambaquis da Região do litoral de Laguna, por sua indústria, por sua fauna e por seus aspectos geográficos, parecem pertencer ao mesmo horizonte cultural. Algumas datas obtidas pelo Professor Wesley R. Hurt (Maggers, 1968:127-128), nos permitem admitir a data de 3.500 BP, aproximadamente, como a época provável da ocupação do litoral de Laguna pelo homem. Essa ocupação teria ocorrido em conseqüência do desenvolvimento da fauna malacológica, característica das lagoas da Região. As espécies

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de moluscos encontradas são as mesmas em todos os sambaquis e, ainda, encontradas na atualidade, em pequena escala, no fundo lodoso de lagoas e em praias.

2. Os construtores dos sambaquis utilizaram

os moluscos em sua alimentação, constituindo o elemento básico de sua dieta, e que pode ser constatado pelos grandes sambaquis e pela abrasão dentária (Araújo, 1968:65-69), que em vários graus pode-se observar nessas populações. O consumo intenso de moluscos teria levado praticamente a extinção da fauna malacológica, que vivia nas águas das lagoas, praias e embocaduras dos rios, provocando a retirada da população aproximadamente por volta 1.000 BP. Este período teria coincidido com a expansão dos Guarani, no Sul, que de acordo com autores, como Serrano (1946:407), teriam ocupado a parte superior dos sambaquis, onde deixaram remanescentes de sua cerâmica. A data mais recente obtida para a Região, pelo processo de radiocarbono, é a de 1.240 AD±95 (Meggers 1968:127-8). Essa data foi obtida de uma amostra de carvão, colhida no topo do Sambaqui da Caieira, embora nenhum caco de cerâmica do complexo Guarani tenha sido encontrado no sítio. Por isso, novas datas são necessárias para que se possa delimitar o período de ocupação da Região do litoral de Laguna, pelas populações dos sambaquis.

3. Quanto ao possível contato que essas populações teriam mantido com grupos vizinhos, podemos, no momento, somente levantar hipóteses. A ocorrência de material lítico semelhante em áreas próximas, como os zoolitos (Tiburtius, Bigarella 1960), encontrados no litoral Norte de Santa Catarina e no Paraná e as massa líticas encontradas no Uruguai e na Patagônia (Gonzalez,1954:261-280), nos permitem pensar que o litoral de Laguna está relacionado a estas áreas. Faltam-nos, na verdade, maior volume de dados, que permitam comprovar, no momento tal hipótese. Por outro lado, um estudo em profundidade da tipologia lítico dos Sambaquis da região, não foi ainda efetuado, o que nos impede de estabelecer outros possíveis contatos. Do mesmo modo, novos dados estão sendo levantados no Paraná e no Rio Grande do Sul e em regiões próximas, o que nos irá fornecer mais elementos para esclarecimentos desse ponto". (Beck,1970:5-22; 1971:69-77).

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Após a escavação do Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - não efetuamos nenhum outro trabalho de escavação na área. Porém, freqüentemente visitamos os sítios arqueológicos dessa região, pelo fato de se acharem constantemente submetidos a intenso processo de destruição, fato este, aliás, sempre amplamente debatido pela imprensa - (Prancha nºs 1 e 2 ).

Tanto quanto pudemos verificar, no desenvolvimento do Sub-projeto I – litoral Sul, os sambaquis encontrados nessa área estão incluídos em um período pré-cerâmico, isto é, os grupos humanos que os construíram se conheciam a cerâmica, dela não chegaram a fazer uso ou disso não deixaram evidências. Porém, numerosos sítios com cerâmica foram encontrados no litoral Sul, no município de Jaguaruna (Rohr, 1969:1-37), fornecendo abundante material com características tupi-guarani. Além desta, foram localizados, ainda, sítios com uma cerâmica pouco abundante, distinta, em suas características técnicas e morfológicas, da cerâmica tupi-guarani.1

Não queremos afirmar, porém, que os grupos humanos que construíram os sambaquis não conhecessem a cerâmica. Pelo contrário. É possível levantar uma hipótese de trabalho, para novas investigações na área: se os construtores dos sambaquis não os habitavam, é provável que tivessem seus utensílios de cerâmica no local do acampamento. Assim, teríamos dois tipos de sítios; os montes de detritos, constituídos pelos sambaquis, e os de habitação constituídos pelos sítios cerâmicos. Certo, também, que em face de suas funções distintas, estes sítios possam, em rápida observação, ser considerados como pertencentes a grupos culturalmente diferentes, não se vendo entre eles qualquer correlação.

0.2.2.3.1.2 – Sub-Projeto II - Litoral Central

No litoral Central concentramos nossa atenção na Ilha de Santa Catarina. Em 1969 efetuamos a escavação do Sambaqui do Rio Lessa 2, localizado no Bairro da Agronômica, na Cidade de Florianópolis. Outros sítios arqueológicos, do tipo sambaqui, haviam sido escavados anteriormente, na Ilha de Santa Catarina, como Ponta das Almas - SC LC 17 3 e Praia Grande

1 cf nota nº 1 a pp. 17, do presente trabalho.

2 Foram as seguintes as razões que nos levaram a escavação do Sambaqui do Rio Lessa – SC LC 39: localizado no Bairro da Agronômica, entre o Conjunto Universitário da cidade de Florianópolis, em área densamente povoada, poderia vir a ser totalmente destruído, por ocasião da construção de novas residências ou abertura de novas ruas; sua proximidade do conjunto universitário permitia facilidade de aceso aos alunos das 2ª, 3ª e 4ª séries, que poderiam então participar dos trabalhos de campo.

3 O sambaqui de Ponta das Almas – SC LC 17 – foi escavado no período de 1962/1963, pelo professor Walter Piazza; no período de 1967, setembro/outubro, foi escavado pelo professor Wesley R. Hurt, da Indiana University, em convênio com a Universidade Federal de Santa Catarina.

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– SC LC 32. 1

Durante a escavação do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - nos preocupamos com a reorientação do projeto de pesquisa. Já aí, fizemos algumas observações relativas ao ambiente natural em que vive o grupo. Apesar de situado em área densamente povoada, na atualidade, permitiu a obtenção de dados que forneceram informações úteis ao entendimento das populações pré-históricas do litoral.

No relatório preliminar (Beck, São Thiago, Fossari & Silva, 1969:153-174), intitulado "Considerações Gerais Sobre a Escavação do Sambaqui do Rio Lessa (SC LC 39), observávamos o seguinte:

"O Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39 -, por suas dimensões, parece ter sido habitado por um período de tempo relativamente curto. Ao mesmo tempo, a espessura do depósito arqueológico e sua pequena extensão contribuem no sentido de aceitarmos a hipótese de que se trata dos remanescentes culturais de um grupo humano reduzido.

Se o compararmos aos demais sítios arqueológicos da Ilha de Santa Catarina, podemos observar, então, que suas dimensões correspondem, em média, as dimensões dos demais grupos localizados, nessa área, até o presente. Podemos, assim, pensar que a Ilha de Santa Catarina não dispunha de recursos alimentares abundantes, que permitissem a fixação de grupos humanos, por um período de tempo prolongado. É possível, também, que esses grupos estivessem em constante movimentação dentro da área, evitando que se esgotassem os recursos naturais ou permitindo que os mesmos se refizessem, nos locais onde estavam situados seus acampamentos.

A análise da fauna encontrada no Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39 - identificada por seus remanescentes ósseos e conchíferos, nos permite observar que duas eram as atividades básicas relativas a sobrevivência do grupo: a pesca e a coleta de moluscos. Foram numerosos os restos ósseos de peixes, o mesmo se podendo dizer dos restos de moluscos, representados por abundância de conchas, que constituem o principal elemento de construção do sítio arqueológico.

Ainda, pelos remanescentes da fauna sabemos que esse

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grupo se dedicava à caça, o que se evidencia em sua industria: pontas de osso, bastante numerosas, que tanto poderiam ser utilizadas na pesca, como na caça de aves e de pequenos animais. Possivelmente, a essa dieta de peixes, moluscos e caça pequena deveriam juntar-se alguns alimentos vegetais, tais como raízes, frutas e sementes. Alguns coquinhos carbonizados foram encontrados em vários níveis da escavação.

Face aos elementos que se acham relacionados a sua sobrevivência, podemos classificar o grupo humano, construtor do Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39 - como um grupo predominantemente pescador coletor de moluscos, cujas atividades básicas se achavam ligadas ao meio marinho.

Juntamente com os fatores acima considerados, a cerâmica, de caráter estritamente utilitário, permite-nos elaborar outra hipótese Trata-se de uma cerâmica simples, sem decoração e de recipientes pequenos. Tal fato parece indicar que o grupo não se fixaria por um período de tempo prolongado, no mesmo sítio, movimentando-se na medida de suas necessidades.

Os grupos portadores dessa cerâmica parecem ter tido ampla distribuição no Brasil Meridional, se aceitarmos, efetivamente, as correlações existentes tre as cerâmicas dos diversos sítios arqueológicos, acima referidos. Apesar dos diferentes elementos culturais a que se acham associadas parecem pertencer todas a mesma tradição (Schmitz , 1968), com variações que permitirão caracterizar diferentes fases. Sobre os demais elementos da indústria do Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39 - podemos afirmar que são semelhantes às indústrias das culturas litorâneas, do tipo sambaqui e de sítios arqueo1ógicos tipo Tapera e Base Aérea".

Resumindo, podemos classificar o grupo humano que habitou o Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39 -, como um grupo pescador-coletor, portador de um instrumental lítico relativamente grosseiro e de uma cerâmica de caráter utilitário, que possivelmente estará relacionada a grupos humanos do litoral e do Interior, em face das evidências levantadas anteriormente". (Beck, São Thiago, Fossari & Silva 1969:168-170).

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O trabalho de escavação do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - foi seguido apenas, do trabalho de levantamento de sítios arqueológicos procedido por Duarte, (1971). Em outros Sambaquis da área, é encontrada cerâmica, de tipo utilitário, tal como a que encontramos no Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39. Isto poderia indicar que grupos de caçadores e coletores portadores de uma cerâmica rudimentar se tivessem deslocado para área litorânea, num período de tempo recente, premidos, talvez por circunstâncias ligadas a sua subsistência.

0.2.2.3.1.3 - Sub-projeto III – Litoral Norte

O litoral Norte de Santa Catarina recebeu uma maior atenção por parte dos especialistas, no que se refere à investigação arqueológica de sambaquis. Já dissemos, anteriormente, que a partir de 1949, uma série de trabalhos de levantamento, localização e descrição de sítios foram efetuados, o que possibilitou, uma visão inicial da área, muito mais ampla, do que a que tivemos das outras áreas.

Os trabalhos de escavação foram desenvolvidos a partir de 1968, quando foi escavado o Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41. Em 1969, 1970 e 1971, escavamos o Sambaqui de Enseada I - SC LN 71.

O Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - está localizado nas proximidades da Cidade de Joinville, à margem do Rio Cachoeira, tendo sofrido intenso processo de destruição, quando foi aterrada a área, destinada a construção do depósito de madeira. Sua escavação ocorreu quando não havíamos procedido, ainda, reorientação do projeto de pesquisa, ressentindo-se, conseqüentemente, de tal atitude, os resultados obtidos. O relatório preliminar foi intitulado "Sambaqui do Morro do Ouro - Nota Prévia" (Beck, Duarte & Reis, 1969:31- 40). São as seguintes, as conclusões expostas no relatório preliminar:

"O trabalho que desenvolvemos no Sambaqui do Morro do Ouro (SC LJ 41) permite-nos admitir para a Região do Litoral de Joinville, pelo menos dois horizontes culturais, ligados a sítios arqueológicos, do tipo sambaqui. Um horizonte mais antigo, pré-cerâmico, que seria caracterizado por sambaquis do tipo Morro do Ouro (SC LJ 71), com material lítico grosseiro, sepultamentos com mobiliário funerário e, em contradição com uma indústria lítica grosseira, a presença de zoólitos e grande machados, totalmente polidos, quer associados a sepultamentos (Tiburtius & Bigarella

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1960: 17), quer constituindo achados isolados.

Um horizonte mais recente seria caracterizado pela introdução da cerâmica na área (Beck, 1968:89-100). Sua presença foi observada em vários sambaquis, ocorrendo sempre nas camadas superiores destes sítios, como Rio Pinheiros 8 (Tiburtius et all 954:141-197 ) e Porte Marechal Luz ( Bryan 1961:148-151 174 ).

Os dois horizontes culturais, porém apresentam com elemento comum os sepultamentos com esqueletos fortemente fletidos, acompanhados de "imobiliário funerário": artefatos líticos, no horizonte pré-cerâmico; recipientes de cerâmica, no horizonte cerâmico (Bryan, 1961:148-151; Beck 1968:93; Tiburtius et al 1954:141-197).

Os trabalhos que desenvolvemos na região, são porém, muito recentes. Na medida em que novos trabalhos foram efetuados será possível confirmarmos essa hipótese, através de outras evidências além das atuais" (Beck, Duarte & Reis 1969:39 ).

Anteriormente a escavação do Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - haviam sido sistematicamente escavados na área: os Sambaquis do Forte SC LN 76, localizado na Ilha de São Francisco do Sul (Bryan, 1961) e de Espinheiros I - SC LN 7, (Piazza,1966 ) no município de Joinville.

É no litoral Norte que se observa mais intensamente a presença de cerâmica, em sambaquis. São numerosos os sítios arqueológicos em que ela ocorre, caracterizando-se, sempre, por recipientes de pequenas, de caráter utilitário.

A discussão desse problema, entretanto, se fará de maneira ampla, quando tratarmos, das correlações mantidas entre os grupos construtores do sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - e os demais sítios arqueológicos da área.

0.2.2.3.2 – O Trabalho de Campo

O trabalho de campo, como se sabe, constitui a principal etapa da pesquisa de Arqueologia Pré-histórica. Dele dependem todas as etapas posteriores da investigação que está

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sendo procedida e as conclusões estarão condicionadas às informações iniciais obtidas em campo. Torna-se, assim, uma grande preocupação para o pesquisador, a preparação do trabalho de campo, quando serão escolhidos os sítios, métodos e técnicas, pessoal auxiliar e equipamento.

A importância assumida pelo trabalho de campo explica facilmente o porque desta preocupação. A investigação de sítio pré-histórico leva, como se sabe, à destruição da evidência, ou seja, dos documentos que permitem a explicação e o entendimento da vida de um grupo humano desaparecido. Para que os resultados de um trabalho de campo sejam compensadores o pesquisador utilizar, concomitantemente, duas técnicas: a escavação, que é o processo através do qual o sitio pré-histórico é destruído sistematicamente; e o registro estratigráfico que envolve a utilização de fichas de registro e anotação de todas as evidências encontradas de forma a permitir, tanto quanto possível, em laboratório a reconstituição do sítio escavado.

A escavação é, como se sabe, a destruição sistemática de um sítio arqueológico ou pré-histórico. Assim, a fim de que o trabalho de campo resulte de forma positiva, a escavação deverá ser procedida de acordo com técnicas, previamente selecionadas, escolha do local onde será procedida a escavação, demarcação da área e dos setores escolha da forma como deverá ser procedida a escavação e ainda, a duração do período de escavação.

No projeto de pesquisa que desenvolvemos no litoral de Santa Catarina foram escavados quatro sambaquis, em três áreas distintas. A escavação destes sambaquis obedeceu, sempre, a critérios padronizados, embora fossem estes flexíveis por si mesmos. Assim, a área escavada, em qualquer dos sambaquis, nunca foi inferior a 20 metros quadrados, a escavação foi sempre procedida em níveis artificiais de 15 cm ou de 10 cm.

O registro das evidências se fez através de diários de campo, fichas de descrição, para sepultamentos, restos de fogueiras, solos de habitação e estruturas. Além da descrição e desenho das evidências, antes da remoção, estas serem fotografadas. Só então prosseguiam os trabalhos de escavação.

Considerando o desenvolvimento do projeto sugerimos que ao ser realizada a escavação de um sambaqui, seja constituída uma equipe interdisciplinar. No projeto de pesquisa, que agora enfocamos, contamos com a participação de um especialista em Anatomia, um especialista de Geologia do Quaternário, um especialista em Cerâmica Pré-Histórica Brasileira e um especialista em Tipologia Lítica, além de nossa própria atividade de coordenação dos trabalhos. Entretanto, deveríamos contar ainda com um fotógrafo e um desenhista, o que não foi possível em face dos recursos financeiros de que dispusemos. Estas

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