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Integração Curricular e Estudo do Meio

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Academic year: 2021

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ricardo Costa Mesquita

Integração Curricular e Estudo do Meio

Experiência de uma escola particular de São Paulo

Mestrado em Educação: Currículo

SÃO PAULO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ricardo Costa Mesquita

Integração Curricular e Estudo do Meio

Experiência de uma escola particular de São Paulo

Mestrado em Educação: Currículo

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora

da

Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

como

exigência

parcial

para

obtenção do título de MESTRE em

Educação: Currículo, sob orientação

do Prof. Dr. Alipio Marcio Dias Casali

SÃO PAULO

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Página Parágrafo Linha Onde se lê: Leia-se:

1 1º 3ª currículo; currículo

1 2º 1ª que desapropriação que a desapropriação

4 2º 4ª curricular curricular?

9 3º 4ª que, de observações que de observações

10 2º 1ª Desde já, ainda uma vez mais, devo Desde já devo

10 2º 2ª anatureza a natureza

12 1º 1ª outra maneira pensar outra maneira de pensar

12 4º 8ª as descoleção a descoleção

15 2º 1ª Goodson (2007, 2010) Goodson (2007, 2008)

20 3º 2ª capazes e capazes de

28 3º 15ª do grau de integração da integração

28 3º 16ª de grande cooperação de cooperação

31 2º 3ª trata-se uma trata-se de uma

38 5º 8ª desvendamento desvendamentos

43 2º 3ª secundário e médio Fundamental e Médio

44 2º 3ª interdisciplinaridade interdisciplinar

45 3º 3ª de possam ser de que possam ser

52 2º 11 vivencia vivenciam

56 3º 2ª luva alguns luva para alguns

57 2º 10ª na formas nas formas

58 1º 1ª projetos, em geral propostos projetos propostos

59 2º 5ª Lopes: Lopes (2008):

61 4º 2ª deles, o roteiro deles o roteiro

62 2º 11ª fornecendo cedendo

68 2º 4ª lá há mais lá havia mais

73 2º 6ª durantes durante

75 5º 1ª ao tempo que ao tempo em que

76 7º 2ª nesta escola nessa escola

77 3º 13ª envolver os alunos envolvê-los

81 4º 4ª acontecida de quase acontecida quase

84 2º 12ª devolve e consolida nos sujeitos devolve aos sujeitos e consolida

91 2º 3ª abordar da questão abordar a questão

93 1º 6ª realmente de algo realmente algo

99 3º 2ª coordenem o que, coordenem, o que,

102 2º 1ª e de Ensino Religioso e Ensino Religioso

103 1º 10ª ademais, ele traz ademais, traz

106 2º 14ª de verificação ou não de verificação, ou não 121 2º 8ª explicaria, por exemplo, explicaria, imagino,

(4)

Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

(5)
(6)

Agradeço

ao meu orientador, professor Alípio Casali, amigo sábio e generoso, pelo

acolhimento do meu projeto, desde os seus inícios assaz incipientes até a

presente conclusão, certamente alentada em muito pela sua dedicação

pacienciosa;

à professora Marisa Del Cioppo Elias e ao professor José Sérgio Fonseca

de Carvalho pelas valiosas contribuições dadas por ocasião da banca de

qualificação;

aos professores e alunos que contribuíram diretamente para esse trabalho,

em especial à Juliana, que conduziu a entrevista dos alunos, mas não

apenas, também a todos os demais professores, colegas do curso do

Fundamental 2, pois todos juntos realizam uma linda tarefa diária da qual

me orgulho muito de fazer parte;

à Soninha, à Deborah, ao Silvio, à Letícia e à Suely, pelo constante apoio

recebido, inclusive nas horas em que tiveram que suprir minhas ausências

no trabalho;

à Mara, esposa amada, por muito mais que o apoio de companheira, pelo

interesse constante nas leituras dos meus escritos e nas inúmeras conversas

em que muitas das ideias aqui presentes puderam amadurecer;

e a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desta

dissertação.

(7)

Pois um acontecimento vivido é finito, ou

pelo menos encerrado na esfera do vivido,

ao passo que o acontecimento lembrado é

sem limites, porque é apenas uma chave

para tudo que veio antes e depois.

(8)

Resumo

A presente dissertação traz o relato de uma experiência de estudo do meio realizada em uma escola da rede particular de São Paulo e procura refletir sobre as condições de realização da integração curricular. O autor parte da constatação de que a organização curricular com base na matriz disciplinar não convive sem dificuldades com os movimentos de integração curricular frequentes nas escolas, mormente nos cursos de Ensino Fundamental, e dos quais o estudo do meio é um exemplo. Reflete sobre tais dificuldades, assumindo a dupla hipótese de que elas podem fornecer pistas sobre a efetivação do potencial formativo que se pensa haver na promoção da integração curricular e de que podem também revelar algo sobre a escola e o cumprimento do papel que hoje a sociedade espera dela. Além de sua própria experiência com estudos do meio, o autor traz para o seu relato falas e impressões obtidas em conversas com professores e alunos. No plano da teoria, utiliza-se das concepções de recontextualização e hibridismo dos discursos que compõem o currículo. Traz também diferentes visões sobre a interdisciplinaridade, breves fundamentos das modalidades clássicas de integração curricular, bem como alguns aspectos do pensamento recente sobre a organização curricular. Além disso, em função da proximidade com a prática escolar que o trabalho procura sempre manter, ele tem como eixo a ideia de experiência

formativa, como vivência capaz de imprimir sentido no sujeito aluno, professor e até

mesmo escola. Trata-se, pois, de descrever de que modo o projeto específico de integração curricular estudado e sua implementação implicam um jogo de construção de identidades e o que esse jogo pode ter de promissor para a prática pedagógica e educacional. Espera-se que o trabalho possa servir ao gestor escolar como reflexão a respeito dos impasses vividos na construção cotidiana do currículo tal como se dá na prática, no nível do assim chamado “chão da escola”.

Palavras-chave: Integração Curricular; Estudo do Meio; Interdisciplinaridade; Recontextualização; Hibridismo; Identidade; Experiência Formativa.

(9)

Abstract

The present dissertation gives an account of an experiment related to a field trip held in a school of the private network of São Paulo, and aims to discuss the conditions for its curricular integration. The author starts from the observation that, at times, the curriculum based on the disciplinary matrix encounters difficulties to cater for the frequent movements of curriculum integration in schools, especially in elementary school courses, an example of which being the field trip itself. The author then reflects on these difficulties, assuming the dual assumption that they can provide clues about the effectiveness of the formative potential which is thought to occur in the promotion of curricular integration and that can also reveal something about the school and the fulfillment of the role that society expects of it today. Besides his own experience with field trips, the author brings to his study tales and impressions obtained from conversations with teachers and students. In terms of theory, he uses the concepts of hybridism and recontextualization of discourses that make up the curriculum. He also brings different views on interdisciplinarity, brief fundamentals of classical modalities of curriculum integration, as well as some aspects of recent thinking regarding the school curriculum. In addition, due to the proximity to the school practice that the work seeks to maintain, it has as axis the idea of formative experience, an experience capable of providing meaning to the subject: student, teacher and even school. It is intended, therefore, to describe how the specific design of the studied curriculum integration and its implementation imply a game of identity construction, and how this game may be useful for the pedagogical and educational practice. It is hoped that the work would serve the school manager as a reflection about the daily dilemmas experienced in the construction of the curriculum as it happens on the real everyday practice of the school.

Key Words: Curricular Integration; Field Trip; Interdisciplinarity; Recontextualisation; Hybridism; Identity; Formative Experience.

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Sumário

Introdução ... 1

1 – Contextos discursivos ... 9

1.1 A recontextualização por hibridismo ... 10

1.2 A Integração Curricular hoje ... 14

1.2.1 Disciplinas e organização disciplinar ... 15

1.3 Modalidades Clássicas de Integração Curricular ... 22

1.3.1 Centros de interesse ... 23

1.3.2 Método de Projetos ... 26

1.4 Visões da Interdisciplinaridade ... 30

1.5 O professor especialista ... 41

1.6 Experiência formativa ... 44

2 - Relato de um Estudo do Meio nas Cidades Históricas de Minas Gerais ... 53

2.1 Contextualização: descrição da escola, do curso, série e de alguns projetos ... 53

2.2 Estrutura da Viagem ... 60

2.3 Planejamento, viagem e pós-campo – a execução do estudo ... 61

2.4 Dois problemas ... 65

2.4.1 O tema unificador ... 65

2.4.2 A avaliação ... 69

2.5 Relato de falas dos professores ... 71

2.6 Relato de falas dos alunos... 81

3 - Recontextualizando o relato... 84 3.1 Oportunidade ... 85 3.2 Intencionalidade ... 89 3.3 Integração ... 93 3.4 Identidade ... 100 3.5 Experiência ... 105

(11)

3.6 Avaliação ... 109

Considerações Finais ... 116

Referências ... 125

(12)

Introdução

O problema que me propus investigar neste projeto de mestrado acompanha-me, acho que posso dizer, desde o início da minha atuação como professor de Física no Ensino Médio. Àquela época, incomodava-me a organização disciplinar do currículo; com sua rígida divisão de tempos e espaços, pois me parecia outra forma de aplicação da máxima maquiavélica “dividir para governar”. O que feria a minha sensibilidade era a noção de que o primeiro e mais visível aspecto da divisão disciplinar dos conhecimentos escolares era a desapropriação do estudante do projeto de formação ao qual estava submetido. Perguntava-me quantos alunos, uma vez terminada a fase básica do percurso escolar, uma vez atingida a idade madura, dar-se-iam à tarefa de refletir sobre a própria formação, procurando descobrir os condicionantes e os referenciais de seus pensamentos, de suas ideias, de sua visão de mundo. Estariam eles suficientemente preparados para esse exercício? E se o fizessem, o que descobririam? Perguntava-me se essa não deveria ser uma preocupação mais presente no currículo prescrito para dar condições aos alunos de compreenderem seu percurso formativo, como forma de efetivamente contribuir para sua autonomia. E perguntava-me o que eu, de dentro da escola, poderia fazer a esse propósito.

Minha crítica intuitiva era de que desapropriação imposta aos estudantes, por obra e graça da organização disciplinar do currículo, preenchia-se de conteúdos frequentemente inúteis, ou por serem conhecimentos de interesse restrito a quem fosse especializar-se, ou, não sendo esse o caso, por serem apresentados sem a necessária contextualização, perdendo-se a condição de uma aprendizagem marcante e duradoura, o que equivaleria a desfazer, mantendo apenas na retórica, a suposta importância do que estava prescrito. Minha visão não dava conta de entender esses processos em todas as disciplinas, mas percebia a minha área, exatas, como alvo de interesse bem mais significativo que as demais por expressar com maior clareza a fase tecnicista por que passava a educação daqueles anos 1970 e 1980. Por isso, eu me preocupava com organizar meus cursos guiando-me por essas preocupações e, embora esse respaldo

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fosse decair sensivelmente nos anos posteriores, eu podia contar com o apoio da própria direção de algumas escolas em que trabalhava e, em boa parte dos casos, também das famílias dos alunos.

Concretamente, para mitigar o efeito de alienação* produzido na Física que ministrava para os alunos do Ensino Médio, eu procurava contextualizar os temas que abordava, intensificando as práticas e demonstrações experimentais, e trazendo tópicos da História da Ciência para o curso, o que era custoso, de certa forma, pela formação deficiente que tinha nessa área.** Além disso, mantinha-me aberto e participante das iniciativas da escola que buscassem o envolvimento do aluno em atividades multidisciplinares, ou que simplesmente precisassem contar com a mobilização conjunta do professores. Dessa maneira, pensava comunicar aos alunos minha crença no caráter coletivo do trabalho na escola como condição para formação de uma autonomia com capacidade crítica.

Mais tarde, em minha atuação como coordenador e como diretor pedagógico, incentivei os professores, principalmente da área de exatas, a cortarem tópicos muito técnicos ou que não fizessem sentido em uma formação generalista. Ao mesmo tempo, estimulei a oferta de disciplinas eletivas, com conteúdos com maior capacidade de envolver os alunos, dialogando com temas de seu interesse, às vezes ministradas por mais de um professor, bem como a prática da interdisciplinaridade, por via dos estudos

*

Alienação aqui tem o sentido disso que chamei de desapropriação a que o estudante é submetido: em lugar de uma formação para a autonomia, a introdução a uma nova linguagem de forma descontextualizada, em que a realidade é reduzida ao modelo científico assumido de acordo com o conjunto de conceitos a serem ensinados e, principalmente, sem qualquer preocupação mais séria em fornecer meios para que ele possa posicionar-se frente ao papel dessa linguagem na sociedade, mas, ao contrário até, mitificando como descoberta ou revelação o conhecimento histórica e socialmente construído pela ciência.

**

Hoje parece-me espantoso o que em outros lugares e tempos talvez fosse compreensível e até defensável, mas, exceto por uma disciplina de Evolução dos Conceitos a Física, com duração de um único semestre, não havia matérias de História da Ciência ou da Física no currículo dos cursos de Bacharelado e de Licenciatura em Física da USP. Sei que essa situação se encontra atualmente em melhores condições com ofertas de disciplinas de História da Física Moderna e, no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, onde me formei em 1976, há inclusive uma disciplina chamada Ciência e Cultura na grade didática.

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do meio, dos projetos nascidos a partir das trocas entre os professores, além dos temas transversais, conduzidos por grupos de professores e orientadores educacionais.

Hoje, como gestor de um curso de Ensino Fundamental 2 de uma escola da rede privada, observo que tão sólida quanto a organização disciplinar do currículo é a convicção de que são fundamentais as iniciativas de integração curricular. Na verdade, há mais que um razoável consenso em torno do fato de que essa etapa da escolaridade demanda grande dose de integração curricular e que, portanto, é preciso manter abertura e receptividade aos procedimentos que tenham essa visada. Em conseqüência, o discurso oficial da escola, ao longo de sua história, foi absorvendo o ensino por competências, os temas transversais, os projetos interdisciplinares e a necessidade de contextualização, todos como princípios integradores, não obstante sem abandonar jamais a necessidade de propiciar o domínio de conteúdos mínimos em cada uma das áreas disciplinares que, afinal, mantêm-se como organizadoras do currículo prescrito.

O Anexo A mostra como fica o ano letivo de uma das séries do curso. O que se pretende que ele demonstre, em uma primeira abordagem, é o volume de projetos a ladear o andamento do trabalho das disciplinas. A maioria desses projetos conta com um envolvimento bastante significativo dos alunos e também os professores os aprovam e apóiam amplamente. Mas isso é consideração genérica, pois, como não poderia deixar de ser, há questionamentos. Do lugar do gestor, pode-se compreender a inquietação do professor com o número de aulas que ele deve “perder” para a realização dos diversos projetos e prejudicar o cumprimento do seu programa disciplinar, como um sinal de sua dúvida sobre o valor desses projetos e, mais profundamente, sobre a eficácia educativa na forma com que as orientações integradoras somam-se aos programas das disciplinas na composição do currículo da escola. Mais preocupante ainda é sentir os alunos assoberbados com as excessivas e diversificadas demandas escolares, como se estivéssemos todos interessados em comunicar-lhes a importância de um comportamento produtivo, acima de tudo, como se isto fora a melhor maneira de prepará-los para a competitividade que se avalia inevitável no futuro deles. De fato, o calendário escolar parece carecer do que chamaria do tempo necessário à aprendizagem, tempo de sedimentação, de decantação, de consolidação, tempo do erro, do tempo errático que o mestre paciencioso permite ao aluno, por ser a autonomia a sua principal meta e, ao final, o resultado mais esperado da sua dedicação.

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Aqui começam a ser formuladas, então, as questões da presente pesquisa. Considerando o ambiente em que a organização disciplinar e a integração curricular convivem, que tipo de equilíbrio se pode pretender? Que parâmetros podem ajudar na administração dos impasses que essa convivência traz ao cotidiano escolar? Da maneira que vim expondo, parece que avalio a fragmentação como um mal e a integração como um bem. Mas, a experiência que descrevo mostra que se produziu um excesso de propostas integradoras, de modo que o resultado parece equivaler a mais fragmentação. Isso aconteceu por conta do esteio disciplinar, seccionado, em que tudo se assenta? Ou há outras considerações a serem feitas a respeito da própria natureza específica de cada uma dessas propostas integradoras? Afinal, quando a integração é boa?

Talvez seja importante perguntar ao contrário, pois certamente não se terá a mesma resposta: quando a disciplinarização é um mal? Dessa questão, quem sabe, fique mais claro o tema do trabalho: o que queremos e pensamos integrar e o que de fato integramos nas propostas de integração curricular. Gostaria de desenvolver hipóteses sobre o que acontece com as atividades de integração curricular que acompanho anualmente com meus professores e meus alunos. Quero refletir sobre essas atividades em seus impactos no âmbito da experiência pessoal e coletiva de professores e alunos, procurando saber em que medida elas simplesmente reforçam, como num eco, as fragmentações e integrações do campo social mais amplo, ou se guardam alguma distância delas, ao ponto de representarem, para o indivíduo e seu coletivo, um espaço reflexivo crítico no desenvolvimento da autonomia.

Minha vivência não deixa dúvidas sobre a importância que essas atividades assumem na história escolar dos alunos. É bem visível que muitas delas serão exatamente as marcas por meio das quais eles poderão recuperar, no futuro, a sua escolaridade, serão suas lembranças mais fortes. Mas, a marca deixada, que significado tem? É uma marca que ajuda a compreender o sentido do percurso escolar? Ela é suficiente para abrir à crítica as formas de produção de conhecimento experimentadas? Ou é mera produção de uma brecha, de um tempo de suspensão, de um contraponto ao trabalho que se faz na rotina? Dito de outra maneira: essas atividades, por concretizarem novas possibilidades da organização curricular calcada nas disciplinas, têm força de integração de saberes, complementando as práticas escolares com experiências que propiciam uma formação crítica? Ou, ao contrário, por produzirem uma alteração de

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ritmo no trabalho disciplinar, são mais uma fragmentação apenas compensatória da experiência escolar, com valor de oásis na aridez dos procedimentos escolares ordinários?

Fragmentação e integração de saberes, fragmentação e integração da experiência – as respostas que procuro têm a ver com as necessidades do gestor pedagógico que pretenda uma prática do currículo melhor orientada para corresponder à formação da autonomia. Nesse sentido, acredito que sempre há escolhas melhores a serem feitas e que, para topar com elas, é necessário aos responsáveis pela implementação prática das propostas curriculares uma postura de pesquisador, se quiserem ultrapassar as limitações invariavelmente presentes nas orientações oficiais e na grande sucessão de recorrências em que pode se transformar o ano letivo. No meu caso, as limitações de que estarei tratando dizem respeito à organização disciplinar do currículo e seus possíveis desdobramentos nas tentativas de integração curricular. Ou seja, mais do que uma hipótese, há a convicção de que mesmo reconhecendo a positividade que enseja a presença de referenciais científicos e acadêmicos na prática educacional, a matriz disciplinar na organização curricular representa enrijecimento formal, dificuldade de diálogo, fragmentação dos objetos de estudo e do mundo, pouco interesse na bagagem cultural que trazem os estudantes e, de maneira geral, pouca preocupação em preparar a crítica ao conhecimento estabelecido.

Outra consideração importante para fazer nesse início de trabalho tem a ver com nosso foco no Ensino Fundamental 2. Acontece nesse curso a “segunda onda” de fragmentação disciplinar na organização da escola, tendo sido a que acontece na passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental 1 a primeira delas. Nesse segmento da educação a identidade do professor se faz de maneira bastante comprometida com a matriz disciplinar por motivos óbvios: é por ela que ele é admitido, se descrevem suas responsabilidades, se circunscreve um território de atuação, se define o grau de autonomia, se experimenta um lugar de poder específico nas relações com os demais colegas e com os alunos e assim por diante. Ao investigar a prática da integração curricular, procurando por significados do seu eventual sucesso ou fracasso, dentro da perspectiva já apontada de crítica à organização disciplinar, observo com atenção o que ocorre com a identidade do professor quando tem início a aventura por terrenos menos conhecidos em que ele perde uma parcela da segurança ostentada

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em seu campo de origem. Isso porque um dos meus interesses principais é o professor, pois é por meio dele – ajudando-o, inspirando-o, motivando-o, mobilizando-o - que o gestor pode fazer chegar aos alunos a sua contribuição como educador.

Meu estudo procura compreender o que os modos de organização do currículo, em seu desdobramento último no espaço escolar, quando se busca a superação da disciplinaridade, podem revelar sobre a escola. O livro Políticas de Integração Curricular, de Alice Casimiro Lopes (2008), apresenta uma valiosa síntese sobre o tema da organização curricular, bem como sobre algumas ideias recentes a respeito da integração curricular e, em alguma medida, guiei-me por ele. Interesso-me pelo processo de recontextualização por hibridismo do discurso curricular, conforme apresentado pela autora. Acredito que embora seja um conceito utilizado para dar conta da relação entre práticas discursivas do campo oficial e do não oficial, ele ajuda a ver nas práticas mais ao rés do chão da escola a composição de fragmentos de discursos de origens diversificadas, cuja identificação esclarece a natureza dos embates, as verdadeiras intencionalidades em jogo, o balanceamento das forças e fornece pistas sobre a efetivação do potencial crítico que se pensa haver na promoção da integração curricular.

Ainda na perspectiva de levantar um pano de fundo teórico de referências para este estudo que é eminentemente sobre a prática escolar, procurei trazer também breves apanhados sobre as modalidades clássicas de integração curricular, usando para isso uma apresentação feita por Jurjo Torres Santomé (1998) em seu livro Globalização e Interdisciplinaridade. É da minha experiência de educador perceber um enorme apreço pela idéia de „interdisciplinaridade‟ no meio educacional. Não pretendo trabalhar com o conceito de interdisciplinaridade por achar que seu uso implica dificuldades diversas que, segundo creio, não preciso enfrentar dado o escopo do meu trabalho. Mesmo assim, sei que é indispensável abordá-lo e por isso levantei um painel de visões que matizam, por assim dizer, as concepções de interdisciplinaridade dos professores, conforme as percebo nos fragmentos de seus discursos, nas suas práticas, nas suas posturas. No caso concreto que apresento e discuto, estou certo de que o professor muitas vezes lança mão do termo interdisciplinaridade para explicar a sua posição frente ao trabalho. Meu tema não é a interdisciplinaridade, mas as dificuldades da integração curricular e o que elas são capazes de nos revelar. A discussão sobre a

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interdisciplinaridade, portanto, importa como um dos acessos ao imaginário do professor.

O presente estudo debruça-se sobre uma situação escolar específica: o estudo do meio. Trata-se de um tipo de atividade com o qual tenho convivido há mais de vinte anos, mantendo sempre a convicção de que tem um grande potencial formativo, contribuindo significativamente para a autonomia e a capacidade crítica dos alunos, bem como a certeza de que ainda há bastante por fazer para ampliar a efetividade desse potencial. No entanto, para guiar minha busca por essa efetividade, termos como autonomia e criticidade soam insuficientes, desgastados, apresentando inclusive alguma polissemia que prefiro evitar. Nesse sentido é que fui à procura de outro conceito mais adequado ao discernimento das possíveis virtudes do estudo do meio: a possibilidade da experiência formativa. É esse conceito, apresentado com a ajuda de Jorge Larrosa Bondía (2002), que mantenho sempre presente ao analisar as diversas questões que foram surgindo em meu percurso narrativo e reflexivo.

Trago então a descrição de um estudo do meio da minha experiência mais recente, para refletir sobre ele, buscando fazer emanar da prática possíveis princípios e generalizações que ajudem o gestor escolar a tomar decisões a respeito das atividades de integração que são propostas durante o ano letivo. Analisei os problemas que a implementação da atividade produz, pois deve ser nos pontos de tensão que as práticas discursivas mostram as disputas que a convivência cotidiana esconde. O interesse nessas disputas explica-se por acreditar que elas indicam o que se quebra, o que há para integrar e o que não é possível integrar. Para isso, contei com os pareceres dos professores e dos alunos na avaliação da atividade. Esses pareceres não apenas ajudaram a revelar os problemas mais relevantes, mas também forneceram pistas sobre o que acontece no âmbito da experiência pessoal formativa dos alunos e, no caso dos professores, sobre as transformações da prática disciplinar e, por conseguinte, na própria identidade das disciplinas.

Por fim, voltei à questão da fragmentação, trazendo alguns aspectos da visão sociológica de Zygmunt Bauman mais pertinentes ao tema deste estudo, em suas descrições da modernidade líquida. Procurei verificar em que medida o trajeto

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reflexivamente percorrido nesta minha narrativa de um estudo do meio ajuda a pensar sobre o papel da escola nos dias de hoje.

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1 – Contextos discursivos

Em seu livro Políticas de Integração Curricular, Alice Casimiro Lopes (2008) afirma que a forma disciplinar de organização do currículo é o que tem prevalecido nas nossas escolas brasileiras, mesmo quando acontecem os movimentos de integração curricular, o que, de fato, não é raro, mas, ao contrário, muito frequente. Ela diz que, por ser o currículo uma construção que se consuma na prática da escola, a disciplinaridade, grande organizadora dessa mesma prática, é que, digamos, dá as cartas. Assim, para investigar as possibilidades de integração curricular, a pesquisadora acha necessário investigar as disciplinas escolares, pois acredita que estas, não obstante orientações, leis, parâmetros, discursos oficiais, enfim, é que submetem a quase totalidade dos esforços de integração. Ou seja, ela assume que somos formados na matriz disciplinar e essa formação, tomada de maneira genérica, social, molda, por assim dizer, quem somos e nossa visão de mundo. Não apenas isso, porquanto, como ela mesma diz:

Particularmente no contexto escolar, pensar em formas de integração implica mudar os territórios formados, a identidade dos atores sociais envolvidos, suas práticas, além de modificar o atendimento às demandas sociais da escolarização – diplomas, concursos, expectativas dos pais, do mundo produtivo, da sociedade como um todo – e as relações de poder próprias da escola (LOPES, 2008, p. 87).

Minha reflexão pretende fazer dialogar com este parágrafo da autora os atores da cena escolar que observo. Penso que minha contribuição poderá ser exatamente a descrição de como esses deslocamentos que ela cita acontecem em um caso concreto e, talvez, concluir que, de observações semelhantes se podem obter dados importantes, seja sobre a escola, ou o ambiente que se observa, em suas dinâmicas próprias, suas potencialidades e seus entraves, bem como sobre a relação entre essa escola, ou o ambiente investigado, e o entorno social maior, representado por demandas e expectativas, nem sempre bem compreendidas de dentro da cena escolar, mas bastante atuantes na construção das subjetividades implicadas na dita cena, sejam elas de alunos, pais ou educadores.

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Evitando ser extenso, pretendo aqui recompor a referência usada por Lopes (2008) em seu livro sobre integração curricular. Digo recompor no sentido de fazer um recorte, já que nem todas as referências utilizadas por ela no seu trabalho são necessárias aos meus objetivos atuais. Assim, gostaria de ter presente, ao longo do meu trabalho, sua concepção teórica de recontextualização por hibridismo, por acreditá-la particularmente útil na descrição do que acontece nas práticas discursivas na educação quando se desdobram as camadas hierárquicas, das instâncias definidoras das grandes linhas políticas nacionais até o nível no qual mais estou interessado do assim chamado chão da escola.

Desde já, ainda uma vez mais, devo advertir que não pretendo usar o ferramental teórico para analisar discursos, mas para reconhecer a natureza de um ambiente discursivo, próprio de escolas particulares, de cujo conjunto faz parte a escola no estudo presente. O esforço é de entender um pouco mais precisamente de que é feito o que costumamos chamar de sincretismo pedagógico que caracteriza as práticas escolares atuais.

1.1 A recontextualização por hibridismo

A recontextualização, conceito desenvolvido por Basil Bernstein, é um processo no qual textos são fragmentados e deslocados de seu contexto original para outros, nos quais são reinterpretados para atender às dinâmicas da nova situação . Na reinterpretação eles podem ter alguns fragmentos mais valorizados, outros retirados e justapostos a novos fragmentos, podem ser acrescidos de novos trechos, há inúmeras possibilidades, mas, o importante é que essas operações se fazem segundo regras que fixam limites da legitimação das operações ocorridas. Para aquele autor, o discurso pedagógico é precisamente um conjunto de regras pelas quais diversos discursos podem legitimar-se em um processo de recontextualização. Ou, melhor ainda, o discurso

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pedagógico é um princípio de recontextualização de outros discursos que serão seletivamente transmitidos e adquiridos (BERNSTEIN, 1998 apud LOPES, 2005, p. 54).

Lopes afirma ainda que,

nesse processo, todo discurso pedagógico é o princípio que regula a incorporação de um discurso instrucional (discurso das destrezas ou discurso especializado das disciplinas) em um discurso regulativo (discurso da moral e da transmissão de valores). A predominância do discurso regulativo é garantida por sua capacidade de introduzir a ordem no discurso instrucional (LOPES, 2005, p. 54).

No desenvolvimento do conceito, Bernstein utiliza a noção de campo de Bourdieu, pois o princípio recontextualizador cria agentes e campos, em uma trama complexa, mas na qual cabe distinguir o campo recontextualizador oficial (dominado pelo Estado), o campo recontextualizador pedagógico (das escolas, universidades, editoras de textos especializados, dos educadores, das pesquisas educacionais), internacional, de produção material, campo recontextualizador nas escolas, e outros mais (LOPES, 2008).

Em outro texto, Lopes (2005) preocupa-se com esclarecer as possibilidades reais de articulação entre os conceitos de recontextualização e de hibridismo, dadas as suas diferentes matrizes teóricas. Assim ela explora e discute um pouco a genealogia desses conceitos, para concluir que não obstante suas filiações serem de fato diversas, eles não são incompatíveis em termos absolutos, e sua articulação pode inclusive ser bastante profícua em uma linha crítica e não conformista de estudos de currículo. Dessa discussão, ainda tratando da recontextualização, interessam-nos duas observações. A primeira diz respeito à negatividade de origem do conceito de recontextualização, por ser a reinterpretação, em geral, admitida como uma corrupção, marcada pela força da ideologia, ou seja, uma negatividade associada à reprodução da qual a recontextualização seria uma modalidade. Não obstante, Lopes considera que o conceito segue sendo importante para as discussões a respeito do currículo, por permitir identificar “as relações entre processos de reprodução, reinterpretação, resistência e mudança, nos mais diferentes níveis” (LOPES, 2005, p. 55). Ou, mais precisamente, por articular discurso com processos materiais na constituição das identidades pedagógicas

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(discursos, agentes e práticas), fornece outra maneira pensar as articulações entre saber e poder.

A segunda observação diz respeito à potência do próprio conceito, que, de acordo com Lopes, deriva de sua capacidade de articular o macro e o micro. O próprio trabalho de pesquisa de Bernstein teria se pautado em um movimento “de baixo para cima” e isso é que estimularia vários autores a investigar políticas educacionais “considerando as articulações e reinterpretações em múltiplos contextos, que vão das influências internacionais às práticas escolares, sem estabelecer hierarquias entre os mesmos” (LOPES, 2005, p. 56).

Por outro lado ainda, se a recontextualização se faz em uma dinâmica de atuação do poder, essas duas últimas considerações colocam-nos frente ao fato de que os campos que se vão criando nos seus processos são como terrenos de disputa, em que tanto se afirmam as práticas comprometidas com a reprodução como também aquelas que mantêm vivas a criatividade e a resistência. O que se mantém, portanto, matizados por diferenças de prevalência em função dos contextos específicos, são as tensões e conflitos entre local e distante, nacional e internacional, oficial e não-oficial, controle e oposição, dominação e resistência.

Talvez para superar os limites de uma análise excessivamente vertical e binária, tenha ocorrido a necessidade do conceito de hibridação. Por ele, se reconhece a dimensão cultural presente nos processos de recontextualização, presença essa que relativiza hierarquias, fazendo aparecer o jogo de identidades e diferenças como esteio das legitimações dos discursos recontextualizados. A hibridação então é o processo em que se tramam textos na intensa circulação da atualidade, com variedade de excertos, fragmentos, interpretações, em que as origens se perdem e os significados se transmutam. Os modos de hibridação incluem as descoleção, com objetos tirados de uma coleção cultural para formar novas coleções, a desterritorialização de objetos simbólicos e a formação de gêneros impuros.

Sobre o que acontece no campo curricular, esclarecem as duas citações a seguir:

Especialmente no campo curricular, eminentemente uma produção cultural, é possível compreender a recontextualização como desenvolvida por mecanismos de hibridização. Tal processo propicia relativizar algumas

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conclusões de Bernstein, como a separação tão nítida entre campo oficial e não-oficial, bem como a verticalidade associada à recontextualização.

[...]

A própria noção de currículo pode ser considerada um híbrido, na medida em que envolve uma tradução e uma produção cultural para fins de ensino em um ambiente particular. A hibridização pressupõe, dessa forma, não apenas a mistura difusa de discursos, mas sua tradução e mesmo recontextualização (LOPES, 2008, p. 31).

A autora defende que é importante procurar entender como se dão, no nível das políticas curriculares, as ressignificações, as traduções, as justaposições dos diversos discursos, desterritorializados, descolecionados, deslocados de seus contextos originais, como forma de aceder aos novos significados que por tais mecanismos se instituem. Acrescenta que não quer, com isso, subtrair da cena da recontextualização o poder, substituindo-o pelo que poderia ser uma inerme celebração do hibridismo, mas reconhecer a maior complexidade das interações discursivas e, sobretudo, “o indeterminismo, a fluidez e o caráter oblíquo do poder nos processos de ressignificação” (LOPES, 2008, p. 32).

Esse indeterminismo e essa fluidez, do modo como vejo em meu ambiente de escola particular, toma forma de uma certa permissividade quanto aos aportes teóricos assumidos pela escola ao renovar suas práticas e compor seus documentos oficiais, mas não apenas isso. Também nas discussões cotidianas, sejam elas deliberativas ou reflexivas, pode-se perceber a ocorrência de princípios, ideias, noções sem parentesco ou mesmo incompatíveis, como se o que devesse prevalecer, e de fato prevalece na maioria dos casos, fosse o direito de ficar com o melhor – às vezes, apenas o mais conveniente – de cada proposta pedagógica. É dessa maneira que a escola particular, certamente mais do que as políticas públicas de educação, absorve os modismos e, ao mesmo tempo, fá-los conviver com a necessidade de preservação de discursos e práticas anteriores. O resultado pode ser uma justaposição de programas, projetos e atividades com filiações divergentes, o que torna a prática escolar muito difícil de ser analisada como expressão metodológica consistente.

Também é importante assinalar que essa prática, assim sincrética, é formadora de profissionais, de modo que a própria prática individual do professor em sua sala de aula também se dá sob a regência de um discurso composto, híbrido, cujos elementos

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componentes estão já amalgamados, ou ao menos acomodados, pelo esforço natural do professor em constituir sua identidade profissional. Distinguir e identificar esses elementos não é tarefa fácil e, certamente, não faz parte do meu interesse atual. Por ora, quero apenas reconhecer essa dinâmica geral, reconhecê-la como constitutiva da cena escolar, bem como das identidades que a compõem.

1.2 A Integração Curricular hoje

O que pretendo nesta seção é retomar agora o caminho de Lopes (2008), conforme venho fazendo, com o fim de completar então essa primeira parte de referências sobre a integração curricular. O trabalho dela toma a articulação de dois discursos constitutivos das políticas de currículo na atualidade, a saber, a centralidade do foco na organização curricular e a centralidade do discurso de integração curricular como um discurso pedagógico híbrido. Ainda que não faça um percurso estritamente paralelo ao seu, seguirei refletindo com ela sobre esses temas, uma vez que pode ser um caminho instrutivo para levar e aplicar às camadas mais inferiores das políticas curriculares o que tenho aprendido sobre a recontextualização por hibridismo. Também devo advertir que não pretendo analisar discursos com o uso de tais noções, mas utilizá-las para compreender de que é feito o contexto discursivo no qual assenta a prática da escola, uma vez que estou convencido de que a descrição que ela faz certamente se aplica ao caso da escola em estudo nesta dissertação.

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1.2.1 Disciplinas e organização disciplinar

Em primeiro lugar, é preciso distinguir disciplina científica e disciplina escolar, evitando transpor de um contexto ao outro os mecanismos de criação, manutenção e desenvolvimento. Ainda que, evidentemente, haja relações entre elas, analisar seja a fragmentação, seja a integração, em um caso não é suficiente para entender o que se passa com o outro.

Os estudos de Ivor Goodson (2007, 2010) dão conta de apresentar as disciplinas escolares como constructos sociais circunstanciados pelas finalidades próprias da educação, grosso modo, o controle dos discursos e práticas instrucionais. Lopes (2008) acrescenta que, não obstante suas origens e motivações sejam portanto diversas, pode haver uma espécie de mediação entre as disciplinas científicas e as disciplinas escolares, papel desempenhado pelas disciplinas acadêmicas. Estas podem ser tanto o caminho pelo qual uma disciplina científica se escolariza, como podem aparecer apenas posteriormente à criação da disciplina escolar, como modelo e tendência no processo de sua institucionalização, fornecendo então o padrão de referência, a base de legitimação, em uma óbvia lógica excludente .

Pensar as disciplinas, para simplificar o argumento, impõe considerar os atores sociais que ocupam seus diferentes contextos científico, acadêmico ou escolar e seus específicos jogos de poder, as específicas formas de controle a que estão sujeitos, os meios e recursos disponíveis em cada caso, as demandas sociais a que supostamente devem atender e, além disso, toda uma prática de trocas individuais típicas dos ambientes e dos fazeres de trabalho enormemente diferentes em cada situação. Dito de outra maneira, transportar análises das mudanças que ocorrem no campo científico para o escolar, fundamentando-se na suposta identidade entre disciplina escolar e disciplina científica, ou mesmo acreditando dar-se a regulação da primeira pela lógica da segunda, é passar ao largo dessas considerações, o que não ajuda a compreender como atuam as instâncias de poder na escola no estabelecimento, manutenção e alterações do currículo (LOPES, 2008).

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Quando disciplinas científicas se associam, fazem-no em função de algum problema concreto para cujo enfrentamento a colaboração é necessária; integram-se para superar algo que a fragmentação original não conhecia. Dependendo do problema, pode ser ocasião de uma abertura para aportes de saberes diversos e estabelecimento de práticas democráticas, de emancipação e - por que não? – de oxigenação, por assim dizer, dos saberes representados pela ciência e academia. Não raro, contudo, ocorre o surgimento de uma nova disciplina, na forma de um novo campo de especialização, com cânones específicos, cursos de formação, ou seja, mais fragmentação.

Quando disciplinas escolares se associam, os motivos podem ser diversos, mas, em geral, consideram a integração da experiência vivida pelo aluno; a aprendizagem é o problema central dos que procuram promover a integração. É frequentemente ocasião de uma aventura para o professor, que envereda por caminhos não tão bem conhecidos, e, portanto, também de aportes de novos saberes e – por que não? – de formação de pensamento crítico no aluno, capaz de ampliar o olhar instruído pela disciplina, indo além desta e, quiçá, renovando a curiosidade pelos objetos do mundo. Não obstante, também aqui pode ser produzida mais fragmentação, por exemplo, pelo excesso de tarefas demandadas pelas disciplinas ciosas apenas de suas obrigações programáticas individuais, fazendo perder o sentido do movimento inicial de integração.

Se for possível ver semelhanças nesses dois processos será apenas em um tratamento muito superficial das questões, pois, o que fica evidente é a grande distância entre os contextos em que eles ocorrem, assim como entre o conjunto de considerações necessárias à análise de cada caso. Para reconhecermos adequadamente, então, a relação de parentesco entre as disciplinas científicas e as disciplinas escolares é necessário, igualmente, identificar a transposição de discursos e práticas, do campo das primeiras para o das segundas, como um processo de recontextualização, justamente por deslocar uma prática discursiva de seu contexto original para outro, onde os atores representam interesses e sofrem influências muito diferentes das anteriores, em um distinto jogo de poder, onde só pode mesmo ser produzida uma outra prática discursiva.

De fato, parece, então, que a “transposição das dinâmicas da ciência para a escola só atua efetivamente como forma de legitimação da proposta que se deseja implantar” (LOPES, 2008, p. 46). Trata-se aqui, afinal, de colocar de lado as ilações

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como, por exemplo, a de que as demandas por integração no campo escolar decorrem natural ou logicamente da necessidade de integração percebida no campo da ciência.

As propostas curriculares integradas se desenvolvem no contexto escolar tendo por base as disciplinas escolares e recontextualizando disciplinas e saberes científicos. Mais produtiva, assim, se torna a análise da história do pensamento sobre organização curricular, como forma de entender as diversas modalidades dessa organização, na medida em que os processos de recontextualização se desenvolvem pelo hibridismo de diferentes discursos (LOPES, 2008, p. 61).

Assim, se nos interessam as dinâmicas que regem a organização curricular, para investigar suas possibilidades, vemos que é necessário compreender a especificidade das disciplinas escolares, procurar saber o que são, não apenas em suas raízes, ou sua gênese, ou ainda na sua tendência em buscar apoio e referência nas disciplinas acadêmicas e científicas. É preciso ir além desse ponto, assumindo-as como discursos recontextualizados, e perguntar como constroem suas identidades no cotidiano da escola, concomitantemente ao exercício do papel de representar a ordem e a estabilidade do currículo, a legitimação dos conhecimentos escolares e o controle pretendido pelas instâncias de poder. Essa consideração é tanto mais importante uma vez que, com relação à organização curricular, o que vemos prevalecer nas práticas implicadas em algum tipo de integração curricular é a matriz disciplinar.

As justificativas para a integração curricular, por sua vez, fazem perceber a presença de discursos oriundos de três modalidades básicas de organização curricular, a saber, a organização curricular por competências, a organização curricular com base nas disciplinas de referência (científicas ou acadêmicas) e a organização curricular com base nas matérias ou disciplinas escolares. Dependendo de para onde se dirige nosso olhar, se para a educação infantil, se para o ensino fundamental, se para o ensino médio, podemos observar preferências, digamos assim, por alguma dessas modalidades de organização curricular no jargão textual das orientações curriculares oficiais de onde frequentemente partem as justificativas para a integração curricular. O que chega ao “chão da escola”, portanto, como discurso orientador, não é outra coisa que um híbrido produzido pelas agências oficiais responsáveis pela elaboração de parâmetros curriculares e que será novamente recontextualizado – reinterpretado, manipulado e ressignificado – agora pelas comunidades disciplinares que compõem a cena escolar.

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Vale a pena, portanto, ainda que brevemente, retomar as premissas daquelas modalidades de organização curricular para esclarecer em linhas gerais o papel das disciplinas em cada caso.

No currículo por competências, cuja origem remonta à busca por atender à necessidade social de produtividade no interior da escola e que deu ocasião às primeiras formulações de estudos sobre currículo por volta dos anos 1920 do século passado, o papel da disciplina é secundário e subordina-se aos objetivos de formar as chamadas competências. Nas formulações iniciais, devidas a autores como Franklin Bobbit, Werret Charters e depois Ralph Tyler, a aquisição da linguagem e dos conceitos das disciplinas não era tão relevante como a compreensão de que passos se deveriam seguir na instrução para se atingir objetivos comportamentais pré-estabelecidos. O modelo, em seu nascimento, é francamente comportamentalista e associado à ascensão hegemônica do Mercado impondo seu padrão sobre as práticas das instituições sociais. Procura apoiar-se em um suposto cientificismo para planejar e controlar o processo pedagógico, de modo que o comportamento final do aluno esteja garantido por procedimentos adequados, bem planejados e bem conduzidos pelos professores. Mesmo quando, mais recentemente, por volta dos anos 1990 e 2000, experimentamos uma nova onda de ensino por competência*, em que aparentemente se procurou acrescentar dimensões mais humanistas ao modelo, propondo competências mais complexas e superiores em lugar dos antigos objetivos comportamentais, o objetivo final retomou a produtividade como forma supostamente desejável e suficiente de inserção social. Além disso, quando se formula uma competência que “expressa uma meta social mais complexa, capaz de articular saberes, valores, disposições sociais e individuais, sua complexidade é dissolvida ao ser traduzida em um conjunto de habilidades passíveis de serem avaliadas de forma isolada” (LOPES, 2008, p. 67).

Há no ensino por competências um princípio integrador, sem dúvida; não acontece aqui a prevalência da matriz disciplinar. Ele não apenas integra as disciplinas, mais que isso, ele as submete, em uma tarefa de construção coletiva de „mais alto valor‟, a formação de um saber mais nobre do aluno, não contingenciado ao campo da

*

Entre nós, essa onda veio insuflada pela grande penetração dos escritos do sociólogo suíço Philippe Perrenoud (1999, 2000).

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disciplina, um saber que a transcende. No entanto, também não se pode escapar ao fato de que seu enfoque instrumental de ensino e seu conjunto de objetivos bastante comprometidos com atender à demanda social por quadros de trabalho não se identificam com o potencial crítico que pensamos ser o principal motivador da busca pela integração.

No caso do currículo com base nas disciplinas de referência, o entendimento é de que cada disciplina tem uma estrutura própria e cabe à educação propiciar aos estudantes a compreensão dessa estrutura, ou seja, seus objetos de estudo, sua linguagem, sua maneira de pensar, seus materiais. Um representante dessa vertente é Jerome Bruner. Para ele, o currículo tem os “especialistas como base, cooperando com os professores na construção do currículo escolar” (LOPES, 2008, p. 70). Essa seria aqui uma condição absolutamente necessária, pois se espera do estudante, se não o domínio de especialista, uma apreensão suficiente para transpor para as situações reais as formas pelo menos plausíveis das soluções ou interpretações dadas pelo especialista. A correlação entre as disciplinas deve servir à solução de problemas concretos e, na escola, ao objetivo precípuo de ajudar o aluno a compreender como funciona a disciplina.

Para alguns pensadores dessa forma de organização curricular, pode haver sim correlação e integração das disciplinas ou dos conhecimentos disciplinares, o que chamariam de interdisciplinaridade, mas veem dificuldades lógicas nessa integração e, de qualquer modo, creem ser fundamental não deixar perder a profundidade disciplinar. Para todos eles, contudo, é “do saber especializado acumulado pela humanidade que devem ser extraídos os conceitos e princípios a serem ensinados aos alunos” (LOPES, 2008, p. 72). Por outro lado, há em todos eles igualmente a preocupação com a integração, seja pela correlação como princípio pedagógico, seja pela correlação em função dos problemas ajudando a desvelar a estrutura das disciplinas, seja ainda pela combinação de correlação e integração, a interdisciplinaridade. Essa última noção, de certa maneira, poderia resumir esse conjunto de modos de integração, pois seu pressuposto é a disciplinaridade. Lopes argumenta que essa condição da interdisciplinaridade, isto é, sua submissão ao campo científico na escolha de problemas e temas “não contribui significativamente para uma perspectiva crítica da educação,

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porque o conhecimento desse campo não é problematizado à luz de suas finalidades educacionais” (LOPES, 2008, p. 73).

No caso do currículo centrado nas disciplinas ou matérias escolares, a primeira distinção a fazer diz exatamente respeito às disciplinas, entendendo-se que não há identidade entre as disciplinas científicas ou acadêmicas e as disciplinas escolares. Estas surgem para fins de pedagogia, suas práticas têm a ver com o ensino e com os objetivos da educação, ficando bem distantes do compromisso com desenvolver o conhecimento especializado. A escolha dessas disciplinas, ou dos objetos de estudo, para compor o currículo deve atender a finalidades sociais e, para a maioria dos pensadores dessa modalidade de currículo, vale a premissa geral, devida a John Dewey, de que a sociedade precisa de cidadãos formados na e para a democracia. Isso deve fazer da escola um ambiente de comunidade, em que os alunos são estimulados a empenhar-se para ajudar a resolver os problemas reais da sociedade e são estes, então, que devem aparecer nos temas a serem abordados nos estudos. Para tanto, o esforço dos pedagogos aplica-se a entender o funcionamento da criança e do jovem para deles conseguir o envolvimento. As próprias disciplinas escolares, inclusive, são entendidas como construções implicadas em traduzir os fatos do mundo para a compreensão dos estudantes. Há, portanto um duplo enfoque nas matérias escolares: “o aspecto lógico – que se refere à matéria de estudo tal como ela se desenvolve no momento – e o aspecto psicológico – que se refere à matéria da experiência em relação à criança. A organização lógica não é antagônica à psicológica, mas a primeira deve servir à segunda” (DEWEY, 1952, apud LOPES, 2008, 75).

Nessa visão de currículo, a integração disciplinar deve igualmente mobilizar a experiência e os interesses do estudante e abordar temas de interesse real, capazes e contribuir para a formação consistente, do ponto de vista do conhecimento, mas sobretudo do espírito crítico e democrático. O método de projetos, devido a William Kilpatrick, assume em grande medida essas premissas*, embora tenha se apoiado também em elementos de uma psicologia pré-comportamentalista, o que fez ressaltar o caráter instrumental do método. Não obstante, ele foi grandemente aceito na época em que surgiu (1918) e, juntamente com outros modelos de integração inspirados em

*

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premissas semelhantes, impôs-se como prática e como referência, de tal forma que hoje podemos considerar essa modalidade de organização disciplinar a mais presente nas propostas de integração disciplinar. Quer isso dizer que, além de ser geralmente aceito como princípio a distinção entre disciplinas escolares e disciplinas científicas, o princípio integrador é quase sempre a mobilização da experiência e dos interesse dos alunos. Considerando por fim que essa modalidade de organização disciplinar foi aquela que melhor se alinhou às perspectivas críticas do pensamento sobre currículo, Lopes conclui:

Essa matriz de organização curricular acaba por se constituir como dominante nas discussões sobre integração curricular. Freqüentemente, é desconsiderada a possibilidade de que a integração possa ser pensada a partir de princípios integradores diversos daqueles situados nas experiências e interesses dos alunos. Em virtude dessa tradição, o discurso sobre currículo integrado tende a assumir, na história do currículo, uma conotação eminentemente progressivista, a qual, nas teorias curriculares atuais, vem sendo recuperada e exacerbada pela associação com o discurso da perspectiva crítica (LOPES, 2008, p. 77).

É também por conta dessa dominância de uma matriz organizada em torno de um construto tão específico com são as disciplinas escolares que, então, se pode facilmente concordar com a autora quando insiste na necessidade de se debruçar sobre as dinâmicas das comunidades disciplinares e das instituições na investigação da organização curricular tal como se dá na prática. Acredito que vale a pena reproduzi-la aqui, quando cita outros autores em cujos trabalhos apoia sua convicção.

Em sua investigação, Ball e Bowe (1992) concluem que a força da história do currículo disciplinar é tão maior que parece se aproveitar das definições políticas pretendidas mais do que ser enfraquecida por elas. Essas definições se articulam com teorias já estabelecidas e sua interpretação torna-se dependente de paradigmas e culturas disciplinares, bem como de relações interpessoais. As histórias de vida, habilidades e especializações das lideranças disciplinares também geram formas diversas de apropriação das definições curriculares oficiais. Nas palavras dos autores, os textos se tornam mais ou menos abertos a outras interpretações em função das comunidades disciplinares que os lêem. Essas diferenças são articuladas com a diversidade institucional. Nas instituições, há diferentes capacidades - experiências e habilidades dos membros das disciplinas em responder a mudanças -, diferentes contingências que podem favorecer ou inibir mudanças, diferentes histórias e diferentes

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histórias de inovação. [...] Os autores defendem, então, que o currículo nacional não é apenas implementado e reproduzido nas escolas, mas sim reconstruído e produzido (LOPES, 2008, p. 85).

Ela cita ainda outros estudos para colocar a importância da disciplina de origem na formação da identidade do professor, mas não apenas, pois a própria organização institucional da escola acaba por reforçar essa influência na atuação dos professores, em particular, nas suas tarefas de reinterpretação das definições curriculares. Considerando, então, a particularidade da situação em que se produzem as políticas de currículo nas práticas dentro da escola, eis sua conclusão:

...as disciplinas escolares não são apenas divisões do conhecimento ou expressões das divisões de conhecimento da ciência. As disciplinas são organizações de conhecimento capazes de criar vínculos entre atores sociais, mobilizar recursos materiais e simbólicos, envolver relações de poder e delimitar territórios de atuação que atendem a demandas sociais específicas (Goodson, 1983, 1997). São construções sócio-históricas específicas da escola para a escola. (LOPES, 2008, p. 86)

1.3 Modalidades Clássicas de Integração Curricular

Nesta seção, em que inicio um movimento de trazer referências gradativamente mais próximas da prática pedagógica, procedo a uma breve descrição de duas modalidades clássicas de integração curricular: os Centros de Interesse e o Método de Projetos e para isso utilizo a apresentação feita por Torres Santomé (1998). O interesse é verificar o quanto daquelas práticas bem como das ideias que as sustentavam no início do século passado continuam presentes, ainda que recontextualizadas e hibridizadas.

Além de terem surgido praticamente ao mesmo tempo, as duas formas clássicas de integração curricular de que trato aqui têm em comum o débito ao pensamento de John Dewey e a crítica à escola livresca em que os conhecimentos estão compartimentados nas disciplinas e são transmitidos aos alunos que os recebem passivamente como algo que lhes deverá ser útil no futuro.

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De Dewey essas concepções de currículo assumirão o princípio que coloca a criança no centro do processo pedagógico e preocupa-se em reconhecer suas características, seus interesses, suas necessidades, seja porque é esse um direito da criança, ser reconhecida e respeitada, seja porque assim se cumpre com maior eficiência o projeto de educá-la, transmitindo-lhe o legado da civilização e preparando-a para assumir seu lugar de cidadã ou cidadão na sociedade.

Como crítica à escola do início do século passado, essas concepções pensam uma escola que se dê o mais possível em contato com a vida real. Embora haja diferenças, ambas pretendem se opor à artificialidade dos objetos de estudo escolhidos pelas disciplinas, em sua característica apropriação fragmentada do mundo, promovendo a integração de conhecimentos para dar conta da realidade. Nessa questão, ambas assumem também, a máxima de Dewey, segundo a qual “a educação é um processo de vida e não uma preparação para a vida ulterior” (DEWEY, 1967, apud TORRES SANTOMÈ, 1998, p. 195).

1.3.1 Centros de interesse

Este método, devido ao pedagogo belga Ovide Decroly (1871-1932), funda-se em que é necessário mobilizar os interesses das crianças para educá-las de maneira significativa. Na verdade, há o pressuposto de que esses interesses são naturais e universais, pois respondem a necessidades básicas do ser humano quando no início de sua vida: alimentar-se, lutar contra a intempérie, defender-se dos inimigos diversos, de lazer e de agir e trabalhar em conjunto, de solidariedade (TORRES SANTOMÉ, 1998).

Ao professor cabe, portanto, organizar atividades que possam mobilizar os interesses infantis, mas não apenas, pois devem ser atividades que tenham valor educativo, no sentido de fazer a criança progredir quanto ao conhecimento de si mesma, do mundo natural e da sociedade. Para tanto, o professor deve ser um observador atento, que acrescenta aos seus planos pedagógicos as conclusões do que observa no modo

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como seus alunos se portam frente ao material que ele preparou. Marca a pedagogia de Decroly o profundo amor às crianças e a crença em sua capacidade de aprender. Mobilizar esta última é, por isso, a ocupação prioritária do professor e da escola. Assim, por exemplo, os jogos têm alto valor educativo para Decroly e é bom que sejam utilizados na escola, mas, devem-se considerar duas observações importantes: a) é preciso conhecer o que cada jogo aporta de útil à formação, sejam conhecimentos, habilidades ou valores, quer dizer, não se trata de agir de modo espontaneísta, não se trata de reduzir-se aos interesses da criança, mas de conhecer tecnicamente as possibilidades educativas de cada jogo e, b) a situação do jogo não equivale à vida real, de onde se deduz que não se deve dar a ele lugar central nas atividades escolares, ele será sempre, ainda que valioso e inevitável, um auxiliar do método geral. Decroly reconhece que a criança brinca o tempo todo em tudo que faz e acredita que uma educação minimamente respeitosa com esse dado se fará de modo não monótono, não tedioso nem doloroso, ao contrário, em ambiente de calma e alegria.

O método consiste em criar centros de interesses que possam atingir as crianças e, uma vez envolvidas nesses interesses, aproveitar para fazê-las aprender por meio de seu esforço natural de adaptar-se ao meio físico e social, de atender às suas próprias necessidades. Trata-se, pois, de uma educação que visa ensinar o “aprender a aprender”. Os centros de interesse são encontrados expandindo-se o ambiente da escola para fora de seus muros, para que possa conter mais do mundo, em particular, do mundo natural. É possível criá-los em diálogo com as necessidades características das faixas etárias, montando, assim, programas flexíveis para que se possa “estar atentos e tratar educativamente qualquer interesse ocasional que suscitar a atenção de meninos e meninas para, depois de esgotá-lo, retornar à programação já prevista de uma maneira flexível” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p. 197).

O método considera ainda que a aprendizagem se dá do geral para o particular, do global para o pormenor, ou seja, primeiro a criança apreende o todo e só depois pode perceber partes, detalhes, subprocessos. Se considerarmos que Decroly aceitava que a infância reproduz filogeneticamente os estágios iniciais da civilização*, esse aspecto do

*

A esse respeito, Torres Santomé (1998, p. 195) atribui a Decroly a seguinte citação: “não é totalmente contrário à verdade dizer que a infância, a grandes rasgos, recapitula a evolução filogenética”.

(36)

seu método, respondendo ao “como a criança aprende‟, entende o processo do conhecimento como uma evolução da unidade original à fragmentação**. Por isso, o ensino deveria livrar-se da divisão disciplinar, já que ela é incapaz, em toda ordem, de corresponder às necessidades das crianças, bem como de mobilizar-lhes o interesse.

O plano de ensino compreende três etapas muito claramente. A primeira é a da

observação, em que as crianças são colocadas em contato com objetos que tocam seus

interesses (seres vivos, fatos, acontecimentos). Esse contato deve ser o mais concreto possível, evitando-se imagens, vocabulário ou outras substituições possíveis, pois não se espera que essa observação seja passiva, mas que tenha características de interação. É por ela que os primeiros conhecimentos serão desenvolvidos, bem como algumas habilidades iniciais, uma expressão descritiva mais precisa e assim por diante. Para dar conta dessa etapa é que se aconselha que os alunos sejam levados aos ambientes diversos da escola, como o campo, o mercado, o museu etc. Por outro lado, reafirmando a importância de uma observação não passiva, mas ativa, interativa, o que se compreende aqui é que a “ação dos estudantes, como motor de desenvolvimento, adquire um papel primordial nesse modelo pedagógico” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p. 198).

A segunda etapa é da associação. É aqui que o material existente para registrar conhecimentos, bem como dados em geral, é mobilizado: os mapas, os gráficos, os documentos, as teorias e também as aplicações tecnológicas.

Por último, a etapa da expressão, em que as crianças devem ser capazes de comunicar suas aprendizagens. O método devido a Decroly traz uma visão bem aberta do que seja expressão e comunicação, estimulando toda a gama de possibilidades: expressão oral, escrita, desenhos, música, dança, pintura, sejam elas concretas (modelagens, construções) ou abstratas (linguagem, leitura, canto) (TORRES SANTOMÉ, 1998, p. 199).

Por seu método, Decroly pretende que o ensino seja atividade ao mesmo tempo criativa e investigativa, para alunos e professores, que seja inserida na vida concreta dos

**

Não deixa de ser interessante pensar que se espera, então, do professor, por ele ter que planejar as atividades pedagógicas de forma a corresponder à necessidade de apreensão globalizada por parte da criança, que ele seja capaz, em alguma medida, de reconstituir a unidade original do conhecimento.

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