• Nenhum resultado encontrado

Enfrentamento, conciliação e resistência na CUT e na Força Sindical: como as centrais enfrentam a terceirização 1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Enfrentamento, conciliação e resistência na CUT e na Força Sindical: como as centrais enfrentam a terceirização 1"

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

Enfrentamento, conciliação e resistência na CUT e na Força Sindical: como as centrais enfrentam a terceirização1

Paula Regina Pereira Marcelino

Resumo: O objetivo do trabalho que propomos é fazer uma reflexão sobre como CUT e Força Sindical enfrentam o debate e os desafios impostos pelos processos de terceirização e seus conhecidos efeitos em termos de precarização das condições de trabalho. Embora tendo histórias bastante diferenciadas, existe uma aproximação bastante nítida entre as duas centrais quanto à análise e às estratégias de luta contra a terceirização: para ambas a luta possível e desejável é pela regulação desse mecanismo de gestão da força de trabalho, não pela sua extinção.

Palavras-chave: terceirização; CUT; Força Sindical; precarização do trabalho.

Abstract: The objective of the proposed work is a reflexion about how CUT and Força Sindical face the discussions and challenges imposed by the outsourcing and its know effects in terms of deteriorating working conditions. In despite of having very different histories among the two centrals, there is a clear approchement about analysis and strategies to combat outsourcing: the possible and desirable fighting for both is the mechanism for regulating the management of the workforce, not by their extinction.

Key words: outsourcing; CUT; Força Sindical; causalization of the work. A CUT

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) nasceu em 1983, numa conjuntura política de abertura democrática após uma ditadura militar que completava quase vinte anos. O nascimento dessa central está diretamente associado às grandes greves operárias que ocorreram a partir de maio de 1978; greves essas que marcam o início de uma nova etapa para o sindicalismo brasileiro.

Segundo Antunes (1995), a CUT lutava, por um lado, contra o arrocho salarial – a superexploração do trabalho – contra a política econômica do regime militar e da Nova República; e por outro, lutava pelo desatrelamento, contra as ingerências do Estado nos sindicatos e pela democratização da estrutura sindical. Boito Jr. (1991) coloca em debate a verdadeira intenção da CUT de alterar a estrutura sindical varguista. Entretanto, o caráter de classe da CUT, sua política de enfrentamento com a burguesia são elementos unânimes entre esses e diversos outros autores.

Segundo Jácome Rodrigues (1997), a CUT passou por uma mudança de caráter ideológico fundamental ao longo de sua história. Para o autor, a CUT abandonou uma

1

Esse texto é parte da pesquisa de doutorado defendida em março de 2008 sob o título: “Terceirização e Ação sindical: a singularidade da reestruturação do capital no Brasil”. IFCH/Unicamp.

Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp, pesquisadora do Cemarx e pós-doutoranda pela UFBA. End. eletrônico: paula280874@yahoo.com.br

(2)

postura de enfrentamento e passou a buscar a negociação pactuada com o empresariado e o Estado. Uma expressão importante dessa mudança seria, por exemplo, a participação nas câmaras setoriais e a busca por um pacto social amplo que garantisse o aumento da produtividade e da lucratividade industrial. Tanto Jácome Rodrigues (1997, p. 235) quanto Ramalho (1994, p. 169) e Rodrigues (1990, p. 89) apontam que as mudanças ocorridas na CUT, no sentido de tornar-se um sindicalismo de negociação, de abandonar um ethos socialista, significam um processo de amadurecimento da central ao longo da sua existência.

O que os autores acima identificam como mudanças positivas do sindicalismo brasileiro, Boito Jr. (1991a e 1999) e Antunes (1992, 1995 e 1999) questionam se realmente é forma efetiva de intervenção e articulação da luta dos trabalhadores. Para Antunes (1995, p. 152), existe um movimento de acomodação dentro da ordem, que se reflete numa prática sindical cada vez menos anticapitalista e mais social-democrata, isto é “[...] uma postura cada vez menos respaldada numa política de classe. E cada vez mais numa política para o conjunto do país, o ‘país integrado do capital e do trabalh ” (grifos do autor).

As explicações para a guinada de orientação política da CUT são várias. Tal como para Boito Jr. (1999), nos parece uma condição fundamental dessa explicação o impacto das políticas neoliberais no país. Acrescentamos a isso a dificuldade da organização sindical num contexto de reestruturação produtiva em que, ao medo do desemprego, soma-se o apelo ideológico das empresas para a participação, para os benefícios individuais do envolvimento. Dessa forma, embora as conquistas da CUT da década de 1980 tenham sido uma barreira para a implementação do neoliberalismo naquela década – às quais podemos acrescentar as características específicas da industrialização e da economia brasileiras do período – o sindicalismo cutista passa a década de 1990 tendo que enfrentar uma queda no crescimento econômico que debilitou a luta dos trabalhadores e enrijeceu os capitalistas.

O nascimento da Força Sindical em março de 1991 também exerceu, uma influência sobre os rumos da CUT. A Força Sindical ambiciona ser “[...] a central desse final de século pós-socialista, capaz de defender o interesse dos trabalhadores aqui e agora, sem relacionar as reivindicações imediatas à luta pelo socialismo [...]” (RODRIGUES; CARDOSO, 1993, p. 21). Mesmo com uma inserção sindical menor que a da CUT, a Força Sindical é um elemento importante do cenário político nacional. O apoio e o diálogo constante com os governos neoliberais são indícios do papel de

(3)

destaque que esse sindicalismo desempenha na consolidação do processo de reestruturação produtiva e do projeto neoliberal.

Como podemos observar, as mudanças no campo sindical não aconteceram devido apenas às mudanças de caráter econômico. Houve também uma alteração de orientação política das direções sindicais, o que por sua vez, alimentou o processo de redução da capacidade de resistência sindical frente ao neoliberalismo (BOITO JR., 1999) e às investidas da reestruturação produtiva. Além do surgimento da Força Sindical, houve também a adoção pela corrente majoritária dentro da CUT, a Articulação Sindical, de um tipo de ação denominada “propositiva”. A CUT que, durante a década de 1980, tinha implementado uma política de enfrentamento contra medidas monopolistas, pró-imperialistas e pró-latifundiárias do Estado brasileiro e lutado pela democracia, mudou suas estratégias de organização dos trabalhadores e deixou para segundo plano a luta por questões mais amplas dessa classe. Deixando de questionar o modelo de desenvolvimento econômico do país, a CUT também abandonou a postura de oposição clara e sistemática ao neoliberalismo (BOITO JR., 1999). Um dos resultados disso é que a prática sindical de enfrentamento encontra-se isolada em algumas direções sindicais, onde correntes de esquerda da CUT possuem maioria.

Entre o discurso e a prática cutista existe uma distância considerável. Os documentos da CUT são elaborados em congressos e plenárias onde há disputas de tese. Esses documentos chegam, muitas vezes, a formulações contraditórias ou bem mais à esquerda do que de fato é o comportamento da central. Reflexo disso é o fato de que a CUT é, ainda hoje, a maior central sindical brasileira; mas sua base está cindida de várias formas diferentes.

Em 1993 o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1993, p. 13) dizia que lutar contra a terceirização era socialmente visto como atacar a redução de custos, a produtividade, a competitividade e a dita desburocratização por ela promovida. Ou seja, era como atacar o bom senso das pessoas. A luta contra a terceirização soava como uma briga corporativa dos sindicatos. Durante toda a década de 1990, o sindicalismo tratou a terceirização como algo estabelecido, contra o qual se podia fazer alguma oposição, mas como um processo que não tinha grandes chances de se reverter devido aos ganhos em termos de produtividade e lucratividade que representa para as empresas. Apenas alguns nichos de sindicalismo de esquerda a combatiam abertamente por seus efeitos de precarização das condições de trabalho. Mas, mesmo nesses sindicatos, o discurso varia entre aquele majoritário dentro da CUT – o de que não se é contra a terceirização em si

(4)

se ela garantir aos terceirizados os mesmos direitos assegurados aos trabalhadores das categorias preponderantes – e sua recusa definitiva.

Podemos dizer que, de maneira geral, as diretrizes da ação sindical eram dadas pela corrente majoritária da CUT, a Articulação Sindical. O documento “Os Trabalhadores e a Terceirização” (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Rumo à Unificação, 1993: 9), explicita qual é a posição do sindicalismo propositivo diante do fenômeno:

Esse documento contendo o nosso diagnóstico e propostas frente à terceirização é prova, uma vez mais, do esforço que tem feito esse sindicato visando consolidar um sindicalismo de resistência ao mesmo tempo que propositivo. De resistência, porque buscamos permanentemente colocar barreiras contra as agressões realizadas contra os trabalhadores por este selvagem capitalismo brasileiro. E propositivo, porque procuramos, sem abrir mão dos nossos princípios, formular propostas concretas de intervenção na política industrial e na política sócio-econômica em geral do país.

Mesmo aceitando negociar com os patrões as condições de uma terceirização,2 a princípio, mesmo o sindicalismo propositivo se posicionava contra. Isso porque, segundo o citado documento, a terceirização implicaria em uma armadilha para os trabalhadores e para os sindicatos; principalmente em um momento de grave crise econômica. A terceirização não significaria a simples transferência de postos de trabalho, mas aumentaria o desemprego. Também porque, para os empresários, ela representaria uma conquista no sentido de ampliar o controle sobre a produção e sobre o trabalho.

Podemos afirmar que o diagnóstico sobre o fenômeno não era o que diferenciava o sindicalismo de caráter propositivo daquele de enfrentamento no decorrer da década de 1990 e início de 2000. O que mudava de um para o outro era que o primeiro negociava o processo, inclusive a contratação da terceira – o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC é um exemplo disso. Esse comportamento revelava, inclusive, um descompasso com as deliberações da própria central em seus fóruns coletivos. Na 8a Plenária Nacional, ocorrida em agosto de 1996 deliberou-se, entre outros pontos:

Impulsionar a mobilização dos trabalhadores em defesa do emprego com redução da jornada, sem redução salarial, por medidas de proteção à saúde, pela democracia no local de trabalho (direito de organização, representação e autonomia dos trabalhadores), contra a terceirização e contra a intensificação do ritmo de trabalho etc. [assim] Esgotados os meios para impedir/reverter a

2

Como fez o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em 2002 na Volkswagen de São Bernardo do Campo (SP) quando aceitou negociar medidas de “flexibilização”, entre elas a terceirização, desde que a empresa garantisse a fabricação do modelo Tupi Europa na planta da cidade.

(5)

terceirização, [lutar pela] extensão dos acordos para os trabalhadores terceirizados (8a Plenária Nacional, 1996, pp. 39-49).

Já o sindicalismo de enfrentamento recusava terminantemente a terceirização, por entender que ela é um elemento de precarização do trabalho e de divisão entre os trabalhadores e por entender que não cabe ao sindicato buscar aumento de lucratividade para o capital. Assim atuam hoje o sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e de São José dos Campos, por exemplo.

Depois de quase duas décadas de neoliberalismo e de reestruturação produtiva dentro das empresas, a luta contra a terceirização talvez possa parecer um ataque ao bom senso das pessoas em virtude do tamanho e da importância que ela tem hoje em todos os setores da economia. Mas não resta dúvida de que os impactos da terceirização em termos de precarização das condições de contrato e de trabalho estão claros para as classes trabalhadoras. Em nossa opinião, no decorrer da década de 2000 esse diagnóstico ficou cada vez mais evidente e a necessidade de uma postura mais combativa diante da terceirização também foi sentida pelo chamado sindicalismo propositivo. Mas isso não quer dizer que sua resposta tenha sido à altura do tamanho do processo de precarização do trabalho provocado pela terceirização no Brasil. Vejamos. De meados de 2004 a junho de 2007 atuou dentro da CUT um Grupo de Trabalho de Terceirização que debatia quais deveriam ser as estratégias da CUT para enfrentar a questão. O GT definiu três frentes de atuação: a) a busca da representação sindical dos terceirizados, ou seja, organizá-los fazendo com que tenham quem os represente; b) buscar negociações coletivas que envolvam reivindicações dos terceirizados, inclusive, elaborando uma proposta de cláusulas para a negociação coletiva a fim de balizar a atuação dos ramos e dos sindicatos no momento das negociações em nome destes terceirizados; e c) uma atuação no legislativo, com a apresentação de um projeto de lei que colocasse limites na terceirização (CUT, 13/07/2007).

Assim, através de um deputado do PT, Vicente Paulo da Silva (o Vicentinho) – membro da Articulação, ex-presidente nacional da central –, a CUT colocou em discussão no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) de número 1621/2007. Esse projeto versa sobre as relações de trabalho em atos de terceirização e na prestação de serviços a terceiros no setor privado e nas sociedades de economia mista. Esse projeto disputa a definição dos rumos da terceirização no país com outros projetos. Segundo a CUT (13/7/2007), os quatro elementos que merecem destaque no PL são: a) A proibição da terceirização em atividade fim; b) A responsabilidade solidária da empresa que toma o serviço da prestadora de serviço terceirizada; c) A igualdade de condições de trabalho, inclusive

(6)

de proteção à saúde do trabalhador, de salário, de jornada; e d) direito à informação prévia do sindicato da intenção de da empresa de terceirizar.

O texto do PL realmente demonstra preocupação com o que nos parece serem algumas das principais questões que envolvem o debate sobre a terceirização, ou seja: a isonomia salarial e a igualdade de direitos entre trabalhadores de tomadora e subcontratada; incluso nesses pontos o direito de organização sindical e de amplo acesso às informações por parte dela. A aprovação desse projeto na sua íntegra, ironicamente, significaria a implantação da terceirização tal como a literatura da área de Administração a define: estratégia de focalização; entrega para uma empresa especialista das tarefas que a tomadora não tem como finalidade; mecanismo de gestão que não tem como objetivo primeiro a redução de custos com a força de trabalho.

Entretanto, se o projeto de lei tem um caráter relativamente progressista, tendo em vista o contexto da terceirização no Brasil hoje, a luta da CUT enquanto central não vai ao cerne da questão: não se posiciona contra a terceirização em si. A implementação de novos mecanismos de gestão e organização dos processos de trabalho não se dão num vazio político, econômico e social. Isso significa que não é possível pensar a terceirização sem ter em vista seu objetivo de redução de custos, de ampliação da exploração da força de trabalho, de recomposição do domínio sobre os trabalhadores e suas organizações de classe. Com seu posicionamento público exposto no citado projeto de lei, a CUT demonstra o quanto cedeu ao discurso empresarial e o quanto ela se exime, hoje, de encampar lutas de fundo contra o capitalismo.

Além disso, uma análise interna ao próprio documento demonstra alguns problemas. Se o projeto de lei é bastante explícito em relação à igualdade de condições de trabalho – e isso nos parece ser, de fato, uma luta importante em relação à terceirização – ao menos duas fraquezas importantes ele tem: todo ele está assentado na idéia de atividade-fim e trata apenas da terceirização no setor privado da economia; não há nenhuma referência a esse processo no serviço público. A definição do que é ou não atividade-fim é extremamente volátil e ambígua; acaba ficando a cargo dos próprios empresários essa classificação.

Várias são as questões que nos apresentadas com esse projeto de lei: se deve haver isonomia salarial entre os trabalhadores de tomadora e subcontratadas, por que limitar a terceirização à atividade-fim? Qual é o objetivo da CUT com isso? A hipótese mais provável é o fato de que as tomadoras costumam ser empresas mais antigas no mercado, com salários e benefícios conquistados pelos trabalhadores ao longo de anos de luta (por exemplo, na indústria metalúrgica e na Petrobras). Além disso, porque um

(7)

projeto de lei que poderíamos classificar de relativamente crítico quanto ao enfretamento das razões e conseqüências da terceirização sequer menciona a grave situação desse mecanismo no setor público? Aqui a hipótese que nos parece mais plausível é a aproximação da CUT com o governo; o fato dessa central não se chocar, efetivamente, contra nenhuma política implementada por Lula, nem em relação à gestão da força de trabalho que ela representa. As notícias veiculadas pelo Portal do Mundo do Trabalho, site da CUT, dão conta de que há uma preocupação com a terceirização no setor público, mas que o próprio ministério estaria empenhado em corrigir uma distorção que teria sido herdada do governo de FHC: “Já em relação às terceirizações no setor público, o próprio ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, manifestou sua insatisfação com os excessos na União [...].” (CUT, 08/11/2007).

Se por um lado o diagnóstico da CUT tem um norte claro em relação à terceirização – mesmo que possamos questionar a efetividade da luta da central para reverter o quadro de precarização por ela provocado –, por outro lado a sua atuação e a dos seus diversos sindicatos filiados é contraditória e, muitas vezes, ineficiente. Também é preciso destacar que todos os documentos da CUT consultados têm como pano de fundo da análise da terceirização uma questão bastante delicada para o movimento sindical: a preocupação com a redução de suas bases. Não há como negar que a dependência da estrutura sindical tal como ela é hoje, com a investidura, as taxas compulsórias e a unicidade, informam, nem sempre de maneira clara, as disputas em torno da terceirização3.

A Força Sindical

A Força Sindical (FS, doravante) nasceu em 1991, um ano após a posse do governo de Fernando Collor de Mello. Nasceu num contexto de recessão econômica, de refluxo do movimento operário depois da derrota de Lula nas eleições presidenciais de 1989. Segundo Trópia (2004: 3), essa central reuniu dois setores importantes do movimento sindical: o “velho peleguismo” e o “sindicalismo de resultados”; trata-se da criação, no plano político-ideológico, de uma frente conservadora, liderada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Antunes (1995) ressalta que duas eram as vertentes do sindicalismo de resultados que compuseram a FS: uma trade-unionista e um conjunto de sindicalistas ligados ao PCB, dos quais a figura mais importante é Luiz Antônio de Medeiros.

3

Para informações mais detalhadas sobre os casos que permitem as conclusões desse parágrafo, consultar a tese disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000438166>.

(8)

Um dos principais objetivos dessa central era substituir a CUT como central hegemônica na aglutinação de sindicatos e se contrapor ao tipo de ação da CGT. Além disso, segundo Trópia (2004, p. 38), a FS pretendia “derrotar as iniciativas progressistas e populares, bloquear a luta de resistência do movimento sindical ao modelo neoliberal e mudar as relações de trabalho e a ‘mentalidade’ do trabalhador”. Rodrigues e Cardoso (1993) afirmam que a FS nasceu tendo como proposta lutar pelo capitalismo, por uma economia de mercado mais aberta.

A expansão da FS ao longo dos anos 1990 demonstrou que, mesmo não atingindo seu objetivo de ultrapassar a CUT como a principal central sindical do país, sua proposta encontrou eco no movimento sindical. De acordo com os dados do IBGE (2003), entre os anos de 1992 e 2001, a Força Sindical cresceu 187%. CUT e CGT tiveram crescimento de 70% e 133%, respectivamente. A central conseguiu, portanto, fortalecer seu projeto conservador através da conquista de vários e importantes sindicatos na base cutista, da consolidação de uma ampla e poderosa máquina sindical, da proposição de candidaturas para o legislativo e para o executivo e da aglutinação de vários “sindicatos de carimbo”, cuja existência tem como razão sua própria manutenção.4

Para Trópia, o sindicalismo não sofreu em todos os governos neoliberais o mesmo tipo de pressão. Se na Inglaterra ele foi duramente perseguido a partir do governo de Margareth Thatcher, no Brasil o sindicalismo praticado pela FS foi extremamente funcional para a consolidação das políticas neoliberais e, acrescentaríamos, para a reorganização produtiva pretendida pelas empresas. Isso pode ser observado pela lista de ações concretas dessa central que nos relata Trópia: a) apoio ativo e militante em favor das privatizações com atuação decisiva na privatização da Usiminas, da Mafersa e da Companhia Siderúrgica Nacional; b) ela implantou, através de acordo coletivo e extra-oficialmente, contratos "flexíveis" na base do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, para depois propô-los ao governo federal; c) defendeu a precarização das relações de trabalho através da defesa da Reforma da Previdência e da Reforma Administrativa; d) trabalhou pela aprovação, em 2002, do Projeto de Lei 5.483/01 que diminuía a capacidade de expansão universalista de direitos através da CLT; e, e) no plano ideológico, a FS difundiu a ideologia neoliberal quando afirmou: a

4

Segundo Rodrigues e Cardoso (1993, p. 41): “Assim, especialmente para os diretores de pequenos sindicatos com fraco poder de barganha, a adesão à Força Sindical significaria não somente um apoio no que tange às relações com o patronato, como também contra as investidas de ativistas ligados à CUT.”

(9)

superioridade do sindicalismo de serviços, o discurso da empregabilidade e da necessidade de qualificação, as vantagens das privatizações e do empreendedorismo.

Se de acordo com os pressupostos neoliberais o sindicalismo seria um elemento anacrônico, pois um agente que impediria o livre funcionamento do mercado – nesse caso, o de trabalho –, na prática, como mostram os elementos apontados por Trópia, pode haver funcionalidade do sindicalismo para essa fase do capitalismo. Isto porque a ação dessa central contribui para a regressão dos direitos e a supressão de barreiras legais e políticas para a intensificação contínua da exploração da força de trabalho.

As análises de Trópia e Graciolli nos parecem bastante apropriadas ao afirmarem que o sindicalismo rechaçado pelo neoliberalismo – e indesejado para os processos de reestruturação produtiva – é aquele cujo compromisso de classe leva os trabalhadores à mobilização, à oposição com os patrões. Mas, apenas como fator de organização do mercado, da compra e venda da força de trabalho, o sindicalismo não oferece riscos significativos para a ordem social capitalista. Além disso, na medida em que o sindicalismo assume tarefas empresariais, ele pode ser considerado até desejável. Essa também é uma face da FS, pois ela: criou uma agência de empregos; atua como banco e financiadora; incentiva as cooperativas de crédito e de força de trabalho; oferece qualificação profissional para os trabalhadores.

A terceirização é um desses momentos em que a FS se viu obrigada a agir de maneira não completamente alinhada com o capital, pois, mesmo ela pode ser atingida pela informalização e precarização da força de trabalho que tem significado a terceirização no país. Se Collor e FHC puderam contar com essa central para implementar a maioria das medidas neoliberais, o apoio dessa central também não lhes foi incondicional. A FS, tal como a CUT, também se depara com uma massa de trabalhadores cuja sindicalização é dificultada pela terceirização, com um contingente da força de trabalho afetado em cheio pela rotatividade dos contratos com as empresas e, principalmente, com uma classe trabalhadora depauperada pelas condições precárias impostas pela terceirização.

Nesse sentido, as notícias publicadas pela FS em sua página na Internet, os documentos sindicais disponíveis para consulta e a união dessa central com a CUT em torno da defesa de um projeto de regulamentação progressista da terceirização, nos informam que, no básico, as duas centrais estão bastante próximas: ambas querem para os trabalhadores terceirizados as mesmas condições de trabalho que tem os “estáveis”. Em notícia de dezembro de 2006 na página da Força Sindical, Paulinho, então presidente da central, dizia que, logo após assumir o mandato na Câmara Federal, uma

(10)

de suas primeiras ações seria abrir um debate sobre a terceirização a fim de elaborar um projeto de lei que regularizasse essa forma de contratação. Nas suas palavras: “nossa experiência no movimento sindical tem mostrado que as empresas estão usando a legislação que trata do serviço de terceiros para reduzir salários e direitos. O truque dos maus patrões é antigo, mas infelizmente ainda funciona.” (FS, 2006; grifo nosso) e “em suma, a idéia é que o empregado terceirizado de determinado setor tenha as garantias trabalhistas de sua categoria.”5

Nessa mesma direção estão outras declarações e posicionamentos no embate político sobre a terceirização. Diante da iniciativa de um grupo de empresários da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) de instituir um grupo de trabalho em conjunto com os sindicalistas para elaborar uma proposta comum a ser encaminhada para o Congresso Nacional – o parece despontar para fazer frente à proposta de Vicentinho, em tramitação no Congresso – Paulinho afirma que:

Os sindicalistas, por sua vez, reconhecem a iniciativa, mas acham difícil chegar a um projeto comum. A iniciativa foi boa. Mas as diferenças entre a nossa posição e a deles são grandes. Sozinhos os empresários sabem que não conseguem aprovar a versão deles, por isso a idéia é fechar um acordo e então pautar o presidente Lula. (FS, 2008).

Documentos oficiais da Força Sindical também demonstram essa disposição de luta contra a terceirização. Num deles, resultante de um seminário internacional com o tema “Trabalho Decente na Era da Globalização”, destacamos dois dos compromissos da FS junto aos seus sindicatos filiados e aos organismos internacionais:

3- Atuar diante do desafio da precariedade e flexibilização da relação de trabalho, com enfoque sobre a terceirização, cujo fenômeno não se restringe às grandes organizações, mas, também às pequenas e médias empresas.

5- Reunir amplamente a classe trabalhadora mundial para o fortalecimento da unidade sindical internacional respeitando a diversidade e a pluralidade e, pelo fortalecimento político, a realização de acordos e convenções coletivas que insiram cláusulas de liberdade e autonomia sindical, de combate à terceirização, de educação e capacitação de trabalhadores, de saúde e segurança, de igualdade e oportunidades para as mulheres e jovens assim como o combate a todo tipo de discriminação. Ainda assim, dentro dos acordos coletivos, inserir cláusulas que coíbam o trabalho infantil dentro de toda a cadeia produtiva. (FS, 2007, p. 2).

Embora neste último compromisso citado exista uma referência à classe trabalhadora, não há nos documentos da FS lidos e citados qualquer referência à luta de

5

(11)

classes. Muito pelo contrário, o principal documento da central, o livro “Um Projeto para o Brasil: uma proposta da Força Sindical” (1993) traz uma proposta clara de conciliação de classes, de aposta no diálogo como principal instrumento de ação sindical, um projeto de modernização capitalista do país. A FS só luta, como nos mostrou uma das falas de Paulinho, contra o que ele chama de “maus patrões”. É por isso que seu posicionamento contrário à terceirização e a favor de uma regulamentação que garanta a todos os trabalhadores os mesmos direitos é coerente com o tipo de ação que ela escolheu para si, apesar da aparente contradição com a defesa do livre mercado feita pela central.

Segundo Trópia, a postura defendida pela FS é o abandono da luta política e ideológica contra a exploração do trabalho, condição de existência do capital. O sindicalismo dessa central deseja constituir-se como negociador do valor da mercadoria força de trabalho, como mediador da conciliação de classes. O sétimo compromisso estabelecido pela central no seu documento sobre “Trabalho Decente” é explícito nesse sentido:

Sendo o Trabalho Decente também um Objetivo Político que garante a governabilidade democrática, dá condições de superar a pobreza e promover a inclusão social, nesse sentido, a representação política da Central nos

fóruns e conselhos institucionais tripartites é prioritária para o alcance de conquistas de políticas públicas (FS, 2007, p. 3, grifo nosso).

A leitura dos documentos da FS demonstra que a central não tem nenhuma orientação específica para a atuação do sindicato junto aos trabalhadores terceirizados. Ao contrário da CUT, a FS não tem orientações no sentido de filiar trabalhadores terceirizados mesmo não pertencendo a mesma base sindical, não orienta seus sindicatos a buscar negociações coletivas que abarquem os mesmos direitos para terceirizados e não terceirizados, não incentiva e nem repudia a integração com sindicatos ligados à outra central. Em uma palavra, omite-se de ações concretas no cotidiano sindical. Ademais, a FS não tem a mesma tradição de debate que a CUT. Dessa forma, ela não documenta porque poucos são os fóruns dessa central para discutir com seus dirigentes e sua base sindical temas do cotidiano da atividade dos sindicatos ou questões de conjuntura nacional. O resultado disso é que são poucos os documentos publicados pela central. Menos numerosos ou inexistentes são aqueles em que se trate um tema específico, como é o caso da terceirização.

Referências:

(12)

ANTUNES, R. O Novo Sindicalismo no Brasil. Campinas: Pontes, 1995. ANTUNES, R. A Rebeldia do Trabalho. 2ª ed. Campinas: Unicamp, 1992..

BOITO Jr., Armando. O Sindicalismo de Estado no Brasil. Campinas/São Paulo: Edunicamp/Hucitec, 1991.

BOITO Jr., A. (Org.) O Sindicalismo brasileiro nos Anos 80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991a.

GRACIOLLI, E. A Privatização da CSN. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

JÁCOME RODRIGUES, I. Sindicalismo e Política: a trajetória da CUT. São Paulo: Scritta, 1997.

RAMALHO, J. R. “As diversas faces da negociação no meio sindical brasileiro” In: MARTINS, H. H. T. S.; RAMALHO, J. R. (Orgs.). Terceirização. São Paulo: Hucitec - CEDI/NETS, 1994.

RODRIGUES, L. M.; CARDOSO, A. M. Força Sindical. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

RODRIGUES, L. M. CUT: os militantes e a ideologia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

TRÓPIA, P. V. O impacto da ideologia neoliberal no meio operário: um estudo sobre os metalúrgicos da cidade de São Paulo e a Força Sindical. Tese (Doutorado) em Ciências Sociais. Campinas, Unicamp, 2004.

ANTUNES, M. Como mando o figurino. Desafios. Revista do IPEA. no 31. (2006) Disponível em: <http://desafios.ipea.gov.br/desafios/edicoes/31/artigo42277-3.php>. Acesso em 18/02/08.

CUT (08/11/2007). Terceirização terá duas frentes para regulamentação, pública e

privada. Disponível em:

<http://www.cut.org.br/site/start.php?infoid=14633&sid=6>. Acesso em 11/01/08. CUT (13/07/2007). Terceirização: PL com proposta da CUT sobre terceirização é

protocolado no Congresso. Disponível em: <http://www.cut.org.br/site/start.php? infoid=11583&sid=6>. Acesso em 11/01/08.

FORÇA SINDICAL (2006). Temos de regularizar a terceirização – por Paulo Pereira da Silva. Dispónível em : <http://www.fsindical.org.br/faxmail/arquivo/fm_diniz_ 0512.htm>. Acesso em 17/02/08.

FORÇA SINDICAL. Um Projeto Para o Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 1993. IBGE. Sindicatos: indicadores sociais 2001- primeiros resultados. (2002) Disponível

em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/02102002sindicatos.shtm>. Acesso em 29/01/08.

SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC RUMO À UNIFICAÇÃO. Os Trabalhadores e a Terceirização. São Bernardo: FG, 1993.

Referências

Documentos relacionados

A polêmica residia no posicionamento divergente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) refletido em sua Súmula 331, segundo a qual a Administração seria respon- sável subsidiária

Também importante lembrar que, entre empresas privadas, o descumprimento às regras da terceirização pode gerar o reconhecimento de vínculo empregatício direto com a

O Tribunal de Contas da União em diversos acórdãos do plenário faz alusão ao dis- posto no Decreto nº 2.271⁄1997, que trata das atividades que podem ser objeto de execução

Em síntese, a terceirização é o fio condutor da precarização do trabalho no Brasil, e se constitui num fenômeno omnipresente em todos os campos e dimensões do trabalho, pois é

O presente texto está fundamentado em pesquisa em andamento no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp, CESIT/IE/Unicamp –

Neste recurso extraordinário, a empresa Celulose Nipo Brasileira S/A (Cenibra) questiona decisão da Justiça do Trabalho que determinou que ela se abstivesse de

Portanto, em suma, quanto ao modo de execução da atividade, o regime de emprego terceirizado cede à formação de vínculo direto entre o trabalhador e empresa tomadora, quando: a)

8º estabelecem como fonte subsidiária ao direito comum a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho ou dos Tribunais Regionais do Trabalho que não “poderão restringir direitos