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MODELAGEM DO CONTROLE NEUROMUSCULAR DA POSTURA ERETA QUASI-ESTÁTICA HUMANA.

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INTRODUÇÃO

Recentemente, a modelagem e a simulação têm sido amplamente empregadas em pesquisas que investigam o movimento e a postura humana (Kuo, 1995; Dariush, Parnianpour et al., 1998; Anderson e Pandy, 2001; Morasso e Sanguineti, 2002; Menegaldo, Fleury et al., 2003; Yakovenko, Gritsenko

et al., 2004; Maurer e Peterka, 2005; Naves, 2006; Naves, Soares et al., 2007). Tal fato deve-se à inerente complexidade dos sistemas biológicos e também à dificuldade de estudá-los sem afetar o seu funcionamento normal. Neste sentido, as pesquisas apoiadas em simulações auxiliam o entendimento do sistema de uma maneira não possível por outros meios, proporcionando assim, uma melhor

MODELAGEM DO CONTROLE NEUROMUSCULAR DA POSTURA ERETA

QUASI-ESTÁTICA HUMANA.

E. L. M. Naves, A. B. Soares, A. A. Pereira, A. O. Andrade Laboratório de Engenharia Biomédica e Automação

Faculdade de Engenharia Elétrica – Universidade Federal de Uberlândia

Resumo: Este trabalho apresenta um modelo do sistema neuro-músculo-esquelético humano elaborado especificamente para o estudo do controle da postura ereta quasi-estática. Além do sistema muscular extrafusal tradicionalmente incluído nos modelos musculares usados para estudar o movimento e a postura humana, este modelo considera ainda as propriedades do sistema muscular intrafusal e as respostas reflexas intrínsecas provenientes de três estruturas neuromusculares (fusos musculares, órgãos tendinosos de Golgi e interneurônios inibitórios), dois componentes fisiológicos relevantes para o sistema de controle postural. O modelo proposto trata o corpo como sendo um pêndulo simples invertido sustentado por um par de atuadores músculo-reflexo acionados por um controlador proporcional-integral-derivativo (PID). Simulações do modelo foram processadas com e sem a contribuição dos reflexos modelados. Os resultados obtidos são compatíveis com algumas propriedades fundamentais do sistema de realimentação sensorial reportadas na literatura por pesquisadores que utilizaram dados experimentais, ou seja, (i) a característica antecipatória de tal sistema; (ii) sua capacidade de manter de forma autônoma o corpo na postura ereta quasi-estática; e (iii) a incapacidade do corpo de se manter na postura em questão na ausência dos reflexos modelados. A partir dos nossos resultados foi possível mostrar matematicamente que as respostas reflexas modeladas exercem um papel fundamental no controle da postura ereta quasi-estática humana. Deste modo, nosso modelo pode ser usado para formular hipóteses a respeito de possíveis causas de déficits de realimentação sensorial no controle da postura ereta quasi-estática.

Palavras-chave: postura; equilíbrio; sistema somatosensorial; modelo neuro-músculo-esquelético.

Abstract: This work presents a model of the human neuromusculoskeletal system for investigation of the postural control in standing. In addition to the extrafusal muscle tissue properties, commonly used in traditional muscle models applied to the study of human movement and posture, this model takes also into account the intrafusal muscle tissue properties and the intrinsic reflex responses provided by three neuromuscular organs (muscle spindles, Golgi tendon organs and Rhenshaw cells), which are two physiological components relevant in a postural control system. The proposed model treats the body as a single-link inverted pendulum operated by a pair of muscle-reflex actuators controlled by a proportional-integral-derivative (PID) controller. Simulations were made with and without the contribution of the modeled reflex responses. They showed fundamental properties of the somatosensory feedback system reported in investigations employing experimental data: (i) its anticipatory characteristic; (ii) its capacity to maintain, by itself, the human body in standing posture; and (iii) the incapacity of the body of supporting itself in the absence of the modeled reflex responses. From our results it is possible to conclude that the modeled reflex responses play a fundamental role in the upright posture. Our model may be used to formulate hypotheses about the origins of the somatosensory feedback deficits in postural control.

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compreensão das propriedades e desempenho do mesmo. No estudo do movimento humano, em especial o coordenado, o papel exercido pelas propriedades mecânicas não lineares dos músculos deve ser considerado. Ignorar os elementos mecânicos não lineares pode freqüentemente levar a conclusões imprecisas sobre o controle neural (Winters e Stark, 1985), pois a tarefa motora de estabilizar o corpo na postura ereta é influenciada significativamente pelos sistemas sensoriais.

O balanço do corpo durante a postura ereta é detectado por três sistemas sensoriais: os sensores visuais, vestibulares e o sistema somatosensorial, o qual engloba os proprioceptores e as aferências da pele. A postura ereta é mantida pela realimentação proveniente desses sistemas. Desse modo, torna-se relevante a análise do sistema de controle postural sob o ponto de vista do controle realimentado. De fato, diversos estudos associam o controle postural a um modelo realimentado (Peterka, 2000; Fukuoka, Nagata et al., 2001), entretanto, com raras exceções (Verdaasdonk, Koopman et al., 2004), eles prevêem a contribuição dos sistemas sensoriais para o controle postural, mas, contudo, não mencionam a influência desses sistemas nas propriedades mecânicas não lineares dos músculos. Tal aproximação vem a um custo conceitual, uma vez que são os músculos os responsáveis pela estabilização do corpo ao produzirem as forças necessárias para neutralizar os efeitos das forças internas (devido à respiração, batimento cardíaco, etc.) e externas (devido à gravidade, contato com o solo, etc.) que perturbam o corpo na postura ereta. Além disso, dois papéis fundamentais são atribuídos às realimentações sensoriais: o controle da rigidez de músculos individuais e um controle em alto nível do equilíbrio, estabilidade e coordenação postural (Yakovenko, Gritsenko et al., 2004).

Desta forma, visando investigar de maneira integrada os aspectos neurais e biomecânicos envolvidos no controle da postura ereta humana, nesse artigo, apresentamos um novo modelo biomecânico da postura ereta consistente com modelos previamente usados para descrever o comportamento postural humano (Johansson, Magnusson et al., 1988; Peterka, 2000; Maurer e Peterka, 2005). O modelo proposto, em contraste com outros mais tradicionais, inclui a contribuição dos músculos extrafusais (EF) e intrafusais (IF), e das respostas reflexas intrínsecas provenientes de três fontes sensoriais (fusos musculares, órgãos tendinosos de Golgi e interneurônios inibitórios). Como outros (Morasso e Sanguineti, 2002; Verdaasdonk, Koopman et al., 2004), o nosso modelo considera o corpo como sendo um pêndulo invertido de um único segmento, onde o tornozelo é operado por um par de músculos antagonistas, isto é, por um único dorsiflexor (tibial anterior) e um único flexor plantar (sóleo e gastrocnêmio). O modelo assume que um desvio angular a partir da postura ereta (um sinal de erro angular) provoca uma variação no

comprimento muscular (encurtamento ou alongamento) que é detectada pelos sistemas sensoriais (fusos musculares e órgãos tendinosos de Golgi). Esta informação sensorial é então usada para modular o sinal de excitação neural dos músculos permitindo-os gerar torques corretivos compensatórios dos distúrbios.

O propósito deste artigo é mostrar, por meio de simulações, que a evidência experimental de que o sistema somatosensorial possui característica derivativa (i. e., antecipatória), e conseqüentemente, é capaz de sustentar por si só o corpo na postura ereta (Fitzpatrick, Taylor et al., 1992; Fukuoka, Nagata et al., 2001), é compatível com o modelo neuro-músculo-esquelético proposto.

MATERIAIS E MÉTODOS

Um diagrama simplificado do modelo proposto é mostrado na Fig. 1. Este modelo assume que o sistema de controle postural (SCP) percebe qualquer desvio (θ) do corpo diferente daquele assumido como associado a uma postura ereta de referência (θ = 0), e então envia estímulos neurais (Nin) aos músculos que geram um torque muscular (Tm) para resistir ao desvio. A dinâmica do corpo é representada por um modelo de pêndulo invertido linearizado, e a sua oscilação em torno da postura ereta de referência é reproduzida pela inserção de um torque de distúrbio apropriado (Td). Com o valor de θ, as posições do centro de gravidade (y) e do centro de pressão (u), passíveis de medição externa associadas à tarefa motora em questão, são então calculadas.

Figura. 1 - Diagrama em blocos do modelo proposto.

A seguir, é apresentado um detalhamento das estratégias adotadas na modelagem de cada um dos blocos do sistema.

Modelagem da dinâmica esquelética

Um modelo do corpo consistindo de um pêndulo invertido operado por um par muscular antagonista, com movimento restrito à rotação em torno do eixo dos tornozelos no plano sagital, foi utilizado. Ele é ilustrado na Fig. 2.

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Revista Brasileira de Biomecânica, Ano 8, n.14, Maio 2007 3 Figura 2 - Representação do corpo humano em postura ereta no

plano por meio de um modelo de um pêndulo simples invertido. A posição do centro de gravidade (COG) é denotada pela variável y. A posição do centro de pressão (COP), i.e., do ponto de aplicação da resultante (R) das forças que atuam na superfície de apoio é denotada pela variável u. h é a altura do COG medida a partir do tornozelo, m a massa do corpo excluindo-se os pés, g a constante gravitacional e θ o ângulo de inclinação do corpo com relação à direção vertical.

De acordo com o estudo apresentado por (Morasso e Schieppati, 1999), a equação de movimento para este pêndulo invertido de massa m, momento de inércia ao redor dos tornozelos I, distância dos tornozelos ao centro de gravidade (COG) do corpo h, e constante gravitacional g, é dada por:

( )

Tm Td mghsin I

θ

=

θ

+ + .. (1) onde θ é o ângulo do pêndulo com relação à vertical, Tm é o torque produzido nos tornozelos pelas forças

musculares através dos seus braços de momento assumidos constantes, e Td é um torque que

representa o conjunto de distúrbios aleatórios externos e internos (e.g., respiração) que perturbam o corpo na postura ereta.

Modelagem neuromuscular

As forças musculares foram modeladas com base no atuador músculo-reflexo sugerido por Winters (1995a, b), onde são incluídas tanto as fibras musculares extrafusais como as intrafusais. O modelo extrafusal é constituído pelas seguintes partes: um elemento contrátil (CE) tipo Hill controlado por um nível de ativação; um elemento paralelo (PE), que representa a elasticidade passiva do tecido conjuntivo; e um elemento série (SE), que leva em consideração a resposta instantânea dos músculos, incluindo tendões, às mudanças repentinas de carga. O CE é formado por dois componentes: um componente elástico não-linear representado por um conjunto de curvas de força-comprimento, e um componente

viscoso não linear caracterizado por uma curva de força-velocidade. SE e PE são modelados como molas não-lineares com curvas de força-comprimento exponenciais. O modelo músculo-reflexo possui duas variáveis de estado: o comprimento do SE e o nível de ativação. A cinética da última variável é modelada por uma equação dinâmica de primeira ordem, com uma constante de tempo que depende do nível de ativação e do estado (ativação ou desativação) do músculo (Zahalak e Ma, 1990). As fibras intrafusais são modeladas da mesma maneira que as extrafusais, exceto pelo fato delas não contribuírem para a força muscular. Assume-se ainda que as aferências do fuso muscular e dos órgãos tendinosos de Golgi possuem uma resposta Gaussiana (Loeb, 1984) cujo valor máximo (centro) ocorre quando o músculo está em repouso (relaxado). A ativação motoneuronal é dada por uma dinâmica linear de primeira ordem, que introduz uma variável de estado adicional (excitação neural) dependente de duas entradas, uma correspondente ao estímulo neural descendente do sistema nervoso central (SNC) e a outra associada ao feedback reflexo. As contribuições dos fusos musculares e dos órgãos tendinosos de Golgi para o feedback reflexo são limitadas de modo que cada uma delas não exceda 10% da excitação neural total (Hogan, 1984; Winters e Stark, 1988). As aferências dos fusos musculares e dos órgãos tendinosos de Golgi são atrasadas em 30 ms, enquanto que as eferências motoras sofrem um atraso de 20 ms (Winters, J M, 1995).

Modelagem do sistema de controle postural Nesta etapa, foi assumido que o sistema de controle postural estabiliza o corpo na postura ereta por meio de um torque muscular Tm gerado ao redor

dos tornozelos. A geração do torque muscular Tm

ocorre pela excitação neural do músculo (dorsiflexor ou flexor plantar) a ser ativado, sendo que tal excitação provém da combinação de duas fontes distintas: um estímulo neural, nin, descendente do

SNC e um sinal de feedback reflexo intrínseco proveniente dos três órgãos sensoriais modelados. A intensidade do sinal nin é assumida ser equivalente à

razão entre o torque de controle fornecido por um controlador PID (proporcional-integral-derivativo) para equilibrar o pêndulo, e o torque total máximo de dorsiflexão ou flexão plantar compatível com valores experimentais (portanto, um valor adimensional). O controlador PID recebe como entrada o deslocamento angular θ e fornece em sua saída o valor do torque de controle a ser aplicado para neutralizar o efeito combinado decorrente do torque perturbativo Td, da

inércia e da força gravitacional. O controlador PID implementado é especificado por três constantes Kp,

Kd, e Ki, correspondentes aos pesos dos

componentes do torque corretivo associados ao erro na posição angular (i.e., à inclinação do pêndulo em relação a vertical), à derivada deste erro e à sua

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integral, respectivamente. Kp é uma constante de

mola associada à rigidez do sistema, Kd é o fator que

controla o amortecimento do sistema, e Ki é um fator

de compensação (lenta) no ajuste de erro do sistema. As constantes Kp, Kd e Ki do controlador PID foram

determinadas pelo método de Ziegler-Nichols, de forma que o controle neural simulado pelo controlador PID apresentasse respostas compatíveis as observadas empiricamente (Coelho, 2005).

Modelagem da tarefa motora

A oscilação do corpo durante a postura ereta é usualmente investigada utilizando-se uma plataforma de força (Naves, 2001; Naves, Soares et al., 2004), um instrumento de medida sobre o qual o indivíduo permanece em pé no decorrer do experimento. A variável tradicionalmente utilizada para analisar esta oscilação é a posição do centro de pressão (COP), sendo esse o ponto de aplicação da resultante (R) (ver Fig. 2) das forças que atuam na superfície de apoio (Urquiza, 2005). O deslocamento do COP representa a somatória das ações do sistema de controle postural e da força de gravidade. Devido à oscilação do corpo e às forças inerciais, a posição do COP é diferente da posição do centro de gravidade (COG); o COG indica a posição global do corpo (Duarte e Zatsiorsky, 1999). Dessa forma, a oscilação corporal na direção ântero-posterior (AP) foi modelada usando a expressão de (Brenière, 1996), definida na Eq. 2, que relaciona o deslocamento do COG-AP, y, e sua aceleração, ÿ, com o deslocamento do COP-AP, u, para um pêndulo invertido.

) ( .. u y mgh y I = − (2)

Na Eq. 2 o seno do ângulo θ obtido a partir do deslocamento angular do pêndulo invertido é usado para calcular o COG do modelo (y = h sinθ). Entretanto, para os pequenos ângulos (expressos em radianos) associados à oscilação do corpo, pode-se considerar a aproximação sinθ ≈ θ sem perda significativa de precisão.

Parâmetros das simulações

Todas as simulações foram realizadas utilizando o software Simulink versão 5.0 do Matlab 6.5 (The MathWorks Inc, Natick, MA - EUA). Como única fonte de ruído, utilizou-se o bloco padrão do Matlab “band limited white noise” (ruído branco) com média zero, variância um, e tempo de amostragem igual a 0.01 s. Esta fonte de ruído foi filtrada por um filtro passa-baixa com uma constante de tempo de 100 s, produzindo formas de onda com características oscilatórias similares àquelas observadas fisiologicamente (Maurer e Peterka, 2005). O nível de ganho do ruído foi ajustado em -462 Nm, o que correspondeu a um desvio padrão no torque de

distúrbio Td de 10.7 Nm. Os parâmetros

antropométricos do corpo foram adotados para um adulto típico do sexo masculino (Peterka, 2000; Maurer e Peterka, 2005). Especificamente, I = 66 kg.m2 é o momento de inércia do corpo em torno da articulação do tornozelo, m = 76 kg é a massa do corpo excluindo os pés, e h = 0.87 m é a distância do tornozelo até o COG do corpo. Os braços de momento dos grupos dorsiflexor (tibial anterior) e flexor plantar (sóleo e gastrocnêmio) foram assumidos ambos iguais a 0.0416 m (Dariush, Parnianpour et al., 1998), com áreas de seção transversal fisiológica de 40 cm2 e 70 cm2 respectivamente (Yamaguchi, Sawa et al., 1990). Os fatores de ganho do controlador PID foram Kp = 34.38 N.m.deg

-1

para a parte proporcional (rigidez), Kd = 6.67 N.m.s.deg

-1

para a parte derivativa (amortecimento), e Ki = 1.67 N.m.s

-1

.deg-1 para a parte integral. Sendo os mesmos convertidos de graus para radianos antes de serem usados nas simulações. O algoritmo de Dormand-Prince (ode5) com tamanho de passo fixado em 0.01 s foi usado para resolver todas as equações diferenciais associadas ao modelo. Todas as simulações corresponderam a 1000 s, um tempo muito maior que os experimentos padrões da área (Peterka, 2000).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Amostras com 30 s de duração de algumas das séries temporais obtidas nas simulações do modelo são mostradas na Fig. 3, onde pode ser vista a consistência do modelo em diversos aspectos como, por exemplo, a geração do torque de controle sempre no sentido de anular o torque de distúrbio (Figs. 3a e 3b respectivamente). Este, por sua vez provoca: • um deslocamento angular do modelo no mesmo

sentido de sua aplicação (Fig. 3c);

• estimulação pelo SNC do grupo muscular apropriado em função do torque de controle requerido para estabilização (Fig. 3d), ou seja, quando o sistema necessita de um torque de controle positivo (assumido no sentido horário), o grupo muscular dorsiflexor (tibial anterior) deve ser estimulado.

Por outro lado, quando o sistema requer um torque de controle negativo (sentido anti-horário), o grupo flexor plantar (sóleo e gastrocnêmio) deve ser acionado para estabilizá-lo. Isto é mostrado na estimação de forças e torques musculares, compatíveis com dados fisiológicos, apresentados nas Figs. 3e e 3f respectivamente. Além disso, os níveis de ativações musculares obtidos são relativamente baixos como se espera para a manutenção da postura ereta (ver Fig. 3g), e as oscilações do COP e do COG são compatíveis com as observadas experimentalmente na postura ereta (ver Fig. 3h). Desse modo, a coerência do modelo na obtenção de todos os parâmetros citados estabelece um ponto de partida consistente para predição do sinal de realimentação neural (Fig. 3i) resultante de uma combinação entre

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os sinais reflexos provenientes dos fusos musculares (Fig. 3j), dos órgãos tendinosos de Golgi (Fig. 3k) e dos interneurônios inibitórios (Fig. 3l), uma vez que, por estarem presentes no interior do atuador muscular utilizado, esses sinais influenciam todos os demais parâmetros fornecidos pelo modelo. Vale observar que até o momento não estão disponíveis equipamentos capazes de quantificar precisamente esses sinais fundamentais para o controle postural humano. Além disso, os resultados obtidos nas simulações permitem concluir que o nosso modelo também é consistente com algumas propriedades

fundamentais do sistema somatosensorial, evidenciadas experimentalmente por outros investigadores que estudaram a postura ereta (Fitzpatrick, Taylor et al., 1992; Fukuoka, Nagata et al., 2001). Especificamente, com respeito à característica antecipatória (ou derivativa) observada no sistema de realimentação somatosensorial e, conseqüentemente, a capacidade desse sistema em sustentar por si só o corpo na postura ereta. Uma análise detalhada destas afirmações é tratada adiante.

Figura 3 - Comportamento típico das variáveis do modelo durante uma simulação de 30 s. (a) torque de controle proveniente do controlador PID (Tc); (b) torque de distúrbio (Td); (c) deslocamento angular (Theta); (d) estímulo neural descendente do SNC (Nin); (e) força muscular (Fm); (f) torque muscular (Tm); (g) nível de ativação muscular (Na); (h) deslocamentos do COP e do COG; (i) sinal reflexo de realimentação neural (Nrf); (j) componente de Nrf proveniente dos fusos musculares (NrfS); (k) componente de Nrf proveniente dos órgãos tendinosos de Golgi (NrfG); (l) componente de Nrf proveniente dos interneurônios inibitórios (NrfR). Observe que quando as unidades não foram mencionadas os valores foram normalizados. SG e Ta representam respectivamente o sóleo e gastrocnêmio, e o tibial anterior.

Recentemente, várias estratégias têm sido usadas no meio científico buscando elucidar os mecanismos responsáveis pelo controle do movimento e da postura humana. Tudo isto, com o objetivo de facilitar o diagnóstico precoce e, conseqüentemente, tornar mais eficiente o tratamento de doenças que afetam o funcionamento normal do sistema de controle postural humano (e.g., doença de Parkinson, neuropatias diversas, AVCs, etc.). De uma forma geral, as

principais linhas de ação trilhadas pelos pesquisadores nos últimos anos são: (1) experimentos com animais (Lin e Rymer, 1998), (2) experimentos com humanos (Allum, Bloem et al., 1998; Ali, Rowen et al., 2003) e (3) modelagem teórica e simulação computacional (Verdaasdonk, Koopman et al., 2004; Yakovenko, Gritsenko et al., 2004). Cada uma destas modalidades possui suas vantagens e deficiências. Nos estudos com animais, por exemplo,

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é possível a realização de certos experimentos in vivo não autorizados nos humanos por questões éticas. Porém, os resultados devem ser cuidadosamente analisados de forma a se obter evidências válidas também para nós humanos, o que às vezes é impossível pelas características individuais de cada espécie. Por outro lado, os resultados obtidos nas pesquisas envolvendo seres humanos, devem ser limitados pela ética e pelo uso de métodos não invasivos. Essas barreiras transformam a tarefa de se compreender o que realmente ocorre no interior no corpo em um enorme desafio. Deste modo, a modelagem teórica aliada à simulação computacional, apesar de também possuir deficiências, emerge como alternativa para tentar transpor o problema. Nesse contexto, este trabalho apresentou um novo modelo físico-matemático dedicado ao estudo do controle da postura ereta humana. Tal modelo se constitui num avanço por integrar simultaneamente o sistema muscular IF, o estímulo neural descendente do SNC e também os reflexos neuromusculares emitidos por três órgãos somatosensoriais (fusos musculares, órgãos tendinosos de Golgi e interneurônios inibitórios), além da excitação neural e da ativação muscular abordadas em outros modelos extrafusais (EF) já usados para estudar a postura ereta (Kuo e Zajac, 1993; Soetanto, Kuo et al., 2001).

Os resultados das simulações do modelo permitiram visualizar que os reflexos somatosensoriais mencionados são fundamentais para a manutenção da postura ereta. Isto foi verificado quando o comportamento do modelo foi simulado sem levar em conta os sinais provenientes dos fusos musculares, dos órgãos tendinosos de Golgi e dos interneurônios inibitórios. Feito isso, o resultado obtido para o trajeto do COP do modelo se mostrou completamente fora do padrão observado para a postura ereta, com oscilações bruscas e de grande amplitude, levando inclusive a posição do COP além dos limites da base de sustentação delimitada pelos pés, o que equivaleria a “queda do sujeito” ao se admitir nulas as componentes reflexas mencionadas (Fig. 4).

Além disso, o modelo também é consistente com as proposições de (Fukuoka, Nagata et al., 2001), os quais, amparados em experimentos práticos concluíram que o sistema de realimentação somatosensorial possui características derivativas e, por isto, pode manter o corpo na postura ereta por si só. Tal observação pôde ser verificada em nosso modelo simulando-o sem a componente derivativa do controle, ou seja, anulando-se a constante Kd do controlador PID. Feito isso, o resultado obtido para a oscilação do COG do modelo (Fig. 5) indica que o mesmo não e capaz de permanecer “em pé” quando a componente derivativa do torque de controle gerado pelo controlador PID é anulada.

Por outro lado, a capacidade do sistema somatosensorial de sustentar sozinho o corpo na postura ereta pode ser mostrada por meio dos

resultados apresentados nas simulações da Fig. 3, onde, percebem-se claramente intervalos nos quais o estímulo neural descendente do SNC, nin , é nulo, mas simultaneamente, a excitação neural, ne , e a ativação muscular, na , do grupo muscular correspondente não são nulas (Fig. 3h e 3k respectivamente). Note que tal informação não pode ser obtida num modelo puramente EF, uma vez que, naqueles intervalos onde não existe o estímulo neural descendente do SNC, a postura ereta seria sustentada exclusivamente pelas vias reflexas nrf (Fig. 3c) com contribuição das aferências dos fusos musculares e dos órgãos tendinosos de Golgi (Figs. 3f e 3i respectivamente), responsáveis pela detecção dos mínimos estiramentos músculo-tendíneos associados à postura ereta, aliada a uma suave modulação por parte dos interneurônios inibitórios (Fig. 3l). Apesar das evidências descritas sugerirem a plausibilidade integral do modelo aqui proposto, as limitações das técnicas de medida disponíveis atualmente impõem um considerável desafio à obtenção experimental de algumas variáveis “internas” do mesmo, como por exemplo, a medição precisa dos sinais aferentes provenientes dos fusos musculares e dos órgãos tendinosos de Golgi. Desta forma, ainda que a modelagem se apresente como uma linha de investigação promissora, existem consideráveis obstáculos que dificultam sua aplicação, principalmente devido a complexidade em se obter experimentalmente os parâmetros necessários a elaboração e validação dos modelos (Winters, Jack M, 1995; Pandy, 2001). Não obstante, acredita-se que novos subsídios para análise do papel dos mecanismos reflexos envolvidos na manutenção da estabilidade postural humana podem ser obtidos a partir do modelo proposto neste trabalho.

Figura 4 - Deslocamento do COP do modelo obtido numa

simulação onde foram suprimidas todas as

realimentações sensoriais modeladas (fusos musculares, órgãos tendinosos de Golgi e interneurônios inibitórios). As linhas tracejadas horizontais demarcam os limites aproximados da base de sustentação compatíveis com os demais parâmetros do modelo. Valores de COP fora desses limites são pontos onde pode haver a queda do sujeito.

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Revista Brasileira de Biomecânica, Ano 8, n.14, Maio 2007 3 Figura 5 - Trajeto do COG do modelo obtido numa simulação onde

foi suprimida a componente derivativa do torque de controle. Oscilações fora dos limites indicados pelas linhas tracejadas representam uma situação de desequilíbrio do sujeito.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa apresentou um novo modelo físico-matemático do controle neuromuscular da postura ereta humana, consistente com modelos utilizados previamente, para o estudo da mesma tarefa motora. Os resultados obtidos nas simulações mostraram que o comportamento do modelo proposto é compatível com propriedades fundamentais do sistema somatosensorial observadas experimentalmente por outros investigadores. Num futuro próximo, os deslocamentos do COP e do COG obtidos a partir deste modelo, serão comparados com medidas experimentais equivalentes no intuito de formular hipóteses a respeito da origem dos déficits de realimentação somatosensorial e de suas conseqüências no sistema de controle postural.

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Revista Brasileira de Biomecânica, Ano 8, n.14, Maio 2007 5

Endereço para correspondência: Eduardo Lázaro Martins Naves

Laboratório de Engenharia Biomédica e Automação Faculdade de Engenharia Elétrica

Universidade Federal de Uberlândia Av. João Naves de Ávila, 2121 Bloco 1E – Campus Santa Mônica. CEP 38400-902 / Uberlândia – MG email: eduardonaves@yahoo.com.br

eduardonaves@eletrica.ufu.br

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