VIOLÊNCIA NA ESCOLA: A VIOLÊNCIA DO TRABALHO QUE AFRONTA OS DIREITOS HUMANOS DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO
Autora: Profª. Drª. Nilma Renildes da Silva UNESP - Bauru-SP-Brasil
nilmarsi@fc.unesp.br
Agências financiadoras: CAPES e FUNDUNESP Eixo Teórico-Prático - Trabalho Social: Lógicas Coletivas
Introdução/Objetivos
O trabalho ora apresentado foi o resultado de um dos instrumentos de coleta de dados para tese de doutorado: Relações Sociais para Superação da Violência no Cotidiano Escolar e Processos Formativos de Professores, PUC/SP, 2006. Para realização da tese, valemo-nos de contribuições teóricas do Materialismo histórico-dialético, da Psicologia histórico-cultural, e da Teoria da vida cotidiana de Agnes Heller. O objetivo da aplicação do instrumento foi de constituir-se em mais uma forma de aproximação com a realidade vivida pelos professores participantes da pesquisa-intervenção sobre violência nas escolas, visto que muitos relatos eram carregados de queixas sobre o aviltamento dos seus direitos como pessoa humana. Dos 40 participantes da nossa pesquisa-intervenção, 27 professores se dispuseram a responder um
amplo questionário que elaboramos com perguntas fechadas e abertas a respeito de: 1) dados pessoais, sobre a formação inicial e continuada e a atividade profissional, 2) participação em entidades sociais e 3) as atividades culturais, de lazer e descanso.
Desenvolvimento
1) Dados pessoais, de formação inicial dos professores e atividade profissional
Mais de 45% dos participantes tinham de 40 a 49 anos de idade. A religião católica é hegemônica entre os participantes. A renda familiar varia entre R$. 1.000,00 e R$. 2.000,00 para um total de 30 a 40 horas de trabalho semanal. A metade dos participantes atuava em mais de uma escola, sendo que 19% dos participantes moravam fora da cidade em que trabalhavam. Quanto à formação, 70% dos professores tiveram sua formação inicial em instituições privadas, nas mais diversas áreas do conhecimento e para concluí-la, é mais expressivo o intervalo de 3 a 6 anos, no qual figuram 19 professores, sendo que a maioria dos cursos são oferecidos em quatro anos. Apenas 6 professores responderam que realizaram algum tipo de especialização.
Os dados sobre formação inicial apontam que as instituições privadas tiveram a primazia na formação inicial dos professores participantes da intervenção, confirmando que as políticas neoliberais para a Educação estão avançando, com a consequente desresponsabilização do Estado para com a formação e educação de seus contribuintes, especialmente para com aqueles que irão educar os novos cidadãos. Neste processo de enxugamento das despesas do Estado com relação às políticas sociais, a Educação Superior tornou-se uma mercadoria muito rentável. Sob uma aparência de democratização, o Estado desonera-se, impelindo um grande número de indivíduos a pagar para o setor privado pela sua formação superior, pois almejam enfrentar o mercado de trabalho, mais qualificados, visto que os postos de serviços estão cada vez mais escassos, exigindo o máximo em formação.
Outra discussão viabilizada pelos dados: ao se cruzar a instituição formadora X renda X tempo de conclusão da licenciatura, foi possível a inferência de que muitos professores ainda estão recuperando o investimento na sua formação. Este aspecto pode contribuir para compreendermos por que poucos professores investem em formação continuada, logo após a formação inicial, uma vez que grande parte desses cursos é paga. Infelizmente, talvez esta situação não possa ser modificada nos anos posteriores, porque, a julgar pela renda familiar, dificilmente sobrarão recursos para investimento em formação.
Quando perguntados se eram ou não sindicalizados, todos os participantes responderam negativamente à pergunta. Em relação às atividades do sindicato, apenas 4% dos professores participam, e 69% dos participantes não participam de outra organização social. E dos que responderam sim, é predominante na Igreja.
Salientamos a importância da participação na vida social, esta poderá possibilitar aos participantes o desenvolvimento da consciência de classe, uma vez que pressupomos que a consciência não é autônoma; constituindo no encadeamento com as condições materiais de existência que a possibilidade de seu desenvolvimento se vislumbra. Nos espaços referidos, as condições materiais e históricas concretas se refletem, a complexidade social se desnuda, há o incentivo à organização coletiva, política, criam-se laços afetivos e de solidariedade, os indivíduos reconhecem outros determinantes da sua prática profissional, bem como se apropriam da dimensão educativa da prática política.
As apropriações realizadas nas esferas da vida, excluindo a do trabalho considerado alienado, são fundamentais para a criação de sentido pessoal para a participação em atividades que possibilitariam aflorar o sentimento de pertencimento a uma determinada classe social. E poderia contribuir para que os docentes se compreendessem como trabalhadores de uma determinada categoria. No entanto, o que se verifica é o esvaziamento da participação dos docentes nas atividades das entidades classistas e de organização social, contribuindo para o acirramento da alienação.
3) Atividades culturais, de lazer, descanso dos professores.
Sobre o hábito de frequentar cinema, apenas 06 professores responderam que sim, às vezes. Em relação ao teatro, 05 deles às vezes vão ao teatro. Quando perguntados se assistem à televisão, 20 professores afirmaram que assistem a ela sempre. A literatura também figura como forma de lazer e aparece nos seus diversos suportes, como: livros, bíblia, jornal, revistas. Mais da metade dos participantes não frequenta museus e shows. A maioria vai aos shoppings, uma vez por mês. O acesso à informação é garantido via jornal: 19 participantes lêem diariamente; 18 professores lêem revistas e 15 entrevistados utilizam os livros para informar-se. Quanto à Internet, apenas 03 deles acessam diariamente a rede. A biblioteca foi destacada por 12 participantes. Em relação a estes dados preferimos discutir a necessidade do lazer, do acesso à cultura e à informação para a vida cotidiana.
Os lazeres e o descanso fazem parte da vida cotidiana, ou seja, são necessários para possibilitar uma explicitação normal da produção e reprodução da cotidianidade. Mas, de acordo com Heller (1970), há sempre uma margem de possibilidade de nos apropriarmos
desses momentos e de impormos neles a marca de nossas personalidades. Seria interessante refletir sobre a importância desses equipamentos e eventos sociais como espaços de sociabilidade e de possibilidade de explicitação da genericidade humana.
Os museus e as bibliotecas são espaços que guardam a história coletiva dos homens, por meio de seus acervos, e, por tratar-se de objetivações humanas, são educativos por excelência. Não são espaços apenas formativos, mas, por meio do acervo desses equipamentos, podemos apropriar-nos do conhecimento social e historicamente elaborado, de forma concreta, abrindo possibilidades de novas objetivações, agora por quem se apropriou da história que guardam esses acervos. O mesmo podemos dizer dos shows, teatro e outras formas de acesso à cultura e ao lazer, podendo arrolar na nossa heterogênea vida cotidiana, com o objetivo de ampliar os conteúdos acumulados por nós, com a finalidade de ampliar as possibilidades de explicitação de nossas formas de ler o mundo.
Marx, em Os compêndios, já alertou aos compradores, trabalhadores e produtores que o capitalismo procura todos os meios para incitá-los ao consumo, dar novos estímulos às suas mercadorias e inculcar-lhes novas necessidades. O cuidado necessário, então, é atentarmos para o fato de que cultura e lazer, no capitalismo, também são mercadorias. Em decorrência dessa assertiva, nossa atenção deve voltar-se para as escolhas que fazemos dos tipos de cultura e lazer que vamos consumir, se escolheremos aqueles que nos conformam à falsa realidade do mundo do consumo exacerbado, ou se consumiremos aqueles que escondem, sob a forma mercadoria, uma possibilidade de emancipação.
Quanto ao acesso à informação, os meios mais utilizados pelos participantes da pesquisa, sem dúvida, são os jornais diários, os telejornais e revistas. A literatura específica sobre violência nas escolas, já demonstrava que os professores se apropriavam das discussões acerca da violência pela mídia. Também, no segundo instrumento desta pesquisa, aparece a televisão como uma das fontes de apropriação das relações de violência.
Considerações Finais
Tendo em vista que o fenômeno por nós analisado neste estudo é a Violência nas Escolas – processos formativos para a prevenção - e os meios de comunicação, em especial a TV, têm-se constituído em um instrumento de criação da realidade, é interessante refletir sobre dois aspectos fundamentais: O primeiro, como são veiculadas notícias sobre o tema em questão. Temos assistido (lido) as notícias de acontecimentos fatais, mostrados sob discursos que apelam para a culpabilização do perpetrador do ato de violência, descontextualizados de seus determinantes históricos e sociais. O segundo elemento para reflexão é sobre o
reconhecimento do caráter ideológico da transformação da produção cultural em mercadoria, o que representa os interesses do atual estágio do capitalismo. Enfim, os dados revelaram que os participantes da pesquisa-intervenção estão submetidos, à realidade de formação inicial e continuada, acesso à informação, condições de trabalho, possibilidades de participação em atividade sociais, lazer, etc., tão violenta como a própria violência que queremos combater. Bibliografia
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