1
Regulação do metabolismo
oxidativo e
equilíbrio energético
Laboratório de Bioquímica da Faculdade de Medicina do Porto 2
Semelhanças
Usam a oxidação de compostos orgânicos como fonte de energia.
A velocidade de oxidação dos compostos orgânicos aumenta com o
exercício.
Diferenças óbvias
Os seres vivos não têm chave de ignição: continuam “a gastar
gasolina” (a oxidar nutrientes) mesmo quando estão parados.
Os automóveis não procuram activamente os postos de combustível
nem engordam quando se põe gasolina a mais no depósito.
Os mamíferos tem pelo menos 2 (ou 3) depósitos de combustível:
glicídeos e triacilgliceróis (e proteínas).
1
2
3
4
3
À despesa energética de um indivíduo (1) em repouso físico e
mental, (2) em jejum há 10-18 h (3) e num ambiente com
temperatura agradável chama-se
taxa de metabolismo basal
(BMR = basal metabolic rate)
.
Como medi-la?
70 kg
O
2consumido
15 moles
/ dia
(330 L)Calor
libertado
1600 kcal/dia
O calor que
aumenta de
1ºC,
1600 kg de
água;
6,69 MJoules/dia 1,86 kWh/diaPorque é que, ao contrário do automóvel, o ser vivo continua a
libertar calor e a consumir O
2quando está parado?
4
Mesmo em repouso, os órgãos continuam activos ocorrendo
processos cíclicos cujo somatório é a hidrólise de ATP.
Alguns exemplos:
1) Transporte iónico passivo via canais iónico e transporte activo via ATPases de membrana…
2) Contracção e relaxamento muscular no diafragma e coração via acção da ATPase de actina-miosina…
3) Síntese e hidrólise de ácidos nucleicos (RNA e
5 6) Ciclos de
substrato no sentido estrito
7) Ciclos de substrato em sentido mais amplo como o que envolve os processos de hidrólise de triacilgliceróis e re-esterificação
5) Ciclos de Cori e da alanina
6
Em condições de BMR, o grosso dos ATPs é consumido no
transporte iónico ( 30 %) e síntese proteica ( 30 %). Uma
percentagem menor ( 5 %) é consumida pela ATPase da
actina-miosina.
ADP
+ Pi transporte activo síntese proteica trabalho mecânico Na+ Ca2+ outrosEstima-se que
nas condições
BMR um
indivíduo adulto
de 70 kg
hidrólise cerca
de 40
mmoles/min (60
moles/dia).
40 mmol ATP / minNa ausência de mecanismos que fosforilem o ADP
formado, todo o ATP do indivíduo ( 120 mmoles) se
esgotaria em 3 min.
30% 30%
5%
7
Cada ATP hidrolisado é imediatamente reposto: a concentração
de ATP é “estacionária” porque
vel. de síntese = vel. de hidrólise.
nutrientes
O
2ADP
+ PiCO
2+ H
2O
40 mmol ATP / min 8 mmol O2 consumido na cadeia respiratória /min (180 mL/min). Na+ Ca2+A “reposição” do ATP (fosforilação do ADP) depende, em última análise, da oxidação dos nutrientes pelo O2.
Admitindo que se formam cerca de 2,5 ATPs / átomo de oxigénio consumido
(razão P:O = 2,5 razão P:O
2= 5)
a velocidade de 40 mmol de ATP / min 8 mmol de
O
2consumido / min8 nutrientes
O
2ADP
+ Pi CO2+ H2O Na+ Ca2+ 40 mmol ATP / min 8 mmol O2 consumido na cadeia respiratória / minA oxidação dos nutrientes é um processo exotérmico
;
para além de CO
2e H
2O gera um “terceiro produto”:
calor
.
A BMR pode ser estimada medindo o O2consumido ou o calor libertado porque existe proporcionalidade (quase perfeita) entre o O2consumido e o calor libertado.
0,85
kcal/min
Nas reacções de oxidação dos nutrientes libertam-se cerca de
106 kcal / mole de O
2consumido.
9
O calor libertado num sistema onde ocorrem reacções =
diferença entre as entalpias dos produtos e reagentes.
Entalpia
de A
A + B C + D
Entalpia
de B
Entalpia de C Entalpia de D
H = calor libertado
Nos casos dos glicídeos e lipídeos,
o calor libertado na sua oxidação é igual
nos seres vivos e
no
calorímetro…
…mas no caso das proteínas (e aminoácidos) os produtos da oxidação nos seres vivos não coincidem com os produtos formados num calorímetro…
6 O2 23 O2 glicose palmitato 6 CO2+ 6 H2O + 669 kcal 16 CO+ 2413 kcal 2+ 16 H2O + 793 kcal + 76 kcal + 869 kcal 10 nutrientes
O
2 CO2+ H2OPoderá parecer estranho que,
sendo o metabolismo tão complexo,
quando se fala no calor
libertado
pelo ser vivo apenas se refiram as
reacções de oxidação dos
nutrientes
mas...
... num ser vivo adulto as concentrações (e a quantidade total) dos intermediários, coenzimas, ATP, ADP, Pi, etc. são estacionárias (quase não variam) e, consequentemente, não há consumo nem formação efectiva destes intermediários.
O calor libertado = H das reacções onde ocorreu
consumo efectivo de reagentes e formação efectiva de produtos.
11
Exemplificando para o caso da oxidação do palmitato.
palmitato + 23O2+ 106ADP + 106Pi 16CO2+ 16H2O +106ATP +106H2O+ 1883 kcal
O processo de oxidação do palmitato está acoplado à síntese de ATP e
poderia pensar-se que a equação a escrever quando se pensa num
organismo vivo inteiro deveria ser:
Mas só sintetizamos uma molécula de ATP quando uma se hidrolisa...
106 ATP + 106 H2O 106 ADP + 106 Pi + 530 kcalpalmitato + 23 O2 16 CO2+ 16 H2O + 2413 kcal
... e o somatório das duas últimas equações é:
palmitato + 23 O2 16 CO2+ 16 H2O + 2413 kcal
12
O2e calor estritamente acoplados com
síntese/hidrólise de ATP: 8 mmol / min x 1440 min = 11,5 moles / dia
0,85 kcal / min x 1440 min = 1224 kcal / dia
O2 e calor
(1) desacoplagem fisiológica
entre oxidação e fosforilação
+ (2) oxigénases e oxídases
BMR
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1kcal/dia
15 mol de
O
2/ dia
Uma parte (25-30%) do calor libertado e do oxigénio consumido em condições de medida da BMR não estão directamente relacionados com
síntese de ATP.
(1) Nas mitocôndrias das células, não existe acoplagem perfeita entre
oxidação de nutrientes e síntese de ATP (ou seja, a razão P:O2
<
5, sempre).(2) Existem enzimas em cuja acção se consome O2e se liberta calor (várias oxigénases e oxídases) e que não são a oxídase do citocromo c (complexo IV).
Pensa-se que 20% a 25% da BMR se deve a desacoplagem fisiológica entre fosforilação e oxidação nas mitocôndrias=
uma parte do O2reduzido a H2O pelo complexo IV na mitocôndria não está directamente relacionado com síntese de ATP.
nutrientes
O
2ADP
+ Pi CO2+ H2O Na+ Ca2+ 40 mmol ATP / min>
8 mmol O
2 consumido na cadeia respiratória / min>
0,85
kcal/min
mas se 1 mol O
2consumido 5 mol de ATP formado...
como é possível aumentar a vel. de consumo de O
2sem aumentar a vel. de formação de ATP?
14
I
Q
III
cyt c
IV
1 NADH NAD+4 H
+O
H
2O
V
Simp. Pi10 H
+2,5 ADP
+ 2,5 Pi
2,5 ATP
Proteína
desacopladora (
?
)
n H
+Leak (pingar)
+ n/10 NADH + n/10 NAD+ n/10 OQuando n protões entram na mitocôndria através de um transportador que não é a síntase de ATP (leak), a manutenção do gradiente electroquímico da membrana exige que n protões sejam bombeados para fora da mitocôndria. O bombeamento destes n protões não se traduzem em síntese de ATP mas este bombeamento está dependente da oxidação dos nutrientes (e da redução do O2); por cada n protões bombeados n/10 NADH são oxidados.
Actualmente admite-se que uma das proteínas responsáveis pelo leak de H+é o trocador ADP/ATP da membrana mitocondrial interna [Brand et al. (2005) Biochem J 392:353]. Outra parte do leak de H+poderá corresponder a actividades basais de várias UCPs (“uncoupling proteins”).
(2 H
++
4 H
+)
H2O CO2 H2OO
2 Fenilalanina Tetra-hidro-biopterina Di-hidro-biopterina Tirosina -cetoglutarato glutamato p-hidroxifenil-piruvato Homogentisato maleilacetoacetato fumarilacetoacetato fumarato acetoacetato H2OO
2O
2 Etanol H2OO
2 NADPH NADP+ acetaldeído Acetil-CoA NADPH NADP+ Glicose-6-P 6-fosfo-gliconolactona Ribulose-5-P NADPH NADP+ NADPH +CO
2 NADP+Uma parte (embora menor) do O2gasto em condições de BMR não é sequer consumido na acção catalítica do complexo IV.
As oxigénases(envolvidas, por exemplo, na oxidação de aminoácidos) e
as oxídases de função mista(como a hidroxílase da fenilalanina e as enzimas da família dos citocromos P450) também consomem O2e, indirectamente (via consumo de NADPH), estimulam a via das pentoses-fosfato e a produção de
CO2. Todos estes processos embora não directamente relacionados com a síntese de ATP são exotérmicos.
16
…mas a relação é
mais linear
quando se
relaciona a BMR
com a massa
magra
.
*
CGL1= lipodistrofia congénita generalizada (deficit marcado de tecido adiposo por alteração na esterificação)A taxa de
metabolismo basal
(BMR) é, em geral,
tanto maior quanto
mais pesado é o
indivíduo
Toleban e col. Metab. (2008) 57:1155
*
Massa magra
=
massa corporal
-tecido adiposo
Quando um indivíduo
engorda
aumenta a sua massa de triacilgliceróismas também
a quantidade de tecido metabolicamente activo
(citoplasma dos adipócitos, vasos sanguíneos do tecido adiposo,
músculo, etc.
= “massa isenta de gordura”) BMR
[Prentice et al. 1986, Br Med J 192: 983-87]
Reciprocamente, quando se
emagrece
perde-se gordura,
mas também
a “massa isenta de gordura” BMR.
A secreção normal de hormonas tiroideias e o tono simpático basal contribuem para a BMR porque:
Contudo, quando se emagrece, a diminuição na BMR
é maior que a que seria de esperar
tendo em conta a diminuição de massa magra.
SNSimpático
o leak de H
+uncoupling nas mitocôndrias do tecido
adiposo castanho (via estimulação de UCP1) e músculo (talvez via UCP3)
vel. dos ciclos
de substrato
gasto de ATP
Exemplo: turnover proteico
a secreção de hormonas tiroideias o tono simpático no tecido adiposo castanho (e músculo)
turnover proteico
leak de H
+ despesa energética
Quando se emagrece:
Em muitas doenças há
BMR
e podem estar envolvidos mecanismos relacionados com gasto de ATPou não relacionados directamente com este gasto
% de aumento relativamente a não doente
Hipertiroidismo (aumento das hormonas tiroideias) + 60 a 100 %
Traumatismo com fracturas múltiplas + 10 a 25 %
Grandes queimados + 25 a 60 %
Doenças febris (aumento para 39ºC) + 10 a 25 %
No caso do hipertiroidismo a causa do aumento da BMR é
turnover proteico (e talvez outros “ciclos de substrato”) e leak de H+
Noutras doenças em que há da BMR (nomeadamente nos traumatismos, nos queimados e doenças infecciosas agudas) há do tono simpáticoe as causas (ainda mal estudadas) do aumento da BMR poderão ser semelhantes.
Em todos os casos
da BMR =
consumo de O
2e
produção de CO
2 trabalho
do diafragma e coração
gasto
de ATP
20Que acontece à despesa energética quando um indivíduo
aumenta a sua actividade física?
O
2consumido
>> 15 moles / dia
(>> 330 L)Calor
libertado
>> 1600
kcal/dia
A maioria dos indivíduos têm uma taxa metabólica máxima (máximo esforço físico durante um período curto de tempo) que é 10 x BMR.
A despesa energética tem assim um 2º componente:
despesa energética = BMR
21
nutrientes
O
2ADP
+
Pi
CO
2+ H
2O
40 mmol ATP / min 8 mmol O2 consumido na cadeia respiratória / min Na+ Ca2+O esforço físico provoca aumento das actividades da ATPase
da actina-miosina e das ATPases do Na
+/K
+e do Ca
2+.
400 mmol
ATP / min
ATP
A concentração de ATP desceria, a de ADP e Pi aumentaria e os
processos dependentes de ATP deixariam de ocorrer.
Que aconteceria se a despesa energética não aumentasse
quando um indivíduo aumenta a sua actividade física?
22 Chance e Williams
(1955) JBC 217:383
Um automóvel aumenta de velocidade quando aumentamos a velocidade com que a gasolina é injectada no motor.
E nos seres vivos como é que é
regulada a velocidade de oxidação dos nutrientes?
A 1ª resposta veio de estudos com
mitocôndrias isoladas ainda antes de o
modelo de Mitchell ter sido proposto
(ADP = acelerador da oxidação)
.
Adaptando a proposta do ADP como acelerador (Chance e
Williams, 1955) à teoria de Mitchell…
I
II-FADIII
IV
dG3P-FADQ
cyt c
NADHNAD
+H
+H
+H
+O
H
2O
V
Simp. PiH
+
ADP
ATP desidrogénases
ADP e ATP síntase do ATP gradiente electroquímico da membrana mitocondrial cadeia respiratória [NADH] e [NAD+] desidrogénases do ciclo de Krebs, glicólise e oxidação em
24Outras observações feitas
in vitro
também apontam
para a importância das
variações de
concentração de ADP,
AMP, ATP, NAD
+e
NADH.
Glicose acetil-CoA Piruvato NAD+ NADH NAD+ NADH NAD+ NADH Frutose-6-P Frutose-1,6-BisP Desidrogénase do isocitrato Desidrogénase do piruvato Desidrogénase do -cetoglutarato Cínase da frutose-6-P ADP e AMP ATP ADP e NAD+ ATP e NADH ADP e NAD+ ATP e NADH ADP e NAD+ ATP e NADH Fosforílase do glicogénio AMP Glicogénio25 A concentração celular de AMP aumenta quando aumenta a de ADP: aumento da velocidade de hidrólise do ATP provoca aumento da concentração
intracelular de AMP. O AMP (para além de ser um activador da glicogenólise e da glicólise) também é activador do catabolismo dos ácidos gordos.
O AMP activa a AMPK que inactiva a carboxílase de acetil-CoA o que baixa a concentração de malonil-CoA o que activa a carnitina-palmitoil transférase I Oxidação em β 26 No entanto, as variações na concentração celular do ADP, AMP, Pi, ATP, NAD+e NADH são demasiado modestas (no coração são nulas) para
poderem por si só explicar completamente as marcadas variações de velocidade no consumo de oxigénio e nutrientesquando a velocidade de síntese/hidrólise de ATP aumenta durante o esforço muscular.
Deverá haver outros factores reguladores…
NAD
+NADH
nutrientes
CO
2O
2H
2O
H
+ (dentro)H
+ (fora)ADP+Pi
ATP
ATPases síntase do ATP cadeia respiratória desidrogénasesvel.1 = vel.2 = vel.3 = vel.4
X
Ainda não se sabe o que é o X;
poderá haver vários X e um deles pode ser o ião Ca
2+.
Adaptado de
Korzeniewski (2006) Am J Physiol Heart Circ Physiol291: 1466
27
Quando um músculo é estimulado por um nervo motor ocorre
despolarização que induz uma cadeia de fenómenos...
Com origem no meio extracelular ou no retículo sarcoplasmático
o Ca
2+move-se para
o citoplasma.
[Ca
2+]
citoplasmático
100 vezes (0,1 M 10 M)
[Ca
2+]
na matriz da
mitocôndria
28Que efeitos provoca o Ca
2+nas enzimas relacionadas com a
oxidação dos nutrientes e a hidrólise do ATP?
NAD
+NADH
nutrientes
CO
2O
2H
2O
H
+ (dentro)H
+ (fora)ADP+Pi
ATP
Síntase do ATP Cadeia respiratória Fosforólise e desidrogénaseCa
2+
citoplasmático
ATPases ATPase da actina-miosina ATPase do Ca2+ Síntase do ATP Complexos I e IV desidrogénase do glicerol-3-P desidrogénases do piruvato do isocitrato do -cetoglutaratoCa
2+
mitocôndrial
cínase da fosforílase do glicogénioQuando se mede a BMR a temperatura ambiente tem de ser agradável. Que acontece se estiver frio?
A despesa energética tem um 3º componente:
despesa energética associada à adaptação ao
frio
.
Trémulo =
[Ca
2+]
citoplasma que estimula processos de
hidrólise de ATP. Estimulação do SNSimpático (SNS) – adrenalina e noradrenalina Estimulação do sistema hipotálamo – hipofisário -tiróide
hormonas tiroideias Desacoplagem (uncoupling) entre fosforilação e oxidação mitocondrial no tecido adiposo castanho. Activação de “ciclos de substrato” aumento da velocidade de hidrólise do ATP. do consumo de O
2e de nutrientes e da produção de calor.
30I
Q
III
cyt c
IV
1 NADH NAD+4 H
+O
H
2O
V
Simp. Pi10 H
+2,5 ADP
+ 2,5 Pi
2,5 ATP
Quando o SNSimpático (e, indirectamente, as hormonas tiroideias)estimulam a UCP1
aumenta a velocidade de oxidação do NADH e dos nutrientes
aumenta o consumo de oxigénio e produção de calor (pode ser para odobro).
O bebé humano não treme mas tem tecido adiposo
castanho, onde existe termogenina (UCP1;
uncoupling protein 1) cuja actividade é estimulada
pelo Sistema Nervoso Simpático.
A UCP1 (Uncoupling Protein 1) é uma proteína da membrana da mitocôndria que, como a síntase do ATP, deixa passar H+ a favor do gradiente mas não sintetiza ATP.
A passagem dos H+diminui o gradiente electroquímico “facilitando a tarefa” (estimulando)
dos complexos I, III e IV… e em última análise a oxidação dos nutrientes.
UCP1
n H
+Leak
+ n/10 NADH + n/10 NAD+SNSimp.
n/10 O(2 H
++
4 H
+)
31No homem adulto
, a resposta termogénica ao frio pode sertambém mediada pelas hormonas tiroideias e pelo SNSimpático que activam o leak de H+ nas mitocôndrias dos músculos e tecido
adiposo castanho [Wijers et al. (2008) PLOSone 3: e1777].
No caso do músculo, os mecanismos e as proteínas envolvidas no aumento do grau de uncoupling mitocondrial são ainda
controversos.
A antiga convicção que o adulto quase não tem tecido adiposo castanho nem UCP1 foi recentemente questionada: a maioria dos adultos tem tecido adiposo castanho[Nedergard et al. (2011) Ann N York Acad Sci 1212: E20].
I
Q
III
cyt c
IV
1 NADH NAD+4 H
+(2 H
++
4 H
+)
O
H
2O
V
Simp. Pi10 H
+2,5 ADP
+ 2,5 Pi
2,5 ATP
Leak
n H
+ + n/10 O + n/10 NADH + n/10 NAD+SNS
UCP1 e ?Quando se mede a BMR o indivíduo deve estar em
jejum há 10-18 h.
Que acontece se tiver acabado de comer?
A ingestão de alimentos provoca no consumo de O2 (e na produção de calor).A despesa energética tem assim um 4º componente:
efeito termogénico dos nutrientes
(ou acção dinâmica específica = denominação que já entrou em desuso).Aumento do consumo de ATP
nos processos de armazenamento de glicose (síntese de glicogénio)e gorduras (síntese de triacilgliceróis).
Estimulação do SNSimpático com
aumento do
leak de H
+ Causas mal conhecidas mas possivelmente associadas a...Aumento da actividade de oxigénases e
oxídases
envolvidas na oxidação de AAs...
33 Quando se estuda o equilíbrio energético, uma boa analogia para o ser vivo é uma lareira em que o calor produzido e o O2consumido correspondem à despesa energética. Tal como numa lareira o calor libertado é a diferença entre
as entalpias dos reagentes (compostos orgânicos que se oxidam e oxigénio que se reduz)
e as entalpias dos produtos (CO2+ H2O + compostos orgânicos incompletamente oxidados).
A despesa energética total = somatório de
(1) BMR (taxa metabólica basal)
a) associado estritamente a hidrólise/síntese de ATP
b) acção de oxídases e oxigénases e desacoplagem na fosforilação oxidativa
(2) despesa energética associada a actividade física (3) efeito termogénico dos nutrientes
(4) despesa energética associada à adaptação ao frio
34
Que acontece se um indivíduo não se alimentar durante algum tempo?
A formação contínua de ADP mantém activos os processos oxidativos e o indivíduo vai oxidando os seus próprios lipídeos, glicídeos e proteínas.
A quantidade total de calor libertado (ou O2consumido)
é a despesa energética.
Se a “lareira” não for alimentada com “lenha” acaba por apagar-se por falta de combustível...
Para manter a “lareira” acesa e com tamanho constante é
necessário adicionar-lhe os combustíveis que se vão queimando...
Um indivíduo em
equilíbrio energético
(= balanço energético nulo) mantém constante a massa corporal porque toma do exterior
energia metabolizável dos alimentos =
despesa energética.
35
A que é que corresponde a energia não metabolizável dos alimentos?
Ainda é possível (por combustão completa numa fornalha) obter energia
das fezes, da urina e dos gazes expirados
parte da energia dos alimentos não é metabolizada
A energia não metabolizável dos alimentos é variável e, num indivíduo sem problemas gastro-intestinais, depende dos alimentos ingeridos e do seu processamento:
1
-
As proteínas geram ureia (da urina) e não N2…2- Os combustíveis perdidos nas excreções não representam energia metabolizável. ... a celulose e outras fibras da dieta não são absorvidas
... dependendo do grau de cozedura uma parte dos nutrientes não é digerida nem absorvida... e perde-se nas fezes ... parte do alcool ingerido e dos corpos cetónicos formados
perdem-se na urina e no ar expirado
Nota: é frequente na literatura médica usar-se a expressão Cal
36como sinónimo de kcal.
Valores
médios... em
kcal/g
Oxidação completa num calorímetro, lareira… Oxidação humana. Energia metabolizável dos alimentos absorvidos e das reservas energéticas. Energia metabolizável dos alimentos que irão ser ingeridos (ou valor calórico fisiológico)Glicídeos
(amido ou glicogénio)4,1
4,1
4
(absorção incompleta)Proteínas
5,9
4,3
(ureia e não N2)4
(absorção incompleta)Lipídeos
(triacilgliceróis)9,5
9,5
9
(absorção incompleta)Etanol
7,1
7,1
7
(perdas na respiração e urina)37 Se a energia metabolizável dos alimentos = despesa energética
o indivíduo tem balanço energético nulo.
Um balanço energético nulo não é sinónimo de alimentação saudável:
Se a energia metabolizável dos alimentos
>
despesa energética balanço energético positivo...diferença = energia de oxidação da matéria orgânica que se acumula no ser vivo...
Se a energia metabolizável dos alimentos
<
despesa energética balanço energético negativo...diferença = energia de oxidação da matéria orgânica do ser vivo que se oxida e não é reposta... 38 pequeno almoço almoço lanche jantar a dormir Períodos de “ginástica” Taxa da despesa energética total e ingestão calórica ao longo de um dia
num indivíduo adulto sedentário
Quando falamos de balanço energético não é adequado pensar
em períodos curtos de tempo.
Ao longo das horas de um dia (quase; termogénese associada à ingestão de alimentos) não há relação entre a (1) energia metabolizável dos nutrientes ingeridose a
(2) despesa energética.
A maior parte dos adultos tende a manter o peso mais ou menos estável durante largos períodos de tempo (meses ou anos) existem mecanismos neuro-endócrinos que tendem a ajustar o valor calórico da dieta (apetite) ao da despesa energética.
Energia metabolizável dos alimentos ingeridos Despesa energética total 39 Nos mamíferos adultos saudáveis e com alimentos disponíveis (e “apetecíveis”)
a energia metabolizável dos alimentos tende a equilibrar (ou a suplantar ligeiramente) a despesa energética (= balanço energético nulo ou ligeiramente +).
Na regulação homeostática da ingestão de alimentos estão envolvidas hormonas libertadas no tubo digestivo, no pâncreas e no tecido adiposo. O hipotálamo é o local do cérebro mais importante na regulação do apetite.
Por exemplo:
1) A leptina é uma hormona sintetizada no tecido adiposo a uma velocidade proporcional à sua massa.
A leptina tem receptores em núcleos hipotalâmicos que quando estimulados pela leptina inibem o apetite.
2) A colescistocinina é libertada no intestino quando uma refeição contém lipídeos; estimula o nervo vago induzindo saciação.
40 Os mecanismos homeostáticos neuro-endócrinos tendem a manter a energia metabolizável dos alimentos igual à despesa energética mas ... os hábitos dietéticos e a baixa actividade física na civilização ocidental moderna
aumento de peso médio de cerca de 10 kg entre os 25 e os 40 anos de idade. Qual o valor da diferença entre a energia metabolizável dos alimentos e a despesa energética que explica este aumento de peso?
8 000g * 9,5 kcal/g = 76 000 kcal 400g * 4,3 kcal/g = 1 720 kcal 77 720 kcal 77 720 kcal / (365 dias *15 anos) = excesso médio de 14,2 kcal por dia Considerando uma despesa energética média de 2400 kcal/dia
... para engordar 10 kg em 15 anos basta ter um balanço energético positivo de + 0,59 %.
O único método de avaliação do balanço energético é a comparação da massa corporal (eventualmente complementada com a avaliação da sua composição) em dois momentos temporais
(
intervalo > 1 mês, por exemplo).
“Antes que apodreçam, o sítio mais seguro para guardar os alimentos em excesso é no próprio tecido adiposo.”
41 A variação no tempo da massa dos diferentes compartimentos do organismo (massa gorda e massa isenta de gordura) pode servir para saber se existe balanço energéticopositivo, nulo ou negativo e para quantificar o seu valor.
Déficit calórico admitindo que:
(1) variação de reservas de glicídeos = 0 (2) 20 % da massa isenta de gordura = proteína
14 500 g Lip * 9,5 kcal/g = 137 750 kcal 2 020 g Pro * 4,3 kcal/g = 8 686 kcal 146 436 kcal
balanço negativo = 1 541 kcal/dia
Valor calórico da dieta diária foi estimada = 5 070 kcal/diaA despesa energética diária foi estimada pela técnica da “água duplamente marcada” em dois períodos de 15 dias cada = 6 524 kcal/dia
balanço negativo = (
6 524
–
5 070
) = 1 454 kcal/dia
Aceitando os pressupostos, os dois valores (1541 e 1454 kcal/dia) deveriam ser iguais; a pequena diferença resulta do erro experimental.
Exemplo de um estudo que incluiu uma viagem à Antártida durante 95 dias [Straud et al. (1994) Clin Sci 87 supp: 54]
42 O Quociente Respiratório (Respiratory Exchange Ratio) varia com o tipo de nutriente que está a ser oxidado.
QR =
CO
2/
O
2 O QR é 1 quando se oxidam glicídeos e 0,7 quando se oxidam lipídeos. O QR das proteínas tem, em média, um valor intermédio 0,84.O calorímetro indirecto mede as velocidades de consumo de O2e a produção de CO2 permitindo calcular a despesa energética e o Quociente Respiratório (QR)
QR = moles ou volume CO2excretado / moles ou volume de O2consumido.
glicose (C6H12O6) + 6 O2 6 CO2+ 6 H2O 6/6= 1 palmitato (C16H32O2) + 23 O2 16 CO2+ 16 H2O 16/23= 0,7 glutamina (C5H10O3N2) + 4,5 O2 4 CO2+ 3 H2O + 1 ureia 4/4,5= 0,9 leucina (C6H13O2N) + 7,5 O2 5,5 CO2+ 5,5 H2O + 0,5 ureia 5,5/7,5= 0,73
O QR seria
0,7
se, num dado momento, os únicos nutrientes a serem oxidados fossem lipídeos.O QR é 1
se, num dado momento, o único nutriente a ser oxidado é a glicose (ou e glicogénio).
Glicose +
O
2Triacilgliceróis
+ O
2Na prática em todos os
momentos oxidamos
misturas
de glicídeos,
lipídeos
e proteínas
… com diferentes
proporções que dependem
da:
(1) dieta (mais ou menos
rica em lipídeos versus
glicídeos),
(2) do estado nutricional e
(3) da intensidade do
exercício físico.
QR = 1
QR = 0,7
44 Em jejum(antes do pequeno almoço, por exemplo)
a insulina está baixa
(1) inibição das enzimas e transportadores que promovem a oxidação da glicose(2) estimulação a lipólise e (3) estimulação da cartinina-palmitil-transférase 1 (que promove a oxidação dos ácidos gordos).
Durante o período absortivo de uma refeição que contenha glicídeos, a insulina está alta
(1) estimulação das enzimas (glicocínase e cínase da frutose-6-P hepáticas, desidrogénase do piruvato) e dos
transportadores (GLUT 4 no músculo) que promovem a oxidação da glicose e
(2) inibição a lipólise (= hidrólise de triacilgliceróis) e
(3) inibição da
cartinina-palmitil-transférase 1 (o que implica inibição da oxidação dos ácidos gordos).
QR
entre 1 e 0,95
QR 0,85
O QR aumenta, aproximando-se de 1, quando oxidamos glicídeos
e baixa, aproximando-se de 0,7, quando oxidamos lipídeos.
45 Loon et al. (2001) J Physiol 536: 295-304. Em jejum (e em repouso ou com exercícios de baixa intensidade) o consumo de glicose é mais baixo que e o de lipídeos.
No entanto, quando (mesmo em jejum) se aumenta a
intensidadedo exercício o consumo de glicose e de
glicogénio muscular aumenta muito mais que o de gorduras o QR sobe e aproxima-se de 1 porque...
1- O Ca2+citoplasmático estimula (1a) a cínase da fosforílase do
glicogénio e (2b) a fosfátase da desidrogénase do piruvato. 2- Mobilização de GLUT4 para a membrana sarcoplasmática independente da insulina (via AMPK).
3- [AMP] citoplasmático cínase-1 da frutose-6-P
4- Diminuição da oxidação em beta; talvez por inibição da carnitina-palmitil transférase I causada por descida do pH.
glicogénio muscular glicose plasmática
triacilgliceróis do musculo
ácidos gordos livres plasmáticos
QR=0,83 QR=0,93
46 Num indivíduo em balanço energético nulo em que a composição corporal também não varia, o seu QR médio = “QR” da dieta (food RQ).
30 dias com despesa de 2400 kcal/dia = 72000 kcal e igual valor
de energia metabolizável na dieta
Dieta:
X g de glicídeos + Y g de lipídeos + Z g de proteínasO
2 X g de glicídeos oxidados + Y g de lipídeos oxidados + Z g de proteínas oxidadas70 kg de
peso
70 kg de
peso
Quando estamos a emagrecer (balanço energético negativo) oxidamos toda a dieta + triacilgliceróis endógenos QR < “QR” da dieta
Quando estamos a engordar (balanço energético positivo) oxidamos todos os glicídeos da dieta, mas parte dos ácidos gordos da dieta são armazenados QR > “QR” da dieta
47 Se se está em jejum total (excepto água) prolongado (um mês por exemplo) o glicogénio hepático e musculardesaparece ao fim de poucos dias e
oxidamos as nossas gorduras e proteínas. Ao longo do jejum prolongado a BMR vai baixando (porque as hormonas tiroideias baixam), a actividade física reduz-se a quase zero… Admitamos que no dia 20 de jejum total… gordura = 100 g / dia proteína = 50 g / dia BMR = 100 x 9,5 + 50 x 4,3 = 1165 kcal/ dia
Qual o QR?
L de CO2= 100 g/dia x 1,39 L/g + 50 g/dia x 0,75 L/g = 176,5 L / dia L de O2 = 100 g/dia x 1,96 L/g + 50 g/dia x 0,94 L/g = 243 L / dia QR= 176,5 L CO2 / 243 L O2=0,73
No jejum total a única fonte de glicose é a gliconeogénese. O gliceroldos triacilgliceróis e os aminoácidosdas proteínas fornecem substrato para a síntese de glicose.1 g de TAG (glicerol)
0,1 g de glicose; 1 g de aminoácidos
0,6 g de glicose. 100 g x 0,1 + 50 g x 0,6 = 40 g de glicose; …seria insuficiente para nutrir o cérebro se, no jejum total, não estivesse activada a cetogénese…48
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