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EXPERIMENTAR A ARTE, EXPERIMENTAR A SI: Helio Oiticica, entre memórias e parangolés

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Academic year: 2021

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EXPERIMENTAR A ARTE, EXPERIMENTAR A SI: Helio Oiticica, entre memórias e parangolés

Anna Corina Gonçalves da Silva* Resumo: O nome de Oiticica se associa à “arte experimental” e ao neoconcretismo, que investindo em linguagens genuinamente brasileiras, postulou explorar de forma crítica os “dogmas da arte”. Mas seu nome nos aparece aqui não somente pertencente à história da arte, mas trazendo-nos problemas e questões que transcendem este domínio: através da sua produção artística e dos seus escritos, fornece à História um legado material e intelectual profícuo para se pensar também o “lugar” das sensibilidades na construção das ideias e da relação entre realidade e representação. A partir de um “laboratório experimental”, Oiticica explorou os limites dos espaços oferecidos pela Arte, procurando romper com os contornos entre expectador e obra; em seus Penetráveis, Parangolés e Ninhos, buscou a relação imediata com as cores, o corpo e os espaços sensoriais e físicos. Porém, como falar de experimento sem ter-se experimentado? Em torno desta questão tomamos seus escritos não como explicações da sua obra, mas como parte integrante dela, pois ao abordarem suas vivências artísticas e intelectuais, suas “andanças” pela cidade, tratam de questões que identificamos ser inquietação central da sua produção: a relação entre questões sociais e espaciais, entre homem, cidade e arte.

Palavras-chave: Helio Oiticica; Experimentalismo; Sensibilidades

Abstract: Oiticica's name is associated with "experimental art" and neoconcretism, that investing in a a genuinely Brazilian language, explored critically the "dogmas of art". But his name appears here not only belongs to the history of art, but by bringing problems and issues that go beyond this field: through his artistic production and of his writings, the history provides a useful intellectual and material legacy to think also "place" of the sensitivities in the construction of ideas and the relationship between reality and representation. From an "experimental laboratory", Oiticica explored the limits of space offered by the Art, looking to break the boundaries between viewer and work: through his Penetráveis, Parangolés and Ninhos, sought the immediate relationship with the colors, the body and the spaces sensory and physical. But as talk of the experiment without having to be tried? In this issue we take his writings not as explanations of his work, but as an integral part of it, because when addressing their artistic and intellectual experiences, their "wandering" around the city, his

* Historiadora, especialista em Artes Plásticas, mestranda em História Social da Cultura, PUC-Rio, linha de pesquisa História da Arte e da Arquitetura. Bolsista Cnpq.

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writings deal with issues that we consider as central of its production: the relationship between social issues and space, between man, city and art.

Keywords: Helio Oiticia; Experimentalism; Sensibilities

Os fios soltos do experimental são energias que brotam para um número aberto de possibilidades. Helio Oiticica Ao analisar a trajetória de Oiticica propomos contextualizá-lo de forma a compreender suas propostas e inquietações. Não é de nossa intenção encontrar conseqüências imediatas aos seus feitos nem de procurá-los, e sim buscar uma orientação paralela aos “mundos” criados e vivenciados em suas obras e escritos.

O nome de Helio Oiticica se associa à “arte experimental” e ao Movimento Neoconcreto, que investindo em linguagens genuinamente brasileiras afins ao projeto construtivo brasileiro, postulou explorar de forma crítica as estruturas clássicas da Arte. No início dos anos 1960, Oiticica se relacionou com artistas como Lygia Clark que deram início a trabalhos investigativos quanto à estrutura espacial construída no plano da tela e críticos de arte como Mario Pedrosa que afim com estes estudos, direcionou-se a análise e divulgação desses, ou como ele sugeriu de um “exercício experimental de liberdade”.

O experimentalismo surgiu em meio às propostas neoconcretas, que procuravam explorar na arte um novo ambiente expressivo, fenomenológico – inspiradas em Merleau-Ponty - e perceptivo, relativizando os espaços e limites entre linha e quadro. Ao priorizar a arte enquanto processo contínuo de estudo entre corpo, artista, expectador e obra, esses artistas acreditavam que a ação artística derivava das experiências vividas. Esse manifesto teve como propósito iniciar uma nova linguagem de vanguarda tanto nas artes visuais, quanto na literatura, abolindo o ilusionismo tridimensional da pintura e expandindo-as para um diálogo entre espaço físico e subjetivo do participador. Neste sentido, o termo experimental serviu para designar a busca de liberdade em utilizar variados materiais de maneiras múltiplas como artifício artístico, a partir de novas mídias e novas propostas, como “caminho

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sensorial”, em que o corpo é entendido como força motriz. O resultado final, que seria a obra, foi considerado parte da vivência do espectador e do artista, enquanto maneiras de diálogo, desviando assim o caráter da arte como meramente visual – para o domínio experimental.

Esse exercício mostrava-se como uma forma crítica à figura da arte vinculada ao do quadro, à figura do artista e do museu/galeria. Helio Oiticica foi um dos artistas que se preocuparam em expor criticamente esse momento através de ensaios, artigos e também em seu próprio trabalho. Abordando a “crise” da pintura e escultura e a importância da vanguarda enquanto ampliadora de novos projetos, discursos, circuitos, sons, materiais, espaços, debates, etc., exercícios nos quais tivessem relação com a vida e a vivência.

No Brasil, particularmente, as propostas vinculadas ao experimentalismo estavam ligadas ao uso de materiais precários e de baixo custo, a fim de conectar a realidade econômica brasileira às artes. Porém, o vínculo procurado na experiência experimental também se relaciona à aprendizagem e ao infinito campo de possibilidades investidas na busca pelo conhecimento individual e mútuo. Oiticica em seus escritos enfatiza em não categorizar o exercício experimental enquanto Arte, pois sua categorização seria uma forma de criar limites onde deveriam ser inexistentes. Essa “abertura” possibilitou que o tratamento artístico encontrasse novas áreas de atuação, como os espaços urbanos, através de happenings, performances, vídeos, fotografia, etc., configurando-se como um novo espaço de ação. Assim, o espaço e o tempo da arte poderiam ser partilhados com a vida e o espectador.

Nos início dos anos 70, Helio Oticica foi viver em Nova York e lá se dedicou à escrita, enquanto recurso de conversa com seus trabalhos já realizados e projetos futuros. Seu projeto era preparar um livro com plantas, esboços, textos e fotografias de seu percurso. Nesse período, seus trabalhos envolveram ações utilizando super-8, novos Parangolés [1964-66] e os projetos Labirintos [1971-72] e Cosmococa [1973]. E seu apartamento tornou-se uma extensão de trabalhos como Éden [1969] e o Crelazer [1969], que ocupavam todo o espaço, formando diversos Ninhos [1970-74], caixas-cômodos divididos onde cada pessoa tinha seu território delimitado em meio à coletividade do complexo.

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O livro não chegou a ser publicado, mas fora produzida uma gama de anotações que se entrecruzam com sua vida e obra, ou vida-obra, pois sua separação seria como ignorar os espaços deixados em brancos e sua escrita-invenção, a fim de criar uma lógica linear. O que sugerimos como escrita-invenção está ligada a expressões criadas por Oiticica, tais como Parangolé, Crerlazaer, Apocalipopótese [1969], Babylonests (1973-74), Orgramurbana [s.d.] entre outros e do uso “aberto” de sinais como : [dois pontos], estabelecendo um universo de perspectivas e intermitências na leitura. Como assinala Cecília Cotrim,

a escrita-invenção de Oiticica tem caráter progressivo e hiperbólico, como pode imediatamente revelar sua espacialização, seu caminhar que segue o encaminhamento ininterrupto de sinais de : (dois pontos). De dentro da experiência do limite surge o próprio ilimitado, de dentro do impossível, da ‘mais valia de vazio’, o jogo das possibilidades. (COTRIM, 2009: 67-68).

Os manuscritos e produção artística de Helio Oiticica ainda são labirintos a serem percorridos de eventos e ações no espaço – sobretudo no Aterro do Flamengo, no Museu de Arte Moderna do Rio Janeiro, nas ruas do centro da cidade e nas escolas de samba. Território e encontro do ato artístico com a escrita, como maneiras de “propor” experiências. Ou, como sugerido pelo próprio Oiticica, um “laboratório experimental”: forma de explorar os limites dos espaços oferecidos pela Arte, procurando romper com os contornos entre expectador e obra, como sugerem seus Penetráveis, Parangolés e Ninhos, que buscaram a relação com as cores, o corpo, espaços sensoriais e físicos. Eis, portanto, a inquietação que nos parece atravessar a relação escritos-obras-vida em Oiticica: como falar desse universo experimental sem ter-se experimentado? Em outros termos, como elogiar os sentidos, apologizar o mundo-vivido e o “experimento” sem recorrer aos meios “tradicionais” quais esta posição faz criticar. Diz Hélio:

Quando digo explorar o mundo q seria? – a meu ver o q deve ser é q eu estaria cogitando da possibilidade especial quanto à atividade-comportamento individual na qual postos de lado todos os hang-ups q nos ligam ao ambiente-terra imediato onde “crescemos” e o convívio compulsório q daí advem (família, etc.) e nos lançamos on our own numa condição de explorar (nem q seja por um instante) e conhecer o que não se conhece e nesse instante o MUNDO torna-se SHELTER: se isso se torna motivo para contínuo experimentar assume-se o experimental: não interessam as formas intermediáveis e casos individuais (lentos, por etapas, instantâneos, etc.).(OITICICA,1973:2).

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Percebemos nessa breve passagem a problemática antes introduzida: através da escrita-invenção, poderíamos dizer, Oiticica trata do experimental, experimentando. Deste modo, seus escritos não podem ser tomados como relatos, ou como “explicações” de sua obra, mas como componente integrante de suas vivências artísticas e intelectuais; partes de um corpo que sofreu transformações em “andanças” pela cidade, acontecimentos e contatos pessoais. Integrando e criando uma fluidez entre obra plástica e espaço físico, atravessada por relações sociais e espaciais, da co-relação homem, cidade, arte.

Sandra Pesavento aborda a sensibilidade “como uma escrita e leitura da alma” (PESAVENTO, 2007: 9), ou como uma resposta do agente ao estar no mundo, conectado a sua realidade, traduzindo em sensações e emoções quando em contato com os fenômenos físicos e psíquicos, expondo assim seu íntimo. Para Pesavento, mesmo se tratando de uma atitude individual, ela também pode ser compartilhada, uma vez que é sempre social e histórica, podendo resgatar emoções, sentimentos, idéias e desejos, experiências sensíveis vivenciais e representativas.

É neste sentido que nos parece pertinente o olhar sobre as sensibilidades, já que nem obra, nem vida, nem representações, nem “realidade”, são “dados” e evidentes, tanto em fragmentos ou em suas possíveis plenitudes. As redes de sensações passadas por Oiticica ao ambiente social sugeriam a criação de relações sensoriais com o mundo real. Manifestações estas que buscavam relacionar a arte ao meio enquanto “propositor” de situações que poderiam desloca-se no espaço e tempo, tornando o processo “obra”, assim, não mais cabendo como um objeto posto na parede. O cuidado em estabelecer na narrativa um espaço relacional com o lugar criando transições e fluxos entre seus agentes tratam na diversidade da imagem, do texto e da experiência arranjos entre arte e mundo, questionando-o, imaginando-o e habitando-o.

Seus procedimentos libertavam a linguagem sugestionando a continuação de algo que não estava escrito no papel, como um guia em branco, que poderia sofrer transformações ao longo de onde este passasse, aberto a acontecimentos, tanto para ele quanto para o leitor. Um projeto inacabado, work in progress, experimental, que conversava com assuntos

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diversificados que se entrelaçavam nos campos da arte, estética, escritos de outros artistas, literatura e música. “Ele era interessado em suas paginações abertas, em suas formas indefinidas, sem começo, meio ou fim explícitos, em sua linguagem espiralada e inventada” (COELHO, s.d). Sendo apropriados e incorporados em seus escritos e obras.

Sua proposta estava em construir um texto independente, porém conectado em diagramas análogos temporalmente e espacialmente, compreendendo seus manuscritos, anotações, plantas, versões datilografadas e fotos. Assim como o livro de Oiticica, seu arquivo é um espaço. “Aliás, mais que espaço físico – gavetas, pastas, caixas -, o arquivo é um espaço de produção de sentido. Ele é um instrumento de autopreservação e, simultaneamente, uma técnica de ação pessoal frente à vida.”. (COELHO, s.d.). Patrícia Guimarães discute este caráter inventivo da escrita de Oiticica, observando:

A ênfase na materialidade do texto, porém, somente subverte a pretensão teórica se, por teoria, entende-se o conceito puramente abstrato. Dizer que seus experimentos com a palavra, a partir daí, situam-se no campo específico da literatura, seria confiná-los a um alcance restrito. Ao decidir escrever textos poéticos (sobretudo, a partir de 1968), Oiticica parece ter em mente uma espécie de ‘gênero sem gênero’ de escrita, adequado à sua proposição Ambiental/Experimental. Inventa sim alguns poemas e histórias curtas, p. ex., aquela escrita durante sua estada em Sussex, intitulada “AUTO I” (1969), na qual a fronteira entre relato da memória de sensações experimentadas, prosa poética e conceito crítico é indecidível. (GUIMARÃES. 2008: 5).

Sentidos nos quais se tornaram membranas da escrita na paisagem, do corpo com a obra, enquanto formas poéticas de se fazer arte. Um exemplo são seus Parangolés, suas capas Bólode Saco 4 “Teu amor eu guardo aqui” [1967], Bólode Poema, “A tua na minha”[1980], panos que cobriam o corpo, enquanto um motivador de liberdade, visão, de crítica as privações das sensações e experiências. Como diz Guy Brett, “ver é, primordialmente, uma dialética de experiências, cada uma delas em contradição com as demais, entre um contínuo jogo entre o que é revelado e o que é velado no mundo, na realidade.” (BRETT, 2005: 67).

Seu experimento com a palavra a modelou de forma a não prendê-la no papel, estabelecendo uma escrita que tomou rumos próprios; contracenando com o exercício diário de escrever, reunindo conceitos próprios e de terceiros e construindo um universo experimental de memória, reflexão e sensibilidade. Como sugere Frederico Coelho, “Oiticica

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inventava seu dia-a-dia transformando ideias em textos, projetos em potencias, vida em arte”. E sua trajetória ainda é fonte de contínua investigação e experimentação literária, de uma produção impar que nos pode aproximar do conjunto de subjetividades presentes na linguagem artística brasileira dos anos 1960 e 70.

Referências:

BRETT, Guy. Brasil Experimental, Arte/Vida: proposições e paradoxos. Rio de Janeiro: Ed. Contracapa, 2005.

COELHO, Frederico. Babylonests: Espaço e Escrita na Obra de Helio Oiticica. Revista Noz O4, Rio de Janeiro, s. d.

COTRIM, Cecília. Arte Deriva: a escrita como processo de invenção. Rio Janeiro. Revista Arte Ensaios, n.°17. 2009.

GUIMARÃES, Patrícia Dias. A poética progressiva de Helio Oiticica. Anais do II Seminário de Pesquisadores do PPGartes, UERJ, 2008. Disponível em:

http://www.ppgartes.uerj.br/seminario/2sp_artigos/patricia_guimaraes.pdf

LANGUES, Frédrerique; PESAVENTO, Sandra Jatahy (org). Sensibilidade na História: Memórias Singulares e Identidades Sociais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007.

OITICICA, Helio. Experimentar o experimental. Caderno, New York. 1972. Disponível em:

http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia/ho/home/index.cfm

_______________. O Mundo-Abrigo. New York, 1973. Fonte:

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/detalhe/docs/dsp_imagem.cfmname=Nor mal/0194.73%20p02%20-%20484.JPG

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