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Processo 13254/19.0T8SNT.L1-2 Data do documento 24 de setembro de 2020 Relator Arlindo Crua

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

União de facto > Arrolamento > Bem móvel

SUMÁRIO

I – Ocorre justificado uso da providência ou procedimento cautelar nominado de arrolamento por parte de alguém que reivindica o direito a determinados bens e evidencia que outrem, com a prática de determinados actos, faz nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor dos mesmos os extravie, oculte ou dissipe, previamente ao almejado reconhecimento judicial definitivo daquele afirmado direito ; II - como providência ou procedimento típico, o arrolamento visa esconjurar ou salvaguardar a específica e justificada situação de perigo ou receio relacionada com o extravio, ocultação ou dissipação de bens ou documentos, traduzindo este o periculum in mora especifico deste procedimento cautelar ;

III – duma situação de vivência em união de facto, ou de situação similar a esta, decorrem relações patrimoniais donde podem advir a existência de situações de compropriedade na aquisição de um activo, sendo até bastante natural e normal que tal ocorra, principalmente quando aquela vivência se prolonga por um período temporal assaz longo ;

IV – cessada ou dissolvida aquela vivência, e reconhecido o estabelecimento de relações patrimoniais nadas daquela específica tipologia de relacionamento interpessoal, vê-se a jurisprudência confrontada com a necessidade de regulá-las ou defini-las, recorrendo, fundamentalmente a mecanismos de direito comum, entre os quais o regime das sociedades de facto (num período de resolução inicial) e o regime do enriquecimento sem causa.

TEXTO INTEGRAL

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:

I – RELATÓRIO

1 – Após prolação de despacho de convite à apresentação de novo requerimento inicial, MM…, residente na Avenida …, nº. …, …º A, em Lisboa, e DA…, residente em Calle …, …, …, Albendas, Madrid,

(2)

viram intentar a presente providência cautelar comum (inominada) e de Arrolamento, contra: JF…, residente na Avenida …, nº. …, …º Esquerdo, em Lisboa,

deduzindo o seguinte petitório:

- que seja proferida decisão que determine a notificação do Requerido para que se abstenha de vender ou prometer vender, onerar ou prometer onerar os dois prédios mistos que compõem a denominada Quinta …, em Colares, Sintra ;

- que seja proferida decisão que determine o arrolamento de todos os bens móveis e documentais que se encontrem nos prédios mistos identificados, que compõem a denominada Quinta …, em Colares, Sintra ; - que sejam decretadas as providências sem audição do Requerido ;

- que seja ordenado o imediato registo das duas providências requeridas. Alegaram, em suma, o seguinte:

· o imóvel melhor identificado nos autos pertence ao Requerido muito embora este tenha sido adquirido na proporção de metade entre este e a mãe das requerentes, a saber AM…, entretanto falecida, aquisição essa apenas titulada por um contrato de promessa de compra e venda junto aos autos ;

· a mãe das Requerentes viveu sozinha e exclusivamente no imóvel em apreço desde aproximadamente 1995 até à data da sua morte em 2019 sendo dela a pertença dos bens móveis existentes no seu interior ; · existem dificuldades de relacionamento das Requerentes com o Requerido, o qual, no seu entender, lhes negou o acesso ao interior do imóvel após o óbito de sua mãe, impedindo-as assim de inventariar os bens de sua titularidade.

As Requerentes juntaram documentos e arrolaram testemunhas, tendo o procedimento cautelar sido instaurado em 23/08/2019.

2 – Conforme despacho de fls. 87 a 89, foi determinado o indeferimento liminar e de forma parcial do procedimento cautelar, no respeitante aos seguintes pedidos:

- que seja proferida decisão que determine a notificação do Requerido para que se abstenha de vender ou prometer vender, onerar ou prometer onerar os dois prédios mistos que compõem a denominada Quinta …, em Colares, Sintra ;

- que seja ordenado o imediato registo das duas providências requeridas.

3 – Conforme despacho de fls. 89, determinou-se o prosseguimento dos autos sem contraditório prévio do Requerido.

4 – Designada data para a inquirição da testemunha arrolada, veio esta a ocorrer conforme acta de fls. 33 e 34, tendo ainda a Requerente MM… prestado declarações de parte.

5 – Em 25/11/2019, foi proferida decisão, em cujo DISPOSITIVO consta o seguinte: “III – DECISÃO

Face ao exposto, julgo procedente o presente procedimento e em consequência, ordeno o arrolamento de todos os bens móveis e documentais que se encontrem nos prédios mistos que compõem a denominada “Quinta …”, em Colares, Sintra.

*

Depositário: os respectivos detentores dos bens.

(3)

Custas pelos requerentes na proporção do decaimento, a atender na acção respectiva - art. 539.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Registe e notifique, sendo os requerentes com a advertência do art.373.º, n.º1, do CPC e o requerido para os efeitos do exposto no art. 366.º n.º 6 do mesmo diploma”.

6 – Notificado nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 366º, nº 6 e 372º, ambos do Código de Processo Civil veio o Requerido apresentar oposição, alegando em suma que:

- o imóvel identificado nos autos pertence-lhe na sua totalidade, assim como a maioria dos bens móveis que nele se encontram, identificando os bens móveis pertença da falecida AA… ;

- inexiste qualquer perigo de extravio dos mesmos por parte do Requerido que sustente a providência cautelar de arrolamento.

Conclui, no sentido de ser julgada procedente a oposição apresentada e recusada a providência requerida. Juntou documentos e arrolou prova testemunhal.

6 – Foi designada data para a inquirição das testemunhas, a qual veio a ocorrer, conforme actas de fls. 196 a 199 e 254-A.

Consta da primeira acta, datada de 06/02/2020, o seguinte:

“De seguida, foi pedida a palavra pelo Ilustre Mandatário do Requerido, sendo-lhe concedida, no seu uso disse:

As Requerentes alegaram no requerimento inicial que pertenciam à sua falecida mãe cerca de 60% dos bens existentes na Quinta dos Altos, na fase introdutória do presente arrolamento depuseram o pai da Requerente e a própria e no seu depoimento referiram o que tinha sido alegado que cerca de 60% dos bens pertenciam à falecida. Pela douta sentença proferida nos autos foi ordenado o arrolamento de todos os bens móveis e documentais que se encontravam na quinta, no auto de arrolamento elaborado nos autos foram arrolados todos os bens que se encontravam na quinta segundo nele se refere, nos art.º 74º e seguintes da oposição o Requerido identifica os bens que pertenciam à falecida e no art.º 108º referiu que esses bens deveriam ser removidos e por isso declarada a cessação da providência por isso muito respeitosamente sugere-se ao Tribunal que notifique as requerentes para identificar, caso os haja, quais os bens para além dos identificados pelo Requerido que lhe alegam pertencer pois de outra forma estar-se-á a praticar actos inúteis proibidos por lei.

*

Dada a palavra ao Ilustre Mandatário das Requerentes, pelo mesmo foi dito:

As Requerentes vieram a juízo alegar que a sua progenitora seria proprietária de cerca de 60% dos bens móveis situados nos imóveis que compõe a Quinta … esta afirmação das Requerentes consubstancia um valor mínimo seguro quanto à quantidade de bens que seriam propriedade da senhora AA… uma vez que o presente procedimento será dependente de uma acção onde se irá discutir a titularidade dos bens pertencentes à senhora AA… as Requerentes pediram que fossem inventariados através de um arrolamento todos os bens existentes na Quinta … o que o Tribunal deferiu contudo tratando-se a diligência de arrolamento neste caso de uma diligência complexa e demorada face à quantidade de bens em causa no momento do arrolamento houve o cuidado de apenas serem arrolados bens que no entender das Requerentes pertenceriam na totalidade ou em parte à senhora AA… pelo que respondendo directamente

(4)

ao requerimento do Requerido não se vislumbra necessidade da notificação uma vez que os bens que as Requerentes entendem pertencer à senhora A… são todos os bens que constam no auto de arrolamento. Por último não poderá deixar de assinalar o facto de o Requerido não ter mencionado na sua oposição à providência cautelar como bens pertencentes à senhora AA… todo o vasto espólio documental com importância relevantíssima ao nível da prova da titularidade dos bens arrolados pelo que tendo as Requerentes respondido directamente ao requerido não se vislumbra qualquer necessidade da notificação solicitada.

*

Após, pelo Mm.º Juiz, foi proferido o seguinte: DESPACHO

Tendo em consideração o teor do requerimento que antecede assim como a resposta ao mesmo cumpre salientar o seguinte:

Certo é que no art.º 19º do requerimento inicial é dito pelas Requerentes que cerca de 60% do recheio do imóvel melhor identificado nos autos pertenceria à sua mãe. Também é certo que tal requerimento inicial termina peticionando o arrolamento de todos os bens existentes dentro do imóvel em apreço o que se determinou. Do teor da peça processual em causa enquanto declaração de vontade emitida no sentido de obter um provimento por parte do Tribunal é possível retirar a interpretação de que existia dúvidas quanto a quais os bens da titularidade da mãe das Requerentes, que apenas se dissipariam com o arrolamento de todos os bens em causa, tal como aliás foi determinado.

No mais, certo é que as Requerentes na resposta ao requerimento supra afirmam que os bens indicados no auto de arrolamento correspondem efectivamente àqueles que são da titularidade de sua mãe tendo excluído do auto de arrolamento outros que consideraram não lhe pertencer.

Face ao exposto inexiste qualquer necessidade de proceder à notificação solicitada supra, sendo que, de acordo das regras do Código do Processo Civil a decisão proferida nos autos poderia ter sido impugnada via recurso o que não foi, havendo agora que produzir a prova indicada na oposição com vista a apurar sobre a bondade ou falta da mesma dos argumentos novos carreados para os autos pelo Requerido.

Face ao exposto indefere-se o requerimento supra. Notifique”.

7 – Posteriormente, em 15/06/2020 – cf., fls. 255 a 263 -, foi proferida Decisão, nos termos do nº. 3, do artº. 372º, do Cód. de Processo Civil, em cujo DISPOSITIVO consta o seguinte:

“VI - DECISÃO

Face ao exposto, nos termos dos arts. 372.º n.º 3 do CPC determina-se a manutenção da providência decretada uma vez que nenhum argumento de facto ou meio de prova carreado para os autos foi considerado suficiente para afastar os motivos em que se fundou a decisão anterior, e em consequência, mantém-se o arrolamento de todos os bens móveis e documentais que se encontrem nos prédios mistos que compõem a denominada “Quinta …”, em Colares, Sintra.

*

Custas pelo Requerido (cfr. art. 527.º n.º 1 do CPC) mantendo-se o valor da causa em €30.000,01. Notifique”.

(5)

8 – Inconformado com o decidido, o Requerido interpôs recurso de apelação por referência à decisão prolatada,.

Apresentou, em conformidade, as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem, na íntegra): “1ª

O presente recurso vem interposto da aliás douta sentença que, em oposição ao arrolamento já decretado e executado, decidiu a "… a manutenção da providência decretada, uma vez que nenhum argumento de facto ou meio de prova carreado para os autos foi considerado suficiente para afastar os motivos em que se fundou a decisão anterior …" (cit.). Porém,

Na decisão julgou-se provado, sob a alínea I) que as Requerentes tinham tomado conhecimento que a Quinta … estava à venda pelo site de venda de imóveis “Portugal Property” quando, porém,

Ao minuto 35.00 das suas declarações de parte, prestadas no dia 25.11.2019, com início a 14:16:02 e termo em 14:52:36, a Requerente, perguntada se sabia que o requerido tinha a casa à venda, declarou que nos dias finais da vida, a Mãe lhe perguntou se podia ir à Internet ver o sítio da mediadora imobiliária e, quando a Requerente lhe perguntou a razão, respondeu que uma mediadora da Remax tinha perguntado ao portão se a quinta estava à venda, o que a Mãe tinha negado, para ouvir a resposta de que estava a ser divulgada no site ali indicado. Ou seja,

A pretensa venda alegada como justificação do pretenso periculum in mora (cfr. artigo 9º da p.i.) era afinal conhecida há mais de dois anos …

Esta conclusão é confirmada pela resposta, junta aos autos em 19.06.2020 e atendível nos termos do artigo 661º. nº. 1 do CPC, da familiar da falecida AA…, ML…, à informação solicitada pelo tribunal, que esclareceu que ao serviço da empresa mediadora “Berkshire Hathaway” tinha recolhido as informações sobre o imóvel depois colocadas na internet: a quinta nunca esteve à venda e a colocação na Internet resulta de factos praticados ainda em vida de AA…, com o seu conhecimento e da Requerente M…. Em consequência,

Resulta do depoimento da Requerente, não contraditado por qualquer outro depoimento prestado nos autos e corroborado pelo referido documento, que a alínea I) dos factos provados não devia ter sido incluída entre os factos provados.

Por outro lado, 7ª

Resulta da motivação da matéria de facto que nesta decisão apenas se atendeu às declarações de parte da Requerente interpretadas segundo inválidas presunções judiciais:

Considerou-se que duas pessoas que vivem em comum, ainda que não coabitem, têm de ter bens comuns (“… a realidade dos factos mostra-se desfavorável a qualquer pretensão de titularidade exclusiva desses

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mesmos bens” - cit.) 9ª

Considerou-se que o requerido tinha a pretensão de titularidade exclusiva dos bens, apesar de, ao contrário das Requerentes, ter reconhecido e enumerado os bens que não lhe pertencem (artigos 72º e ss. da contestação). Ao invés,

10ª

As Requerentes alegaram que 60% dos bens são seus (artigo 19º do R I.), depois ampliados a 70% nas declarações de parte (minuto 12:28) e, apesar disso, requereram e obtiveram o arrolamento de todos os bens da quinta. No entanto,

11ª

As Requerentes não produziram qualquer meio de prova que sequer indiciasse pertencer à falecida A… algum dos bens que o requerido afirmou não lhe pertencerem. Ora,

12ª

Na decisão da oposição à providência cautelar decretada sem audiência do requerido o tribunal pode decidir pela manutenção, redução ou revogação das medidas decretadas, mas deve atender ao prejuízo que a manutenção da providência causa ao requerido (cfr. artigo 368º, nº. 2 do CPC).

13ª

Na falta de qualquer prova ou, sequer, princípio de prova, em contrário, o tribunal devia ter reduzido o arrolamento aos bens que o requerido reconheceu como não sendo seus (artigos 72º e ss. da contestação). 14ª

Ao assim não decidir, a aliás douta sentença violou o disposto nos artigos 343º do Código Civil, 372º, 414º, 466º e 662º, nº. 1, todos do CPC.”.

Conclui, no sentido de ser dado provimento ao recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida e proferida decisão que reduza o arrolamento aos bens que o Requerido reconheceu não serem da sua pertença.

9 – As Recorridas apresentaram contra-alegações, concluindo no sentido da improcedência da apelação, devendo ser proferido Acórdão que mantenha a decisão recorrida.

10 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. *

II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:

“1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;

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recorrente, devia ter sido aplicada”.

Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina apurar se deve ser reduzido o decretado arrolamento dos bens, de forma a que incida apenas sobre aqueles que o Requerido reconheceu não serem da sua pertença.

Na pretensão recursória apresentada, o Apelante delimitou o objecto de apreciação nos seguintes termos: 1. DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que determina a aferição:

I) Da indicação do concreto ponto de facto incorrectamente julgado

=) Do facto provado I. – da pretensão que passe a figurar como não provado, o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA (Conclusões 1ª a 6ª) ;

2. Seguidamente, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS (inicialmente ou fruto da alteração infra em apreciação), o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA ; nesta, conhecer-se-á fundamentalmente acerca da seguinte questão:

I) da pretensão de redução do arrolamento aos bens móveis que o Requerido reconheceu como não sendo da sua propriedade/pertença – cf., o artº. 368º, nº. 2, ex vi do artº. 372º, nº. 1, alín. b), ambos do Cód. de Processo Civil - (Conclusões 7ª a 14ª).

*

III - FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na decisão recorrida/apelada, foram considerados como INDICIARIAMENTE PROVADOS os seguintes factos (assinala-se com * a factualidade objecto de impugnação):

No que respeita à factualidade alegada pelas Requerentes MM… e DA…:

A. O Requerido é proprietário dos seguintes dois prédios mistos que compõem a “Quinta …”, em Colares (Mucifal), Sintra, designadamente:

A) Prédio misto descrito sob o nº … na …ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, freguesia de Colares, compondo-se a parte urbana de casa de cave, rés-do-chão, 1º andar, águas furtadas, com a área de 174.90 m2, dependência com 652,30 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artº …, e ainda de uma casa de cave e rés-do-chão, com a área de 86 m2 e logradouro com 206 m2, inscrito na matriz sob o artigo …, e a parte rústica compõe-se de terreno de cultura arvense com a área de 19649 m2, inscrito na matriz cadastral sob o artigo …º, Secção I, situado na Estrada … da freguesia de Colares, concelho de Sintra; B) Prédio misto descrito sob o nº … na …ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, freguesia de Colares compondo-se a parte urbana de casa de rés-do-chão, com a área de 276,70, inscrito na matriz predial

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urbana sob o artigo … e a parte rústica compõe-se de cultura arvense com a área de 5587 m2, inscrito na matriz cadastral sob o artigo …, Secção I, situado na Estrada …, freguesia de Colares, concelho de Sintra. B. A 21 de Março de 1989, o Requerido, na qualidade de promitente vendedor e AM… (adiante apenas AA…) na qualidade de promitente compradora, celebraram-se entre si um contrato promessa de compra e venda em virtude do qual o primeiro prometeu vender à segunda, ½ (metade) dos referidos dois imóveis, adiante designados simplesmente por “Quinta …”.

C. O preço acordado de compra e venda foi de 75.000.000$00 (setenta e cinco milhões de escudos) com o contravalor em euros de € 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros), valor que foi pago integralmente ao promitente vendedor;

D. Ficou, igualmente, estipulado que a escritura de compra e venda seria outorgada em dia, hora e local a comunicar pela promitente-compradora ao promitente-vendedor, ou ao procurador deste, por escrito, com uma antecedência mínima não inferior a 10 dias;

E. Pese embora o preço ter sido integralmente pago, o certo é que a escritura de compra e venda nunca se chegou a realizar;

F. AA…, contudo, tomou de imediato posse da Quinta … e ali passou a residir sozinha desde cerca de 1995 até ao passado dia 21 de março de 2019, data em que faleceu, tendo-lhe sobrevivido duas filhas, MM…, sua filha primogénita e cabeça-de-casal da herança por óbito da mesma, e uma sua irmã DA…;

G. Sem nunca ter celebrado a escritura de compra e venda dos imóveis ;

H. Pese embora AA… passar a residir na Quinta …, o Requerido, enquanto proprietário da quinta e amigo próximo daquela, teve desde sempre acesso à Quinta, deslocando-se ali regularmente, gerindo e mantendo, conjuntamente com AA…, aquele enorme espaço rústico e as diversas edificações existentes; I. Provado apenas que as Requerentes tomaram conhecimento que a “Quinta …” estava à venda no site de

venda de imóveis de prestígio, Portugal Property, com o seguinte endereço:

https://www.portugalproperty.com/pt/property/villa/sintra-area-lisbon-lisboncoast/160537, pelo preço de €12.000.000,00 (doze milhões de euros) * ;

J. Provado apenas que para além da mãe das Requerentes ter pago metade da quinta, despendeu parte da manutenção e obras da mesma, com rendimentos fruto do seu trabalho e de heranças de família;

K. Provado apenas que relativamente ao mobiliário e restante recheio do imóvel, parte do recheio da quinta foi comprado ou herdado pela mãe das Requerentes;

L. Já após o óbito de AA…, quando a cabeça-de-casal contactou o Requerido solicitando o acesso à casa da sua mãe, para ir buscar a roupa desta para entregar à agência funerária, o Requerido exigiu à cabeça de casal que levasse a carteira da sua mãe alegando que necessitava de consultar alguns documentos. M. Entretanto, estranhamente, houve um corte de luz eléctrica tendo o Requerido abandonado o quarto de AA…, supostamente para repor o circuito do quadro elétrico, e tendo a cabeça de casal permanecido unicamente com a empregada no quarto da sua mãe;

N. Quando, porém, a cabeça de casal desceu ao piso de entrada e retomou a posse da carteira da sua mãe, a mesma constatou que as chaves de acesso à residência da sua mãe tinham desaparecido da carteira, sem que a mesma tivesse visto quem praticou tal acto.

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P. A cabeça-de-casal enviou uma carta ao Requerido a solicitar o acesso à residência da mãe para tomar posse das cinzas da sua mãe e para poder fazer um rol de todos os bens que pertenciam à mesma;

Q. À carta que enviou a solicitar o acesso à última residência da sua mãe, respondeu o Requerido por email numa missiva na qual afirma que face às obras que estão a decorrer na última residência de AA… e que prevê o seu termo para muito breve, pese embora a autorização de acesso estar “óbvia e necessariamente concedida”, a mesma está dependente do termo das obras sem dizer quando se prevê aquele termo. E, no que respeita a factualidade alegada pelo Requerido JF…:

A. Por acção entrada em juízo no dia 4 de Novembro de 2019, distribuída no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, ao Juízo Central Cível de Sintra – J… sob o número …/…T8SNT, os três herdeiros que integram a Requerente, M…, D… e o filho desta, FM…, pediram ser declarados proprietários de ½ dos prédios da quinta e, subsidiariamente, a execução específica do contrato promessa em que fundamentam a aparência do seu direito.

B. Nos termos da cláusula 3ª do contrato promessa, “a escritura de compra e venda será outorgada em dia, hora e local que a promitente compradora ou o seu procurador comunicar ao promitente vendedor, ou ao procurador deste, por escrito, com uma antecedência mínima não inferior a 10 dias”.

C. Não sucedeu qualquer comunicação da falecida tendo em vista notificar o Requerido para a escritura. D. O Requerido e AA… conheceram-se no final dos anos 70 e, desde então, foram sempre amigos íntimos, coabitando, nalguns períodos, tanto em Lisboa como no Estoril e em Colares.

E. Quando se conheceram, AA… vivia em casa da mãe, em Lisboa, com as duas filhas, M… e D…, mas sobrevivia com recurso à actividade de mediação imobiliária (arrendamentos) e de alguns rendimentos prediais provenientes da herança do pai.

F. A AA… tinha, no entanto, notícia de negócios imobiliários susceptíveis de gerar ganhos/lucros avultados que afirmava facilmente se obteriam, se tivesse o capital suficiente para os levar até final, o que todavia não acontecia.

G. A falecida alertou o ora Requerido para o facto da “Quinta …” estar à venda por um preço interessante, avaliação com que ele concordou. Assim,

H. O Requerido acordou com AA… comprar a Qta ….

I. O Requerido outorgou o contrato promessa, emitiu uma declaração e procurações para que os prédios fossem transmitidos metade a seu favor e metade a favor da falecida A… ou dos seus herdeiros.

J. À data da compra, a quinta encontrava-se em péssimo estado de conservação, pelo abandono de décadas e muito carecida de obras e reparações, de custo muito avultado, quer para permitir a posterior venda com lucro, quer para permitir qualquer aproveitamento económico.

K. Quando da sua aquisição a Quinta estava em muito mau estado e por isso esteve em obras profundas durante mais de 10 anos, durante os quais se procedeu à reposição de telhados, regueiras, muros, caminhos, electrificação, rega e muitas outras obras, tendo em vista permitir a sua valorização e rentabilização, designadamente através da cedência do uso dos espaços em geral e das dependências que se destinavam a ateliers ou lojas para aluguer.

L. No final de 1990, início de 2000, AA… deixou de poder usar a casa de que a Mãe era inquilina, em Lisboa e, porque não podia prescindir dos ocasionais rendimentos obtidos com o arrendamento do andar da mãe

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de que usufruía em Colares, pediu ao Requerido para ir viver para a quinta, no que o Requerido consentiu. M. A filha estava desempregada e em muito má situação financeira, que terminou com a sua declaração de insolvência.

N. Os únicos rendimentos de trabalho de AA… eram obtidos com a sua colaboração pontual na exploração económica da quinta, designadamente na organização ocasional de eventos, como filmagens e feiras, onde vendia mobílias e outros artigos. Assim,

O. Para fazer face a despesas e porque deles não necessitava, a A… foi vendendo móveis e outros bens, em vários leiloeiros de Lisboa e também em eventos que organizava na quinta, onde chegou a manter um espaço para vendas. Assim,

P. Provado apenas que parte das despesas com a recuperação da Quinta, em obras, equipamentos e mobiliário, foram pagas pelo Requerido, inicialmente com meios depositados em contas bancárias de que era o único titular e, posteriormente, com meios depositados em contas bancárias em que, por iniciativa sua, AA… foi incluída como cotitular, mas onde eram do Requerido todos os valores depositados. Aliás, Q. O Requerido pagou o funeral de AA….

R. Nos anos terminais da sua vida, AA… continuou a viver periodicamente em casa do requerido, em Lisboa, onde faleceu.

S. Desde que estão guardados na Quinta, que o Requerido usa e dispõe de todos os móveis, utensílios, equipamentos e demais bens aí existentes, à vista de todos e ininterruptamente.

T. Quando tomou conhecimento, o Requerido diligenciou junto da Portugal Property para indagar da identidade da pessoa que promoveu a venda, mas nenhuma informação obteve.

*

Factos não provados:

No que respeita à factualidade alegada pelas Requerentes MM… e DA…: 1. Sem nunca ter comunicado nada à cabeça-de-casal nem à sua irmã;

2. O Requerido nunca residiu nem tão pouco pernoitou uma única vez na Quinta ….

E, no que respeita a factualidade alegada pelo Requerido JF… (consigna-se que o facto 33. tem as alíneas h), i), m) e n) em duplicado):

1. O contrato promessa foi outorgado para prevenir as complicações que previu se verificariam em caso de óbito.

2. A falecida AA… vivia na quinta por consentimento do requerido, por necessitar de algum rendimento e ter gasto o dinheiro que herdou e o dinheiro que conseguiu ganhar, primeiro com o sustento das duas filhas e, depois, a ajudá-las financeiramente, a cabeça-de-casal por necessidade, a filha D… para repor a igualdade.

3. A falecida AA… tinha a expectativa de herdar património de valor considerável da herança do pai, que estava então ainda indivisa e era administrada pela sua irmã.

4. Com os indicados rendimentos, a falecida pagava as suas despesas e a educação das filhas no colégio americano de Carnaxide com evidentes dificuldades.

5. Quando a falecida AA… recebesse as heranças, que seriam suas pela ordem natural das coisas ou, se anterior, como era preferível, quando os prédios fossem vendidos, fariam contas, recebendo o Requerido

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tudo o que adiantasse e viesse a ali aplicar.

6. À data, o Requerido tinha um filho menor, que seria o seu único herdeiro se falecesse, representado pela sua Mãe e ex-mulher do Requerido.

7. O Requerido não recebeu qualquer quantia, designadamente a referida no contrato, antes ou depois deste ter sido celebrado e até ao presente.

8. Posteriormente e ao longo do relacionamento entre ambos, o Requerido várias vezes entregou valores a AA…, ou pagou despesas suas, contra o compromisso de lhe ser restituído outro tanto, por vezes titulado por cheques pré-datados.

9. AA… conseguiu partilhar a herança do pai e vender um dos apartamentos herdados, o que só terá sucedido cerca de 1993.

10. AA… não auferia rendimentos de trabalho sequer para pagar as suas despesas correntes.

11. Todos os valores assim obtidos terão sido utilizados pela falecida na educação das filhas e posteriormente ajudando à educação e sustento do neto bem como no seu próprio sustento.

12. As filhas estudaram no Colégio Americano, em Carnaxide e depois a filha M… foi completar os estudos para Harvard, EUA e, a filha D…, para Londres.

13. O requerido pagou todas as obras até hoje feitas nos imóveis, quer de conservação, quer de beneficiação.

14. AA… nunca conseguiu dispor dos meios necessários para realizar qualquer contributo para as despesas, sequer parcialmente e, tanto quanto é do conhecimento do Requerido, assim sucedeu por investir todos os rendimentos obtidos no sustento próprio e, principalmente, na educação e despesas das filhas e, posteriormente do neto.

15. AA… necessitou de ajudar financeiramente as filhas, mesmo após terem concluído os seus estudos. Designadamente,

16. A filha M… viveu longos anos desempregada, como sucede ainda hoje, primeiro em Londres, durante cerca de dez anos e depois em Portugal, sobrevivendo com a ajuda da Mãe, que então lhe proporcionou o uso do apartamento de Colares e lhe entregava dinheiro e pagava despesas, designadamente quando em 2013 foi declarada insolvente. Por sua vez,

17. A filha D…, concluídos os estudos, casou e teve um filho, o qual cresceu com o pai após a separação destes e cujos estudos a AA… ajudou a pagar, por falta de meios do pai.

18. Nestes anos ninguém residia na Quinta, onde só pernoitavam os trabalhadores contratados para as obras.

19. Foi necessário realizar obras na casa principal da quinta, que até aí não tinha sido objecto de recuperação para o efeito.

20. O Requerido pagou estas obras, mas informou AA… que assim ficava comprometido o negócio que tinham projectado, de vender a quinta e, com a mais-valia, ser reembolsado das despesas já realizadas e partilharem o excedente pelos dois. Aliás,

21. A venda da quinta implicava ou a vinda de AA… para Lisboa, o que não pretendia, ou a aquisição de outra casa, ou prescindir do rendimento do apartamento de Colares, soluções inviáveis por falta de rendimentos.

(12)

22. Pouco tempo depois, a Requerente M…, a viver já em Portugal, ficou sem trabalho e teve de restituir a casa que arrendara em Lisboa e, sem alternativa, foi viver com a mãe para a Quinta.

23. Nessa altura, a A… ajudou a filha com os poucos meios financeiros de que dispunha e o ora Requerido suportou muitas das suas despesas.

24. A única herança, que ainda poderia um dia receber, seria da sua mãe, mas provavelmente insuficiente para pagar as dívidas e prover ao seu sustento até final da sua vida.

25. Dos móveis existentes na quinta só não foram adquiridos pelo ora requerido os móveis herdados por AA…. Porém,

26. Algum do mobiliário de que a falecida A… era dona era usado para equipar o apartamento de que usufruía em Colares, no prédio pertencente à sua Mãe e, assim, obter rendimentos da cedência a terceiros do seu uso, mas

27. Em determinado momento, a falecida A… emprestou à filha M… esse apartamento e, quando o recebeu de volta, muito do mobiliário já aí não se encontrava.

28. A profissão indicada por AA… era a profissão de doméstica.

29. AA… faleceu assim sem que tivesse suportado quaisquer despesas realizadas com a quinta, além das estritamente inerentes à sua residência, nomeadamente alimentação e vencimento das empregadas domésticas a que recorria e, ainda assim, muitas vezes com a ajuda do Requerido.

30. O requerido pagou parte das despesas de saúde com o tratamento de AA…, designadamente na Fundação Champalimaud.

31. O requerido acompanhou sempre a A… aos tratamentos a que se submeteu, exceto em 3 ocasiões, por ordem médica, dado estar constipado e a falecida ter as defesas diminuídas pela quimioterapia;

32. O requerido foi inclusive buscar a A… a Madrid, onde esteve internada, por recusa da sua filha D… a acompanhá-la a Portugal;

33. Com excepção dos seguintes, que foram herdados por AA… e incluídos nas seguintes verbas do auto de Arrolamento:

a) da verba número um, um cabide de pé e ferro, um carrinho de compras, uma arca em madeira, um afiador de facas, um apoio de pés em tecido e madeira, um quadro (de uma senhora familiar), modelo de um par de botas em madeira, quatro quadros (que, de facto, são só duas gravuras e um óleo pequeno), diversos chapéus de senhora;

b) Da verba número dois, um quadro com brasão de família, uma máquina lavadora da parkside;

c) Da verba três, três livros contos de lisboa, dois livros de A. Herculano, duas fotografias emolduradas, uma braseira, uma cabeça em barro, trinta e cinco livros forrados a pele, um menino em porcelana, três figuras em marfim.

d) Da verba quatro um castiçal de pé em ferro.

e) Da verba seis três quadros a óleo (que, de facto são só dois quadros), um quadro em tapeçaria (com designação Maria Stuart), uma mesa de costura, uma cigarreira em prata, um bloco de notas em prata, um candeeiro em cerâmica, um corta papel em prata, três mesas de encaixar em madeira branca com tampo preto.

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de pires e chávenas em loiça, uma travessa em estanho, dois pratos em estanho, dois galheteiros em prata e vidro, quatro paliteiros em prata, dois copos pequenos em prata, um bule de chá em prata, um prato dinamarquês, uma colher de molho e dois espetos em prata, oito colheres de sopa, oito garfos e oito facas em prata, cinco garfos de peixe, cinco facas de peixe, seis colheres de sobremesa, seis garfos de sobremesa, seis facas de sobremesa, tudo em prata, uma colher trabalhada em prata, duas colheres molheiras, uma grande e outra pequena e seis colheres de café em prata, seis colheres trabalhadas em prata, dezasseis colheres sortidas em prata, dois garfos em prata, um quadro a óleo lavadeira de Hermengarda assinado, um presépio em barro, quatro argolas de guardanapo em prata;

g) Da verba nove, um forno eléctrico de marca Ar(ilegível), uma balança com pesos em latão, catorze pesos, um dossier com receitas de culinária.

h) Da verba dez um estudo a lápis menina, duas gravuras, dois cartazes emoldurados.

i) Da verba doze, todas as peças, de bijuteria, de anéis, de colares, de broches e outras jóias, indicadas nas primeiras 62 linhas desta verba do auto e também os seguintes items aí indicados e a saber, um roupeiro vermelho marmoreado com velas e caixas sortidas.

h) Da verba treze uma arca em madeira, um destruidor de papéis marca Unitec office, dois dossiers com discos em vinil, sendo de notar e toda a documentação, selada em 13 caixas de papelão, que não esteja emitida em nome da falecida A….

i) Da verba catorze secretária com quatro gavetas, um armário de canto com quatro prateiras, um espelho em prata, uma caixa de remédios pequena em prata, um crucifixo branco e verde, sete perfumes com caixa de diversas marcas, uma caixa de jóias preta em pele, um tabuleiro oval Sheffield, três caixas com motivos florais em porcelana, três caixas de perfume de diversas marcas.

j) Da Verba quinze, malas e sacos de viagem de diversos modelos, um roupeiro com catorze portas pintadas, um roupeiro com dezoito portas pintadas, uma máquina de engomar calças, um quadro com um preto á janela, a que não foi atribuído qualquer valor;

l) Da verba dezasseis, uma impressora de marca HP

m) Da verba dezassete, um cavalete com quadro menino e malga, uma colcha e três almofadas.

n) Da verba dezanove todas as peças e artigos indicados nas 23 linhas da descrição desta Verba, com excepção da passadeira mencionada na 1ª linha e do candeeiro de tecto mencionado na 2ª linha.

m) Da verba vinte, um armário com três portas, quatro caixas com óculos, uma caixa em madeira de engraxar.

n) Da Verba vinte e um, um colete de vison, um casaco Max Mara, um casaco vison reversível, um casaco Berghaus com raposa, uma gabardine cor de mostarda, uma gabardine com capuz, uma gabardine Burberrys verde, uma gola em pele branca e castanha.

o) Da Verba vinte dois uma estante com três divisões de livros, um quadro com moldura ornado flores, uma litografia Almira Medina, noventa e três livros de vários autores.

p) Da verba vinte três, um quadro moldura de Karl Andersen.

q) Da verba vinte e nove, um guarda lareira em ferro, uma chaise-longue em pele, um conjunto de sofá e duas cadeiras em veludo rosa.

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34. À data que recebeu a carta da cabeça de casal, como à data do arrolamento e ainda hoje, decorriam obras no interior da casa, que dificultavam o acesso às diferentes divisões, pelo que a resposta dada à carta da cabeça de casal era, e é, inteiramente verdadeira.

35. O Requerido nunca colocou os prédios dos autos à venda e só pela citação para a acção acima identificada tomou conhecimento dos anúncios.

*

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto

Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:

“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:

“ 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados,

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indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, tendo o Recorrente/Apelante dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do Cód. de Processo Civil, pelo que o presente Tribunal pode proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o facto em causa.

Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.

Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [2].

Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.

Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.

Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.

Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja

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possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados” [3] (sublinhado nosso).

DA INDICAÇÃO DO CONCRETO PONTO DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADOS DO FACTO PROVADO:

- Do facto I. (no que concerne à factualidade alegada pelas Requerentes MM… e DA…) O presente facto têm a seguinte redacção:

“I. Provado apenas que as Requerentes tomaram conhecimento que a “Quinta …” estava à venda no site

de venda de imóveis de prestígio, Portugal Property, com o seguinte endereço:

https://www.portugalproperty.com/pt/property/villa/sintra-area-lisbon-lisboncoast/160537, pelo preço de €12.000.000,00 (doze milhões de euros)”.

Pugna o Recorrente no sentido deste facto passar a figurar como não provado. Alega, para tanto e em resumo, que:

- Ao minuto 35.00 das suas declarações de parte, prestadas no dia 25.11.2019, com início a 14:16:02 e termo em 14:52:36, a Requerente, perguntada se sabia que o requerido tinha a casa à venda, declarou que nos dias finais da vida, a Mãe lhe perguntou se podia ir à Internet ver o sítio da mediadora imobiliária e, quando a Requerente lhe perguntou a razão, respondeu que uma mediadora da Remax tinha perguntado ao portão se a quinta estava à venda, o que a Mãe tinha negado, para ouvir a resposta de que estava a ser divulgada no site ali indicado ;

- Pelo que, a pretensa venda alegada como justificação do pretenso periculum in mora (cfr. artigo 9º da p.i.) era afinal conhecida há mais de dois anos … ;

- Acresce que tal conclusão é confirmada pela resposta, junta aos autos em 19.06.2020 e atendível nos termos do artigo 661º. nº. 1 do CPC, da familiar da falecida AA…, ML…, à informação solicitada pelo tribunal, que esclareceu que ao serviço da empresa mediadora “Berkshire Hathaway” tinha recolhido as informações sobre o imóvel depois colocadas na internet: a quinta nunca esteve à venda e a colocação na Internet resulta de factos praticados ainda em vida de AA…, com o seu conhecimento e da Requerente M… ;

- Pelo que, conclui, resulta das declarações de parte da Requerente, não contraditado por qualquer outro depoimento prestado nos autos e corroborado pelo referido documento, que a alínea I) dos factos provados não devia ter sido incluída entre os factos provados.

Em sede contra-alegacional, referenciam as Apeladas que reduzir a questão do periculum in mora à data do conhecimento da venda do imóvel por parte das Requerentes não só não corresponde à realidade, como não traduz o que é dito na sentença.

Pugnando pela improcedência do recurso, remetem para as explicações “bem claras e elucidativas que foram dadas na carta remetida ao processo já após a prolação da sentença, em que é manifesto que – ao contrário das Requerentes – o Recorrido teve intervenção neste assunto”.

Apreciando:

Em primeiro lugar, urge consignar que, no âmbito da impugnação da matéria de facto, e apesar das várias referências ao teor das declarações de parte da Requerente MM…, o único ponto factual questionado é o supra exposto, relativamente ao qual se observou o estatuído nas três alíneas do nº. 1, do transcrito artº.

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640º, do Cód. de Processo Civil.

Efectivamente, são várias as alegações genéricas, imprecisas e não concretizadas reportadas à valoração do teor das declarações de parte, evidentes contradições e enviesamento destas, aduzida indevida utilização de presunções judiciais e injustificada inversão do ónus probatório, sem que destas o Recorrente logre retirar quaisquer consequências ou pretensões recursórias, nomeadamente ao nível da impugnação da matéria factual. Nomeadamente, indicado os pontos factuais incorrectamente julgados, a decisão que deveria ser proferida sobre os putativos pontos factuais questionados e os meios probatórios que alicerçavam tal pretensão.

Pelo que, atenta a delimitação efectuada, e sem prejuízo da oficiosidade enunciada no artº. 662º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, prima facie, objecto de apreciação será apenas a matéria factual ali consignada.

Tendo-se procedido à audição do teor das declarações de parte da identificada Requerente, esta declarou que apercebeu-se que a casa estaria á venda, pois no final da vida da mãe ocorreu uma situação da qual não sabe os contornos, mas que procurou descrever.

Assim, declarou que a mãe pediu-lhe para ir à Internet ver algo relacionado com uma empresa imobiliária, tendo-lhe perguntado o porquê. A mãe respondeu-lhe que alguém da mediadora Remax teria indagado junto ao portão da Quinta se esta estava à venda, ao que a sua mãe respondeu que não, tendo-lhe sido respondido que estaria publicitada a venda no site.

Ora, não descortinamos como o teor de tais declarações, situadas em momento do final da vida da mãe das Requerentes (que veio a falecer em 21/03/2019), possa inquinar ou contradizer o facto provado questionado, relativo ao conhecimento das Requerentes da publicitação da venda. Conhecimento que, realce-se, não resulta sequer datado na factualidade provada.

Nem conseguimos alcançar as afirmadas consequências de tal conhecimento para o aludido periculum in mora, não só porque daí não são retiradas ilações ao nível factual (sendo esta a sede em que nos movemos), como referencia o Apelante a um conhecimento de vários anos, que também não se demonstrou, sendo certo que o óbito da aludida progenitora ocorre no mesmo ano da instauração do presente procedimento cautelar (intercalando entre as duas ocorrências aproximadamente 5 meses). Por fim, contrariamente ao que alega o Apelante, não resulta minimamente do teor da informação solicitada pelo Tribunal a ML…, junta aos autos após a prolação da decisão recorrida – cf., fls. 264 a 266 (sempre ponderável nos quadros do nº. 1, do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil) -, ter aquela pretensa venda sido do conhecimento das Requerentes.

Com efeito, o que resulta do teor desta informação é ter existido, em Agosto de 2017, um reunião entre a identificada angariadora de imóveis para venda, a mãe das Requerentes e o ora Requerido JG…, na qual este terá autorizado a apresentação da Quinta a potenciais investidores, tendo-se apenas previsto a outorga de contrato de mediação caso, e quando, houvesse um investidor interessado.

Em nenhum momento de tal informação é feita alusão às ora Requerentes, nomeadamente a um qualquer conhecimento destas das diligências efectuadas, pelo que não se percebe a conclusão retirada pelo Recorrente do teor de tal informação.

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deduzida, mantendo-se, nos seus precisos termos, a alínea I. dos factos provados.

O que determina, nesta vertente, juízo de improcedência da pretensão recursória apresentada. II) Do ENQUADRAMENTO JURÍDICO da causa

A (primeira) decisão proferida sem audição do Requerido determinou, em face do juízo de procedência do procedimento cautelar, “o arrolamento de todos os bens móveis e documentais que se encontrem nos prédios mistos que compõem a denominada «Quinta …», em Colares, Sintra”.

A decisão apelada, na ponderação da oposição apresentada pelo Requerido, determinou a manutenção da providência decretada e, consequentemente, a manutenção do “arrolamento de todos os bens móveis e documentais que se encontrem nos prédios mistos que compõem a denominada «Quinta …», em Colares, Sintra”.

Considerou-se, ainda, no dispositivo de tal decisão que “nenhum argumento de facto ou meio de prova carreado para os autos foi considerado suficiente para afastar os motivos em que se fundou a decisão anterior”.

Pretende o Requerido Apelante que seja proferida decisão, num juízo de revogação da recorrida, que reduza o arrolamento aos bens que reconheceu não lhe pertencerem, ou seja, os indicados nos artigos 73º a 94º da oposição apresentada.

Considera que aqueles foram herdados pela entretanto falecida AA…, sendo que todos os demais são da sua exclusiva propriedade, por tê-los adquirido onerosa e gratuitamente, para além de alegar factualidade potencialmente conducente á sua eventual aquisição prescritiva.

Alega, ainda, que:

- na decisão apelada “apenas se atendeu às declarações de parte da Requerente interpretadas segundo inválidas presunções judiciais” ;

- considerou-se que duas pessoas que vivem em comum, ainda que não coabitem, têm de ter bens comuns, ao referenciar-se na fundamentação que “… a realidade dos factos mostra-se desfavorável a qualquer pretensão de titularidade exclusiva desses mesmos bens” ;

- considerou-se, ainda, que o Requerido tinha a pretensão de titularidade exclusiva dos bens, apesar de, ao contrário das Requerentes, ter reconhecido e enumerado os bens que não lhe pertencem ;

- ao invés, “as Requerentes alegaram que 60% dos bens são seus (artigo 19º do R I.), depois ampliados a 70% nas declarações de parte (minuto 12:28) e, apesar disso, requereram e obtiveram o arrolamento de todos os bens da quinta” ;

- sem que tivessem produzido “qualquer meio de prova que sequer indiciasse pertencer à falecida A… algum dos bens que o requerido afirmou não lhe pertencerem”.

Vejamos.

Prevendo acerca do contraditório subsequente ao decretamento da providência, estatui a alínea b), do nº. 1, do artº. 372º, do Cód. de Processo Civil que:

“quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º:

(….)

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tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º”.

Estatuindo acerca do fundamento do arrolamento, enuncia o artº. 403º, do mesmo diploma, que “havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.

2 - O arrolamento é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas”.

Acrescenta o nº. 1 do normativo seguinte – 404º -, que prevê acerca da legitimidade, poder o arrolamento “ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos”. Referencia o artº. 405º, nos seus nºs. 1 e 2, equacionando acerca do processo para o decretamento da providência, que:

“1 - O requerente faz prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação; se o direito relativo aos bens depender de ação proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente.

2 - Produzidas as provas que forem julgadas necessárias, o juiz ordena as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério”.

O presente procedimento cautelar, como medida de natureza ou carácter conservatório, pode apresentar-se “sob duas vertentes:

a) Como medida destinada a assegurar a manutenção de certos bens litigiosos, enquanto a titularidade do direito sobre eles estiver em discussão na acção principal ;

b) Como medida destinada a garantir a persistência de documentos necessários para provar a titularidade do direito sobre as coisas arroladas”.

Na enunciada primeira vertente ou modalidade, “apresenta algumas semelhanças com o arresto, tendo em conta a latitude dos bens sobre que pode incidir e o modo de execução, dele diferindo quanto á situação de perigo que visa prevenir: em lugar do perigo de perda da garantia patrimonial, tende a eliminar o risco de extravio, de ocultação ou de dissipação de bens litigiosos. Por outro lado, ainda que no procedimento cautelar comum se possam inserir providências gerais que consistam na apreensão de bens ou na sua entrega a um fiel depositário, o arrolamento visa especificamente assegurar a permanência de bens que devem ser objecto de «especificação» no processo principal (…)” [4].

Deste modo, “se uma pessoa tem ou pretende ter direito a determinados bens e mostra que certos factos ou circunstâncias fazem nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forma definitiva, o seu direito aos mesmos bens, estamos perante a ocorrência que justifica o uso (…) do arrolamento” [5].

Subjaz ao presente procedimento cautelar a “existência de uma pluralidade de bens que se pretenda acautelar”, estando em causa “conservar a coisa, diversa de dinheiro, que é objecto, mediato ou imediato, da ação da qual o arrolamento depende”.

E, conforme decorre do nº. 2, do transcrito artº. 403º, sendo o arrolamento dependente de acção à qual interessa a especificação dos bens, ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas, não levantando particularidades dificuldades a primeira situação, na segunda, “é ainda a especificação dos

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bens – e não a prova da sua titularidade – que, embora indirectamente, para essas acções tem interesse” [6].

Assim, tratando-se “de bens que já pertencem, no todo ou em parte, ao requerente, devem ser alegados factos que permitam concluir pela probabilidade da existência desse direito. Mas se o arrolamento for dependente de acção cujo objectivo seja o reconhecimento do direito sobre os bens, cumpre alegar os factos que, uma vez apurados, possibilitem a afirmação da probabilidade da procedência dessa acção” [7]. Para o deferimento da pretensão accional, basta “a formulação de um juízo de verosimilhança quanto à existência actual ou futura de um direito de conteúdo patrimonial, sobre determinados bens situados na esfera de actuação do requerido e cuja realização efectiva esteja dependente da sua persistência”, ressalvando-se, porém, que “só deve ser decretado o arrolamento quando se adquira a convicção de que o interesse do requerente está em situação de risco, por se mostrar fundado o receio de insatisfação do seu direito” [8].

Todavia, “na formação da convicção judicial não deixará de influir a consideração de regras de experiência que levem a que, em alguns tipos de situações, o juiz seja menos exigente do que noutros”, tendo tal entendimento conduzido à consagração legal do regime prescrito no nº. 3, do artº. 409º, do Cód. de Processo Civil, no qual se dispensa, aos arrolamentos especiais aí previstos, o periculum in mora específico do arrolamento – o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens ou documentos [9].

Ora, como providência ou procedimento típico, o arrolamento visa “esconjurar uma específica situação de perigo relacionada com o «extravio, ocultação ou dissipação» de bens ou documentos”, sendo este o “concreto perigo que constitui o elemento verdadeiramente integrante da causa de pedir”.

Desta forma, tal justo receio, qualificadora da situação de periculum in mora, “deve ser perspectivado objectivamente, e apresentar-se com um fundamento real que não corresponda a uma mera fantasia do requerente”.

Deve, porém, abranger igualmente as situações em que o extravio ou ocultação dos bens já se tenha concretizado, ajustando-se, assim, o arrolamento “também aos casos em que se visa a recuperação de bens que aparentemente se encontrem perdidos, maxime, por terem sido colocados em locais inacessíveis ao requerente” [10].

Na decisão apelada, ainda em sede de fundamentação da matéria de facto, consta o seguinte:

“(….) a abordagem deve ser aquela em que face à decisão já produzida nos autos, e a qual surgiu na decorrência de diligências de produção e análise das provas carreadas para os mesmos, permita apurar se o Requerido, na sua oposição, alega factos passiveis de afastar, uma vez provados, os factos anteriormente considerados como provados ou produz prova capaz de o fazer.

Assumindo esta premissa sempre teremos que reter que as testemunhas indicadas pelo Requerido, apesar de revelarem testemunhar com credibilidade e isenção, pouco ou nada acrescentaram às convicções que o Tribunal já tinha formado aquando da primeira diligência probatória realizada. É que, acrescentaram que o Requerido pernoitava ocasionalmente na propriedade em análise nos autos, desconhecendo todavia a propriedade dos bens dela constante.

As testemunhas em questão, na sua qualidade de funcionários da Quinta aqui em discussão conseguiram transmitir ao Tribunal a percepção de que o Requerido seria o responsável predominante pelo pagamento

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das despesas com esta mas isso não significa que a falecida A… não pagasse qualquer quantia com as despesas da casa onde viveu desde o principio dos anos 90 até à data muito próxima do seu recente óbito, sobretudo quando o próprio Requerido reconhece a existência de contas bancárias abertas em nome de ambos.

Na realidade o Requerido, nas suas declarações de parte, e as quais foram consideradas pelo Tribunal, conseguiu confirmar aquilo que o Tribunal já desconfiava, ou seja, que vivia numa relação em algo semelhante a uma união de facto com a falecida A…, sendo conhecido pelos amigos como tal.

De resto, o Requerido não apresentou quaisquer facturas/recibos, ou comprovativos de pagamentos dos bens aqui arrolados sendo que mesmo que o fizesse a realidade dos factos mostra-se desfavorável a qualquer pretensão de titularidade exclusiva desses mesmos bens.

Se é certo que o Requerido e a falecida A… não eram casados, também é certo que assinaram juntos um contrato promessa de compra e venda no qual constava que a parte do dinheiro devida por esta última foi entregue àquele. E quanto a essa matéria haverá que reter o exposto no art. 376.º do Código Civil o qual prevê que o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento sendo que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.

O que o Tribunal tem à sua disposição é um documento particular assinado por ambos a referir que a falecida A… pagou a quantia em causa ao aqui Requerido sendo que tal documento não pode ser desvalorizado apenas face às suas declarações e isto atendendo ao supra mencionado normativo.

No mais, e sempre com base nas declarações do Requerido retira-se que ambos tiveram uma relação de quase 40 anos em que a mesma residiu no imóvel melhor descrito nos autos, sendo como tal, perfeitamente natural que os bens móveis adquiridos quer por um, quer por outro, e destinados à casa em questão, fossem propriedade de ambos e já não apenas de um deles pois, caso contrário, não faria sentido que fossem colocados numa casa onde a falecida A… residia desde o início dos anos 90, numa relação semelhante a uma união de facto, num local onde o Requerido dormia ocasionalmente, e onde a presença da falecida A… era titulada por um contrato celebrado entre ambos”.

E, na parte concernente á fundamentação de direito, aduz que “atenta a natureza cautelar na prova destes pressupostos não se pode exigir o mesmo grau de convicção que será de exigir na prova dos fundamentos da acção principal, pelo que basta a prova sumária dos requisitos da providência que permita a formação de um juízo de probabilidade séria, única compaginável com as exigência de celeridade que norteiam os procedimentos cautelares, para que esta seja decretada.

O conhecimento da efectiva existência do direito fica reservado para a acção principal, a instaurar”.

Acrescentando, no que respeita aos pressupostos constitutivos da providência cautelar em equação, que “em conformidade com o disposto no art. 405.º, n.º1 do CPC, a procedência desta providência cautelar depende da alegação e prova de dois requisitos cumulativos:

- a probabilidade da existência do direito relativo ao bem; - o justificado receio do seu extravio, ocultação ou dissipação.

(22)

que alguém que reside quase 30 anos num local, para o qual dispõe de um título bastante que justifica a sua presença no mesmo, numa relação próxima de uma união de facto com o Requerido, com o qual tem contas em comum, e o qual ocasionalmente pernoita no mesmo, é com a certeza bastante proprietária dos bens móveis que nele se encontram, nem que seja em comum com o Requerido, justificando-se assim a existência do direito das Requerentes relativamente aos mesmos, sendo que a postura do Requerido face a estas, conjuntamente com a natureza móvel dos bens em questão, preenche o segundo destes requisitos, ou seja, o justificado receio do seu extravio pelo que nada mais resta a este Tribunal senão manter a providência já determinada”.

Resultou provado que a mãe das ora Requerentes (Apeladas), após a outorga do contrato promessa com o Requerido (Apelante), “tomou de imediato posse da Quinta … e ali passou a residir sozinha desde cerca de 1995 até ao passado dia 21 de março de 2019, data em que faleceu (….), sem nunca ter celebrado a escritura de compra e venda dos imóveis”.

E que, pese embora a mesma mãe das Requerentes tenha passado a “residir na Quinta …, o Requerido, enquanto proprietário da quinta e amigo próximo daquela, teve desde sempre acesso à Quinta, deslocando-se ali regularmente, gerindo e mantendo, conjuntamente com AA…, aquele enorme espaço rústico e as diversas edificações existentes” – cf., factos F. a H. (factualidade accional).

Provou-se, ainda, conforme factos J. e K. (factualidade accional), que “além da mãe das Requerentes ter pago metade da quinta, despendeu parte da manutenção e obras da mesma, com rendimentos fruto do seu trabalho e de heranças de família” e que “relativamente ao mobiliário e restante recheio do imóvel, parte do recheio da quinta foi comprado ou herdado pela mãe das Requerentes”.

Por outro lado, ainda se provou que o Requerido e AA… “conheceram-se no final dos anos 70 e, desde então, foram sempre amigos íntimos, coabitando, nalguns períodos, tanto em Lisboa como no Estoril e em Colares”, sendo que, quando se conheceram, “AA… vivia em casa da mãe, em Lisboa, com as duas filhas, M… e D…, mas sobrevivia com recurso à actividade de mediação imobiliária (arrendamentos) e de alguns rendimentos prediais provenientes da herança do pai”, tendo, porém, “notícia de negócios imobiliários susceptíveis de gerar ganhos/lucros avultados que afirmava facilmente se obteriam, se tivesse o capital suficiente para os levar até final, o que todavia não acontecia”.

Mediante alerta da AA…, acordaram ambos comprar a Qta … – factos D. a H. (factualidade da oposição). Por fim, provou-se, igualmente, que “no final de 1990, início de 2000, AA… deixou de poder usar a casa de que a Mãe era inquilina, em Lisboa e, porque não podia prescindir dos ocasionais rendimentos obtidos com o arrendamento do andar da mãe de que usufruía em Colares, pediu ao Requerido para ir viver para a quinta, no que o Requerido consentiu”, sendo que os seus únicos rendimentos de trabalho ”eram obtidos com a sua colaboração pontual na exploração económica da quinta, designadamente na organização ocasional de eventos, como filmagens e feiras, onde vendia mobílias e outros artigos”.

Desta forma, para fazer face às despesas “e porque deles não necessitava, a A… foi vendendo móveis e outros bens, em vários leiloeiros de Lisboa e também em eventos que organizava na quinta, onde chegou a manter um espaço para vendas”, sendo que “parte das despesas com a recuperação da Quinta, em obras, equipamentos e mobiliário, foram pagas pelo Requerido, inicialmente com meios depositados em contas bancárias de que era o único titular e, posteriormente, com meios depositados em contas bancárias em

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