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O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO NO SÉCULO XIX, ATRAVÉS DAS IMAGENS DO FOTÓGRAFO MILITÃO AUGUSTO DE AZEVEDO

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O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO NO

SÉCULO XIX, ATRAVÉS DAS IMAGENS DO FOTÓGRAFO MILITÃO

AUGUSTO DE AZEVEDO

Adriane Acosta Baldin

Mestranda em Urbanismo - Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC 2004. Arquitetura e Urbanismo -Faculdade de Belas Artes de São Paulo 1992

RESUMO

As transformações urbanas por que passou a cidade de São Paulo foram conseqüências de um longo processo de desenvolvimento, em que podemos relacionar tanto a questão das atividades que se davam simultaneamente dentro deste espaço urbano quanto aos diferentes grupos sociais que nela interagiam. Essa combinação de fatores, tanto sociais como físicos e culturais geraram diferentes perspectivas para São Paulo que afloraram de forma mais intensa em decorrência da riqueza produzida pelo café e pela implantação da ferrovia no final do século XIX.

Ao pensar na história da cidade de São Paulo no século XIX, vem à mente as imagens produzidas pelas lentes de Militão Augusto de Azevedo. Fotógrafo carioca que deixou uma documentação iconográfica de valor inestimável para a história da cidade.

A proposta deste trabalho é a análise da cidade de São Paulo no século XIX, mais precisamente na década de sessenta, através da obra fotográfica urbana de Militão Augusto de Azevedo. As transformações urbanas por que passou a cidade foram

conseqüências de um longo processo de desenvolvimento, em que podemos relacionar tanto a questão das atividades que se davam simultaneamente dentro deste espaço urbano quanto aos diferentes grupos sociais que nela interagiam. Essa combinação de fatores, tanto sociais como físicos e culturais geraram diferentes perspectivas para São Paulo que afloraram de forma mais intensa em decorrência da riqueza produzida pelo café e pela implantação da ferrovia no final do século XIX.

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Ao pensar na história da cidade de São Paulo no século XIX, vem à mente as imagens produzidas por Militão Augusto de Azevedo. Fotógrafo carioca que deixou uma

documentação iconográfica de valor inestimável para a história da cidade.

De 1862 a 1887, Militão Augusto de Azevedo registrou a cidade de São Paulo e sua gente por meio de um volume impressionante de fotografias, 12.000 retratos num período em que a cidade contava com uma população de aproximadamente 30.000 habitantes.

Fotografou personalidades como Castro Alves, Rui Barbosa e o próprio Dom Pedro II, mas também não deixou de registrar em suas lentes a gente do povo, trabalhadores e escravos. Hoje, o acervo do fotógrafo encontra-se disperso em diversas instituições públicas e particulares bem como nas mãos de colecionadores.

A totalidade das imagens de Militão Augusto de Azevedo que se encontra na biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, está organizada em álbuns fotográficos. Entre eles, destacam-se dois que foram montados pelo próprio fotógrafo, o Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo 1862-1887 onde o fotógrafo registra cenas urbanas nos anos de 1862 e posteriormente em 1887. Este álbum tem um valor histórico e documental para São Paulo como poucos documentos iconográficos do século XIX.

Encontra-se também na Biblioteca Mário de Andrade outro álbum realizado por Militão onde fotografa a cidade em meados dos anos sessenta, Cidade de São Paulo 1862-1863 .O objetivo do fotógrafo com a feitura deste álbum era a comercialização para os alunos da faculdade de direito do Largo São Francisco. Porém, os esforços do

fotógrafo foram em vão, o álbum Cidade de São Paulo 1862-1863 foi um fracasso de vendas.

As demais fotografias do acervo da Biblioteca Mario de Andrade encontram-se em álbuns que foram feitos posteriormente à morte do fotógrafo e na sua maioria são reproduções das coleções citadas acima.

Em seu Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo, o fotógrafo mostra uma São Paulo que está em plena evolução. A idéia do progresso urbano associado ao crescimento da cidade é patente.

Militão, como um homem de seu tempo, utilizou a fotografia para registrar essas conquistas dos homens sobre o espaço físico. A linguagem fotográfica contribuiu muito para reforçar a idéia de “tempo linear e sucessivo”, comum aquele século, e tornou-se o meio de registro desta evolução. (BALDIN,2005:2)

Em 2004, ano que São Paulo comemorou 450 anos, as fotos que Militão Augusto de Azevedo fez da cidade foram utilizadas em muitos livros publicados em comemoração ao aniversário da metrópole. Alguns autores que escreveram sobre o tema, fizeram uso das imagens urbanas do fotógrafo.

Dois aspectos são fundamentais na obra de Militão. Primeiramente, o acervo do

fotógrafo está em bom estado de conservação. O segundo aspecto é o grande volume de sua produção fotográfica e a versatilidade de seu trabalho, visto que além das fotos urbanas, seu acervo é rico em retratos.

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O Museu Paulista da USP guarda o acervo de retratos que estava com a família até 1996 e também um grande número de fotos urbanas de São Paulo, Santos e da construção da estrada de ferro Santos - Jundiaí.

O Instituto Moreira Sales, em São Paulo, têm um grande acervo, especialmente da década de sessenta.

Alguns exemplares de sua obra encontram-se com colecionadores particulares. Os familiares de Militão não ficaram com nenhuma imagem urbana, segundo Raquel Azevedo, bisneta do fotógrafo.

Como Militão comercializou os Álbuns Comparativos com estúdios fotográficos de outras cidades, provavelmente existam ao menos fragmentos destes álbuns em instituições públicas ou com colecionadores em outras localidades, como Santos e interior do estado, localidades em que Militão mantinha contatos freqüentes com estúdios fotográficos.

Há no Museu Paulista, um livro de correspondência de Militão onde ele relata esse comércio que praticava com outros colegas sendo inclusive o fornecedor de material fotográfico para esses estúdios.

A partir da segunda metade do século XIX a idéia do progresso invade as mentes mais importantes do país, a começar pelo próprio imperador D. Pedro II, diga-se de

passagem, amante da fotografia.

O progresso era entendido como um ideal europeu que o Brasil deveria aderir, muitos intelectuais e políticos trabalharam nesse sentido. A própria população estava imbuída desse sentimento.

Militão incorpora essa mentalidade, bem comum à seu tempo, e isso verifica-se especialmente no Álbum Comparativo, onde demonstra essa evolução da cidade ocorrida em vinte e cinco anos.

Essa evolução pretendia vir atrelada à industrialização que virou sinônimo de desenvolvimento.

Militão relata, em 1893, a febre da imigração, especialmente de italianos. Destinava-se primeiramente às lavouras de café, mas grande contingente fixou-Destinava-se na cidade de São Paulo.

“Eu classifico São Paulo de hoje a Calábria brasileira”( AZEVEDO,1893:32)

Demonstra uma certa reserva com os novos habitantes de São Paulo, atitude

compartilhada por outros paulistanos que vêem a sua cidade invadida por outra língua e novos hábitos.

Os imigrantes trouxeram idéias novas sobre quase tudo e especialmente sobre política, com o anarquismo e o comunismo. Os paulistanos ficavam perplexos ante posturas políticas muitas vezes exaltadas dos imigrantes.

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Nesse momento, começa a consolidação da vida urbana e industrial na Europa. A Inglaterra promove uma política internacional de proibição do tráfego negreiro já no início do século e mais fortemente a partir de 1850.

Em 1870 começam as correntes migratórias européias, a princípio para trabalhar na lavoura e num segundo momento para a indústria nascente.

Era uma nova fase dentro do panorama mundial e o Brasil sentia essas mudanças tanto nas suas relações comerciais como na sua estrutura econômica.

A obra fotográfica de Militão é um dos principais documentos iconográficos da cidade de São Paulo no século XIX onde é possível verificar o processo de urbanização da cidade, contado através das imagens.

A imagem fotográfica, que até o século XX, era utilizada apenas como

complementação de textos ou ilustrações, hoje assume o papel documental que lhe cabe. Geradora de nova fonte de conhecimento, muito precisa de uma determinada época ou local, propicia subsídios riquíssimos de pesquisa.

“A noção de imagem como equivalente de uma realidade sensível, passível de ser apreendida pelos sentidos, reduz o material iconográfico a uma documentação periférica, de segunda classe, de natureza passiva, já que entendida como imagem especular daquilo que estava constituído à sua revelia. Por muito tempo, este foi o tratamento dispensado à fotografia. Seu papel restringia-se, no máximo a corroborar informações verbais, ilustrando textos de história ou arquitetura.”

(LIMA,CARVALHO,1997:14)

Em 1972, Ilka Brunhilde Laurito publicou no Suplemento Literário do Jornal O Estado

de São Paulo o artigo “O século XIX na fotografia de Militão”. Neste momento, Militão

Augusto de Azevedo passa definitivamente para a história da fotografia. No ano

seguinte o Museu de Arte de São Paulo, o Masp, realiza uma das primeiras exposições sobre a história da fotografia no Brasil e foi incluída uma série de retratos e imagens do Álbum Comparativo, com as informações sobre Militão e sua obra.

Em 1978 Boris Kossoy escreve a sua tese de mestrado, apresentada à Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, com o título de Militão Augusto de

Azevedo e a documentação fotográfica de São Paulo (1862-1887); recuperação da cena paulistana através da fotografia.

A partir desse momento a obra de Militão ajudará a desvendar aspectos da sociedade , da cultura e da cidade de São Paulo no século XIX. Seu acervo fotográfico será amplamente estudado por historiadores, sociólogos, urbanistas e arquitetos .

Ao contemplarmos as imagens da década de sessenta do século XIX vemos tipologias urbanas distintas e grupos humanos variados ocuparem o mesmo espaço da cidade, resultado em parte do fluxo intenso vivido em tempos anteriores.

Segundo Lemos, as famílias tradicionais paulistas estavam ligadas à produção de açúcar do interior e também ao comércio das tropas tão intenso na província no XVIII. Entre elas destacam-se as famílias Silva Prado e Tobias de Aguiar. (LEMOS,2004:34) Essa mesma camada social atuará politicamente até o século XX na cidade de São Paulo.

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Além dos portugueses, outros estrangeiros viviam em São Paulo no tempo de Militão. Exerciam atividades ligadas ao comércio e as profissões liberais, tais como; tipógrafo, fotógrafo, farmacêutico, alfaiate, engenheiros, etc.

Havia um número crescente de europeus que se fixavam em São Paulo. O ramo hoteleiro era todo de estrangeiros. Depois de 1860, hotéis imponentes foram

construídos, o Itália, o Europa e o Globo. Com exceção do terceiro, é possível verificar pelos nomes, o domínio europeu no ramo.

“Prosperavam muitos estrangeiros, entre os quais barbeiros, cabeleireiros, médicos, dentistas, horticultores, joalheiros, alfaiates, costureiros e varejistas de toda a sorte. Entre os barbeiros estavam o português Vieira Braga e os franceses Teyssier, Biard, Bossignon e Pruvot. Quando Teyssier voltou à França em 1871, seu empregado Inácio Preto tomou posse do estabelecimento, adicionando “Teyssier” ao seu próprio

nome... A livraria do francês Garraux, fundada em 1860, era a terceira da cidade e a melhor que existia aí durante anos...” (MORSE,1970:179)

Havia também a figura do estrangeiro que vinha de passagem e que muito enriqueceu a história urbana de São Paulo, deixando suas impressões em relatos riquíssimos sobre vários aspectos da cidade. Esses viajantes trouxeram as vivências culturais de seus países de origem, que serão absorvidas e mescladas aos costumes locais de forma bastante lenta e gradual.

A contribuição dos relatos dos viajantes para uma melhor compreensão da cidade é sem dúvida imensa. Associadas às fotos, dão a elas mais autenticidade e fidelidade.O que escapa à câmera fotográfica não escapa ao observador atento da cidade. Aquele viajante ávido de conhecer uma nova realidade, costumes de uma nova terra, deixa relatos valiosos para a pesquisa histórica.

Os relatos que nos foram deixados sobre a cidade de São Paulo apresentam diferentes leituras de um mesmo objeto, no caso a cidade, mas são extremamente

enriquecedores por serem diversos. Complementam a apreciação estética,

manifestando sensações, gostos, cores e até aromas não presentes nas imagens. Portanto, a leitura de cada relato é preciosa e se somada às imagens, remetem-nos àquele ”olhar espiritual” do qual nos fala Camillo Sitte quando observa que não comentava a respeito de lugares que não havia visitado, observado e

apreciado.(SITTE, 1992:17)

“Entramos finalmente em São Paulo pelo lugar chamado Brás. É um dos arrabaldes mais belos e concorridos da cidade, já notável pelas elegantes casas de campo e deliciosas chácaras onde residem muitas famílias abastadas, ao lado todavia de alguns casebres e ranchos menos aristocráticos, mas que nem por isso deixam de formar um curioso contraste.” (ZALUAR,1860:78)

Neste relato de Emílio Zaluar, viajante que esteve em São Paulo na década de 60, é possível extrair informações preciosas quanto ao bairro e o modo de vida dos

moradores das chácaras.

O Brás, segundo Zaluar, é um dos arrabaldes mais belos e concorridos da cidade. Uma das ilustres moradoras da região era a Marquesa de Santos, na chácara do Ferrão. Após a morte da Marquesa de Santos, será herdada por seu filho Brasílico, passa denominar-se chácara do Brasílico.

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Zaluar descreve a diversidade dos habitantes da região do Brás. As chácaras eram habitadas por famílias abastadas e havia a mescla de casas simples e ranchos menos aristocráticos , formando um curioso contraste, como nos conta o autor.

A São Paulo da década de 60 já abrigava uma diversidade de grupos humanos. Um outro grupo social pertencente ao cenário paulistano oitocentista era constituído de escravos e trabalhadores simples, figuras presentes nas ruas da cidade. Richard Morse retrata sua presença na sociedade paulistana :

“...., as ruas, alamedas e praças da cidade, todas as suas áreas de circulação e reunião pública, estavam de posse dos escravos ( que constituíam mais de 1/4 da população) e de homens livres humildes: tropeiros, vendeiros, lavradores. As famílias patriarcais viviam retiradas em seus sobrados. Não tinham pontos diários de reunião em público, nem passeios, nem centros de lojas, nem restaurantes elegantes....”( MORSE,1970:62)

O tropeiro era outra figura muito presente dentro do cenário paulistano da época. Até o advento da ferrovia, em 1867, era quem fazia o intercâmbio das mercadorias entre interior e litoral.

Se observarmos o mapa da cidade de São Paulo de Affonso A . de Freitas de 1800- 1874, encontramos nos extremos, norte, sul, leste e oeste os locais que serviam de pouso para os tropeiros que vinham portanto de todas as direções. Ao norte observa-se o pouso no Guaré; ao leste, um pouso próximo à ponte do Ferrão; ao sul o do Lavapés; e ao oeste o do Bexiga. Estes dois últimos eram utilizados pelas tropas que desciam para Santos

Nas fotos de Militão as mulheres aparecem pouco e de forma bastante reservada. Tinham o costume de “verem sem serem vistas”, através das rótulas das janelas, elementos arquitetônicos de origem árabe que foram trazidas pelos colonizadores e estiveram no cenário paulistano por todo o dezenove.(MARINS,1999:166)

Apesar das posturas prescreverem a proibição das mesmas desde o começo do XIX, as rótulas estiveram presentes até 1874, quando foram finalmente extintas em São Paulo.

Nas fotos de 1862, que Militão fez da região central da cidade, vê-se em muitas casas a presença das rótulas nas janelas.

Esta foi uma questão relevante dentro do contexto da cidade no XIX. Aparentemente de pouca importância, as rótulas exerciam função não apenas decorativa, estavam muito arraigadas aos costumes da cidade. Era hábito do paulistano enxergar o mundo através das rótulas.

“Depois da transferência da Corte para o Brasil em 1808, esses vestígios muçulmanos foram oficialmente proibidos e logo desapareceram do Rio e outros lugares. Mas, como São Paulo a rótula era funcional por razões climáticas, sociais e psíquicas, desafiou por decênios as posturas municipais, vindo a ser um elemento do cenário do Romantismo nos meados do século.” (MORSE,1970:59)

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Também não havia nenhuma proposta de paisagismo nas ruas da cidade. A vegetação era restrita aos quintais das casas, não havia também vegetação nas praças nem largos.

Um outro grupo humano que terá um papel fundamental dentro da história da cidade no século XIX serão os estudantes da Academia de Direito. Criada em 1828, a

Academia desde sua fundação atraiu para São Paulo pessoas do Brasil todo. Segundo alguns autores, o desenvolvimento da cidade e da sociedade paulistana oitocentista tem relação direta com a Academia de Direito. Com os estudantes vieram novas perspectivas. A cidade tornou-se um campo de experimentação e questionamento. Ao contemplarmos a cidade de São Paulo oitocentista, vislumbramos estes tipos humanos diversos que ocupavam o mesmo espaço urbano.

“Apesar de seus 46.000 habitantes; de ser assento de assembléia provincial e residência do presidente da província; de ter em seu seio o bispo diocesano e em seus braços a Faculdade de Direito; de contar no número de seus mais importantes estabelecimento um magnífico jardim botânico, uma biblioteca notável e um seminário, o hospital da misericórdia, a casa da câmara, a cadeia, o palácio do governo, o hospital militar e o dos Lázaros, a Sé, de que é orago o apóstolo São Paulo, a igreja de Santa Efigênia, o Convento do Carmo, o

mosteiro de São Bento, onde se homiziou Amador Bueno, o Convento de São Francisco, onde está a Academia, o convento das freiras da Luz, os seus dois teatros, um a cair de velho e o outro a parodiar a eternidade das obras de Santa Encrácia;e finalmente, de suas indústrias, de seu comércio, de seus capitais em circulação, de seus hotéis apinhados de viajantes; a cidade de São Paulo é monótona e nos seus dias de festa, em vez de riso jovial e franco, é taciturna e reservada como uma beata que vai à missa das almas com o rosto escondido na mantilha e as contas do rosário a aparecerem por baixo das rendas de um mantelete de seda. “(ZALUAR, 1860:78)

Para descrever a monotonia da cidade, Zaluar fez uma reflexão de como era a estrutura da cidade na década de sessenta.

Interessante notar, que a descrição feita pelo autor, dos edifícios importantes segundo suas funções e arquitetura é semelhante ao álbum de fotos produzido por Militão, neste período.

Com algumas exceções, o fotógrafo elege os mesmos edifícios que Zaluar descreve como sendo marcos importantes na cidade.

Notar a referência feita sobre os viajantes, apinhavam os hotéis. Mas apesar de receber tantas pessoas de origens variadas, São Paulo assemelhava-se a figura desinteressante de uma beata, segundo o viajante. Essa era a mesma impressão causada aos estudantes da Academia de Direito.

Ao observarmos as imagens de Militão é possível distinguir ao menos três “tipologias urbanas” relacionadas ao casario de uso residencial e comercial; as chácaras, o triângulo comercial e as casas mais modestas que preenchiam o espaço entre o triângulo comercial as chácaras.

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Uma primeira tipologia urbana seria a das chácaras, habitadas em grande parte por uma camada da população oriunda das fazendas de açúcar e que no decorrer do século dezenove e no vinte seriam as figuras atuantes no cenário político local. Possivelmente foi o local eleito por alguns europeus para fixarem residência. Nos jornais da época é possível ver anúncio de venda das chácaras onde muitas delas eram construídas, em parte de tijolos, material que sofria alguma resistência quanto ao uso pela população local, sugerindo portanto, que tivessem sido feitas por

europeus.

Uma outra São Paulo, que aparece sob as lentes de Militão, é a São Paulo promissora do “triângulo comercial”, espaço compreendido entre as Ruas Direita, São Bento e Rosário onde encontramos as famílias tradicionais oriundas do açúcar do XVIII que nos fala Lemos. Muitas dessas famílias mantinham sua casa na cidade e outra nas chácaras adjacentes.

Essa elite dividia o “triângulo comercial” com os imigrantes europeus que lá exerciam as suas atividades profissionais como comerciantes ou como profissionais liberais. Uma terceira tipologia urbana seria a São Paulo de casas simples e na sua maioria térrea ao redor do núcleo central onde vivia grande parte da população; os

trabalhadores simples, lavadeiras, quituteiras, engraxates tropeiros. Os escravos, que eram um quarto da população, segundo Morse, estavam presentes por toda a cidade. Ao contemplarmos as imagens da década de sessenta vemos tipologias urbanas

distintas e grupos humanos variados ocuparem o mesmo espaço da cidade.

No final do século, a riqueza oriunda do café e a facilidade de acesso pela ferrovia, potencializaram essa tendência à grande cidade, atraindo para cá tipos humanos ainda mais diversos dos já existentes. Sendo, portanto, o prenúncio da grande colcha de retalhos de tipos humanos que se vê hoje.

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FIG.1 – Rua do Rosário – 15 de Novembro- lado da Igreja – 1860. Militão Augusto de Azevedo. FONTE – Biblioteca Mario de Andrade

FIG.4 – Igreja e Convento do Collégio - servindo de Palácio do Governo, Tesourarias Geral e Provincial, Assembléia Provincial,Colletorias e Correios (edificação dos jesuítas 1673). Militão Augusto de Azevedo. FONTE – Biblioteca Mario de Andrade

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, M.A., Livro Copiador de Cartas de Militão Augusto de Azevedo, São Paulo, Museu Paulista USP, 1883-1902

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BALDIN, A. A, Fotografia, memória e Cidade: o Acervo das Fotografias Urbanas de Militão Augusto de Azevedo da Biblioteca Mario de Andrade, in XXII Simpósio Nacional de História: Guerra e Paz, 2005, Universidade de Londrina – PR. , ANPUH

LEMOS, C. A., Cinqüenta anos de Perplexidade. In: CAMPOS.C.M.;GAMA. L.H.; SACHETTA.V. São Paulo Metrópole em Trânsito, percursos urbanos e culturais. 1ª edição, Senac, São Paulo, 2004,

LIMA, S.F.; CARVALHO, V.C., Fotografia e Cidade: da razão urbana à lógica do consumo, álbuns da cidade de São Paulo (1887 –1954), Campinas,1997

MARINS,P. C. G., Através da Rótula, Sociedade e Arquitetura Urbana no Brasil sécs. XVII – XX, São Paulo, tese de doutorado apresentada a FFLCH-HI –USP, 1999 MORSE, R. Formação Histórica de São Paulo, da comunidade a metrópole. Difusão Européia de Livro, 3ª edição, São Paulo, 1970

SITTE,C., A Construção das Cidades segundo seus princípios artísticos, Andrade, C.R.M. (org.), Ática, São Paulo,1992

ZALUAR, A E., Peregrinação pela Província de São Paulo ( 1860 - 1861), Martins, São Paulo, 1950

Nota dos Editores

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