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COMPARTILHANDO SABERES: OS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Vanessa Marion ANDREOLI v Docente ISEPE/UFPR

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COMPARTILHANDO SABERES:

OS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS E A EDUCAÇÃO AMBIENTA

L

Vanessa Marion ANDREOLI v anessaandreoli@ufpr.br Docente ISEPE/UFPR Adilson ANACLETO adilsonanacleto@onda.com.br Docente ISEPE/FAESP Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar o papel dos saberes tradicionais pesqueiros na conservação do meio ambiente, através de uma pesquisa realizada com alguns pescadores artesanais de Pontal do Sul - PR, tentando interpretar esses conhecimentos à luz da possibilidade de utilizá-los como base para a sensibilização em Educação Ambiental, além de mostrar a importância do diálogo de saberes para pensar em novos rumos em busca da sustentabilidade, destacando a necessidade de um cruzamento entre os saberes tradicionais e acadêmicos.

Palavras-chave: saberes tradicionais pesqueiros, diálogo de saberes, conservação,

educação ambiental.

Introdução

Encontramo-nos em um período onde a crise mundial é intensa e cada vez mais emergente, principalmente no que se refere à questão socioambiental, prevalecendo uma visão de mundo e um sentimento de dominação que fazem parte da lógica do modelo de sociedade atual. Com isso, não só os valores em relação ao meio ambiente foram se perdendo, mas também a importância dos saberes tradicionais, que, através da nova representação que foi se construindo e com a pressão de uma concepção capitalista, foram deixados em segundo plano, uma vez que seus princípios de distanciavam do objetivo do modelo econômico vigente. Este, por sua vez, vem sendo assimilado ao sistema negativo de destruição da natureza, devido a forma como foi construído o conceito de desenvolvimento, ou seja, como sinônimo de crescimento econômico. Os conhecimentos tradicionais, embora embasados por anos de experiência e muitas gerações, perderam seu valor para o modelo de sociedade atual, que a cada dia coloca mais em dúvida sua importância para a emergência de novos tempos.

No contexto em que essa pesquisa se encaixa, a tradição é entendida como algo em movimento, uma vez que é remodelada a cada geração e

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se adapta a novas condições, mas sem perder seus valores fundamentais. O saber tradicional é cumulativo, ou seja, produzido por gerações sucessivas; é empírico, pois deve se confrontar com o teste da experiência diária; e é dinâmico, uma vez que se transforma em função das mudanças sócio-econômicas, tecnológicas e físicas.

A sociedade está passando por um momento fundamental para pensar o que é conservar os recursos naturais e a diversidade cultural que, principalmente no Brasil, é fantástica. Sendo assim, é necessário que se pense em novos modelos de conservação, com a colaboração dos saberes populares, não perdendo de vista que a conservação é uma prática como qualquer outra, ou seja, é feita de comportamentos, técnicas e conhecimentos. Os cientistas têm um papel importante na conservação, mas não é o único instrumento, nem a única forma de conhecer. O ideal seria uma mescla entre os conhecimentos tradicionais e acadêmicos, priorizando a idéia de que conservação não é só ciência, mas são também práticas sociais, são formas de representação do mundo.O desenvolvimento da educação ambiental é um dos elementos vitais para um ataque geral à crise do meio ambiente mundial, assumindo-a como instrumento de luta que possibilite a reapropriação dos saberes historicamente acumulados por parte das comunidades populares.

A educação ambiental e o diálogo de saberes

A medida que o homem foi se distanciando da natureza e passou a encará-la como uma gama de recursos naturais disponíveis a serem transformados em bens consumíveis, começaram a surgir problemas socioambientais e a ameaça da sobrevivência no nosso planeta. A Educação Ambiental surgiu então como uma necessidade de mudança na forma de encarar o papel do homem no mundo, uma vez que parte da sensibilização para conscientizar os indivíduos sobre suas atitudes em relação ao meio em que vivem.

Para que se possa compreender a Educação Ambiental em um contexto mais amplo, que englobe o seu caráter não só biológico e social, mas cultural, político e histórico, é necessário primeiramente entendermos as relações da natureza com o homem e a sociedade, uma vez que essas relações indicam caminhos diferentes para pensar a educação ambiental.

A compreensão dessas relações implica no entendimento de representações diferenciadas acerca do meio ambiente, que se caracterizam, segundo TOZONI-REIS (2004), por “três concepções distintas e tendenciais da relação homem-natureza: aquelas que consideram pressuposto básico o sujeito natural, o sujeito cognoscente ou o sujeito histórico” (p.33).

A primeira concepção diz respeito às idéias de que o homem deve se submeter às leis da natureza, uma vez que ele é apenas mais um elemento presente nela. Percebe-se que esta é uma visão bastante romantizada, idílica, onde para se voltar ao equilíbrio ambiental deve-se voltar ao equilíbrio natural; o homem é um perturbador, dominador da natureza. A humanidade domestica, domina e se apropria de seus recursos; qualquer intervenção humana é intrinsecamente negativa, sendo que todas as vezes que o homem se volta para a natureza tem a intenção de tirar algum proveito em seu próprio benefício. Essa representação se caracteriza como o sujeito natural, e em muitas ciências, ainda hoje, prevalece esse

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pensamento. Essa representação se caracteriza como o sujeito natural, e em muitas ciências, ainda hoje, prevalece esse pensamento.

Na representação do sujeito cognoscente, aponta-se a falta de conhecimentos sobre as leis da natureza como sendo a causadora dos problemas ambientais. Aqui a natureza não é intocável, mas deve ser usada racionalmente, e, portanto, a degradação ambiental pode ser amenizada pelo avanço dos conhecimentos técnico-científicos adquiridos pelo homem. O conhecimento é o mediador da relação homem-natureza e deve ser transmitido através da educação, e a partir dessa conscientização garantir que o homem haja como fiscalizador da natureza. É uma representação que percebe essa mediação como mecânica, ou seja, basta conhecer para preservar, “saber usar (conhecimentos técnicos e científicos), para poder usar mais e sempre, mas sempre usar” (TOZONI-REIS, 2004, p.34). O conhecimento sobre a natureza é fundamental, mas essa tendência nega a forma do uso desse conhecimento pelos diferentes indivíduos, que muitas vezes utilizam esses saberes para poderem se aproveitar mais dos recursos naturais.

A terceira tendência vê a relação homem-natureza construída a partir das relações sociais, portanto histórica e social, conceituada como uma relação não mais entre o homem e a natureza, mas entre a sociedade e a natureza. Nessa relação sociedade-natureza a história e a cultura são mediadoras, e as conseqüências das ações do homem são historicamente determinadas. Nessa concepção, denominada sujeito social, os determinantes dos problemas ambientais são a política e a economia, e a cultura capitalista tem papel fundamental no processo de degradação do meio ambiente, uma vez que esse modelo econômico produz cada vez mais necessidades (ou desejos?) e, conseqüentemente, mais meios para satisfazê-las, utilizando os recursos naturais. A conscientização ambiental entra aqui como um processo de reflexão histórica, articulando conhecimentos e valores para a transformação da relação homem-natureza-sociedade.

O meio ambiente se gera e se constrói no processo histórico das inter-relações entre sociedade e natureza, portanto a compreensão dessas relações deve ser mediada pelos estilos de desenvolvimento vigentes. A mentalidade consumidora gerada pelo modelo econômico vigente é, nessa concepção, a causa imediata dos problemas ambientais, uma vez que o que se valoriza não é o “ser”, mas o “ter”. Produz-se nos indivíduos o espírito consumista, onde a prioridade é adquirir coisas desnecessárias, sem que haja a real necessidade.

A separação entre o homem e a natureza reflete-se em toda produção humana, em particular no conhecimento produzido pelo modelo de desenvolvimento da nossa sociedade. A fragmentação do saber, ou seja, as especializações do conhecimento aprofundou a compreensão das partes. Mas o meio ambiente é em primeiro lugar uma unidade que precisa ser compreendida inteira, e é através de um conhecimento interdisciplinar, que possibilite uma visão holística da realidade, que poderemos assimilar plenamente o equilíbrio dinâmico do ambiente em que se vive.

A interdisciplinaridade tem sido apontada como exigência da Educação Ambiental, também sendo apresentada como uma perspectiva de abordagem importante para o enriquecimento da compreensão da dinâmica homem-natureza pressupondo o diálogo entre os diversos saberes. A educação ambiental

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coloca a necessidade de ampliar o diálogo entre o homem e a natureza e dos homens entre si, e, além disso, uma prática dos conhecimentos das ciências e a integração de um conjunto de saberes não acadêmicos. É preciso, para LEFF (2001), um novo diálogo que englobe a tradição e a modernidade, implicando um processo de hibridação cultural, onde se valorizem saberes populares produzidos por diferentes culturas.

Os saberes tradicionais pesqueiros

Este artigo aborda somente uma pequena amostra do conhecimento tradicional dos pescadores artesanais, centrando-os especialmente em seus aspectos socioambientais. Em primeiro lugar, é necessário que se faça uma descrição destes pescadores, destacando-os em suas características mais essenciais e que os diferenciam dos outros tipos de pescadores.

Os pescadores artesanais se caracterizam, principalmente, pela simplicidade da tecnologia e pelo baixo custo da produção, produzindo com equipes de trabalho formadas por relações de parentesco e compadrio, sem vínculo empregatício entre a tripulação e o mestre dos barcos. A produção é em parte consumida pela família e em parte comercializada, sendo a pesca baseada em conhecimentos transmitidos ao pescador por seus ancestrais, pelos mais velhos da comunidade, ou que este tenha adquirido pela interação com os companheiros do ofício. (MALDONADO, 1986).

Para DIEGUES (1995), os pescadores artesanais possuem percepções e representações em relação ao mundo natural marcadas pela idéia de associação com a natureza e dependência de seus ciclos. Estão associados a modos de produção pré-capitalistas, próprios de sociedades em que o trabalho ainda não se tornou mercadoria, onde há uma grande dependência dos recursos naturais e dos ciclos da natureza, em que a dependência do mercado já existe, mas não é total.

A pesca artesanal exige um domínio muito amplo de conhecimentos variados e especializados sobre o meio ambiente, construídos com base em dados empíricos que provêm de uma tentativa contínua da atividade pesqueira. Esses conhecimentos permitem ao pescador se reproduzir enquanto tal, através da ação, onde experimentam, contrastam, atualizam e aprendem novos saberes no meio em que atuam, que vão servir para confirmar ou modificar algumas crenças, possibilitando um contínuo aprendizado.

DIEGUES (1983), ao caracterizar o pescador artesanal, diz que o ponto que o define não se resume ao ato de viver da pesca, mas em dominar plenamente os meios de produção da pescaria, ou seja, possuem “controle de como pescar e do que pescar, em suma, o controle da arte da pesca”. (p.193).

Aprende-se com os “mais velhos” e com a própria experiência. O domínio do fazer é que forma o cerne da profissão do pescador, e esse saber-fazer se configura na figura do “mestre” depositário dos segredos do mar (DIEGUES, 1995). A necessidade de transmitir esse conhecimento ao longo das gerações é a medida de confiança nele depositado. Muitos pescadores artesanais podem ser considerados, por outros da mesma profissão, como artistas do mar, mas o mestre é o que consegue ser o guardião da tradição.

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uma arte diferenciada dos outros trabalhos artesanais, como DIEGUES (1983) coloca:

Podemos dizer que no caso da pesca, o domínio da arte exige um período de experiência mais longo que nas outras formas de artesanato. Se compararmos o pescador artesanal a um artesão de móveis, constatamos algumas diferenças importantes. Este adapta seus instrumentos de trabalho a uma matéria-prima relativamente homogênea: a madeira. Já o pescador artesanal é obrigado a dominar o manejo de diferentes instrumentos de capturas utilizados para diferentes espécies, num meio em contínua mudança (p.198).

Desse modo, sua habilidade e talento circunscrevem-se em seu conhecimento e na utilização dos seus instrumentos de trabalho em momentos precisos. Mas, o objeto da ação do seu trabalho, diferente de um artesão, não é estático, exigindo um saber-fazer sobre um meio em constante movimento e transformação. Na compreensão de DIEGUES (1983), “o importante não é conhecer um ou outro aspecto, mas saber relacionar os fenômenos naturais e tomar as decisões relativas às capturas” (p.199).

No contexto em que esta pesquisa se encaixa, a tradição é interpretada como algo em movimento, um conhecimento inveterado passado de geração a geração. O saber tradicional dos pescadores artesanais é cumulativo, ou seja, produzido por gerações sucessivas e evoluindo a cada passagem; é empírico, pois se confronta com o teste da experiência diária, com a “ida” a campo, e é dinâmico, uma vez que se transforma em função das mudanças socioeconômicas, tecnológicas e físicas.

Devido à vida que levam, do conhecimento acumulado e da educação que receberam desde pequenos, os pescadores conhecem também os limites da coleta de acordo com o ritmo da natureza, tendo, na maioria das vezes, como condição de sua reprodução a manutenção do equilíbrio ambiental.

Os saberes tradicionais são muitas vezes desvalorizados também pela comunidade científica, por estarem localizados, segundo ALLUT (2000), na parte mais baixa da “árvore do saber”, no que diz respeito à formação que os pescadores possuem. Nesse pensamento, os pescadores não podem gerar conhecimento confiável porque não receberam a instrução necessária para isso, ou seja, não freqüentaram escolas, nem universidades para o ensino dessas habilidades. Então não é possível que esses saberes tenham valor de verdade, uma vez que não derivam do método científico.

Os saberes, nesse contexto, são vistos como insuficientes, pois foram construídos com base em um empirismo ingênuo, resultante somente de percepções causais elaboradas sem controle no processo de observação. Negam a relação secular que os pescadores têm com o ambiente marítimo; todo o rico e detalhado conhecimento acumulado ao longo de várias gerações. Para CASTRO (2000), esses conhecimentos devem sim serem priorizados, objetivando valorizar os recursos naturais para poderem controlar e racionalizar seus usos sob padrões ocidentais de sustentabilidade. Cada um em seu âmbito busca objetivo semelhante: oferecer um certo controle da natureza, no primeiro caso na forma de explicações

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causais, marcados por teorias complexas de médio e longo alcance e, no segundo caso, recorrendo a outras estratégias explicativas que necessitam de interpretação rápida a fim de possibilitar a tomada de decisões objetivas e pontuais. (ALLUT, 2000).

A Pesquisa em Pontal do Sul – Paraná

A pesquisa empírica foi realizada no balneário de Pontal do Sul, Paraná, situado no Município de Pontal do Paraná. Pontal do Sul é um balneário localizado na margem sul da Baía de Paranaguá, encontrando-se a uma distância de 130 km da Capital do Estado, Curitiba, e a 40 km da cidade e porto de Paranaguá. É um dos últimos remanescentes do litoral do Brasil que mantém preservada sua área de restinga na areia, que aos poucos vai se incorporado até prevalecer a Mata Atlântica.

Foram realizadas entrevistas com os pescadores, enfocando os principais saberes que adquiriram ao longo dos anos e suas percepções de natureza e conservação, além de conter perguntas sobre a valorização dos seus saberes para a comunidade acadêmica, que foram posteriormente analisadas tendo como base a pesquisa bibliográfica desenvolvida.

Com relação aos saberes dos pescadores estudados, pode-se perceber que a “arte” de pescar vem de família, uma vez que a maioria deles aprendeu com alguém da família. Verifica-se que os conhecimentos são transmitidos pelos mais velhos e experientes, na maioria das vezes entre integrantes da própria família, onde os “mestres” têm um papel fundamental. Os pescadores mais antigos pescam desde pequenos e os mais jovens começaram na adolescência, o que aponta para a possibilidade de que antigamente começava-se mais cedo a trabalhar. Atualmente mais crianças freqüentam a escola, o que atrasa em alguns anos o início do ingresso no trabalho.

Entre os pescadores estudados as relações se configuram entre pessoas da família e entre relações de compadrio, uma vez que as tripulações se baseiam nessa perspectiva. Percebeu-se que o conhecimento destes pescadores foram adquiridos através da observação e pela prática constante, uma vez que a maioria deles cita a “saída para o mar” como fator preponderante na construção de seus saberes.

O mar, para os pescadores artesanais, na maioria das vezes é visto como um lugar imprevisível e arriscado, e é através do conhecimento que detém deste meio que se encontra a minimização dos riscos. Percebe-se que, em relação ao conhecimento que os pescadores estudados tem sobre o tempo (clima), que os mestres decidem se irão sair para a pesca ou não. Jair comentou que “se pega uma tempestade lá fora a coisa complica”. É aqui que entra a importância dos seus saberes para amenizar as incertezas e inseguranças que o mar lhes proporciona.

Percebeu-se que o conhecimento destes pescadores foram adquiridos através da observação e pela prática constante, uma vez que a maioria deles citam a “saída para o mar” como fator preponderante na construção de seus saberes.

Entre os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos por esses pescadores, pode-se perceber que entre os mais citados está em saber “a época do ano para certos tipos de peixes”. Devido aos ciclos da natureza também se perdem

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dias de trabalho, como relatou um dos pescadores:

A gente depende do tempo pra sair pro mar. Às vezes a gente sai e não pega quase nada, só perde o dia todo. E outros dias não têm como sair, mesmo a gente sabendo que tá na época boa de pescar. (Waldir)

É possível relacionar esse fator à visão que muitas pessoas têm dos pescadores artesanais, interpretando-os como “preguiçosos”, não levando em conta que dependem do ritmo da natureza, onde seus ciclos são imprevisíveis.

Percebe-se que os pescadores estudados tem um conhecimento muito amplo e especializado sobre o ambiente em que trabalham, a identificação dos pesqueiros, o manejo dos instrumentos de pesca, as condições de marés, etc., que, segundo DIEGUES (1995), formam a “essência” da pesca artesanal. Para o autor, “este conjunto de conhecimentos faz parte dos meios de produção dos pescadores artesanais” (p.97), uma vez que é através desses saberes que se configuram em profissionais da pesca.

Analisando a questão sobre a Natureza, percebe-se que esta para eles é algo divino, o que justifica, em parte, o respeito que a maioria deles tem pelo meio ambiente em que vivem, como comenta Jair:

Deus fez tudo certinho, o mar, o céu, tudo. (Jair)

Associam também a depredação da Natureza as grandes embarcações, que, segundo eles,

As embarcações grandes destroem tudo, arrastam tudo, e eles acabam jogando fora os peixe pequeno, que a gente poderia vender. (Jair)

Apesar de estarem acostumados com a pequena produção, já que se caracterizam como “pequenos produtores” (DIEGUES, 1983), são conscientes de que a pesca industrial tem um impacto alto sobre o meio ambiente em que vivem, que os afeta diretamente. Além de, como foi visto anteriormente, a pesca ser considerada arriscada, é também competitiva, o que, segundo MALDONADO (1986), se deve ao fato do mar ser considerado patrimônio comum.

Associam a conservação da Natureza a sua sobrevivência, demonstrando, através de suas respostas, uma clara preocupação com a depredação dos recursos

naturais, principalmente com a poluição do mar e com as grandes embarcações, já que esses fatores atuam diretamente no seu dia-a-dia.

MALDONADO (1986), observa que a identidade dos pescadores artesanais é resultante de uma relação de troca com a natureza, onde a reciprocidade é o princípio organizador do seu trabalho. Para a autora, “essa troca com a Natureza se evidencia em muitos grupos pela contrapartida do homem aos recursos que o meio ambiente lhe oferece, sendo o mar objeto de grande respeito” (p.34).

Fica clara a visão que esses pescadores tem sobre a Natureza, e justifica-se seu respeito pelos recursos naturais pela dependência que tem deles, uma vez que têm como condição de sua reprodução a manutenção do equilíbrio ambiental.

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Com relação à pergunta sobre a importância de seus saberes para os “cientistas”, fica visível que os pescadores estudados não se sentem valorizados. Apontam como principal causa dessa desvalorização o modo como aprenderam os conhecimentos sobre o mar e os ciclos da Natureza.

Para ALLUT (2000), esses saberes, na maioria das vezes, realmente não tem muita importância para a comunidade acadêmica, já que foram construídos com base em um empirismo ingênuo, e não dentro de universidades. Os pescadores estudados relacionam também essa desvalorização ao modo como chamam os peixes, diferente da nomenclatura da “ciência”.

A gente conhece porque viu mesmo, mas os nomes que a gente usa são diferentes, acho que a gente não usa o nome certo, que ta escrito. (Waldir)

Percebe-se a importância de um cruzamento entre os saberes, para que, além dos conhecimentos tradicionais continuarem a existir, se possa pensar em possibilidades mais concretas e possíveis em busca de uma sociedade sustentável. O pensamento conservacionista que se percebe no discurso desses pescadores é imprescindível para se ter uma visão mais clara sobre como tentar atingir objetivos sustentáveis na sociedade atual.

Concluiu-se, nessa fase do trabalho, que os pescadores estudados podem proporcionar um olhar diferenciado sobre os recursos da Natureza, possibilitando que se pense nestes como instrumento de trabalho e não como bens ilimitados. A percepção sobre o meio ambiente desses pescadores configura-se em um meio bastante rico para se pensar na conservação e, principalmente, como uma boa base para a sensibilização em educação ambiental.

Considerações finais

A Educação Ambiental é de grande importância para a conservação do meio ambiente, se constituindo em um dos principais meios de se alcançar a conscientização acerca das questões ambientais. Representa um instrumento essencial para superar os atuais impasses da nossa sociedade. A realidade atual exige uma reflexão cada vez menos linear, e isto se produz na relação entre saberes e práticas coletivas que possibilitem a criação de identidades e valores comuns e ações solidárias em busca da reapropriação da natureza, numa perspectiva que privilegie o diálogo entre os diversos saberes.

Tendo em vista a atual situação em que se encontra o meio ambiente, é imprescindível o desenvolvimento de uma nova cultura. A crise mundial

socioambiental que afeta a sociedade é reflexo de seus próprios valores, condutas e estilos de vida coletivos, como já foi discutido anteriormente. Constitui, portanto, uma crise cultural. A cultura modela a maneira que concebemos o mundo e a nós

mesmos, e como nos relacionamos com ele. Nessa perspectiva, a Educação Ambiental tem como objetivo a conscientização das pessoas em relação ao mundo em que vivem para que possam ter cada vez mais qualidade de vida sem

desrespeitar o meio ambiente natural que a cercam. Essa conscientização se dá a partir do conhecimento dos recursos específicos de cada região, os problemas ambientais causados pela exploração do homem, assim como os aspectos culturais

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que vão se modificando com o passar do tempo e da mudança dos recursos naturais.

Sendo assim, o principal objetivo é tentar criar uma nova mentalidade com relação a como usufruir os recursos oferecidos pela natureza causando um baixo impacto sobre eles, criando assim um novo modelo de comportamento. Um bom exemplo disso é a postura com que os pescadores artesanais têm em relação à natureza e seus recursos. Seus conhecimentos tradicionais são muito ricos para a conservação da natureza, se configurando em um instrumento de sensibilização muito importante para a educação ambiental. Sensibilização entendida, neste contexto, como um processo educativo de tornar sensível, possibilitando uma vivência que pode construir conhecimentos não só pela racionalidade, mas também a partir de sensações, intuição e sentimentos.

Dada a importância dos saberes tradicionais tanto para a educação ambiental como para seus próprios possuidores, necessitamos de uma abordagem holística e interdisciplinar, onde os saberes acadêmicos e tradicionais se unam em busca de caminhos para o uso e aproveitamento dos recursos da natureza, respeitando seus limites e sua diversidade.

Os saberes tradicionais podem possibilitar um novo olhar sobre o meio ambiente, confirmando a hipótese deste estudo, uma vez que, como dependem diretamente de Natureza para sua sobrevivência, os pescadores artesanais consideram a conservação dos recursos naturais como sendo fundamental. Dessa forma, não podemos observar a Natureza como se ela fosse simplesmente uma bela paisagem, já que fazemos parte dela. Devemos ter uma consciência ambiental, tentando evitar a degradação do meio ambiente, uma vez que, assim como os próprios pescadores artesanais entrevistados observam, já estamos sofrendo com as conseqüências de nossas próprias atitudes frente a Natureza.

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