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ENTRE MONAS 1 E AMAPÔS 2 : TRAVESTIS E TRANSEXUAIS NO DEBATE FEMINISTA, QUE LUGAR POSSÍVEL?

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Academic year: 2021

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THAÍSSA MACHADO VASCONCELOS UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE thaissamvasconcelos@hotmail.com

Um “carão” para introduzir

Este ensaio nasce de meu interesse aos estudos de gênero e de forma especial às vivencias de mulheres travestis e transexuais. Compreendo o gênero como uma categoria “flutuante”, como nomeou Judith Butler, e estas mulheres (reconheço e

pontuo a existência de homens trans, mas neste momento, me refiro às mulheres)

vivenciam à luz do dia e a olho nu as fragilidades, ou inexistência das fronteiras moldadas pela cultura e cristalizadas enquanto naturais. São pessoas que borram tais verdades e que problematizam na materialidade dos seus corpos a emergência de questionar os gêneros ditos binários e opostos.

A questão feminista também se coloca em meu interesse. Embora minha aproximação à teoria seja de certa forma recente. Questiono-me desde as primeiras incursões às leituras e debates feministas, sobre produções que contemplassem essas mulheres, que me pareceram de certo modo silenciadas na rica produção feminista. Neste momento então, procuro refletir sobre travestis e transexuais como sujeito político do feminismo.

Neste texto, pretendo refletir e lançar questionamentos sobre a temática, ainda com poucas produções no país. Em um primeiro momento, diante da pouca produção sobre essas mulheres nos investimentos feministas, procuro pensar sobre as questões de (in)visibilidade de travestis e transexuais no país, enquanto sujeitos políticos, nos trabalhos científicos, até chegar aos movimentos, LGBT e Feminista. Refletindo sobre possíveis lugares no movimento feminista, trago algumas questões impulsionadas pela categoria gênero no feminismo, que chegam a ampliar e desestabilizar os significados ao significante mulher, permitindo possíveis espaços a outras mulheres que se colocavam invisibilizadas nesse debate. E para não concluir, visto que se trata de um

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Forma que travestis e transexuais usualmente se referem a outras travestis e transexuais.

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ensaio que não pretende esgotar a questão, mas abrir pontos de questionamentos, debates e maiores investimentos futuros, trago algumas provocações sobre o tema.

O jogo entre a pele e o pelo: (In) visibilidade das travestis e transexuais

Tomando como referência levantamento bibliográfico realizado a respeito das vivências de travestis e transexuais no Brasil, encontro os investimentos científicos e políticos aparecendo no país a partir da década de 1990. Este interesse foi impulsionado pelas intensas e importantes transformações culturais e políticas vivenciadas no país. Os movimentos sociais ganham novas forças, especialmente a partir das inovadoras críticas sobre às questões de gênero surgidas no feminismo (PISCITELLI, 2004; BENEDETTI, 2005), que possibilitaram estes sujeitos trazerem ao social maiores questionamentos e temas de interesses, além de se colocarem a partir de então como sujeitos políticos, propondo novas visibilidades.

A visibilidade dos investimentos científicos, culmina em ambiguidades: de um

lado a conquista de uma identidade social, um sujeito político (travesti/ transexual) que possibilita a conquista de garantia de direitos e políticas públicas, mas de outro lado, as conquistas importantes não eximem ainda a situação de preconceito, violência e exclusão vivenciada por essas pessoas, direitos que em alguns momentos são transgredidos, e invisibilizados. Outra questão de debate no que se refere à visibilidade e ambiguidade da participação desse sujeito político é em relação aos movimentos sociais em que elas pretendem se inserir para discutir suas questões de interesse. Primeiro, o movimento LGBT, movimento de muita importância, no seio do qual, travestis e transexuais conseguiram se institucionalizar e se colocar enquanto sujeito político, além de grandes outras conquistas e lutas. De outro lado, aparece também as queixas no que se refere ao lugar que ocupa as questões trans na agenda do movimento LGBT, relegada a um plano menor no que se refere aos gays, (segundo discurso de

travestis e transexuais do Nordeste em evento)3, um exemplo seria a política sobre a

criminalização da homofobia, e a circulação aparentemente democrática deste nome: homofobia. Travestis e transexuais alegam que se trata de uma sobreposição de demandas dos gays, uma vez que, apesar de uma mesma raiz, a transfobia tem outra significação, e sendo tratada sob o nome da homofobia, deixa questões específicas silenciadas.

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O outro espaço que aparece no discurso ambíguo da visibilidade, e onde irei refletir, é o Movimento Feminista. Em relação a este, travestis e transexuais compreendem que suas lutas são a questão feminista no que se refere às situações de opressão, marginalização e violência sofrida por elas, apoiadas em uma situação machista e cisgênera. Jos Truitt (2013) argumenta que o feminismo é uma resposta à opressão de gênero, em uma cultura onde o feminino é desvalorizado. Diante disto, travestis e transexuais estão tentando levantar suas questões dentro desta arena que lhe é própria a suas demandas, muito embora se percebam excluídas, algumas vezes sob o questionamento de esta ser ou não mulher, ou melhor, ser ou não sujeito do feminismo.

Importante citar e refletir sobre o evento do 10º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, ocorrido em 2005. Segundo Karla Adrião e Maria Juracy Toneli (2008), é a partir dos anos 2000, que travestis e transexuais, assim como outros sujeitos (mulheres jovens e homens, por exemplo) começam a reivindicar visibilidade na militância feminista no Brasil. No encontro citado, travestis e transexuais

reivindicaram sua participação enquanto sujeito político4. A participação foi negada sob

o argumento de a organização não se colocar no lugar de decidir por todo o grupo, percebendo por outro lado, a urgência de discutir a questão durante o evento. Compreendo que se tratou de uma decisão importante, já que a (não) presença delas ganhou o lugar no debate, da discussão sobre os sujeitos políticos do feminismo, além do retorno a reflexão de o que nos constitui enquanto mulheres, lembrando que, uma concordância ao que se constitui uma mulher é terreno de grande tensionamento (BUTLER, 2003), por sua vez, travestis e transexuais, apoiadas em importantes produções das teorias de gênero, enfatizam nessa discussão, a relevância de o feminismo não se basear e reafirmar normas cisgêneras (TRUIT, 2013).

Pensando um pouco sobre o percurso do pensamento feminista, marco nesse caminho, o fato de o gênero ter sido compreendido e trabalhado de maneiras diferentes, em diferentes momentos. O conceito gênero, aparece na discussão na década de 1970, em um momento de grande investimento científico sobre as questões feministas. O feminismo estava às voltas com a discussão sobre a subordinação das mulheres na história do patriarcado, e procurando responder e propor transformações às situações de

opressão vivenciadas pela mulher5. E é neste momento de intenso interesse acadêmico

que conceitos importantes para o feminismo até então, como a ideia do patriarcado por

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A participação de forma individual já acontecia (ADRIÃO; TONELLI, 2008).

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exemplo, passa a se esvaziar de conteúdo (PISCITELLI, 2004). O gênero ganha grande relevância para o debate, visto que procura atravessar alguns problemas nos estudos empreendidos sobre “a mulher”. Além disso, o conceito gênero fez um convite à novas reflexões sobre as questões do feminismo, e novas possibilidades analíticas, muito embora, traga deslocamentos, dentre eles: desestabilizar a ideia de um sujeito mulher universal e uma ideia rígida de opressão que também se impunha como universal (PISCITELLI, 2004; CONCEIÇÃO, 2009), deslocamentos que não são vivenciados sem tensões.

É quando o feminismo pensa, introduz e reformula a questão do gênero, de modo que o debate feminista se afasta de alguma forma (não totalmente), de uma biologização e naturalização do sexo/gênero, que travestis e transexuais podem encontrar um espaço possível. Gayle Rubin, na década de 1970, traz insigths importantes no que se refere ao sistema sexo-gênero, em “Tráfico de mulheres: notas sobre a economia política do sexo” (1993)6

, pensando a questão do gênero em uma dimensão cultural, com um certo distanciamento do sexo, e que se sobrepõe a dimensão biológica. Muito embora o traz ainda em um par de opostos (sistema sexo/gênero; natureza/cultura), apoiada em um discurso de um gênero construído sobre um sexo naturalmente dado. Abro um parêntese para citar a máxima de Simone de Beauvoir, “a gente não nasce mulher, torna-se”, concordando ser o gênero uma construção cultural sobre o sexo, muito embora compreendendo o sexo como um fato, imutável, natural (BUTLER,2013). Deste modo, o conceito de gênero sugeria que este se tratava de características culturais construídas sobre o sexo biológico (NARVAZ, 2010), sendo portanto ainda fortemente atrelado a naturalização.

Outras contribuições foram feitas com os estudos estruturais e

pós-modernos. Não distantes do debate feminista, as contribuições de Judith Butler (muito influenciada por Jacques Derrida e Michel Foucault), que dentre outras colocações, argumenta de um outro ponto de vista, que nem o gênero e nem mesmo o sexo são determinados, nem deterministas naturalmente (BUTLER, 2003). De modo que não só os gêneros sejam “construídos” – ou melhor, materializados, mas também o são os corpos e o sexo, atribuindo a estes uma relevante dimensão histórica e linguística. O gênero para Bulter (2003), de outra maneira, admite uma existência inteligível aos corpos e ao sexo.

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A contribuição de Butler promove uma desnaturalização dos sistemas sexo/gênero/desejo, cristalizados em nossa cultura, e pensados enquanto um encadeamento lógico e natural, ela diz em Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade: “O sexo não causa gênero; e o gênero não pode ser entendido como expressão ou reflexo do sexo” (p.162). A filósofa chama de gêneros inteligíveis, “aqueles que mantém relações de coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática sexual e desejo” (p.38), aqueles que, o sexo “impresso” ao corpo ao nascer (pênis ou vagina) mantém comunicação direta a um gênero (masculino ou feminino), orientando deste modo práticas e desejo (neste caso, heterossexuais, onde os pares de “opostos” são

“autorizados” a se encontrar)7

em uma “heterossexualidade compulsória”. Por outro lado, Butler (2000) chama a atenção às incoerências, refletindo sobre os corpos, gênero, práticas que não mantem entre si relações de coincidência, e escapam as normas regulatórias. Esses outros corpos que escapam a essa lógica, são pensados como “fora do humano”, abjetos.

Ao situar as descontinuidades entre sexo e gênero, problematizar a ideia cristalizada de um sexo pré-discursivo, o gênero aparece na obra da autora como um ato performático, um efeito do discurso, uma repetição de normas estabelecidas para os gêneros (BUTLER, 2000). É no lugar dessas repetições que transformações se fazem possíveis, seja na incapacidade de fazer a repetição, ou quando esta subverte as normas do gênero, denunciando seu caráter não permanente e flutuante, reitera Márcio Valente (2011). Deste modo, para Butler (2013) “mulher e feminino, podem significar tanto um corpo masculino ou feminino” (p.25), repensando os gêneros para além de categorias fixas. Sendo assim, “Mulher” se coloca como um substantivo que reduz uma experiência de gênero que é variada, e que perpassa outros sujeitos e não somente aqueles que se convencionou chamar de mulheres através de um aparato biológico.

Em um breve percurso de como o conceito gênero se colocou na teoria feminista, e mais precisamente refletindo sobre as atuais teorias, que promoveram uma desnaturalização do sexo e gênero, que foco o olhar às travestis e transexuais. É neste sentido e neste debate que entre “químicas, plásticas” e ressignificações, travestis e transexuais fabricam feminilidades. E em meio as descontinuidades de sexo/gênero e desejo, promovem constantes transformações nos seus corpos. Elas vivenciam a produção do corpo e gênero femininos, através de diversos artifícios, como: hormônios,

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depilação, maquiagem, cirurgias plásticas, adornos, etc, como uma prática subjetiva estruturante (BENEDETTI, 2005). Travestis e transexuais constroem sua vida em direção de um feminino ou algo assim chamado (BENEDETTI, 2005), um feminino negociado, construído na materialidade e ressignificado.

Esses sujeitos desestabilizam a ordem binaria e classificatória que a cultura moldou para cada um dos sexos (PELÚCIO, 2004). Sexos e gêneros, foram colocados em lugares opostos e intransponíveis, onde o sexo que marca nossos corpos desde o nascimento seria garantidor direto do gênero (vagina – feminino; pênis – masculino), e ordena práticas e desejo (em uma lógica heteronormativa), como lembra Butler (2003). Travestis e transexuais, por sua vez, transgridem tais limites, perturbam e rearticulam fronteiras (BUTLER, 2003), denunciando uma não existência, ou uma existência ilusória de fronteiras rígidas, como lembra Larissa Pelúcio (2004), as fronteiras imaginárias parecem se desfazer, se diluir. Sujeitos que trazem em um mesmo corpo símbolos culturais do feminino, em um corpo marcado pelo sexo de homem ao nascer (inclusive porque, apesar dos procedimentos cirúrgicos, no caso das travestis, não há o desejo de extirpar o pênis), ultrapassando a delimitação de dois sexos e gêneros opostos, fazendo existir um outro, um terceiro, um “trânsito livre”, um múltiplo que possibilita a um sujeito “não mulher” a experiência de gênero feminino.

Ao se referir a esse contínuo processo de construção de feminilidades nos corpos e performances de mulheres trans, como sinaliza Marcos Benedetti, são feitas algumas reflexões sobre esse feminino. Para Benedetti (2005), não se trata do feminino das mulheres, já que esta não abdica de vantagens e características das masculinidades, frente a isso questiono: é possível falar em um “feminino das mulheres”? E outro: que tensionamentos possíveis, travestis e transexuais provocam entre feminilidades? Estaríamos diante de um possível mal estar frente a uma mulher que carrega no corpo “o significante de dominação dos homens sobre as mulheres” (RUBIN, 1993)? Estaríamos às voltas com a importância de um retorno a um gênero tendo em vistas um corpo pensado enquanto natural? As correspondências entre natureza e cultura ainda se fazem marcantes nesse debate?

Os dualismos outrora criticados pelas atuais teorias de gênero, faz retornos significantes ao debate feminista, sobretudo na discussão por parte de algumas feministas, da importância de um discurso essencialista, que não feche os olhos para a diferença sexual, importante para ações políticas (HARDING, 1993; ADRIÃO, TONELLI, MALUF, 2013). As relevantes contribuições atuais acerca do gênero, que

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transcende binarismos, não se colocam alheias de grandes nós para a teoria e movimento feminista. Uma das questões lançadas é o apontamento de um suposto esvaziamento das questões feministas em prol de uma teoria queer, fazendo-se importante do ponto de vista político um retorno à categoria mulher (PISCITELLI, 2004; CONCEIÇÃO 2009), agora revestido de outras significações, que não meramente biológicas, embora em minha leitura, não a perca de vista (as questões biológicas). Sobre o retorno à categoria “mulher”, questiono: quem pode ser essa mulher?

O movimento feminista, foi atravessado por debates e produções que o fizeram ser revisto e ganhar novos pontos de vista, como é o caso do uso da citada categoria gênero, por exemplo. Muito embora, salta aos olhos também as alteridades internas ao movimento que dentre outras, possibilitaram transformações epistemológicas do feminismo.

Em momento anterior, procurei apontar a emergência do conceito gênero, que em resposta ao patriarcado produz novos discursos, discursos ricos a sujeitos que estão à margem das normas regulatórias de gêneros inteligíveis. Outros eventos marcantes da história do feminismo ecoam no debate das mulheres travestis e transexuais. Cito a reivindicação de mulheres negras, de grande importância para o movimento no sentido de questionar que as pautas postas, não eram demandas de todas, de chamar a atenção para a diferença. Apesar de serem todas mulheres por assim dizer, há especificidades entre elas. E um movimento que se colocava mais ao lado de um feminismo branco, classe média e heterossexual, reivindicam um olhar sobre a diferença, sobre a

interseccionalidade do gênero com outros marcadores8 (classe, raça, sexo, geração),

fazendo dela um importante categoria de análise. O convite ao olhar sobre a diferença, marca outras fricções na ideia de um sujeito unitário (BRAH, 2006), chamando atenção para mulheres outrora invisíveis: negras, jovens, deficientes, transsexuais. Avtar Brah (2006), pontua que em uma estrutura de relações sociais e de poder, não existimos apenas como mulheres, mas somos atravessadas por outras questões que nos diferem. Diante agora desse sujeito mulher que não se faz unitário, como pensar em um sujeito político? O desafio aparece então em dar à diferença um lugar político, e o caminho para a construção de um sujeito do feminismo (ADRIÃO, TONELLI, 2010; ADRIÃO, TONELLI, MALUF, 2013).

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Interseccionalidade neste caso, não pode ser pensada como aglutinando marcadores, mas estes compreendidos enquanto imbrincados entre si.

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O discurso da diferença, que ganha ênfase nos anos 1990, nos estudos Avtar Brah, Gayatri Spivack e Judith Butler (para citar alguns nomes), e de diferentes lugares, questionam a unidade do sujeito “mulher”. As interseccionalidades de raça, classe, sexualidade, etnia, geração, etc lança um olhar cuidadoso ao sujeito mulher, que não se trata de um sujeito universal e estável (BUTLER, 2003), muito embora este tenha sido importante e questionado enquanto legítimo, enquanto uma estratégia política.

Diante disso, ainda questiono, que “mulheres” cabem na categoria “mulher”? Qual o sujeito do feminismo? Quais os novos sujeitos do feminismo? É possível que travestis e transexuais, mulheres com o significante de dominação dos homens sobre as mulher no corpo, mulheres que transitam entre os símbolos das feminilidades e masculinidades, produzam novas tensões a um sujeito que já não é estável?

O feminismo promoveu importantes alterações na realidade social e relações, e tem como objetivo principal, como lembra Brah (2006) mudar as relações sociais que estão pautadas nas hierarquias de gênero, erradicar desigualdades oriundas da diferença sexual vindas de teorias biologicamente deterministas, que compreendem a posição social da mulher como resposta a uma diferença inata (p.342). Travestis e transexuais, por sua vez estão à margem dos processos sociais, em um movimento de exclusão dos discursos e práticas de ordem sexista. Elas vivenciam situações de opressão e violência impostas pela dominação masculina, compreendendo desta forma, que sua reivindicação é uma luta feminista.

Amparadas por uma produção e teorização de gênero que amplia as possibilidades de experiência de gênero para além de aparatos biológicos, travestis e transsexuais, ao menos em tese se colocariam enquanto sujeitos de um feminismo, por outro lado, elas pensam o movimento feminista, por vezes como um movimento cisgênero, onde, por mais que se discuta o caráter flutuante dos gêneros, a questão biológica ressurge sob o espectro de mulher como aquela com órgãos genitais femininos (JESUS; ALVES, 2010). Deste modo, travestis e transexuais questionam um “não lugar” para a experiência de opressão dessas outras mulheres e se dizem marginalizadas do feminismo.

Em produções ainda tímidas, mas crescendo no país, sobretudo no meio virtual, essas mulheres procuram levantar suas bandeiras, fazendo uso e releituras de um referencial teórico feminista (JESUS, ALVES, 2010 ) em busca de um reconhecimento de seu lugar no feminismo e sua inserção no movimento, como forma de empoderamento desses sujeitos. Jaqueline Jesus e Hailey Alves sinalizam no

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fortalecimento do movimento transgênero e sua consequente conscientização política a uma aproximação do movimento com o feminismo, começando hoje a ser adotado um transfeminismo, ou feminismo transgênero, como saída possível para trazer as questões de mulheres trans para a discussão feminista. A saída pelo transfeminismo aparece justamente frente a uma percepção de uma posição cisgênera (algumas chegam a dizer transfóbica) do movimento feminista, buscando fortalecer as contribuições de gênero que atravessam as questões biológicas. O transfeminismo tem seus estudos muito situados nas teorias queer e estudos pós coloniais.

Calçar o salto 15 e sair por ai: a guisa de conclusão

As conexões ainda existentes entre gênero e genitais parece ser um dos grandes hiatos para a participação política de travestis e transexuais no feminismo. As importantes questões discutidas teoricamente, e neste sentido dou ênfase às contribuições de Judith Butler, muitas vezes se coloca enquanto um abismo nas relações, e no movimento.

Será que se estas mulheres produzissem saberes localizados, poderiam encontrar um lugar possível e legítimo no movimento feminista? O transfeminismo, sustentado por teorias queer e estudos pós coloniais, aparece como uma construção de saberes, de um feminismo que se coloca em crítica à uma ordem cisgênera, a um feminismo cisgênero. Quais as repercussões desse sujeito político para o feminismo? Como o feminismo recebe essa demanda, e esta crítica?

Concluo em um movimento reticente, interrogativo, e não finalizado, faço apenas questionamentos, para ao invés de fechar, provocar a discussão, diante da importante ação do movimento de mulheres travestis e transexuais em produzir saberes e reivindicar um espaço político e do feminismo produzir e refletir sobre essas questões.

Bibliografias

ADRIÃO, Karla Galvão; TONELI, Maria Juracy Filgueiras. Por uma política de acesso aos direitos das mulheres: Sujeitos feministas em disputa no contexto brasileiro. Psicologia e Sociedade, 2008.

ADRIÃO, Karla Galvão; TONELI, Juracy e MALUF, Sônia. Encontros e matizes na constituição do campo feminista brasileiro. In: SOUZA, Mériti; TONELI, Juracy e LAGO, Mara (orgs) Sexualidade, gênero, diversidades. Ed casa do Psicólogo, 2013. Ainda no prelo.

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BENEDETTI, Marcos Renato. “Toda feita”: O corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, Guacira (Org.). Corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 200.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu (26), p.329-376, 2006.

CONCEIÇÃO, Antônio Carlos Lima da. Teorias feministas: da “questão da mulher” ao enfoque de gênero, Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 2009.

HARDING, Sandra. A instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista. In: Revista Estudos Feministas, n.1, CIEC/ECO/UFRJ, primeiro semestre, p. 7 a 31, 1993.

JESUS, Jaqueline Gomes de; ALVES, Hailey. Feminismo transgênero e movimento de mulheres transexuais. Cronos: Revista do programa de pós-graduação em ciências da UFRN: 2010

NARVAZ, Martha Giudice. Gênero para além da diferença sexual. Revisão da

literatura. Aletheia. Disponível em:

http://www.redalyc.org/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=115020838014. Acesso em 11 de Dezembro de 2012.

PISCITELLI, Adriana. Reflexões em torno do gênero e feminismo. In: COSTA, Claudia de Lima; SCHMIDT, Simone Pereira. Poéticas e políticas feministas. Florianópolis: Mulheres, 2004.

PELÚCIO, Larissa Maués. Travesti, a (re)construção do feminismo: gênero, corpo e sexualidade em um espaço ambíguo. Revista Anthropológicas. Ano 8, volume 15, p. 123-154, 2004.

VALENTE, Marcio Bruno Barra. A produção de paternidade em “procurando Nemo”: Performatividade em redes heterogêneas. Dissertação. Programa de Pós Graduação em Psicologia, UFPE, 2011.

RUBIN, Gayle. O Tráfico de mulheres: notas sobre a “economia política” do sexo. Recife: SOS Corpo, 1993.

TRUIT, Joss. Sobre questões trans dentro do feminismo e o fortalecimento da análise de gênero a partir do movimento. Tradução: Hailey Kaas, disponível em: http://transfeminismo.com/2013/07/08/sobre-questoes-trans-dentro-do-feminismo-e-o-fortalecimento-da-analise-de-genero-a-partir-movimento/, acesso em 01 de Agosto de 2013.

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