• Nenhum resultado encontrado

O design para o jogo crítico *

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O design para o jogo crítico *"

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

1

O design para o jogo crítico

* Mary Flanagan

O jogo é baseado no conceito de possibilidade.

—Mihaly Csikszentmihalyi e Stith Bennett, “An Exploratory Model of Play”

Seja por sua capacidade de estimular a participação em uma era conectada à internet, seja por seu papel como plataforma de entretenimento, intervenção, autoria e subversão, os jogos de computador – na verdade, todos os jogos – são altamente relevantes para a imaginação do século XXI. Os jogos também constituíram um componente significativo da prática artística por quase um século. Embora as partes centrais deste livro tratem de questões históricas relacionadas ao jogo crítico e às abordagens artísticas do jogo e do design de jogos, uma investigação das metodologias de design que informam o jogo crítico deve começar definindo o contexto no qual muitos jogos são feitos atualmente.

Se, de acordo com Bennett e Csikszentmihalyi, “o jogo é fundamentado no conceito de possibilidade”1

, então o jogo crítico é a vanguarda dos jogos como um meio. Mas onde está o jogo crítico? Quando avaliado em termos de criticidade, surge uma grande quantidade de questões sobre o modo como os jogos realmente funcionam. Os últimos capítulos forneceram teorias, abordagens e exemplos para ajudar a resolver algumas questões importantes: os jogos podem ser ativistas? O jogo aumenta a consciência crítica ou minimiza seus efeitos? Qual é o papel das artes nos jogos, e os métodos derivados dos artistas podem fazer uma diferença? Os vários métodos de criação seguidos pelos artistas discutidos nos capítulos anteriores podem oferecer novas abordagens para reformular ativamente a cultura cotidiana dos jogos?

Marshall McLuhan estava à frente de seu tempo ao entender que “A arte, assim como os jogos ou as artes populares, e como a mídia comunicativa, têm o poder de impor suas próprias suposições ao colocar a comunidade humana em novas relações e atitudes”2. Do jogo de bonecos ao jogo de palavras, do Simultanismo aos vários jogos surrealistas, há uma boa quantidade de evidências de que os processos dos artistas em busca de jogos críticos podem oferecer métodos de pesquisa, ações e situações lúdicas, sendo espaços ou agrupamentos de ações adaptáveis para apresentar preocupações. O método de jogo crítico que proponho aqui deve fornecer um modelo eficaz para os designers e artistas usarem para engajar e encorajar o jogo crítico tanto na criação de jogos quanto em seu uso. O jogo crítico pode e deve ser incluído no processo tradicional de design de jogos. Ao propor este modelo de design e

*

Capítulo do livro Critical Play: Radical Game Design (The MIT Press: Cambridge, MA: London, 2009), p. 251-262.

1 Csikszentmihalyi e Bennett, “An Exploratory Model of Play”, American Anthropologist, New Series 73, no. 1

(February 1971): 45-58.

2

(2)

2

criação de jogos com este conjunto de estratégias, espera-se que outros praticantes, artistas, designers, cientistas e pesquisadores sejam capazes de questionar e elucidar muitas das chamadas “normas” embutidas em nossos atuais paradigmas de jogo e práticas de tecnologia, em última análise, incluindo um conjunto mais diversificado de vozes na comunidade de design de jogos e um espectro mais amplo de experiências de jogos.

Por que se importar com os métodos?

À primeira vista, pode parecer difícil ver como os artistas que trabalharam em lugares e tempos muito diferentes ofereceriam modos e processos significativos para ajudar na criação de jogos hoje. Os jogos de computador são frequentemente discutidos como um excitante novo meio, mas seus laços com as formas prévias de jogo não são automáticos. Para o jogador típico, os jogos de computador não estão obviamente alinhados a preocupações como a antiga adivinhação, a psicanálise, as leis tributárias utópicas, o ambientalismo ou o protesto social. No caso do jogo ativista, talvez se pense que os objetivos do designer são “reais” e, portanto, podem ser mais bem alcançados com abordagens mais diretas de produção. Por exemplo, um designer pode desejar fazer um projeto referente a um banco de alimentos local. A pesquisa disciplinar típica encontraria verdades e linhas de informação particulares, em vez de uma estética artística.

Entretanto, se olharmos para as razões fundamentais pelas quais jogamos, a conexão entre os métodos artísticos, o ativismo e o design de jogos se torna clara. Há algo sobre o design do jogo, especialmente o processo de conceituar e fazer jogos, que requer atenção à possibilidade. Como na arte, a criação e o uso de jogos requer a criação de regras em um nível fundamental. Até mesmo simples atividades de encenação, ou brincadeiras domésticas, ambos cenários de jogo aberto, aparentemente ilimitados, incluem regras implícitas ou explícitas que estabelecem o comportamento, as possíveis ações, os ambientes e a zona segura para o próprio jogo. Devido à natureza sistêmica do produto e do processo, os criadores de jogos usam processos ou métodos específicos que podem ser repetidos. Como os ativistas, os designers de jogos também seguem um esquema geral de investigação ou pesquisa, criando processos para abordar preocupações e ideias específicas. Além disso, a criação de regras de operação cria restrições interessantes para provocar a inovação no processo do designer e no papel do jogador.

Conforme o design do jogo amadurece e os próprios jogos se tornam mais onipresentes e mais significativos para a cultura, existe uma crescente necessidade dos designers abordarem o processo criativo com maior consciência e responsabilidade para serem inclusivos, justos, atendendo a uma variedade de estilos de jogo. Os jogos de computador, especialmente os jogos de computador em rede, tornaram-se espaços sociais muito utilizados e “públicos”. Como tal, devem ser vistos como espaços de tradução, já transformados pelos designers de jogos e pelo crescente número de jogadores: internacionais, transfronteiras e fluidos. No entanto, esse significado internacional dá ainda mais importância

(3)

3

a como esses jogos são projetados, o que se faz neles e como a estrutura é inserida dentro deles. A mudança política outrora ocorreu no espaço público da rua, da praça da cidade e da praça. Muitos jogos, alguns do tipo que o geógrafo Gillian Rose nomeia de “não reais”, são significativos porque agora, mais do que nunca, os jogos eletrônicos constituem espaços culturais.

Além disso, como local de produção e consumo de cultura, comunidade, língua, comércio, trabalho e lazer, a cultura do jogo é o que pode ser chamado de “terceiro espaço”, que é o que Homi Bhabha em The Location of Culture chama de espaço de subversão, hibridismo e blasfêmia. De fato, Bhabha argumenta que o hibridismo e a tradução cultural são em si ideias subversivas e, portanto, devem ser o lugar onde as divisões binárias são desafiadas3. O urbanista Edward Soja argumenta que todos os espaços são “terceiros espaços”, que são vividos e imaginados entre os espaços empíricos ou as geografias e formas físicas do “primeiro espaço” previamente compreendidas e os espaços conceituais, ideológicos ou semióticos da representação e das formas mentais do “segundo espaço”. O terceiro espaço é o local do jogo e da disputa. Os jogadores podem evitar oposições binárias e permitir a possibilidade de um sujeito estar simultaneamente em várias espacialidades. Como Soja aponta, os espaços são socialmente produzidos (1996) e os terceiros espaços são os únicos locais que contêm a possibilidade de transformação social e política (1999). Como observa Anne-Marie Schleiner, “em vez de replicar a lógica binária do gênero de atirador, dos cowboys e dos índios, do rugbi, se o governo dos EUA pegasse emprestado táticas de jogadores de estratégia em tempo real ou de RPGs, nós veríamos uma resposta global diferente”4

.

Se pensarmos nos jogos como apresentando a possibilidade do terceiro espaço, um espaço social com suas próprias relações sociais, lutas e fronteiras simbólicas, é nesse terceiro espaço que devemos vislumbrar o estilo de atividade mais diverso e promotor de equidade que chamo de jogo crítico. Seguindo a linha de trabalho inspirada na famosa afirmação de Langdon Winner de que os artefatos “têm” política, e a partir de minha própria pesquisa teórico-prática nessa área, percebi que os métodos seguidos pelos praticantes, conscientemente avaliados ou não, são fundamentais para o significado emergente de um jogo5. Os pesquisadores que estudam as dimensões sociais e filosóficas das tecnologias têm usado uma variedade de termos para rotular e estender as ideias de Winner, tais como a “imersão” de valores na tecnologia, ou o “brincar” de valores em um jogo6

. Outros sistemas

3 Bhabha, The Location of Culture, London: Routledge, 1994.

4 Schleiner, “Operation Velvet Strike”, 2002. http://www.opensorcery.net/velvet-strike/about.html, par. 11. 5

Devo notar, aqui, que tenho me envolvido em projetos de design socialmente engajados desde a década de 1990, atuando, em particular, em prol de garotas e grupos subrepresentados. Também criei trabalhos de arte com elementos de jogo. No momento, estou trabalhando com a doutora Helen Nissesbaum em Values at Play, um projeto de pesquisa que aborda esses temas e que verifica como os designers de jogos podem desenvolvê-los com valores humanos. Ver: http://www.valuesatplay.org.

6 O tema do jogo crítico emergiu no desenvolvimento de minha dissertação de 2001 a 2005, e vem do meu

considerável trabalho em projeto ativista e de prática criativa alinhada com a vanguarda. Minha colaboradora, Helen Nissenbaum, e eu desenvolvemos mais recentemente um método para levar em conta os valores humanos, chamado de método Values at Play (Valores em Jogo). O Método do Jogo Crítico está definitivamente

(4)

4

além dos jogos são influenciados pela ideologia: as tecnologias como mecanismos de busca, os sistemas médicos e o compartilhamento de arquivos de software são projetados com diferentes modelos de comportamento humano, motivação, privacidade de informações e outros. Talvez até mais do que essas “ferramentas”, os jogos são simultaneamente sistemas de informação, produtos culturais e manifestações da prática cultural. Em algum nível, os sistemas como os jogos devem, devido às condições de sua criação, representar as normas culturais e os vieses em sua concretização. Esses resultados podem ser, e tem sido, completamente despercebidos. Os desenvolvedores de jogos e artistas trabalham em um determinado tempo, lugar e situação. Muitos trabalham em um meio e gênero particulares. Outros devem lidar com pressões e realidades práticas. Em uma complicação adicional dessas realidades, o que é distintivo sobre o jogo é que nem sempre se pode ver facilmente o estrito limite entre ele e a realidade social, ou melhor, que o jogo usa as ferramentas da realidade cotidiana em sua construção.

Embora o jogo de artistas continue a criar novos significados, desafiando as relações de poder existentes e alinhando-se com as estratégias ativistas/ intervencionistas, a cultura pós-moderna e a revolução tecnológica podem ter mudado as histórias, as relações sociais, os mercados e a vida doméstica de maneira vasta e profunda. A globalização e seus efeitos podem produzir ou reinscrever ideologias problemáticas em artefatos tecnológicos, como os jogos de computador7. Dadas essas condições, juntamente com o fato de que qualquer ato criativo é complexo e geralmente gera consequências indesejadas, o processo de criação do jogo deve amadurecer para permitir revisão e bem mais “reflexão”.

O Método do Jogo Crítico

Com base nas necessidades do design de jogos e na importância da iteração, as ideias de mais de um século de jogos de artistas podem ser úteis para criar jogos radicalmente diferentes. Mas, primeiro, é importante ver como os designers estão fazendo jogos hoje. Aqui estão os passos aproximados do processo cíclico de desenvolvimento chamado de design “iterativo”8

:

informado por este trabalho; a valorização e o crédito devem ir a Helen por introduzir o termo valores e tudo o que isso implica no processo. Espero poder resumir adequadamente, dizendo que Helen está interessada em como os valores são incorporados em várias tecnologias, e estou mais interessado no conjunto de valores apresentados em um jogo; como o sistema, as condições de jogo e os participantes trazem valores que estão constantemente “em jogo” uns com os outros. Essa ideia é o nome do nosso projeto e uma contínua fonte de inspiração.

7 Discuti jogos de computadores antes em termos das representações problemáticas das personagens femininas,

preocupações epistemológicas, espacias, etc. Ver: Flanagan, “The ‘Nature’ of Networks”, In Nature et Progrès:

Interactions, Exclusions, Mutations, ed. Pierre Lagayette. Paris: Presses de l’Université, Paris-Sorbonne, 2006;

“My Profile, Myself in Playculture”, In Exploring Digital Artefacts, ed. Johan Bornebusch e Patrik Hernwall, 20-29. Stockholm: M3 Publication, 2006; “The Bride Stripped Bare”, In Data Made Flesh, ed. Phillip Thurtle e Robert Mitchell, 359-388. New York: Routledge, 2003; “Hyperbodies, Hyperknowledge”, In reload: rethinking

women + cyberculture, ed. Mary Flanagan e Austin Booth, 425-454. Cambridge, MA: MIT Press, 2002. 8

(5)

5

 Defina um objetivo de design (também conhecido como declaração de missão). O designer define as metas essenciais para o projeto.

 Desenvolver as regras e ativos mínimos necessários para o objetivo. Os designers de jogos criam uma estrutura para jogar, incluindo os tipos de fichas, personagens, adereços, e assim por diante.

 Desenvolver um protótipo jogável. A ideia do jogo é simulada. Isso é feito com mais eficiência no papel ou por sua execução durante os estágios iniciais do projeto.

 Teste de jogo. Vários jogadores testam o jogo e o avaliam, encontrando becos sem saída e partes aborrecidas, explorando os tipos de dificuldade associados às várias tarefas.

 Revise. Revisando ou elaborando o objetivo, os jogadores oferecem feedback, e os projetistas reformulam o sistema de jogo para melhorá-lo.

 Repetir. As etapas anteriores do processo são repetidas para garantir que o jogo seja envolvente e com boa jogabilidade antes de ser “finalizado” ou publicado em um site. O modelo tradicional contém passos concretos para a realização de um projeto particular, repetindo-o até que os elementos e conceitos centrais tenham sido adequadamente combinados com os elementos e as mecânicas de jogo. Geralmente, um designer ou uma equipe de design pode optar por repetir um pequeno objetivo de design, um subconjunto de determinado jogo, ou pode optar por repetir todo o sistema de jogo de forma sintética (consulte a figura 8.1). O modelo é adaptável para muitos tipos de jogo e desenvolvimento.

Gostaria de avaliar esse processo à luz das inúmeras abordagens críticas aos projetos incluídas neste livro. Parte desse processo é uma constante reflexão sobre os temas humanísticos, ou valores, durante o design. Pelo menos um designer, Donald Schön, refere-se à “prática reflexiva” como uma metodologia e encoraja os desenvolvedores a sair de seus processos para “ver o quadro geral”. Para Schön, é importante que os experimentos não “confirmem” uma “resposta” a um desafio, mas, em vez disso, confirmem esse desafio. A abordagem de Schön evita o objetivo tradicional de uma resolução final ou definitiva e envolve moldar e alterar as prioridades como resultado das descobertas. Schön observa: “É a lógica da confirmação que estabelece as fronteiras do rigor experimental”9. Outras estruturas reflexivas, como a “prática crítica técnica”, que é utilizada principalmente por profissionais de ciência da computação que trabalham com inteligência artificial, têm objetivos semelhantes. Um número crescente de designers está se comprometendo com a noção de um diálogo

9

(6)

6

contínuo entre os valores e a prática10. Em suma, a prática reflexiva incentiva designers e técnicos a verificarem se os objetivos de design e os objetivos de seus valores são apoiados.

Figura 8.1

Mary Flanagan, modelo do processo de design iterativo.

Qualquer heurística de design de jogos, no entanto, seria mal concebida sem acompanhar um processo criativo existente ou ser capaz de trabalhar em um contexto de design corrente. Se muitos designers de jogos praticam um modelo iterativo de design, essas ideias devem ser integradas. O processo de jogo crítico pode, portanto, ser assim:

O ciclo iterativo funcionaria melhor tornando-se mais aberto, mais reflexivo nesse ponto da evolução da cultura do jogo, dada a longa história de benefícios técnicos, aumentos na inclusão e a ampliação do discurso social alcançados pelos métodos de design alternativos. Por exemplo, em minha própria pesquisa sobre sistemas de jogos, observei várias maneiras pelas quais as garotas que participam de ambientes lúdicos, com a sua longa história de brincadeira de bonecas, trabalharam contra esses sistemas e como os jogadores da cultura popular dos computadores usam intervenção ou subversão em jogos como um método de jogo. A crítica e a prática feministas desempenharam um papel importante em informar essas rupturas com a tecnologia, bem como examinar como as relações de poder são mantidas e como a intervenção é orquestrada. A principal tecnóloga e designer de jogos, Brenda Laurel, observou: “Os trabalhadores da cultura fazem exatamente essas intervenções conscientes – criando tecnologias criativas que nos levam a produzir novos mitos e fazendo arte, atentamente, influindo na forma da tecnologia”11

. A ruptura dos jogos contemporâneos, seja

10 Por exemplo, P. E. Agre, “Introduction”, In Technology and Privacy: The New Landscape, ed. P. E. Agre e M.

Rotenberg, 1-28. Cambridge, MA: MIT Press, 1997.

11

Laurel, Utopian Entrepreneur, Cambridge, MA: MIT Press, 2001, p. 103.

criar regras criar protótipo jogável definir meta de design REPETIR revisar a meta teste do jogo Modelo Tradicional de Design Iterativo

(7)

7

por meio do jogo ou, preferencialmente, por meio de designs originais que evitam os estilos de interação dos atuais jogos de computador, pode oferecer modelos para outras práticas emergentes na cultura do jogo. As ações do designer são espaços relevantes de capacitação para dar voz a grupos marginalizados.

Mas uma metodologia crítica de design requer a mudança das relações de autoridade e poder em direção a uma troca participativa não hierárquica. Na medida em que os jogos realizados possam perturbar as realidades sociais existentes mostradas nos jogos mais populares, eles também problematizam o próprio processo de design. Em vez de seguir um padrão usual, no qual designers desenvolvem as ideias de sempre nos cenários habituais para os mesmos jogadores, o que é necessário agora é um modelo que amplie esses cenários, que são práticos, mas também limitados, no processo de design de uma forma que aborde a intervenção, questões sociais e objetivos ao lado de, ou até mesmo como, objetivos de design embutidos nos elementos mecânicos e de jogo.

Figura 8.2

Mary Flanagan, modelo do método crítico de jogo.

Aqui, gostaria de propor um modelo diferente, um que servisse para o jogo crítico. O método de jogo crítico (figura 8.2) introduz vários elementos cruciais no modelo iterativo12. As preocupações humanas, identificáveis como princípios, valores ou conceitos, tornam-se uma parte fundamental do processo. Ao percorrer os estágios do Método do Jogo Crítico, o

12 O processo iterativo é mais bem comentado no livro de Fullerton Game Design Workshop. San Francisco, CA:

Morgan Kaufmann, 2008. [Disponível em: <https://goo.gl/4pzmiE>] Modelo do “Jogo Crítico” de Design criar regras + tarefas que apoiem valores REPETIR design para diversos estilos de jogo + subversão desenvolver protótipo jogável teste do jogo com diversos públicos verificar valores, revisar metas criar metas de design + metas de valores (ex., diversidade)

(8)

8

artista, ativista ou designer pode refletir sobre o estado de seu projeto e ver se o design persegue as metas básicas definidas inicialmente para a pesquisa:

 Defina uma declaração de meta/missão e objetivos de valores de design. O designer define as metas necessárias para o projeto criar uma situação de jogo significativa e define uma ou mais metas de valores com peso igualmente fortes.

 Desenvolver as regras e as restrições que apoiam os valores. Os designers de jogos criam uma estrutura para jogar, incluindo os tipos de fichas, personagens, objetos, etc., necessários para suportar os valores do jogo e seu desenvolvimento.

 Design para muitos estilos de jogo diferentes. O designer poderia, por exemplo, fornecer um tipo de jogo não competitivo ao lado de um cenário de jogo competitivo. O designer deve projetar para a subversão do sistema e outros meios pelos quais o jogo pode se desenrolar.

 Desenvolva um protótipo jogável. A ideia é simulada no papel ou executada durante os estágios iniciais do design.

 Teste de jogo com diversos públicos. Os designers precisam sair do estúdio ou do laboratório e fazer testes com um público diverso, certificando-se de jogar com jogadores não tradicionais. Vários jogadores testam o jogo, verificando becos sem saída, partes aborrecidas, tipos e níveis de dificuldade da tarefa.

 Verifique os valores e revise os objetivos. Designers avaliam o jogo através dos testes de jogo e comentários dos jogadores. Eles verificam se os objetivos de valores emergem durante o jogo, revisam as metas e adicionam ou descartam opções com base no feedback para garantir um jogo atraente e apoiar os valores do projeto.

 Repetir. Este processo é repetido para garantir que o jogo suporte os valores estabelecidos para enquadrar e apoiar, além de fornecer uma experiência envolvente e jogável. Esses dois critérios para o sucesso devem ser medidos em cada ciclo iterativo. Dentro do método de jogo crítico, a diferença e o valor são preocupações fundamentais. Testes com papel, desempenho ou protótipos eletrônicos devem ser meios especialmente importantes para verificar as decisões de projeto decididas durante o processo, como a igualdade nas relações de poder ou o aumento da diversidade; o sistema deve lidar adequadamente com as complexidades dos princípios do jogo crítico. Em tais testes, é necessário determinar não apenas que uma característica ou ideia particular foi inserida com sucesso em um componente técnico, mas também que sua implementação não prejudicou as decisões anteriores que eram funcionais, interativas ou conceituais por natureza.

O processo do design iterativo é bem conhecido; a pesquisa mostrou que os ciclos iterativos podem ajudar os designers a facilitar o feedback, incluindo a discussão e a avaliação de questões sociais incorporadas no jogo, ao mesmo tempo em que mantêm a sua criação

(9)

9

mais dinâmica13. Para os artistas que fazem jogos, essa abordagem também é útil. A natureza cíclica do processo criativo pode servir como uma prática de estúdio paralela e envolver a comunidade com a qual o artista deseja se envolver. Afinal, os jogos são sistemas dinâmicos.

Na feitura de qualquer coisa, no entanto, tende a haver uma lacuna entre o que foi planejado e o que realmente é criado. Aqui, uma perspectiva de jogo crítico engaja um público diversificado de avaliadores para garantir que os aspectos particulares do projeto que são informados por fatores conceituais, temáticos e tecnológicos continuem a “dizer a mesma coisa” quando o projeto estiver concluído. Este acordo para examinar o “fazer” da “prática” pode ser útil nos laboratórios de artistas, assim como nos de designers independentes interessados em política ou justiça social.

O método do jogo crítico também pode ajudar aqueles que estão no desenvolvimento de jogos tradicionais a inovar, sugerindo maneiras novas e radicais de jogar. Significativas inovações no design de jogos podem ser feitas, mudando as metodologias de design e desenvolvimento usadas atualmente pelas empresas, equipes e indivíduos, e incorporando abordagens de artistas e ativistas, juntamente com métodos como o design iterativo. Os jogos são artefatos de importância histórica e cultural, mas também são algo que vai além dos artefatos, já que os jogos também funcionam como um conjunto de atividades que levam a convenções como o papel do público, a interação, a moeda e a troca. Existem correspondências causais sistemáticas entre as características específicas do design em jogos que indicam conceituações e resultados sociais específicos.

Ações de Design e Métodos de Design

Deleuze argumenta que, como pessoas, “geralmente percebemos apenas clichês. Mas, se nossos esquemas sensório-motores se bloqueiam ou se interrompem, um outro tipo de imagem pode aparecer: uma imagem ótico-sonora pura, a imagem inteira e sem metáfora que faz surgir a coisa em si, literalmente, em seu excesso de horror ou de beleza, em seu caráter radical ou injustificável”14

. Para a arte ir além do clichê, Deleuze acredita que ela deve se engajar em um conjunto de estratégias “para mostrar como e em que sentido” uma imagem significa x ou y para livrar a imagem do risco do clichê15. Portanto, uma das estruturas mais importantes que o jogo crítico pode oferecer é uma série de exemplos que mostram o que os artistas fizeram na criação e uso de jogos. Ao longo deste livro, examinei as maneiras pelas quais os artistas usaram bonecos, instruções, linguagem chocante, letras táteis, texto de ruas e mapas em seus jogos para fazer perguntas. Outras práticas, como “Teatro do Oprimido”, de

13 Bødker e Grønbæk, “Cooperative Prototyping: Users and Designers in Mutual Activity”. International Journal of Man-Machine Studies 34 (1991): 453-478; Shneiderman, “Universal Usability”, Communications of the ACM

43, no. 5 (2000): 84-91; Freeman-Bensen e Borning, “YP and Urban Simulation : Applying an Agile Programming Methodology in a Politically Tempestuous Domain”. In Proceedings of the Conference on Agile

Development, 2. City: Publisher, 2003.

14 Deleuze, The Logic of Sense. Trad. Mark Lester e Charles Stivale, ed. Constantin V. Boundas. New York:

Columbia University Press, 1990, p. 20.

15

(10)

10

Boal, oferecem mais insights sobre as maneiras para que, tanto o desenvolvedor do jogo quanto o jogador, vão além da “normalidade”. Cada capítulo deste livro pode ser usado para gerar estratégias destinadas a inspirar outros artistas, designers e inovadores. Apenas do capítulo 4, as táticas incluem:

 escrever comandos ou instruções  usar linguagem chocante

 transformar os humanos em fantoches

 fazer programas de computador que escrevam poemas  tornar as palavras táteis

 criar pinturas de instruções  elaborar palíndromos  mudar pontos de vista  criar poesia sonora

 fazer textos que sejam uma intervenção de rua  escrita no céu

Também explorei alguns métodos destacáveis para a produção de jogos. Esses incluíram:

 Simultanismo, um método definido como uma telescopagem do tempo  verso livre/verso visual livre

 automatismo

 desvio, deriva, detournement e psicogeografia

Esses métodos preservam o que foi alcançado no jogo crítico e, por sua vez, ajudam os designers a examinar “o que está por aí” nos círculos contemporâneos, fornecendo um vocabulário para as técnicas existentes que correm o risco de passar despercebidas. Mas embora o jogo, a arte e a política estejam interligados, as formas pelas quais designers e artistas podem intervir atualmente permanecem nas possibilidades desses campos. Como observa Jacques Rancière, “as artes apenas emprestam dos projetos de dominação ou emancipação o que eles são capazes de emprestar, isto é, simplesmente o que têm em comum com elas: posições e movimentos corporais, funções discursivas, o parcelamento do visível e do invisível”16

.

16

(11)

11

Mudanças no jogo

Além disso, a criticidade ao jogar pode ser promovida para questionar determinados aspectos do conteúdo do jogo, ou certos aspectos da função de seu cenário, muitos dos quais poderiam ser, por outro lado, simplesmente considerados necessários. Guattari, por exemplo, apela às artes para que produzam uma “refundação da problemática da subjetividade”, desejando destacar “uma subjetividade parcial – pré-pessoal, polifônica, coletiva e maquínica”17

. Na mesma linha, o professor de Yale James C. Scott escreve sobre pessoas subjugadas e como o público subjugado resiste ao poder (1990). Ele examina os espaços em que os dominados podem expressar sua “transcrição oculta”, ou a narrativa de compensação, que serve para criticar os que estão no poder18. É fácil ver que os jogos fornecem um canal desse tipo. Um esforço para revelar ou tornar visíveis essas “transcrições ocultas” que frequentemente estão entre as “transcrições oficiais” das relações de poder é paralelo às investigações de muitos atores e artistas em uma variedade de ambientes. Não é essa a essência da diversão do jogo? Se Sutton-Smith está certo ao afirmar que muito do que as crianças fazem no jogo serve como compensação por suas condições gerais de vida, então a transcrição oculta desempenhada por quem está longe de ser capacitado talvez possa comunicar aos designers de jogos estratégias importantes pelas quais os jogos podem expor, validar ou celebrar esses modos igualmente válidos de discurso19. Por sua vez, os jogadores podem usar essas informações e suas experiências para alterar as instituições sociais em que vivemos. Usando o método de jogo crítico, o papel do designer pode ampliar-se para incluir um quadro analítico para compreensão ou análise, caracterizadas por um exame cuidadoso de temas sociais, culturais, políticos ou mesmo pessoais que funcionem como alternativas aos espaços de jogo populares.

O desafio, então, é encontrar maneiras de criar ambientes de jogo interessantes e ricos utilizando as complexidades do pensamento crítico e incentivar os designers a oferecerem muitas possibilidades em jogos, para uma ampla gama de jogadores, com uma variedade de interesses e papéis sociais. Nós podemos expressar um futuro diferente. Não é suficiente simplesmente pedir mudanças e depois esperar pelo melhor; precisamos de intervenções no nível da cultura popular20.

Com muita frequência, os desafios sociais são apresentados de formas opressivas ou deprimentes. A maioria dos jogadores não é atraída pela comunicação excessivamente didática. Afinal, o jogo ocorre apenas quando os jogadores se sentem confortáveis. O jogo é, por definição, um espaço seguro. Se um designer ou artista puder criar espaços seguros que permitam a negociação de conceitos, questões e ideias do mundo real, um jogo pode ser bem-sucedido ao facilitar a exploração de soluções inovadoras para problemas aparentemente

17 Guattari, Chaosmosis: An Ethico-Aesthetic Paradigm. Trad. Paul Bains and Julian Pefanis. Bloomington:

Indiana University Press, 1995, p. 21.

18 Scott, Seeing Like a State: How Certain Schemes to Improve the Human Condition Have Failed, New Haven;

London: Yale University Press, 1990, p. xi.

19 Sutton-Smith, The Ambiguity of Play, Cambridge, MA.: Harvard University Press, 1997, p.114. 20

(12)

12

intratáveis. O jogo oferece uma maneira de capturar o interesse do jogador sem sacrificar o processo de pensar em problemas que são organizados subjetivamente. Os jogos criam subjetividade porque criam, ou melhor, são sistemas afetivos e relacionais, tanto para o designer quanto para o jogador. O jogo crítico não é sobre produzir especialistas, mas projetar espaços onde mentes diversas se sintam confortáveis o suficiente para participar da descoberta de soluções. Derivada dos processos criativos, das investigações e do trabalho prático dos artistas, o jogo crítico é, para os jogos de computador populares, o que a arte da performance já foi para a tradicional e bem-feita peça teatral. Como no turno anterior, o jogo crítico exige uma nova consciência dos valores do design e das relações de poder, um reconhecimento das diversidades de público e de jogadores, um foco no relacional e performativo em oposição ao objetivo, e uma apreciação contínua e sustentada do subversivo. O jogo crítico é também uma nova disciplina de teoria e prática que incorpora um conjunto de métodos e ações. O método de jogo crítico pretende ser uma ferramenta para futuros criadores de jogos, designers de jogos e estudiosos. Os resultados desejados são novos jogos que inovam devido à sua abordagem crítica, jogos que incitam a capacidade de pensar criticamente durante e depois do jogo.

Assim como os artistas há muito tempo experimentaram tais transcrições e trabalharam para integrar as preocupações sociais em seus trabalhos, os designers de jogos têm a opção de abrir, experimentar, despir, mudar e reescrever as transcrições ocultas tão tenazmente enraizadas nos sistemas de nosso mundo. Como vimos, os climas sociais e as mudanças tecnológicas afetaram muito os ambientes de jogo em um nível cotidiano. As mudanças no jogo historicamente refletiram mudanças na tecnologia e essas mudanças na tecnologia indicam mudanças nas normas sociais. Com grupos cansados de isolamento e ansiando por comunidade, o surgimento dos jogos on-line multiplayer massivos e de redes sociais proporcionaram algumas maneiras de vincular novamente as comunidades. A contínua popularidade dos eventos Come Out and Play nas principais cidades globais demonstra que o público quer jogar e jogar fora de casa, devido àquilo que os jogos são: reações criativas, coletivas e sociais às práticas e crenças dominantes de qualquer cultura21. A partir desses exemplos simples, é possível ver como os jogos funcionam como uma tecnologia social. Os jogos destilam ou abstraem as ações cotidianas dos jogadores. Os jogos também imprimem nossa cultura com os motivos e valores de seus designers. Acima de tudo, um jogo é uma oportunidade, um instrumento de fácil compreensão pelo qual o contexto é desfamiliarizado apenas o suficiente para permitir que aquilo que Huizinga chama de “círculo mágico” do jogo aconteça.

Tradução: Richard Romancini

Material produzido com fins estritamente educativos. Reprodução permitida.

Acesso ao original em: https://llk.media.mit.edu/courses/readings/Flanagan_DesigningForCriticalPlay.pdf

21

Estendo aqui as ideias de McLuahn para incluir a resposta criativa que os games representam. Ver McLuhan,

Referências

Documentos relacionados

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

Box-plot dos valores de nitrogênio orgânico, íon amônio, nitrito e nitrato obtidos para os pontos P1(cinquenta metros a montante do ponto de descarga), P2 (descarga do

[r]

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi identificar comportamentos de riscos, associados ao desenvolvimento de transtornos alimentares em adolescentes de um colégio federal

Estudos da neurociência sustentam que a música e a linguagem são duas formas de comunicação humana que estão próximas em se tratando de processamento mental e

Uma agrofloresta foi implantada tendo espécies arbóreas frutíferas e florestais, plantas de cobertura, espécies adubadeiras, culturas anuais e como espécie-chave

Em um único afloramento da bacia de Lima Campos foram encontrados três dentes de tu- barão hibodontídeo identificados como Planohybodus sp., além de grande número de escamas

COTA DE CONVITES impressos, além do convite virtual, contendo a lo- gomarca da empresa patrocinadora, para distribuição, a seu critério, entre seus diversos públicos: