GENTRIFICATION E CONSUMO DOS LUGARES: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES EXISTENTES ENTRE MEGAEVENTOS, POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL E
TURISMO CULTURAL NA CIDADE DE CURITIBA/PR
Alisson Bertão Machado (IFPR)
RESUMO
O impacto da indústria esportiva na tomada de decisão econômica tem aumentado dramaticamente desde a explosão da mídia mundial em 1980. Receitas do turismo e publicidade geradas por esses mega-eventos tornaram-se um grande impulso para as economias dos países de acolhimento. Além disso, a globalização tem colocado grande ênfase na importância do investimento estrangeiro direto, em particular para os países em desenvolvimento. A pesquisa tem como foco um elemento muitas vezes esquecido dos megaeventos esportivos, o seu valor cultural e social para as comunidades locais. Nesse contexto, objetivo analisar as relações existentes entre os megaeventos esportivos, as políticas de preservação patrimonial e o desenvolvimento do turismo cultural, a partir do estudo de caso da cidade de Curitiba/PR, sede da Copa do Mundo de Futebol da FIFA em 2014. Assim, busca-se analisar em que medida a prática da gentrification, observada na cidade de Curitiba/PR a partir do projeto de adequação do espaço urbano para a realização do megaevento esportivo, permite apreender as tensões que se estruturam na disputa e apropriação dos lugares, sob os impactos que as intervenções urbanas tem na construção dos usos cotidianos do espaço público.
Palavras-chave: gentrification; megaeventos; turismo cultural.
INTRODUÇÃO
A problemática da qual trata esta pesquisa que encontra-se em fase de desenvolvimento foi possivelmente colocada pela primeira vez por Walter Benjamin em 1935, quando ao comentar as reformas urbanas de Paris – feitas por Haussmann no contexto do bonapartismo autoritário pós 1848 –, lembrava que a intenção de adequar a capital francesa às necessidades de circulação que a cidade industrial reclamava foi também uma operação política (BENJAMIN, 1997). O embelezamento estratégico de Paris pretendia, além de criar uma imagem moderna da cidade, disciplinar os usos do espaço urbano: a abertura de grandes e largas avenidas não só dificultava a construção das barricadas operárias como ajudava a ação da cavalaria de Bonaparte.
Mais de cem anos depois, as práticas de intervenção urbana continuam a embelezar estrategicamente as cidades históricas por meio de políticas de gentrification1 do patrimônio cultural. No entanto, ao contrário de evitar barricadas, essas políticas erguem suas próprias fronteiras – ao mesmo tempo em que removem outras – quando segmentam e disciplinam certos espaços urbanos para uso extensivo de lazer, turismo e consumo. As novas barricadas urbanas reeditam política e espacialmente formas históricas de desigualdade e exclusão social quando restringem os usos dos lugares da vida cotidiana pública aos moradores e frequentadores dessas
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áreas. Assim, não é coincidência que, gradativamente, uma parte do mundo acadêmico nacional comece também a dedicar seu tempo e seus recursos em esforços de análise, compreensão, crítica e perspectivação dos chamados megaeventos esportivos.
A adequação entre as políticas de atração dos megaeventos e as teorias e práticas urbanísticas voltadas para o mercado tem sido um assunto recorrente na literatura que trata dos estudos urbanos na contemporaneidade, seja do ponto de vista apologético, seja numa perspectiva crítica. Os efeitos de tal convergência, vistos numa abordagem que privilegia a produção do espaço urbano, constituem o foco da maioria das pesquisas realizadas. Carece de exploração, entretanto, o entendimento de como se opera o encontro desses dois sistemas de produção.
Curitiba foi escolhida como uma das sedes da Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014 em março de 2009 e, assim como as demais cidades-sede, teve que atender às exigências da FIFA para viabilizar a realização dos jogos na cidade. De acordo com Brandenburg e Chimenez (2013), no ano de 2013 a cidade possuía 11 obras oficiais de infra-estrutura em andamento, além de investimentos em segurança pública, desenvolvimento turístico e telecomunicações. Foram excluídas da Matriz de Responsabilidades as obras do corredor metropolitano e a revitalização da Rua Cândido de Abreu em dezembro de 2012 e março de 2013, respectivamente, em função dos altos custos que seriam gastos. Desse modo, o eixo Aeroporto-Rodoferroviária concentrou os maiores investimentos, passando pelo estádio Joaquim Américo Guimarães onde ocorreram os jogos. Tendo em vista que este corredor é lugar principal de passagem dos turistas que chegam pelo aeroporto Afonso Pena, tornou-se vitrine da cidade, lugar onde ocorreram as principais intervenções urbanas. Pretendo investigar, portanto, em que medida as políticas culturais e práticas sociais relacionadas com a organização da Copa do Mundo de Futebol da FIFA em 2014 na cidade de Curitiba/PR – que segregaram esses espaços para o consumo – contribuíram para um esvaziamento do sentido público desses espaços urbanos.
METODOLOGIA
O procedimento utilizado é o método de análise de conteúdo, pois permite tratar e analisar as informações encontradas nas fontes consultadas, e buscar elementos que possam formar as relações existentes entre os megaeventos esportivos, as políticas de preservação patrimonial e o desenvolvimento do turismo cultural (BEDRAN, 2012).
Segundo Bardin (2009), a análise de conteúdo, enquanto método torna-se um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.
A análise de conteúdo é um método de investigação que tem sido muito prático, pois é um instrumento que está marcado por uma vasta gama de formas e adaptações para a análise, que envolve conteúdos como: jornais, revistas, entrevistas, vídeos, etc. Mas, tais conteúdos ao chegar
para a pesquisa devem ser processados para que facilite a compreensão e inferência da análise (MORAES, 1999).
RESULTADOS
Segundo Tavares (2011), há em toda a literatura que trata do tema o reconhecimento de que podem existir efeitos políticos, econômicos, sócio-culturais e ambientais positivos e negativos. Contudo, pouca atenção é dada aos legados culturais e sociais dos megaeventos esportivos, conforme atesta relatório recentemente que elaborado pelo Parlamento Britânico sobre o legados dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos realizados no ano de 2012 em Londres:
Pedimos ao Governo, por meio deste relatório, que defina em longo prazo os benefícios distintos e legados culturais das Olimpíadas, e que explique como estes serão medidos e monitorados ao longo do tempo. Embora alguns dos eventos que compunham a Olimpíada em si foram, sem dúvida, bem recebidos, não temos visto nenhuma evidência que sugerira ter havido qualquer ação coordenada, recursos adequados por parte do Governo de utilizar este potencial para entregar um legado cultural distinto dos Jogos (CASA DOS SENHORES, 2013, p.17).
Neste trecho fica evidenciada a preocupação do Parlamento Inglês em definir os benefícios da realização dos megaeventos esportivos no que tange o legado cultural de longo prazo, solicitando ao governo explicações sobre como estes serão medidos e monitorados ao longo do tempo.
A mesma preocupação foi notada no que se refere aos legados dos megaeventos esportivos para o desenvolvimento do turismo na Inglaterra. Enquanto são encontráveis estudos a respeito dos impactos dos megaeventos em relação a demanda turística da cidade de Londres, pouco se sabe a respeito dos efeitos da organização destas competições para o turismo nas demais regiões da Inglaterra:
Estamos preocupados em implementar ações que possam garantir que as regiões fora de Londres desfrutam de um legado turístico dos Jogos. Recomendamos que o Governo e Visit Britain realizem uma análise de como as campanhas atuais estão promovendo o resto do Reino Unido, e, se necessário, apresentem alternativas para garantir que as regiões fora de Londres possam usufruir mais plenamente do legado do turismo (HOUSE OF LORDS, 2013, p.16).
A recomendação para que o governo britânico desenvolva uma análise eficaz dos resultados obtidos até o momento, bem como intensifique as campanhas de marketing das regiões fora de Londres, demonstra a tentativa de garantir que o legado do turismo seja compartilhado por todo território inglês.
Na recorrente perspectiva de que megaeventos proporcionam legados positivos e negativos quanto aos bens tangíveis – investimentos com retorno duradouro ao invés de altos gastos para
resultados provisórios –, ainda que não se perca de vista a crítica sobre a restrita participação popular e científica na preparação em longo prazo para sediar tais megaeventos, o conhecimento científico precisa se desenvolver. De modo geral constatamos que ainda faltam subsídios técnicos independentes dos interesses dos realizadores dos eventos para aferir os legados sociais e culturais dos megaeventos esportivos.
CONCLUSÕES
A questão a ser investigada refere-se à possível restrição de que a transformação do patrimônio em mercadoria cultural impõe às características políticas do espaço público, em decorrência das relações de mercado e dos limites à acessibilidade ao consumo. Em princípio, os processos de gentrification podem potencializar formas de interação, a partir dos usos diversificados que se expandem com a própria dinâmica das interações que se intensificam nesses espaços “revitalizados”. Mas, por outro lado, conforme atesta Miyamoto (2006), podem estar gerando apenas formas de sociabilidades efêmeras, circunscritas, em tempo real, ao ato de consumo.
GENTRIFICATION AND CONSUMPTION OF PLACES: AN ANALYSIS OF EXISTING RELATIONS BETWEEN MEGAEVENTS, PRESERVATION POLICY AND CULTURAL TOURISM IN CURITIBA CITY /
PR ABSTRACT
The impact of the sports industry in economic decision-making has increased dramatically since the explosion of the world's media in 1980. Revenues from tourism and publicity generated by these mega-events have become a big boost to the economies of host countries. In addition, globalization has placed great emphasis on the importance of foreign direct investment, particularly for developing countries. The research focuses on an element often overlooked of mega sporting events, their cultural and social value for local communities. In this context, to analyze the relationship between the megaevents, heritage preservation policies and the development of cultural tourism, from the case study of the city of Curitiba / PR, headquarters of the FIFA Football World Cup in 2014. So, we try to analyze to what extent the practice of gentrification, observed in Curitiba / PR from the adequacy of urban space project for the realization of mega sports events, allows grasp the tensions that are structured in the dispute and appropriation of places under the impacts that urban interventions have in the construction of everyday uses of public space.
Keywords: gentrification; megaevents; cultural tourism.
REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70, 2009.
BENJAMIN, W. Paris, capital do século XIX. In: FORTUNA, Carlos (org.). Cidade, cultura e globalização: ensaios de sociologia. Oeiras: Celta, 1997, p.67-82.
BEDRAN, F. O cosmopolitanismo como influenciador na formação de imagem de destino, 2012. Dissertação de Mestrado. Escola Superior de Propaganda e Marketing, Programa de Mestrado em Gestão Internacional, 2012.
BRANDENBURG, E.J. ; CHIMENEZ, A. C. O. . Grandes Projetos Urbanos (GPUs) na Copa do Mundo de
2014 em Curitiba: um conceito em construção. In: XII Simpósio Nacional de Geografia Urbana - SIMPURB,
2013, Rio de Janeiro - RJ. Ciência e ação política: Por uma abordagem crítica, 2013. Disponível em: <http://www.simpurb2013.com.br/wp-content/uploads/2013/11/GT13_elena.pdf>. Acesso em 02 de maio de 2015.
HOUSE OF LORDS. Keeping the flame alive: the olympic and paralympic legacy. Londres: The Stationery Office Limited, 2013. Disponível em:
<http://www.publications.parliament.uk/pa/ld201314/ldselect/ldolympic/78/78.pdf>. Acesso em 22 de novembro de 2014.
MIYAMOTO, James Shoiti. Os grandes eventos esportivos e a requalificação urbana. 313p. Tese (Doutorado em Urbanismo). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p.7-32, 1999.
