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GERMAIN NOUVEAU, O MENDIGO MÍSTICO

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GERMAIN NOUVEAU, O “MENDIGO MÍSTICO”

G erm ain N ouveau (1851-^920), poeta e pintor, participa d a renovação da poesia francesa da segunda m etade do séc. XIX, ju n tam en te, d entre outros, com Verlaine e Rimbaud, dos quais foi amigo pessoal, e com quem colaborou em revis­ tas literárias com oLa Renaissance.

Sua dicção poética, de fon e sugestão musical e lirismo, plasma-se a partir de um a linguagem anti-retórica, propositadam ente singela, de fontes niddam ente hau­ ridas no cancioneiro popular, tal qual revelam as traduções aqui estampadas: Chanson

de mendiant “C anção d e m e n d ig o ”, Les Colombes “As p o m b as”e Fraternité

“Fraternidade”.

Nasceu o autor em Pourrières, pequen a cidade do sul da França, em 1851. T ornou-se órfão m uito cedo. N ajuventude, após haver desistido de ingressar na carreira religiosa, muda-se para Paris, em 1872, onde freqüenta os círculos parnasianos, travando contato com Charles Cros e M allarmé. Vive dos frutos de um a pequena herança, logo dissipada. Dessa época é o seu poem a (ou autoprofecia?) Chanson

de mendiant, ele que efetivam ente viria a se to rn ar um pedinte. N o verão de 1874

faz am izade com Rimbaud, com quem erra por Londres. Deste recebe nítida influ­ ência imagética, como o d em onstra o p o em al^s colombes “As pom bas”, que guar­ d a evidentes sim ilitudes com o Les corbeaux “Os corvos” de Rim baud.

Em 1879 começa os poem as que seriam coligidos po sterio rm en te sob o título deLa Doctnne de lAmour “A D outrina do A m or”. Nestes escritos, aqui re p re ­ sentados p o r Fraternité, encontra-se o poeta em estado de inocência cristã, incólu­ m e às prescrições dogm atizantes d a religião, o h om em doando-se si m esm o e a seu sem elhante m ediante a entrega e o reconhecim ento de um a natureza divina e erotizada, cada ser, do barco às ondas, do vinho às uvas, p articip an d o d e um a vocação am orosa totalizante.

Passados alguns anos, o p o eta sofrerá u m incidente que o m arcará p ara sempre, e que costuma ser interpretado como u m eixo de m udança radical em sua vida e obra. Em 1891, Nouveau, que tam bém era pintor, conseguira o posto de professor de francês e desenho no liceu deJanson-de-Sally. Um dia, em p len a sala de aula, vê-se subitam ente acom etido de violenta crise nervosa; descalça-se diante

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dos alunos, cai de joelhos, recita salmos e exclam a repetidas vezes: “Ah! m inhas crianças, com o Deus é grande! C om o Deus é g ra n d e!”. J á no m eio do passeio público, p a ra o nde fugira, estende os braços com o u m crucificado, p a ra n d o os transeuntes, e faz o sinal d a cruz no chão, com o língua, sendo im ediatam en te recolhido ao Sanatório de Bicêtre. O diagnóstico médico aponta: “Delírio m elancó­ lico, estupor, alucinações auditivas, idéias místicas.”

Liberado do sanatório, Nouveau tentará ver-se reintegrado como professor, desta vez em Bruxelas, mas sem sucesso. Decide-se p artir para Londres, refazendo a viagem de quase vinte anos antes com Rimbaud. De lá envia um a carta a sua irmã Laurence, que lhe reclamava notícias: “Com a vida que levo, não exija regularidade na correspondência; com espírito de indulgência, você achará boas razões p ara m eu silêncio. H á u m a nos salmos, é que “mendicus sum etpalper”(m end igo sou e po b re )”. R etorna a Bruxelas, de onde escreve: “T o d o o m eu desejo é e n tra r na religião, não como irm ão laico, se eu não for dem asiado velho, e se m e quiserem. C ontinue a pedir a Deus sua proteção por mim. A pobreza, esta virtude cristã, este estado de Nosso Senhor, esta vocação de Saint Labre, é hoje em dia punida com

prisão na Europa. Pobre e infeliz Europa!” Na Espanha a Igreja o recusa, “p o r falta

de vocação”. N ouveau decide-se viver segundo os evangelistas, e tem com o m o­ delo Benoít Labre, o santo m endigo que percorreu a Europa no século XVIII.

N a virada do século p e reg rin a p o r Roma, M arselha, e a esta altu ra j á se en co ntra reduzido ao estado d e m endicância: vive nas ruas, toca violão, vende retratos aos passantes, e se alim enta da com ida enco ntrada nas lixeiras públicas. Nessa época, contam os biógrafos, Cézanne, que havia p articipado com ele de exposições de p in tu ra, encontra-o nas escadarias d a N otre-D am e, e oferece-lhe esmola. Em 1911, decidido a escapar ao mundo, reto m a à sua cidade natal, vivendo como um erem ita no alto de um a m ontanha, à m argem da estrada Aix-Brignole.

P or esta período, d en u nciand o aquele jo g o especular que lhe foi m arca constante en tre arte e vida, e que levou A ndré B reton a afirm ar que se tratava de um au to r “acim a e fora da L iteratu ra”, p ara quem a arte não era u m fim em si m esm o, m as “escritura” da p ró p ria vida — , Nouveau, im pregnado do desejo de converter sua vida à im agem dos pregadores do Evangelho, renuncia a to da sua poesia pretérita, procurando, com isso, apagar de sua vida/obra os laivos de paga­ nismo que lhe caracterizam. Chega mesmo a tentar im pedir judicialm ente a publi­ cação, feita à sua revelia, das poesias reunidas em La Doctrine de 1’Amour. Em testam ento, ele que som ente apresentara colaborações esparsas em revistas, exige de seus parentes que queim em toda sua correspondência e se oponham à publica­ ção de qualquer verso seu. Nos últimos anos que lhe restavam de vida com porá o

Ave Maris Stella, paráfrase rim ada do hino à Virgem Maria, único livro publicado em

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Mas o que este h om em nos legou talvez ten h a sido enfim tam bém algo como um a m oeda advinda da caridade, se bem que diferente daquela que oferece­ m os todos os dias aos infelizes e miseráveis que p ereg rin am com o espantalhos pelas ruas das grandes cidades, barganha atenuada do fracasso de um a civilização. Os versos do “m endigo místico”, como era conhecido, e que enfim jam ais quisera ser “p o eta”, m as som ente viver, como os evangelistas, den tro dos ideais da carida­ de cristã, são, m uito acim a do sectarism o religioso ou d e q ualquer juízo de valor, feitos de um a outra espécie de metal. Aquele que se tom ado às mãos com cuidado e contrição, como em um sacram ento, oferta-nos não cifras, e sim um a vida e um a obra tão trágica e indissociavelmente ligadas, que nos interroga não somente sobre a arte, mas sobre a cultura e o próprio sentido dos caminhos da contemporaneidade. Talvez, p o r isso mesmo, possamos nela encontrar, p ara além de tão-som ente algu­ m a bela poesia, u m pequeno mas incomensurável tesouro.

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CHANSON DE MENDIANT

J e fais m on train En m endiant m on pain. Là-bas sur la m ontagne J e bâtis m a maison Avec du blanc d ’Espagne Et des petits bâtons. J e fais m on train En m endiant m on pain. J e n ’ai q u ’un e chemise Pour m on équipem ent Et quand vient la lessive J e la sèche au b eau tem ps. J e fais m on train

En m endiant mon pain. Q u a n d je vais à l’église, O n m e fait com m e au roi! T o u t le m onde s’em presse

De s’éloigner de moi. J e fais m on train

En m endiant m on pain. Ce q u ’on voit à m a suite A m on enterrem ent, Ce sont les poux, les puces Qui s’en vont en pleurant. J e fais mon train

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CANÇÃO DE MENDIGO

Meu caminho trilhando Meu pão vou m endigando. N um alto m onte afastado Eu levantei o m eu teto Com pura argila erigido T o d o em fmo graveto. Meu caminho trilhando Meu pão vou mendigando.

/ U m a camisa que eu levo E m eu só equipam ento E q uan d o se dá que a lavo M eu varal é o bom vento. Meu caminho trilhando Meu pão vou mendigando. Q uando a igreja eu visito, Como u m rei sou tratado! T odo povo corre aflito Pr’a m e p ô r distanciado. Meu caminho trilhando Meu pão vou mendigando. E quando da m inha extinção, Corpo à terra baixando, Minhas pulgas e piolhos são Os que partem chorando. Meu caminho trilhando Meu pão vou m endigando.

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LES COLOMBES

Ni tout noirs, ni tout verts, couleur D’espérancesjam ais en fleur, Les ifs balancent des colombes, Et cela réjouit les tom bes. Elles éclatent, dans les ifs, Ainsi que des fruits excessifs,

Effeuillant leurs plum es perdues Au v en t des vieilles avenues. Dans l’azur qui va s’éclairant, • En haut de l’arbre le plus grand, Q ui m onte, tel q u ’un e fusée, U ne entre autres est balancée. Sous ses beaux yeux délicieux Elle semble, d ’u n coin des cieux, Couver l’aurore qui s’est faite Au fond d u cim etière en fête. Et chaque arbre, panache noir Du plus m inable désespoir, Sous les blanches plum es en foule Est un colombier qui roucoule.

Ces oiseaux, d o n t les voix sont soeurs, Ces adorables obsesseurs,

Ce sont évidem m ent les âmes Des dem oiselles et des dam es Dont la tom be douce reluit Et dont la lune, chaque mois, Epelle, à ses lueurs glacées, Les épitaphes insensées!

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AS POMBAS

N em negras ou verdes ao inteiro, cor de esperançajam ais em flor,

Os ciprestes balançam as pombas, R endendo gracejos às tumbas. Elas brilham nos ciprestes, Como frutas abundantes,

Despetalam suas plum as perdidas N o vento das velhas avenidas. N o alto céu, azulado lume, A árvore maior, alto cume, Com o fogos ao longe galgando, U m as e outras se vão balançando. Sob deliciosos olhos de encanto Parecem, do céu num canto, Chocar um a aurora feita

N o fundo do cemitério em festa. E cada árvore, penacho negro De u m desespero ainda mais negro, Na multidão de plum agem branca É com o u m viveiro que canta. Estes pássaros, cantos irmanados, Uns adoráveis atormentados, São evidentem ente as almas Das m eninas e das damas Cuja doce tum ba reluz E n a qual a lua, p o r cada mês, Soletra, com brilho gelado, O epitáfio do absurdo!

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FRATERNITÉ

Frère, ô doux m endiant qui chantes en plein vent, Aime-toi, com m e l’air du ciel aim e le vent.

Frère, poussant les boeufs dans les m ottes de terre, Aime-toi, com m e aux cham ps la glèbe aim e la terre. Frère, qui fais le vin du sang des raisins d ’or,

Aime-toi, com m e u n cep aim e ses grappes d ’or. Frère, qui fais le pain, croûte dorée et mie, Aime-toi, com m e au four la croûte aim e la mie. Frère, qui fais l’habit, joyeux tisseur de drap, Aime-toi, comm e en lui la laine aime le drap. Frère, d o n t le bateau fend l’azur vert des vagues, Aime-toi, com m e en m er les flots aim ent les vagues. Frère, jo u eu r de luth, gai m arieur de sons,

Aime-toi, com m e on sent la corde aim er les sons. Mais en Dieu, Frère, sache aim er com m e toi-m êm e T o n frère, et, quel q u ’il soit, q u ’il soit com m e toi-même.

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FRATERNIDADE

Irm ão, oh doce p ed in te que canta em m eio ao vento, Ama-te, com o o a r d o céu am a o vento.

Irmão, conduzindo a m anada nos m ontes d e terra, Ama-te, com o a planta que germ ina am a a terra. Irm ão, que o vinho faz do sangue das uvas de ouro, Ama-te, como a vinha am a os cachos de ouro. Irm ão, que o pão faz, côdea dourad a e miolo, Ama-te, com o ao forno a côdea am a o miolo. Irm ão, que a roupa faz, alegre tecelão do pano, Ama-te, com o nele a lã am a o pano.

Irm ão, cujo barco fende o verde celeste das ondas, Ama-te, como no m ar a m aré am a as ondas.

Irm ão, o que tange o alaúde, alegre am ante d a música, Ama-te, como a corda do alaúde am a a música.

Mas em Deus, Irmão, saiba am ar como a ti m esmo T eu irm ão, e, quem ele seja, que seja com o tu m esmo.

Tradução de Antônio Máximo Ferraz

ANTÔNIO MÁXIMO FERRAZé bacharel em Direito pela Universidade de Brasília

e

mestrando em Literatura na mesma

Universidade.

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