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Guerra fiscal na década de 1990: Estados e montadoras/ Fiscal war in the 1990s: States and automakers

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p.27623-27635 nov. 2019 ISSN 2525-8761

Guerra fiscal na década de 1990: Estados e montadoras

Fiscal war in the 1990s: States and automakers

DOI:10.34117/bjdv5n11-361

Recebimento dos originais: 10/10/2019 Aceitação para publicação: 29/11/2019

Fernando Marcus Nascimento Vianini

Doutor em História pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora e foi bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES)

E-mail: fernandomvianini@gmail.com.

RESMUMO

O texto pretende debater o Novo Regime Automotivo (NRA), aprovado pelo governo Fernando Henrique Cardoso e suas implicações. Em 14 de dezembro de 1995, o governo lançou Medida Provisória nº 1.235, o governo federal brasileiro lançou o NRA, com o objetivo de, através de eliminar certos impostos de importação, atrair novos investimentos para o setor automotivo. Logo no início, esta política sofreu pressões dos governos estaduais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, clamando por uma medida que desconcentrasse os investimentos da região sudeste, sendo, assim, aprovada uma lei que garantia incentivos maiores para as empresas que viessem a se instalar nestas regiões. Assim, os governos estaduais iniciaram um processo de Guerra Fiscal, abusando de medidas de desoneração e doação de terrenos para atraírem as empresas para seus estados. A literatura identificou quatro fases, em que gradativamente foram ampliadas as concessões destinadas às montadoras. Como resultado, a guerra fiscal entre os governos estaduais e municipais foi uma competição de puro desperdício, em que as melhorias do bem-estar a longo prazo pareciam ser insignificantes e acarretaram em consequências perversas para outras regiões. Os custos para o governo e a população foram altos e as contrapartidas das empresas, além de superestimada pelo governo, eram incertas e indefinidas. Assim, o NRA significou uma submissão do poder público aos interesses privados, no caso das montadoras de capital externo aprofundou a desnacionalização do maior setor fornecedor da América Latina, permitindo que as empresas de capital nacional fossem absorvidas pelo capital estrangeiro, que por seu turno, recebeu maiores incentivos que as empresas locais. Ademais, a prática de guerra fiscal comprometeu a capacidade financeira dos estados e municípios, distorceu competição de mercado e acabou reduzindo o investimento privado, que foi compensado pelo aumento dos gastos públicos. Além de não arrecadar tributos, o governo investiu em infraestrutura e modernização para a chegada das empresas, sem haver um retorno à maior parte da população. Foram consultadas fontes primárias e secundárias para a realização deste trabalho.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p.27623-27635 nov. 2019 ISSN 2525-8761

ABSTRACT

The text intends to debate the New Automotive Regime (NRA), approved by the Fernando Henrique Cardoso government and its implications. On December 14, 1995, the government issued Provisional Measure No. 1,235, the Brazilian federal government issued the NRA, with the objective of, through the elimination of certain import taxes, to attract new investments to the automotive sector. Early on, this policy came under pressure from the North, Northeast, and Midwest state governments, calling for a measure to deconcentrate investments from the southeastern region, so that a law was passed that guaranteed greater incentives for companies to come. install in these regions. Thus, state governments began a process of Fiscal War, abusing land relief and land donation measures to attract companies to their states. The literature has identified four phases, in which the concessions for automakers were gradually expanded. As a result, the fiscal war between state and local governments was a pure waste competition, in which long-term welfare improvements appeared to be negligible and had perverse consequences for other regions. The costs to the government and the population were high and the counterparts of the companies, as well as overestimated by the government, were uncertain and undefined. Thus, the NRA meant a submission of public power to private interests, in the case of foreign capital automakers deepened the denationalization of Latin America's largest supplier sector, allowing national capital companies to be absorbed by foreign capital, which in turn, received greater incentives than local businesses. In addition, the practice of fiscal warfare compromised the financial capacity of states and municipalities, distorted market competition, and eventually reduced private investment, which was offset by increased public spending. In addition to not collecting taxes, the government invested in infrastructure and modernization for the arrival of companies, without a return to most of the population. Primary and secondary sources were consulted for this work.

Keywords: Brazilian Industry, Fiscal War, Automotive Sector

1 INTRODUÇÃO

O governo Fernando Henrique Cardoso, que perdurou entre 1995 e 2002, optou pelas continuidades das reformas neoliberais e da abertura econômica, consideradas responsáveis pela modernização tecnológica e pela reestruturação do setor industrial. Foram lançadas medidas de desregulamentação dos fluxos de capitais; realizadas novas privatizações em setores como telecomunicações e gás; permitida a entrada de capital externo em setores estratégicos, como petróleo, telecomunicações e energia elétrica; e alterada a Constituição de 1988, através da Emenda Constitucional nº 6, garantindo o fim da distinção entre o capital nacional e estrangeiro, o que implicou em habilitar as empresas estrangeiras a receberem incentivos e subsídios das agências de fomento do governo e seu acesso a diversos setores da economia.1

1 DULCI, João Assis. Desenvolvimento regional e mercado de trabalho em perspectiva comparada: Vale do Paraíba Fluminense e Camaçari (BA). 341 fs. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p.27623-27635 nov. 2019 ISSN 2525-8761 Outras transformações ocorreram durante o governo FHC. Em primeiro lugar, se consolidou o Mercosul, alterando as estratégias das montadoras que, a partir de 1994, procuraram ampliar a complementação das linhas de produção presentes nos países do bloco comercial, eliminando a duplicação da produção de determinados veículos.2 Em segundo lugar, ocorreu o aumento do custo de produção, o excesso de concorrência e a saturação dos mercados nos países desenvolvidos, que disponibilizaram grandes somas de capital externo para serem investidos em países com mercados mais baratos para produzir e maior potencial de consumo.3 Num contexto em que o governo abriu a economia e desregularizou os fluxos de IDE, o Brasil se tornou um dos alvos preferenciais para este capital, tanto o especulativo quanto o produtivo. O fluxo de IDE a partir de 1995 se dirigiu para os setores industrial e de serviços e principalmente onde as empresas multinacionais possuíam maior presença, como no setor automotivo e químico. Em geral, no setor fornecedor, o IDE ocorreu por meio de compra ou de fusões de empresas já estabelecidas, em especial empresas de capital nacional em dificuldades.4

Durante o governo FHC ocorreu o lançamento do Novo Regime Automotivo Brasileiro (NRA). O NRA surgiu como resposta à criação de um regime automotivo pela Argentina, que passou a atrair muito mais investimentos externos que o Brasil. Assim, o governo brasileiro, temendo ser superado pelo país vizinho, procurou a conformação de um regime automotivo nacional. A lei 9.449 e o decreto 1.863 regularam o NRA.

A primeira teve origem na Medida Provisória nº 1235, de 14 de dezembro de 1995, que reduziu o imposto de importação em 90% sobre máquinas, equipamentos, moldes e instrumentos de controle de qualidade, matérias-primas, componentes, peças, conjuntos e pneumáticos; e em até 50% sobre a importação de veículos completos, peças, componentes e conjuntos.5 A Medida Provisória nº 1.235 foi consolidada na Lei n° 9.449.6

O decreto nº 1.761, de 26 de dezembro de 1995, regulou a participação das empresas nestas operações de importação com tarifas reduzidas. As empresas beneficiárias seriam as produtoras de veículos de passeio, comerciais leves e pesados, ônibus, tratores e carrocerias, e as fornecedoras de peças, componentes e conjuntos, instaladas no país ou que viessem a se

2BEDÊ, Marco Aurélio. A política automotiva nos anos 90. In: ARBIX, Glauco e ZILBOVICIUS, Mauro (orgs.) De JK a

FHC: a Reinvenção dos carros. São Paulo: Scritta, 1997.

3 DULCI. Desenvolvimento regional e mercado de trabalho em perspectiva comparada.

4 ARBIX, Glauco. Guerra fiscal e competição intermunicipal por novos investimentos no setor automotivo brasileiro. 2000.

Disponível em: <http://bit.ly/2CZm4SO>. Acesso em: 11/07/2014.

5 BRASIL. Medida provisória 1.235, de 14 de dezembro de 1995. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/1990-1995/1235.htm>. Acesso em: 10/07/16.

6 BRASIL. Lei nº 9.449, de 14 de março de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9449.htm>.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p.27623-27635 nov. 2019 ISSN 2525-8761 instalar (chamadas de newcomers). Para a importação de bens de capital, a redução definida era de 90% do imposto. Para insumos, seria de 85% em 1996, 70% em 1997, 55% em 1998 e 40% em 1999, prazo limite do programa. O decreto estabelecia que para cada bem de capital produzido no país, a empresa poderia importar um bem de capital com redução de imposto, até 31 de dezembro de 1997. Após esta data, para cada um e meio bem de capital produzido no país, seria liberado a importação de um bem de capital com redução de imposto. Já para as aquisições de matérias primas, a proporção deveria ser de uma produzida para uma importada. Para as newcomers, as proporções seriam calculadas com base num período de três anos, contendo um índice mínimo de nacionalização de 60% e considerando os insumos originários do Mercosul como nacionais para a apuração deste valor. Este decreto ainda afirmou que em caso de prejuízo na produção nacional, seriam estabelecidos limites adicionais para a importação de bens de capital, autopeças e matérias-primas.Em seguida, o governo promulgou o Decreto nº 1.863, em 16 de abril de 1996, que nada mais era que uma reedição do decreto 1.761.7

A política possuía vigência de 1995 a 1999, procurou atrair e consolidar novos investimentos e tinha como objetivos: a manutenção do funcionamento das montadoras e fornecedoras já instaladas no país, sendo as montadoras vistas como instrumento de modernização industrial e reestruturação tecnológica; a atração de novas companhias; o estímulo para a construção de novas plantas; a reestruturação setorial através dos processos de fusão e aquisição; a consolidação do Mercosul, sendo o Brasil um elemento chave do bloco; e a produção de 2,5 milhões de veículos em 2000.8

Ambas as leis que regularam o NRA vigoraram até 31 de dezembro de 1999. Dezesseis montadoras, cento e cinquenta fornecedoras e vinte e nove empresas de outros setores produtivos aderiram à política, que ainda foi um elemento a mais para a deflagração da chamada “Guerra Fiscal”. Os governos estaduais, na tentativa de criar diferenciais que objetivam a atração de incentivos privados, se valeram de medidas distintas como o fornecimento de crédito subsidiado, investimento em infraestrutura e isenção ou redução de impostos estaduais e municipais.

Segundo o conceito de Alves, guerra fiscal é o processo pelo qual os governos estaduais procuraram intervir no procedimento privado de alocação espacial, seja no deslocamento de

7 BRASIL. Decreto 1.863, de 16 de abril de 1996. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1863.htm>. Acesso em: 10/07/16.

8 ARBIX. Guerra fiscal e competição intermunicipal por novos investimentos no setor automotivo brasileiro.; BELIEIRO

JÚNIOR, José Carlos Martines. Política e desenvolvimento no Brasil contemporâneo: a experiência do setor automotivo. 2012 Disponível em: <http://bit.ly/2D1BS7w>. Acesso em: 05/04/17.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p.27623-27635 nov. 2019 ISSN 2525-8761 plantas existentes ou na instalação de novas unidades.9 Os governos utilizaram estímulos para influenciar no processo de concorrência das empresas já instaladas e empregaram incentivos fiscais para favorecer determinados setores estabelecidos localmente frente à grupos empresariais do mesmo setor instalados em outros estados. O processo de guerra fiscal é tido como permanente, na medida em que existe desde a década de 1960, através da operacionalização dos programas estaduais, ainda que os incentivos tenham variado de acordo com o período e não se restringindo ao setor automotivo.

No setor automotivo esta questão atingiu uma escala maior na mídia, que pode ser explicada devido ao montante dos investimentos, das concessões estaduais e da concentração temporal destes processos e em razão da ação do governo federal, que adotou uma postura de não intervenção, distinta de períodos anteriores, quando procurava interferir sobre os efeitos da guerra fiscal. Todavia, na ausência de um Estado central coordenador e com uma estratégia de desenvolvimento, os governos estaduais e municipais subordinaram suas políticas de desenvolvimento aos interesses e estratégias privadas.10

Os governos estaduais e municipais passaram a ofertar como contrapartida para a instalação local das empresas o ICMS, utilizado como mecanismos de financiamento; a doação de parte ou de todo o terreno onde a planta seria instalada; a construção da infraestrutura viária e logística; a isenção de taxas locais e de impostos estaduais por, ao menos, dez anos; a concessão de empréstimos pelo estado através de fundos ou bancos estatais a taxas inferiores às de mercado; a criação de garantias legais e financeiras; e, algumas vezes, a isenção de impostos na importação de peças.11 As justificativas para a atração das empresas do setor automotivo incluíam a diminuição das desigualdades regionais e da pobreza, a ampliação da oferta de empregos, a geração de efeitos de encadeamento na economia local e a modernização do país através da tecnologia estrangeira.12

Arbix identificou quatro fases distintas na evolução dos incentivos oferecidos pelos governos locais às empresas. Sendo as três primeiras uma escalada de oferta de incentivos pelos governos estaduais e, a quarta, atingindo o governo federal. Na primeira fase, que se estendeu do lançamento do NRA até 1996, o nível de disputa consistiu em oferecer incentivos

9ALVES, Maria Abadia da Silva. Guerra fiscal e finanças federativas no Brasil: o caso do setor automotivo. Dissertação de

Mestrado (Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas) 122 fls. Campinas, 2001.

10 IBAÑEZ, Pablo. Guerra fiscal e território brasileiro: o caso do setor automotivo. Anais do X Encontro de Geógrafos da

América Latina. 2005. Disponível em: <http://bit.ly/2tjrAAn>. Acesso em: 22/04/2015.

11 ARBIX, Glauco. Políticas do desperdício e assimetria entre o público e privado na indústria automobilística. Revista

Brasileira da Ciências Sociais. V. 17 n. 48. P. 109-129, 2002.

12 LOPES, Ademil Lucio. A desconstrução da Indústria Automobilística Brasileira constituída no governo de JK pela política

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p.27623-27635 nov. 2019 ISSN 2525-8761 locais para favorecer o deslocamento industrial, como nos casos da VW em Resende e da Mercedes em Juiz de Fora. No primeiro caso, Rio de Janeiro e São Paulo disputaram a planta da VW e, ao final, a empresa optou por instalar-se em Resende, no Rio. No segundo, quando a Mercedes-Benz anunciou sua intenção de investir no Brasil, a empresa apontou como cidades preferenciais Juiz de Fora em Minas Gerais e Joinville em Santa Catarina. Posteriormente, Campinas entrou na disputa, o que levou Minas a ampliar os incentivos destinados à empresa, reformulando o Fundo de Incentivo a Industrialização (FIND) e criando o Fundo de Desenvolvimento das Indústrias Estratégicas (FUNDIEST). Por fim, a empresa selecionou Juiz de Fora. A empresa se comprometeu a investir 845 milhões de reais entre 1996 e 2000 e empregar mão de obra local, gerando 1.500 empregos diretos. No acordo ficou estabelecido a doação de um terreno no valor estimado de 50,5 milhões de reais a empresa, a responsabilidade municipal e estadual de criação da infraestrutura necessária - como as licenças ambientais e judiciárias, pavimentação, coleta de lixo e tratamento de esgoto, fornecimento de água, energia, gás e telefone -, a isenção de impostos municipais por dez anos e a disponibilidade dos fundos do FIND e do FUNDIEST para a empresa.

A segunda fase teve início com a ofensiva do governo de Jaime Lerner (1995-2002) no Paraná, em 1996, que ampliou os incentivos oferecidos, atraindo a VW-Audi, a Chrysler e a Renault e a fábrica de motores da Chrysler-BMW. Os recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT) paranaense foram utilizados para qualificar trabalhadores para o setor automotivo e o Estado participou diretamente como investidor. Por exemplo, no acordo com a Renault, além dos inventivos dados para a empresa, como terrenos, investimentos na infraestrutura, créditos, isenções e incentivos fiscais, o governo estadual investiu 140 milhões de reais.13

A terceira fase se iniciou em 1997, quando o governo gaúcho ofereceu 310 milhões de dólares à GM a título de capital de giro e infraestrutura, além da doação de terrenos, no valor de 12 milhões de reais, toda a infraestrutura, como rodovias, energia, água, esgoto e telefonia, uma área exclusiva no porto, financiamento de até 35% dos investimentos das fornecedoras de peças e componentes, incentivos fiscais, isenção de impostos e taxas municipais, como IPTU e taxa de iluminação pública, entre outros benefícios. A prefeitura de Gravataí isentou a GM do IPTU por 30 anos.

13 OLIVEIRA, Vladimir Luís. A política industrial do setor automotivo e a crítica ao modo de regulação sob o

desenvolvimentismo (1995-2002): o caso do Paraná. Tese de Doutorado. Programa de Pós Graduação em História.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p.27623-27635 nov. 2019 ISSN 2525-8761 A quarta, por fim, foi quando a Bahia, governada por Antônio Carlos Magalhães, incluiu benefícios fiscais municipais, estaduais e federais. Em 1998, a Ford firmou um acordo com o governo gaúcho, envolvendo as medidas clássicas de incentivos creditícios e infraestruturais para a instalação de uma planta em Guaíba, região metropolitana de Porto Alegre. O Rio Grande do Sul já havia investido 48 milhões para a instalação da Ford. No ano seguinte, o novo governo, liderado pelo PT, procurou renegociar alguns pontos, o que levou a Ford a suspender a sua decisão. Isto abriu uma janela de oportunidade para a Bahia oferecer mais incentivos para a instalação da Ford naquele estado. A bancada baiana no Congresso pressionou para que o governo federal prorrogasse a validade da lei 9.440, que concedia benefícios adicionais para a instalação de plantas no norte, nordeste e centro-oeste. Recebendo benefícios estaduais e federais, a Ford mudou-se para Camaçari.14

Como resultados, o NRA foi responsável por uma nova onda de investimentos externos no setor automotivo brasileiro. O regime conseguiu com que montadoras já estabelecidas no país, como a Volkswagen, Fiat, GM e Ford investissem, além de trazer outras montadoras como as japonesas Honda e Mitsubishi e as europeias Peugeot e Renault. A maior pressão da concorrência externa e a entrada dos newcomers fez com que as empresas já instaladas o país focassem na equiparação de suas plantas, através da importação de máquinas e equipamentos. As montadoras também introduziram processos de reestruturação produtiva e organizacional e ampliaram a mecanização. De acordo com os dados da Anfavea, após o lançamento do NRA, o volume de investimentos do setor automotivo saltou de cerca de 1,3 bilhão de dólares em 1994, para 2,4 bilhões em 1996, 2,1 bilhões em 1997 e 2,4 bilhões em 1998, declinando em seguida.15

Dulci afirmou que, uma vez que o Brasil já havia sido escolhido como destino para os investimentos, não havia a necessidade dos Estados e municípios disputarem entre si e a guerra fiscal significou um desperdício de recursos para todo o país e não uma disputa de soma zero entre governos estaduais e municípios. As montadoras multinacionais saíram como as verdadeiras vencedoras da guerra fiscal. As empresas nacionais perderam por não receber incentivos e as pequenas e médias empresas permaneceram com a mesma carga tributária, extremamente mal distribuída. Deste modo, nos acordos entre montadoras e governos locais ocorreu um processo de total subordinação dos governos estaduais às empresas. Os acordos

14 SILVA, Ronaldo. A implantação da Mitsubishi em Catalão: estratégias políticas e territoriais da indústria automobilística

nos anos 90. Dissertação de mestrado – Instituto de Estudos Sócio-Ambientais. Universidade Federal de Goiânia, 2002.

15 ANFAVEA. Anuário da Indústria Automobilística Brasileira, 2015. São Paulo. Disponível em:

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p.27623-27635 nov. 2019 ISSN 2525-8761 não possuíam referências precisas sobre o impacto na arrecadação de impostos e nem estabeleciam o número de empregos gerados ou elementos de aprendizagem, qualificação e transferência de tecnologia. 16 Os novos investimentos eram em plantas altamente modularizadas, com novas tecnologias e técnicas organizacionais, voltadas para reduzir o investimento em P&D e concebidas exatamente para empregarem o menor número possível de trabalhadores.17 Entre 1995 e 1999, as montadoras fecharam 20 mil vagas, enquanto nas fornecedoras foram quase 50 mil postos de trabalho. As altas expectativas dos governos estaduais com relação à geração de empregos diretos e indiretos pela instalação das plantas automotivas se mostraram superestimadas.18

Além de não arrecadar tributos, o governo investiu em infraestrutura e modernização para a chegada das empresas, sem haver um retorno à maior parte da população, resultando no fato de que muitos dos governadores que disputaram os investimentos estrangeiros de forma agressiva perderam para seus rivais nas eleições de 1998. O NRA não estimulou a capacitação de mão de obra; não foi capaz de promover a P&D, uma vez que os novos empreendimentos já eram realizados de modo a reduzir custos, inclusive os de P&D; não especificou a participação do setor produtor ou da comunidade científica locais nos projetos das empresas; e permitiu às empresas aumentarem as economias de escala combinando a produção doméstica com as importações interfirmas. Segundo os dados do Sindipeças, o setor fornecedor se tornou deficitário desde 1997. As exportações brasileiras permaneceram restritas em termos de mercados de destino, se direcionado principalmente para a Argentina e para o México, após o acordo bilateral, assim como as importações, prodominantemente destes países.19

O NRA também não atingiu suas metas quantitativas, de 2,5 milhões de veículos em 2000. As razões podem ser encontradas nas crises externas e internas do final da década de 1990, na sobrevalorização do real que prejudicava as exportações, nas importações, no baixo crescimento econômico e na queda da demanda interna devido ao desemprego. Após o recorde de produção de 2 milhões de unidades 1997, em 2000 a produção foi de 1,7 milhões de unidades.20

16DULCI, Otávio Soares. Guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relações federativas no Brasil. Revista de Sociologia e

Política. N. 18, 2002. Disponível em: <http://bit.ly/2I7XALa>. Acesso em: 10/02/2016.

17 LOPES. A desconstrução da Indústria Automobilística Brasileira constituída no governo de JK pela política setorial do

governo FHC.

18 SINDIPEÇAS. Desempenho do Setor de Autopeças - 2013. São Paulo. Disponível em: <http://bit.ly/2FinM83>. Acesso

em: 10/04/2016.

19 SINDIPEÇAS. Desempenho do Setor de Autopeças. 20 SINDIPEÇAS. Desempenho do Setor de Autopeças.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p.27623-27635 nov. 2019 ISSN 2525-8761 Nas fornecedoras, o impacto do NRA também foi sentido. No período, o setor fornecedor experienciava uma dinâmica particular. Entre as décadas de 1980 e 1990 ocorreu a transferência de responsabilidades sobre as atividades de design das montadoras para as fornecedoras, alterando a relação de poder entre estas empresas. As montadoras se voltaram para as áreas mais rentáveis da produção automotiva, como na pesquisa e desenvolvimento, projetos de novos veículos e comercialização; reduziram o número de fornecedoras e aumentaram as exigências tecnológicas, envolvendo seus fornecedores mais capacitados na formulação dos novos projetos.21

Na medida em que as montadoras se expandiram para os mercados dos países em desenvolvimento, as fornecedoras tiveram que acompanhá-las, sob pena de perder mercado no país de origem. Como resultado, se aprofundaram as diferenças dentro do setor fornecedor. Outros problemas surgidos desta relação é que uma fornecedora poderia operar com duas montadoras concorrentes, o que levantou dilemas acerca do desenvolvimento conjunto e engenharia simultânea entre montadoras e fornecedoras, segredos industriais e informações tecnológicas.22 Estas transformações nas fornecedoras de peças e componentes levou a uma reestruturação da indústria. Fusões e aquisições na década de 1990 levaram a criação das primeiras mega-fornecedoras, como a Delphi e a Visteon, responsáveis pelo design de sistemas completos para veículos, capazes de entregar nas mais distintas regiões e responsáveis pela administração dos demais fornecedores.23

No Brasil, as empresas de primeira linha se tornaram predominantemente de capital externo, enquanto as empresas de segunda e do mercado de reposição mantiveram parte do capital nacional. Formado essencialmente por pequenas e médias empresas, o setor de autopeças não tinha acesso ao mercado de capitais, estando defasado tecnologicamente.24 O NRA, todavia, focou na modernização das montadoras, cujo centro decisório nem se encontrava no país e grande parte, se não a totalidade, do desenvolvimento científico não era produzido localmente, significando a consolidação dos interesses das montadoras e fornecedoras estrangeiras em detrimento do setor fornecedor nacional e às custas do bem

21POSTHUMA, Anne Caroline. Autopeças na encruzilhada: modernização desarticulada e desnacionalização. In: ARBIX,

Glauco e ZILBOVICIUS, Mauro (orgs.) De JK a FHC: a Reinvenção dos carros. São Paulo: Scritta, 1997.

22 SALERNO, Mário Sérgio; ZILBOVICIUS, Mauro; ARBIX, Glauco; DIAS, Ana Valéria Carneiro. Mudanças e

persistências no padrão de relações entre montadoras e autopeças no Brasil. Revista de Administração, São Paulo, v. 33, n. 3, p. 16-28, 1998. Disponível em: <http://bit.ly/2Fl2dzH>. Acesso em: 10/04/2016.

23 HUMPHREY, John; MEMEDOVIC, Olga. The global automotive industry value chain: what prospects for upgrading by

developing countries. UNIDO. Sectoral Studies Series. Viena, 2003. Disponível em: <http://bit.ly/2oLQnrR>. Acesso em

09/12/2015.

24 LIMA, Uallace Moreira. O Brasil e a cadeia automobilística: uma avaliação das políticas públicas para maior produtividade

e integração nacional entre 1990 e 2014. IPEA – Texto para discussão 2167. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <http://bit.ly/2topPBX>. Acesso em: 09/08/2016.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p.27623-27635 nov. 2019 ISSN 2525-8761 público. Inclusive, garantia a importação de peças e componentes, prejudicando ainda mais as fornecedoras nacionais. Em 1994 a propriedade nacional representava 51,9% do setor fornecedor, caindo para 37,9% em 1998 e para 22,8% em 2001.25

Assim, o NRA foi uma política que beneficiou as montadoras multinacionais em detrimento do capital nacional ainda presente no setor fornecedor e subordinou as políticas do Estado a favor das empresas de capital externo. A política resultou numa maior verticalização do setor automotivo e uma reestruturação, aumentando a concentração de mercado, em que empresas com maior capacidade tecnológica e competitiva ganham maiores parcelas de mercado. As montadoras transferiram para as fornecedoras de primeira linha a responsabilidade sobre o relacionamento com as fornecedoras de segunda linha, permitindo a redução de custos para as montadoras e maior foco em marketing, design e P&D.

REFERÊNCIAS

DULCI, João Assis. Desenvolvimento regional e mercado de trabalho em perspectiva comparada: Vale do Paraíba Fluminense e Camaçari (BA). 341 fs. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

BEDÊ, Marco Aurélio. A política automotiva nos anos 90. In: ARBIX, Glauco e ZILBOVICIUS, Mauro (orgs.) De JK a FHC: a Reinvenção dos carros. São Paulo: Scritta, 1997.

DULCI. Desenvolvimento regional e mercado de trabalho em perspectiva comparada.

ARBIX, Glauco. Guerra fiscal e competição intermunicipal por novos investimentos no setor automotivo brasileiro. 2000. Disponível em: <http://bit.ly/2CZm4SO>. Acesso em: 11/07/2014.

BRASIL. Medida provisória nº 1.235, de 14 de dezembro de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/1990-1995/1235.htm>. Acesso em: 10/07/16.

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