Universidade Federal da Bahia
Instituto de Matem´aticaCurso de P´os-graduac¸˜ao em Matem´atica Dissertac¸˜ao de Mestrado
Geometria das Conex˜
oes
Carla Lopes Dias
Salvador-Bahia
Carla Lopes Dias
Disserta¸c˜ao apresentada ao Colegiado do Curso de P´os-Gradua¸c˜ao em Matem´atica da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obten¸c˜ao do T´ıtulo de Mestre em Matem´atica.
Banca examinadora:
Prof. Dr. Marco Antˆonio Nogueira Fernandes (Orientador)
Prof. Dr. Luiz Antonio Barrera San Martin
Prof. Dra
Dias, C.
“A GEOMETRIA DAS CONEX ˜OES” / Carla Lopes Dias. Salvador-Ba,
2004.
Orientador: Dr. Marco Antˆonio Nogueira Fernandes (UFBA).
Disserta¸c˜ao de Mestrado apresentada ao curso de P´os-graduac˜ao em
Matem´atica da UFBA, 30 p´aginas.
Palavras-Chave: Conex˜ao afim, conex˜ao Riemanniana, fibrado,
“Nunca pense em desistir, n˜ao/ te aconselho a prosseguir/ o tempo voa, rapaz/ pegue seu sonho, rapaz/ a melhor hora e o momento ´e vocˆe quem faz/ recito poesias/ palavras de um rei: fa¸ca por onde que eu te ajudarei ”.
A minha m˜ae, que sempre me apoiou e incentivou os meus estudos. Aos meus irm˜aos,
que me incentivaram carinhosamente encorajando-me a prosseguir e dando-me for¸cas para
vencer cada etapa e a meu pai, que infelizmente n˜ao pode estar presente neste momento t˜ao
importante da minha vida. `
A professora Rita de C´assia, pela sua paciˆencia e amizade, al´em de uma singular
habil-idade de dizer as palavras certas, nos momentos certos, promovendo sempre for¸ca e motiva¸c˜ao.
Ao professor Marco Antˆonio Nogueira Fernandes pela orienta¸c˜ao e apoio, n˜ao s´o
du-rante esta fase, mas em todo percurso. `
A todos os professores respons´aveis por esta jornada e em especial, aos professores:
Enaldo Vergasta, ´Ezio, Isaac L´azaro, Jos´e Fernandes, Jos´e Nelson, Armando, Vilton Pinheiro,
Carlos Bahiano, todos da Universidade Federal da Bahia, os quais estiveram sempre dispostos
a ajudar.
Aos grandes amigos: Fabiana Laranjeiras, Gabriela G´oes, Jos´e Alves e Mariana
Pin-heiro.
As amigas de sempre: Ana Carolina, Ana Em´ılia, Ana Maria e Carina Lima.
Aos amigos de curso, pelos esclarecimentos e contribui¸c˜oes de informa¸c˜oes durante o
curso de p´os-gradua¸c˜ao.
Ao LEMA, em especial as professoras: Elinalva, Ednalva, Gra¸ca Passos, Silvia Velloso,
Verlane, Cristiana e Eliana Prates, pelos seus conhecimentos e aux´ılio que me fez crescer tanto
na vida acadˆemica quanto na pessoal.
Gostaria tamb´em de agradecer a todos os colegas e funcion´arios do Instituto de Matem´atica
e aos professores: Luiz Antonio Barrera San Martin que compˆos minha banca examinadora e
que verificou com tanto zelo esta disserta¸c˜ao. Um agradecimento especial ao Professor Paulo
Ruffino pela ajuda na corre¸c˜ao final. E a CAPES pelo apoio financeiro.
Introdu¸
c˜
ao
A Geometria Riemanniana surgiu a partir de uma desenvolvimento natural da
geome-tria das superf´ıcies do R3. Muitos dos resultados sobre superf´ıcies foram obtidos por Gauss
no trabalho intitulado: Disquisitiones Investigations of Curved Surfaces. Nele, Gauss definiu uma forma quadr´atica chamada primeira forma fundamental a qual nos permite calcular os
comprimentos de linhas sobre a superf´ıcie, achar as geod´esicas e calcular a curvatura gaussiana
- tudo isso sem considerar o espa¸co onde a superf´ıcie se encontra. Em suma, Gauss mostrou
como estudar a geometria da superf´ıcie operando exclusivamente sobre a pr´opria superf´ıcie.
Em 1854, Riemann em sua conferˆencia On the Hypotheses which lie at the Foundatios of Geometry, generalizou as id´eias de Gauss. Usando uma linguagem intuitiva, sem defini¸c˜oes precisas nem demonstra¸c˜oes cuidadosas, Riemann introduziu o que hoje chamamos uma
var-iedade de dimens˜ao n (um objeto que generaliza a no¸c˜ao de superf´ıcie para qualquer dimens˜ao
e sem men¸c˜ao a um espa¸co ambiente) e postulou que uma geometria era um modo de medir
comprimentos em uma tal variedade. Para cada ponto desta, ele impˆos uma distˆancia (m´etrica)
e examinou a no¸c˜ao de curvatura. A audaciosa concep¸c˜ao de Riemann n˜ao foi bem entendida
em sua ´epoca, e s´o lentamente se desenvolveu o que hoje chamamos Geometria Riemanniana.
O conceito formal de variedade s´o apareceu em 1913 devido a H. Weyl.
Dois pontos importantes no desenvolvimento da Geometria Riemanniana foi a Teoria
da Relatividade (1916) que ´e completamente baseada nas id´eias de Riemann e o teorema de
Whitney (1935) que prova o seguinte: Toda variedade diferenci´avel de dimens˜ao n pode ser im-ersa no R2n−1
e mergulhada no R2n. Este resultado mostra que variedades podem ser tratadas
Outro extraordin´ario avan¸co para a Geometria aconteceu quando Levi-Civita (1917)
interpretou o c´alculo do tensor de Ricci como uma descri¸c˜ao anal´ıtica de um conceito que ele
chamou de transporte paralelo. NoRn, isto corresponde a mover um vetor para um ponto
qual-quer ao longo de uma curva, mantendo sua dire¸c˜ao e seu m´odulo. Neste trabalho estudaremos
a rela¸c˜ao entre o transporte paralelo e trˆes estruturas geom´etricas: a conex˜ao afim, a conex˜ao
Riemanniana e a conex˜ao em um fibrado principal.
A conex˜ao afim foi definida primeiro por Christoffel (1869) sendo um conjunto de
s´ımbolos {k
ij} ou Γkij associados a um sistema de coordenadas sobre a variedade. O ponto de
vista moderno ´e devido a Koszul. No caso de superf´ıcies emR3 existe um conceito equivalente,
chamado derivada covariante, que pode ser descrito como segue.
Consideremos S ⊂ R3 uma superf´ıcie regular, c: I → S e V : I → R3 um campo de
vetores tangentes a S ao longo de c. Em geral, o vetor dV
dt(t) n˜ao pertence ao plano tangente Tc(t)S, por isso considera-se o vetor obtido ao projetar ortogonalmente sobre Tc(t)S, que se
de-nota por DV
dt (t). Este vetor se denomina a derivada covariante de V em c(t), e sua importˆancia
est´a no fato que a derivada covariante ´e um conceito intr´ınseco da superf´ıcie, pois s´o depende da 1a
forma fundamental. Seguindo esta linha, dizemos que um campo de vetores V ´e paralelo se dVdt ≡0.
´
E interessante mencionar que apesar de usarmos o conceito de derivada covariante
para definir o paralelismo, historicamente n˜ao foi isso que aconteceu. Em termos de superf´ıcie
podemos construir geometricamente o transporte paralelo como segue. Considere a fam´ılia de
planos tangentes a S ao longo de c. Esta fam´ılia determina uma superf´ıcie chamada a
envol-vente da fam´ılia de planos tangentes aS ao longo de c. Em uma vizinhan¸ca de c, a envolvente
´e uma superf´ıcie regular Σ a qual ´e tangente aS ao longo dece tem curvatura gaussiana
iden-ticamente nula. O teorema de Minding diz que uma superf´ıcie com curvatura gaussiana igual
a zero ´e isom´etrica a um plano. E uma vez que o paralelismo ´e uma isometria, para obtermos
o transporte paralelo de um vetor ao longo de uma vizinhan¸ca de c, tomamos o transporte
3
Em seu trabalho, Riemann deixou claro que o conceito fundamental em geometria ´e o
que hoje em dia denominamos m´etrica Riemanniana. Esta possibilita definir o comprimento de
uma curva e a ´area de uma regi˜ao contidas em uma variedade. Podemos adicionar uma m´etrica a
qualquer variedade usando a parti¸c˜ao da unidade. Uma variedade Riemanniana ´e uma variedade
diferenci´avel provida de uma m´etrica. Por volta de 1956 o matem´atico americano John Nash
provou que: Toda variedade Riemanniana pode ser mergulhada isometricamente em algum Rn.
Isto significa que toda variedade Riemanniana pode ser visualizada como uma subvariedade do
espa¸co euclidiano. O Lema Fundamental da Geometria Riemanniana (Levi-Civita) afirma que
a escolha de uma m´etrica determina unicamente uma conex˜ao afim associada a ela chamada a
conex˜ao Riemanniana. E neste caso, como mostraremos, o transporte paralelo ´e uma isometria.
A importˆancia do transporte paralelo foi percebida por Cartan (1928) que elaborou
uma teoria completamente diferente: o m´etodo do referencial m´ovel. Por´em esta teoria s´o ´e
facilmente entendida quando usamos o operador ∇que historicamente apareceu muito depois,
por volta de 1954. A id´eia b´asica da teoria de Cartan ´e expressar os resultados em termos de
campos de vetores arbitr´arios e n˜ao apenas dos “naturais”Xi =∂/∂xi. O livro “The Theory of Groups of Lie”(1946) de Chevalley ajudou no entendimento dos conceitos e nota¸c˜oes dando um efeito not´avel a situa¸c˜ao corrente. Mas a compreens˜ao total do trabalho s´o foi obtida quando
surgiu a no¸c˜ao de conex˜ao em fibrados formulada por volta de 1950 por Ehresmann. Um fibrado
principal pode ser visto localmente como o produto de duas variedades diferenci´aveis sendo uma
delas um grupo de Lie que age sobre uma outra. Esta estrutura de “produto local”legitima
o uso da propriedade de levantamento de caminhos da Topologia. E sob o ponto de vista
geom´etrico determinar uma conex˜ao em um fibrado equivale a determinar uma ´unica dire¸c˜ao
para o levantamento. Temos, ent˜ao que, em um fibrado, a estrutura de transporte paralelo ´e
“substitu´ıda”pela propriedade de levantamento ´unico de caminhos.
A seguir descreveremos o conte´udo de cada cap´ıtulo desta disserta¸c˜ao.
No Cap´ıtulo 1 citaremos algumas defini¸c˜oes, nota¸c˜oes e resultados da Geometria
Rie-manniana. Definiremos um fibrado principal a partir de um exemplo: o fibrado do referenciais.
Pretendemos com isso obter resultados mais rapidamente e facilmente e assim desenvolver nossa
No Cap´ıtulo 2 apresentaremos a conex˜ao afim e o transporte paralelo e mostraremos
que esses dois conceitos s˜ao equivalentes.
No Cap´ıtulo 3 definiremos uma m´etrica Riemanniana sobre uma variedade diferenci´avel.
Veremos que toda m´etrica Riemanniana d´a origem a uma conex˜ao afim chamada conex˜ao
Rie-manniana e neste caso o transporte paralelo ´e uma isometria.
No Cap´ıtulo 4 retornaremos ao m´etodo usado no in´ıcio e mostraremos que a no¸c˜ao de
transporte paralelo em uma variedade ´e equivalente a propriedade de levantamento ´unico de
caminhos equivariante no fibrado dos referenciais. Definiremos uma conex˜ao em um fibrado
principal e provaremos que ela tamb´em ´e equivalente a propriedade de levantamento ´unico de
Cap´ıtulo 1
Preliminares
Neste cap´ıtulo apresentaremos as principais defini¸c˜oes e as nota¸c˜oes que ser˜ao usadas
ao longo do texto, as variedades consideradas ser˜ao sempre diferenci´aveis, de Hausdorff e com
base enumer´avel. A palavra diferenci´avel significar´a de classeC∞
.
Primeiro algumas nota¸c˜oes:
M: variedade diferenci´avel de dimens˜ao n;
TpM: espa¸co tangente aM no ponto p∈M;
X(M): o espa¸co vetorial de todos os campos de vetores diferenci´aveis emM;
C∞
(M): conjunto das fun¸c˜oes reais diferenci´aveis em M .
Listaremos agora algumas defini¸c˜oes e resultados b´asicos da Geometria Riemanniana.
SejamM eN variedades diferenci´aveis, possivelmente de dimens˜oes diferentes ef uma
aplica¸c˜ao (de um conjunto aberto) deM em N. Sejam (U, φ) e (V, ψ) parametriza¸c˜oes paraM
eN empef(p) respectivamente. Ent˜aof´e ditadiferenci´avelemp, seψ◦f◦φ−1
´e diferenci´avel
em φ(p).
Umacurva em M ´e uma aplica¸c˜ao diferenci´avel α:I →M, ondeI ⊂R´e um intevalo
aberto. O vetor tangente aαemt=t0 ser´a indicado por ˙α(t0). Com frequˆencia consideraremos
curvas com dom´ınio compacto. Neste caso um vetor tangente a α em um extremo ´e o vetor
tangente a qualquer extens˜ao diferenci´avel deα em um aberto contendo o compacto.
Uma curva integral de um campo de vetoresX ´e uma curva α para qual ˙α(t) =Xα(t)
para todo t. O teorema de existˆencia e unicidade das equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias garante
que para todo p ∈ M, um campo de vetores X tem uma curva integral α definida em algum
intervalo (−ǫ, ǫ) com α(0) = p. E ´e ´unica no sentido que se β : (−δ, δ) → M tamb´em ´e uma
curva integral deX com β(0) =p, ent˜ao α(t) = β(t) para todo t∈(−ǫ, ǫ)∩(−δ, δ).
Para X e Y em X(M), o campo de vetores chamado de colchete de Lie de X e Y, ´e definido por
[X, Y]pf =Xp(Y f)−Yp(Xf) , ∀f ∈C
∞
(M).
Umcampo de vetores ao longo de uma curva α:I →M ´e uma aplica¸c˜aoY que associa a cadat ∈I um vetor Yα(t) em Tα(t)M tal que para todaf ∈C∞(M),t→Yα(t)f ´e uma fun¸c˜ao
real diferenci´avel emI.
Uma m´etrica Riemanniana h,i para M ´e uma correspondˆencia que associa a cada pontop∈ M um produto interno h,ip (isto ´e, uma forma bilinear sim´etrica, positiva definida)
no espa¸co tangente TpM, que ´e diferenci´avel no seguinte sentido: para quaisquer campos de
vetores diferenci´aveisX e Y em M, a fun¸c˜aop→ hXp, Ypip deM em R´e diferenci´avel .
Destacamos as pr´oximas defini¸c˜oes por elas serem fundamentais para o ´ultimo cap´ıtulo.
1.1 Defini¸c˜ao. Um grupo de Lie´e uma variedade G com uma estrutura de grupo de tal modo que as aplica¸c˜oes:
G×G −→ G e G −→ G
(x, y) 7−→ x·y x 7−→ x−1
7
Decorre imediatamente da defini¸c˜ao que, num grupo de Lie G, as aplica¸c˜oes
Lg : G −→ G e Rg : G −→ G
h 7−→ gh h 7−→ hg,
s˜ao difeomorfismos, para cada g ∈ G. Estas aplica¸c˜oes s˜ao chamadas respectivamente
transla¸c˜ao `a esquerda por g e transla¸c˜ao `a direita por g. Indicaremos por e o elemento identi-dade de G.
Existem muitos exemplos de grupos de Lie, mas um, pelo seu papel de destaque para
a compreens˜ao do conceito de fibrado, nos interessa em particular. Passaremos a decrevˆe-lo.
1.1 Exemplo (Grupo linear geral). Seja G= Gl(n,R) o grupo das matrizes reais n×n n˜ao
singulares. Podemos identificar G com um aberto em Rn2
via a aplica¸c˜ao determinante por:
G={A∈MnR; det(A)6= 0}
Portanto, G´e uma n2-variedade.
Al´em disso, a estrutura de grupo ´e consistente com a estrutura diferenci´avel: as fun¸c˜oes
(A, B) 7→ AB de G×G em G e B 7→ B−1
de G em G s˜ao aplica¸c˜oes diferenci´aveis entre variedades. Considerando G como um subconjunto de Rn2
, as fun¸c˜oes coordenadas de Rn2
fornecem coordenadas locais para G em uma vizinhan¸ca para qualquer A ∈G. As coordenadas de AB (ou B−1
) s˜ao somas de produtos das coordenadas de A e B (ou fun¸c˜oes racionais apenas das coordenadas de B), portanto todas as derivadas parciais destas aplica¸c˜oes existem e s˜ao cont´ınuas. Assim G´e um grupo de Lie.
1.2 Defini¸c˜ao. ConsidereGum grupo de Lie, P uma variedade e uma aplica¸c˜ao de P×G em
P (denotada por (p, g)7→pg). Dizemos que G age em P pela direita (via esta aplica¸c˜ao) se:
(i) a aplica¸c˜ao Rg :P →P definida por Rg(b) =bg ´e um difeomorfismo para todo g ∈G.
(ii) (bg)h =bgh, para todos b ∈P e g, h∈G.
Dizemos que G age livremente se bg = b,para algum b ∈P, ent˜ao g =e. Dois pontos a e b em P s˜ao ditos equivalentes sob (a a¸c˜ao de) G se a=bg, para algum g ∈G.
Um exemplo importante de uma a¸c˜ao livre de um grupo de Lie sobre uma variedade
´e a a¸c˜ao de G = Gl(n,R) sobre a variedade L(M) chamada fibrado dos referenciais, as quais
passaremos a descrever.
1.2 Exemplo (Fibrado dos referenciais). Um referencial em M ´e um ponto p∈M (chamado a origem do referencial) juntamente com uma base para TpM. Seja L(M) a cole¸c˜ao de todos
os referenciais emM:
L(M) = {(p, X1, . . . , Xn);p∈M e{Xi}´e uma base paraTpM}
L(M) ´e chamado de fibrado dos referenciais de M. Vamos munir L(M) de uma es-trutura diferenci´avel. Sejaπ :L(M)→M dada por
π[(p, X1, . . . , Xn)] =p
Sejam (Uγ, φγ) uma parametriza¸c˜ao para M e Vγ =π−1(Uγ), isto ´e, Vγ ={(p, X1, . . . , Xn)∈L(M)/ p∈Uγ}
Para qualquer ponto p em Uγ , {∂x∂1|p, . . . ,∂x∂
n|p} ´e uma base para TpM. Uma vez
que dadas duas bases de um espa¸co vetorial (no nosso caso TpM) diferem por uma matriz n˜ao singular, dado qualquer referencial(p, X1, . . . , Xn), existe uma matrizA= [aij] em Gl(n,R) tal
queA leva {∂x∂
9
Xi =X
j aij ∂ ∂xj ¯ ¯ ¯ ¯ p
Definiremos uma parametriza¸c˜ao para L(M) sendo o par (Vγ,φγe ), onde φγe : Vγ →
Rn+n2
dada por
e
φ[(p, X1, . . . , Xn)] = (x1(p), . . . , xn(p), a11, . . . , ann).
Se Vγ∩Vδ 6=∅, temos
e φδ◦φe−1
γ (x1, . . . , xn, a11, a12, . . . , ann) =
=φδe ¡φ−1
γ (x1, . . . , xn), dφ
−1
γ (a11, a12, . . . , a1n), . . . , dφ
−1
γ (an1, an2, . . . , ann)
¢
=
=¡φδ◦φ−1
γ (x1, . . . , xn),
¡
dφδ◦dφ−1
γ ¢
(a11, a12, . . . , a1n), . . . , ¡
dφδ◦dφ−1
γ ¢
(an1, an2, . . . , ann)
¢
=
=¡φδ◦φ−1
γ (x1, . . . , xn), d
¡
φδ◦φ−1
γ ¢
(a11, a12, . . . , a1n), . . . , d ¡
φδ◦φ−1
γ ¢
(an1, an2, . . . , ann)
¢
e ent˜ao φδe ◦φe−1
γ ´e uma aplica¸c˜ao diferenci´avel de φγe (Vγ∩Vδ) em φδe(Vγ∩Vδ).
Com as cartas dadas, L(M) ´e uma variedade diferenci´avel de dimens˜ao n+n2.
Agora uma a¸c˜ao livre de G sobre L(M) ´e dada pela aplica¸c˜ao
Φ :L(M)×G−→L(M)
Φ((p, X1, . . . , Xn), A) =
à p,X
j
aj1Xj, . . . ,
X
j
ajnXj !
onde A= [aij]∈G
Para b ∈ L(M) escreveremos bA no lugar de Φ(b, A). ´E f´acil ver que para todo b ∈ L(M),
(bA)B =bAB, ∀ A, B em G e
L(M) ´e um tipo especial de fibrado, chamado fibrado principal, o qual definiremos a
seguir.
1.3 Defini¸c˜ao. Um fibrado principal(P, M, G) consiste de duas variedades P(o espa¸co total ou espa¸co fibrado ) e M(o espa¸co base), um grupo de Lie G (o grupo estrutural), e uma aplica¸c˜ao diferenci´avel π :P →M tal que:
(i) G age livremente em P.
(ii) M ´e o espa¸co quociente de P sob a a¸c˜ao de G, de forma que π(b) =π(a) se e s´o sea e b
s˜ao equivalentes sob a a¸c˜ao de G.
(iii) P ´e localmente trivial, isto ´e: Para cada p ∈ M existe uma vizinhan¸ca U de p e um difeomorfismo ψπ−1
(U)→U×G da forma :
ψ(b) = (π(b), FU(b))
onde FU satisfaz FU(bg) =FU(b)g.
Para p ∈ M, π−1
(p) ´e chamada a fibra sobre p. As fibras s˜ao difeomorfas a G, via a aplica¸c˜ao: b : G → π−1
(π(b)) ⊂ P definida por b(g) = Rgb. Observe que P ´e
local-mente o produto deM e G, mas em geral, P n˜ao precisa ser difeomorfa a M ×G (Em geral,
11
1.3 Exemplo(Fibrado Principal Trivial). SejamP =M×G, π:M×G→M a proje¸c˜ao da primeira coordenada, e uma a¸c˜ao de Gem P dada por (p, a)b = (p, ab). Neste caso a aplica¸c˜ao t ´e a identidade e (M×G, M, G)´e um fibrado principal.
1.4 Exemplo(Fibrado canˆonicoC∗
sobreCPn). SejamP =Cn+1− {0}(o (n+1)-espa¸co
com-plexo menos a origem) e G = C∗
. O n-espa¸co projetivo complexo CPn ´e definido da seguinte
forma: dizemos que para z1 e z2 em P, z1 ∼z2 se existe λ∈G tal que z1 =λz2. Ent˜ao o
con-junto CPn das ∼- classes de equivalˆencia de P ´e uma 2n- variedades e (Cn+1− {0},CPn,C∗
)
´e um fibrado principal.
1.5 Exemplo (Espa¸cos de Recobrimento). Sejam Po espa¸co de recobrimento universal para
M, π : P → M a aplica¸c˜ao de recobrimento, e G o grupo da transforma¸c˜oes de recobrimento (com a toplogia discreta).
O que fizemos acima foi a partir de um exemplo (fibrado dos referenciais) chegar a
um conceito (fibrado principal), pretendemos com isso obter resultados mais rapidamente e
facilmente. E assim esperamos desenvolver suficientemente a intui¸c˜ao geom´etrica para que,
Geometria de uma conex˜
ao afim
Neste cap´ıtulo apresentaremos a primeira estrutura geom´etrica: a conex˜ao afim. Esta
nos permite derivar um campo de vetores sobre uma variedade em rela¸c˜ao a um outro. Veremos
que os conceitos de conex˜ao afim e de transporte paralelo ao longo de curvas podem ser obtidos
um do outro via equa¸c˜oes diferenciais.
2.1 Defini¸c˜ao. Uma conex˜ao afim ´e uma aplica¸c˜ao:
∇ : X(M)× X(M) −→ X(M)
(X, Y) 7−→ ∇XY
que satisfaz as seguintes propriedades:
(i) ∇X+YZ =∇XZ+∇YZ;
(ii) ∇f XY =f∇XY;
(iii) ∇X(Y +Z) = ∇XY +∇XZ;
(iv) ∇X(f Y) =f∇XY + (Xf)Y.
´
E importante notar que dada uma variedade existem muitas conex˜oes afins, do ponto
de vista geom´etrico isso quer dizer que um espa¸co pode ter diferentes geometrias sobre ele.
Diremos que um campo de vetores Y ´e um campo de vetores paralelo ao longo deα se
∇α˙(t)Y = 0 para todo t∈I.
13
2.2 Lema. Um campo de vetores Y =Pjfj(∂/∂xj) ao longo de uma curva α ´e paralelo se, e
somente se, Y satisfaz o sistema de n equa¸c˜oes diferenciais
d(fk◦α)
dt + X
i,j
(fj◦α) dαi
dt Γ k
ij ◦α = 0, k= 1, . . . , n
Prova. SeY =Pjfj(∂/∂xj), ent˜ao∇α˙(t)Y = 0 se, e somente se, ∇Piα˙iXi
X
j
fjXj = 0
X
i
˙
αi∇Xi
X
j
fjXj = 0
X
i,j
˙
αi∇XifjXj = 0
X
i,j
˙
αi(fj∇XiXj +Xi(fj)Xj) = 0
X
i,j
( ˙αifj∇XiXj+ ˙αiXi(fj)Xj) = 0
X
i,j "
˙
αiXi(fj)Xj+ X
k
˙
αifjΓkijXk #
= 0
X
i,j
˙
αiXi(fj)Xj +X
i,j "
X
k
˙
αifjΓkijXk #
= 0.
Trocando j pork na primeira soma
X
i,k
˙
αiXi(fj)Xj +X
i,j "
X
k
˙
αifjΓkijXk # = 0 X k " X i ˙
αiXi(fj)Xj + X
i,j
˙
αifjΓkijXk #
Xk = 0.
Avaliando o lado esquerdo emxk
X
i "
˙
αiXi(fk) + X
j
˙
αifjΓkij #
= 0.
Portanto
d(fk◦α)
dt + X
i,j
fjα˙iΓkij = 0, k = 1, . . . , n
d(fk◦α)
dt + X
i,j
(fj ◦α)dαi
dt Γ k
⊔ ⊓
Os pr´oximos dois teoremas s˜ao essenciais para o ´ultimo cap´ıtulo. O primeiro ´e um
teorema de existˆencia.
2.3 Teorema. Sejam α uma curva em M e p=α(0). Para cada Xp ∈TpM, existe um ´unico campo de vetores Y definido ao longo de α tal que Y ´e paralelo ao longo de α e Xp =Yp. Prova. Inicialmente suponha que α(I) esteja contida numa vizinhan¸ca coordenadaU de α(0). Podemos escrever
x(α(t)) = (α1(t), . . . , αn(t)) e
˙
α(t) = X
i
(dαi/dt)(∂/∂xi).
Podemos tamb´em escrever
∇∂/∂xi∂/∂xj =
X
k
Γk
ij(∂/∂xk)
para as n3 fun¸c˜oes Γk ij ∈C
∞
(U). Temos ent˜ao queY =Pjfj(∂/∂xj) ser´a paralelo se,
e s´o se,
d(fk◦α)
dt + X
i,j
(fj◦α)dαi
dt Γ k
ij ◦α= 0, k= 1, . . . , n (⋆)
for v´alida. Mas (⋆) ´e um sistema linear de equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias e sujeito a condi¸c˜ao
que os fk◦ α(0) s˜ao dados pelas componentes de Xp , teremos (fk ◦α)(t) para todo t ∈ I.
Portanto existe um ´unico campo de vetoresY com as propriedades desejadas.
Para provar o caso geral observe que, por compacidade, α(I) ⊂ M pode ser coberto
por um no finito de vizinhan¸cas coordenadas, em cada uma das quaisY pode ser definido, pelo
que foi provado acima. Pela unicidade, as defini¸c˜oes coincidem nas interse¸c˜oes n˜ao vazias, o
que permite definir Y para I. ⊔⊓
Os Γk
15
2.4 Defini¸c˜ao. Um isomorfismo τα(t) :Tα(0)M −→Tα(t)M, tal que para todo Xα(0) ∈Tα(0)M,
temos
(i) a aplica¸c˜ao t→τα(t)Xα(0) ´e diferenci´avel e
(ii) para toda A∈Gl(n,R),
τα(t)(AXα(0)) =A(τα(t)Xα(0))
´e chamado transporte paralelo ao longo de α.
Nota: Sex1, . . . , xn formam um sistema de coordenadas em uma vizinhan¸ca de
α(t0), podemos escrever
τα(t)(Xα(0)) =
X
i
ai(t) ∂
∂xi|α(t)
para t em uma vizinhan¸ca de t0, onde os ai’s s˜ao fun¸c˜oes reais. Dizer que
t →τα(t)Xα(0)´e diferenci´avel significa que osai’s s˜ao diferenci´aveis nesta vizinhan¸ca.
Retornando a campo de vetores paralelos ao longo deαe a nota¸c˜ao do teorema anterior,
considere a seguinte aplica¸c˜ao
τα(t) : Tα(0)M −→ Tα(t)M
τα(t)(Xp) = Yα(t)
Veremos a seguir que esta aplica¸c˜ao ´e de fato um transporte paralelo ao longo de α.
2.5 Teorema. τα(t) ´e um isomorfismo de Tα(0)M em Tα(t)M.
Prova. Sejam Yα(t) eWα(t) em Tα(t)M tais que
Yα(t)=τα(t)(Yp) e Wα(t) =τα(t)(Wp).
Podemos escrever
Yα(t) =
X
k
(fk◦α)(t)∂/∂xj,
ondefk◦α´e solu¸c˜ao da EDO
d(fk◦α)
dt + X
i,j
(fj◦α)dαi
dt Γ k
com a condi¸c˜ao inicial de fk◦α(0). Analogamente temos que
Wα(t)=
X
k
(gk◦α)(t)∂/∂xj,
ondegk◦α ´e solu¸c˜ao da EDO:
d(gk◦α)
dt + X
i,j
(gj◦α) dαi
dt Γ k
ij ◦α= 0
com a condi¸c˜ao inicial de gk◦α(0). Ent˜ao o sistema
d(hk◦α)
dt + P
i,j(hj ◦α)dαdtiΓkij ◦α= 0 hk◦α(0) =fk◦α(0) +gk◦α(0)
tem como ´unica solu¸c˜ao hj◦α(t) = (fj+gj)(α(t)) =fj◦α(t) +gj ◦α(t). E uma vez
quefk◦α(0) +gk◦α(0) ´e dada pelas coordenadas de Yp+Wp, conclu´ımos que
τα(t)(Yp+Wp) =
X
k
(fk+gk)(α(t))∂/∂xj
= X
k
(fk◦α(t))∂/∂xj +X
k
(gk◦α(t))∂/∂xj
= Yα(t)+Wα(t)
Analogamente podemos provar que τα(t)(λYp) = λYα(t)
Pelo teorema 2.3 τα ´e injetiva e sua inversa ´e o transporte paralelo ao longo da por¸c˜ao
deα det a 0. Portantoτα ´e um isomorfismo. ⊔⊓
Usando transporte paralelo podemos comparar os espa¸cos tangentes em dois pontos
quaisquer de M que possam ser ligados por uma curva α. Explicitamente, podemos definir
Πα(t1)
α(t0) = τα(t1)◦τ
−1
α(t0) : Tα(t0)M → Tα(t1)M que ´e claramente um isomorfismo e, em geral,
de-pende de α. Esta possibilidade de “compara¸c˜ao”entre espa¸cos tangentes em pontos diferentes
´e que deu origem ao termo conex˜ao.
O transporte paralelo τα ´e definido em termos de ∇, mas podemos fazer o contr´ario.
De fato, o teorema a seguir diz que o transporte paralelo ´e apenas uma vers˜ao global de conex˜ao
17
2.6 Teorema. Determinar uma conex˜ao afim em uma variedadeM ´e equivalente a determinar para cada curva α um transporte paralelo.
Prova. Vimos no teorema anterior que toda conex˜ao afim d´a origem a um transporte paralelo. Se temos um transporte paralelo, ent˜ao dados X e Y ∈ X(M), seja α uma curva integral de
Xp com α(0) = pe ˙α(0) =Xp. Ent˜ao definimos
(∇XY)(p) = lim t→0
1
t(τ
−1
α(t)Yα(t)−Yp)
Sejam V1, . . . , Vn campos de vetores paralelos ao longo de α os quais s˜ao L.I. em α(0),
e assim em todos os pontos de α. Seja
Yα(t) =
X
i
γi(t)Vi(t)
Ent˜ao
lim
t→0
1
t ³
τ−1
α(t)Yα(t)−Yp
´
= lim
t→0
1
t "
X
i=1
γi(t)τ−1
α(t)Vi(t)−γi(0)Vi(0)
#
= lim
t→0
1
t "
X
i=1
γi(t)Vi(0)−γi(0)Vi(0)
#
= X
i=1
lim
t→0
·
γi(t)−γi(0)
t Vi(0) ¸
= X
i=1
dγi(0)
dt Vi(0)
= ∇XY(p).
⊔ ⊓
Devido ao teorema anterior, podemos dizer que o transporte paralelo ´e uma estrutura
geom´etrica. Vamos usar esta interpreta¸c˜ao de estrutura geom´etrica para motivar a defini¸c˜ao de
Geometria de uma conex˜
ao
Riemanniana
Neste cap´ıtulo adicionaremos a uma variedade M uma estrutura, a m´etrica
Rieman-niana, que torna M um espa¸co m´etrico. A especifica¸c˜ao de uma m´etrica n˜ao ´e unicamente
determinada, contudo uma tal m´etrica tem automaticamente uma ´unica conex˜ao associada a
ela.
Uma variedade diferenci´avel M provida de uma m´etrica Riemanniana ´e chamada
var iedade Riemanniana. Podemos adicionar uma m´etrica Riemanniana a qualquer variedade diferenci´avel usando a parti¸c˜ao da unidade.
A seguir definiremos uma conex˜ao∇ em uma variedade Riemanniana determinando o
produto interno de ∇XpY e Zp para todos campos de vetores X, Y e Z em todos os pontos
p∈M.
3.1 Defini¸c˜ao. Uma conex˜ao∇ Riemanniana ou Levi-Civita em uma variedade Riemanniana
M ´e definida pela express˜ao abaixo
2∇XpY, Zp
®
p = XphY, Zip+YphX, Zip−ZphX, Yip
+h[X, Y]p, Zp ip +h[Z, X]p, Yp ip+h[Z, Y]p, Xp ip
para todos X, Y, Z ∈ X(M)ep∈M
19
Em uma vizinhan¸ca U de p ∈ M denote por Xi o campo de vetores ∂/∂xi. Ent˜ao
[Xi, Xj] = 0 e a express˜ao anterior torna-se
2h∇XiXj, Xki=XihXj, Xki+XjhXk, Xii+XkhXi, Xji
em U. Pode-se mostrar que ∇ satisfaz a condi¸c˜ao para ser uma conex˜ao afim.
Esta escolha de ∇´e parcialmente justificada pelo seguinte teorema.
3.2 Teorema. Lema Fundamental da Geometria Riemanniana
A conex˜ao ∇ definida acima ´e a ´unica conex˜ao em M satisfazendo
(i) XhY, Zi=h∇XY, Zi+hY,∇XZi.
(ii) [X, Y] =∇XY − ∇YX
para todos X, Y, Z ∈ X(M). Prova. Considere as equa¸c˜oes
(1) 2h∇XY, Zi = XhY, Zi+Y hX, Zi −ZhX, Yi
+ h[X, Y], Z i+h[Z, X], Y i+h[Z, Y], X i
(2) 2h∇XZ, Yi = XhY, Zi+ZhX, Yi −Y hX, Zi
+ h[X, Z], Y i+h[Y, X], Z i+h[Y, Z], X i
Somando (1) e (2), obtemos
2h∇XY, Zi+ 2h∇XZ, Yi= 2XhY, Zi
Portanto(i) ´e satisfeita. E para mostrar (ii) considere
(3) 2h∇YX, Zi = Y hX, Zi+XhY, Zi −ZhY, Xi
+ h[Y, X], Z i+h[Z, Y], X i+h[Z, X], Y i
De (1) e (3), temos
2h∇XY, Zi − 2h∇YX, Zi = h[X, Y], Z i − h[Y, X], Z i
Portanto
h∇XY, Zi − h∇YX, Zi = h[X, Y], Z i
E assim
∇XY, Z− ∇YX = [X, Y]
⊔ ⊓
Uma conex˜ao afim satisfazendo (i)´e chamada umaconex˜ao compat´ıvel com a m´etrica. Ela expressa a derivada direcional da m´etrica em termos da conex˜ao afim, mas isto tem mais
significado. Vimos no cap´ıtulo anterior que o operador transporte paralelo ´e uma parte cr´ıtica
da geometria de uma conex˜ao. Sendo uma m´etrica Riemanniana nada mais que um produto
interno, temos que o operador mais compat´ıvel com a m´etrica Riemanniana ´e uma isometria,
isto ´e, a aplica¸c˜aoτ :TpM →TqM tal quehτ(Xp), τ(Yp)iq =hXp, Ypip. Portanto uma conex˜ao
afim natural em uma variedade Riemanniana deve ter a propriedade que o transporte paralelo
´e uma isometria.
A pr´oxima proposi¸c˜ao nos diz que este ´e de fato o caso para uma conex˜ao Riemanniana.
3.3 Teorema. O transporte paralelo ´e uma isometria se, e somente se, ∇ ´e compat´ıvel com a m´etrica.
Prova. Suponha que ∇´e compat´ıvel com a m´etrica e sejaα uma curva emM. Para Y eZ em
Tα(0)M, denote porYt eZt seus transportes paralelos,τα(t)Y eτα(t)Z respectivamente, emα(t).
Temos
˙
α(t)hY, Zi=∇α˙(t)Y, Z
®
+∇Y,α˙(t)Z
®
= 0
pois Y e Z s˜ao paralelos ao longo de α. Da´ı
0 = ˙α(t)hY, Zi= d
dt hYt, Ztiα(t)
e ent˜ao hYt, Ztiα(t) ´e constante. Em outras palavras
hYt, Ztiα(t) =hY, Ziα(0)
21
Suponha queτα(t)´e uma isometria para uma curvaαqualquer e sejaXpem TpM. Para
verificar (i) em p, seja α uma curva qualquer com α(0) = p e ˙α(0) = Xp. Ambos os lados de
(i) dependem de Y eZ ao longo de α.
Primeiro consideraremos o caso que Y e Z s˜ao campos de vetores paralelos ao longo
deα. Ent˜ao
XphY, Zi= ˙α(0)hY, Zi= d
dt ¯ ¯ ¯ ¯ 0
Yα(t), Zα(t)
®
α(t)= 0
uma vez que hY, Zi ´e constante ao longo de α. Temos ent˜ao que o lado esquerdo de
(i)´e zero. E o lado direito (i) tamb´em ´e igual a zero pois ∇XpY = 0 e ∇XpZ = 0. Logo, neste
caso, ∇´e compat´ıvel com a m´etrica.
Agora consideraremos o caso que Y e Z s˜ao campos de vetores arbitr´arios. Seja {Xi}
uma base ortonormal paraTpM e denote por {Xi(t)}seu transporte paralelo ao longo de α(t).
Uma vez que transporte paralelo ´e uma isometria,{Xi(t)}´e uma base ortonormal paraTα(t)M.
Os campos de vetores diferenci´aveis Y eZ ao longo deα podem ser expressos
Yα(t)=
X
i
ai(t)Xi(t) e Zα(t) =
X
i
bi(t)Xi(t)
onde os ai’s e bi’s s˜ao diferenci´aveis. Ent˜ao
XphY, Zi = α˙(0)hY, Zi
= d dt ¯ ¯ ¯ ¯ t=0
Yα(t), Zα(t)
® α(t)
= d dt ¯ ¯ ¯ ¯ t=0 * X i
ai(t)Xi(t), X
j
bj(t)Xj(t) +
α(t)
= d dt ¯ ¯ ¯ ¯ t=0 X i
ai(t)bi(t)
e
∇XpY, Zp
® p+
Yp,∇XpZ
® p = * X i ·
ai(0)∇XpXi+
dai dt ¯ ¯ ¯ ¯ t=0 Xi ¸ ,X j
bj(0)Xj + p + * X i
ai(0)Xi, X j
·
bj(0)∇XpXj+
∇XpY, Zp
® p+
Yp,∇XpZ
® p = * X i dai dt ¯ ¯ ¯ ¯ t=0 Xi, X j
bj(0)Xj + p + * X i
ai(0)Xi, X j dbj dt ¯ ¯ ¯ ¯ 0 Xj + p
porque ∇XpXi = 0. Desde que {Xi}´e base ortonormal, isto ´e igual a:
X i dαi dt ¯ ¯ ¯ ¯ 0
bi(0) +ai(0)dbi
dt ¯ ¯ ¯ ¯ 0
Cap´ıtulo 4
Geometria de uma conex˜
ao em um
fibrado principal
Neste cap´ıtulo apresentamos nossa ´ultima estrutura geom´etrica: a conex˜ao em um
fi-brado principal. Vimos no cap´ıtulo 2 que o conceito de conex˜ao afim leva naturalmente ao
conceito de transporte paralelo de vetores ao longo de uma curva. Veremos agora que em um
fibrado principal a no¸c˜ao de transporte paralelo ´e equivalente a propriedade de levantamento
´
unico de caminhos.
Come¸caremos descrevendo as no¸c˜oes b´asicas de um levantamento de caminhos no
fi-brado dos referenciais.
4.1 Defini¸c˜ao. Dizemos que uma curva αe :I →L(M) ´e um levantamento de α (α: I →M)
se π◦αe = α. Para cada b ∈ π−1
(α(0)), αbe ´e chamada um levantamento em b se juntamente
e
α(0) =b.
4.2 Defini¸c˜ao. Dizemos que uma fam´ılia de levantamentos αe em b ´e equivariante se satisfaz:
e
αbg(t) = [αbe(t)]g, ∀t∈I
A condi¸c˜ao acima significa que o levantamento de α em bg ´e o levantamento de α em
b sofrendo a a¸c˜ao de g em cada ponto.
O pr´oximo teorema diz que a estrutura geom´etrica em M de transporte paralelo ´e
precisamente a mesma que a de levantamento ´unico de caminhos equivariante de curvas emM
para curvas emL(M) com pontos iniciais espec´ıficos.
4.3 Teorema. Determinar um transporte paralelo τα ao longo de cada curva α ´e equivalente a determinar para cada curva α e cada b∈π−1
(α(0)) um ´unico levantamento equivariante αb˜ de
α em b.
Prova. Escrevendo b = (α(0), X1, . . . , Xn)∈π−1(α(0)), a correspondˆencia ´e dada por
τα(t)
à X
i ciXi
!
=X
i
ciYi(α(t))⇔αb˜ (t) = (α(t), Y1(α(t)), . . . , Yn(α(t)))
Supondo que cada curvaαtem um ´unico levantamento horizontal ˜αb em b, ˜αb(t) tem a
forma da direita, onde{Yi(α(t))}´e uma base para Tα(t)M. Ent˜ao definimos τα pela express˜ao
da esquerda. ´E f´acil checar que τα ´e independente da escolha deb e que τα ´e um isomorfismo.
Reciprocamente, dada τα(t) para cada curva α, ˜α ´e definida pelo lado direito.
Cer-tamente ˜αb ´e um levantamento de α em b uma vez que τα(0) ´e a identidade em Tα(0)M. A
equivariˆancia segue da defini¸c˜ao de transporte paralelo. ⊔⊓
4.4 Defini¸c˜ao. Se b ´e um ponto no espa¸co fibrado P, o conjunto Vb = {X ∈TbP|π∗(X) = 0}
´e chamado subespa¸co vertical em b.
Veja que a fibra π−1
(p) ´e uma subvariedade cujo espa¸co tangente em cada ponto b´e o
25
O fato deπ−1
(U) ser difeomorfo (viat) aU×Gpermite que qualquer caminho na base
de um fibrado seja levantado para o espa¸co total. De fato, se α ´e uma curva em U e h uma
fun¸c˜ao de U em G ent˜ao αe(t) = t−1
(α(t), h◦α(t)) ´e um levantamento de α. A quest˜ao ´e que
o levantamento poderia se mover ao longo da fibra ou mudar de fibra. Fixaremos, ent˜ao, uma
´
unica dire¸c˜ao para o levantamento, definindo uma conex˜ao em um fibrado principal.
A partir de agora denotaremos porξum fibrado principal (P, M, G) e porna dimens˜ao
deM.
4.5 Defini¸c˜ao. Uma conex˜aoH emξ ´e uma aplica¸c˜ao que associa a cadab ∈P um subespa¸co
n-dimensional Hb ⊂TbP, chamado o subespa¸co horizontal em b, tal que para cada b,
(i) TbP =Vb⊕Hb
(ii) (Rg)∗Hb =Hbg, ∀g ∈G
(iii) Seh:TbP →Hb ´e a proje¸c˜ao eX ´e um campo de vetores em P, ent˜aohX ´e tamb´em um
campo de vetores em P (Esta ´e a condi¸c˜ao de diferenciabilidade em H).
Um vetor X ∈TbP ´e chamado de vertical (resp. horizontal) se est´a em Vb (resp. Hb). Uma vez queπ∗(X) = 0 se, e s´o se,X ´e vertical, temos que a restri¸c˜ao deπ∗ a qualquer
subespa¸co horizontalHb ´e injetiva, portanto um isomorfismo (por dimens˜ao) deHb sobreTpM.
4.6 Teorema. Determinar uma conex˜ao em ξ ´e equivalente a determinar para cada curva α
emM um ´unico levantamento equivariante de caminhos emP satisfazendo a seguinte condi¸c˜ao: Se α e β s˜ao curvas em M tais que α(0) =β(0) =p e α˙(0) = ˙β(0) ent˜ao αe˙(0) =βe˙(0)
Prova. Suponha que uma conex˜aoH ´e dada emξe sejaα uma curva simples emM (para uma prova sem essa suposi¸c˜ao sobreα, ver [1] ).
Para cada b∈π−1
(α(t)), sejaXb o ´unico vetor horizontal em b, o qual se projeta sobre
˙
subespa¸co horizontal.
Agora para b∈π−1
(α(0)), sejaαeb a (´unica) curva integral deX tal queαe(0) =b.
Ob-serve queαbe est´a definida em [0, t0) para algumt0. Masαbe pode ser definida em todoI = [0,1].
Para isto, tome um levantamentoβedefinido em uma vizinhan¸ca de t0 (basta considerarmosβea
curva integral deX com uma condi¸c˜ao inicial qualquer). Escolha t1 < t0 de modo queβeesteja
definida em todo t1 e ent˜ao tome g ∈ G tal que αe(t1) =
h e β(t1)
ig
. Estendemos αe al´em de t0
fazendoαe(t) =Rg◦βe(t). Obtemos, assim, uma curva diferenci´avelαbe que se projeta sobreα e
cujos vetores tangentes s˜ao horizontais.
Temos
(Rg)∗( ˙αbe (t)) = ˙αbeg(t) ⇒ [αbe (t)]
g =Rg( e
αb(t)) = αbeg(t)
pela nossa constru¸c˜ao e da segunda condi¸c˜ao para H.
Agora suponha que temos um ´unico levantamento de caminhos. Para definir Hb para
b ∈ P, sejam α1, . . . , αn curvas em M tais que αi(0) = p = π(b) e {αie(0)} formam uma base
para TpM. (Os αi’s podem ser tomados sendo curvas integrais em uma base para TpM). Seja
e
αi o levantamento deαi em b. Defina Hb sendo o espa¸co gerado por{αie˙ (0)}.
Mostraremos que Hb ´e a imagem de uma aplica¸c˜ao linear de TpM em TbP, e portanto
um espa¸co vetorial. Para isso considerek :TpM −→TbP
v 7→kv =X
i
aiαie˙ (0), v =X
i
aiαi˙ (0)
27
Para λ∈R, temos
k(λv) =k Ã
λX i
aiαi˙ (0)
!
=k Ã
X
i
λaiαi˙ (0)
!
=X
i
λaiαie˙ (0) =λX i
aiαie˙ (0) =λk(v)
E para v, w∈TpM, segue
k(v+w) =k(Piaiαi˙ (0)+Pibiαi˙ (0)) =k(Pi(ai+bi) ˙αi(0)) =Piaiαie˙ (0)+Pibiαie˙ (0) =
k(v) +k(w)
Portanto k ´e linear e k(TpM) = Hb, logo Hb ´e um subespa¸co linear de dimens˜ao
≤dim(M) =n.
Veja que
π∗kαi˙ (0) =π∗αie˙(0) =
˙
\
π◦αie(0) = ˙αi(0)
Assim π∗
¯ ¯
Hb ´e a inversa de k, e ent˜ao k ´e um isomorfismo (sobre sua imagem).
Por-tanto, dim(Hb) =n.
Se π∗(Hb) = TpM ent˜ao π∗(TbP) = TpM e j´a vimos que dim(Hb) =n, logo
dim(TbP) = dim(ker(π∗)) +dim(im(π∗))
= dim(Vb) +dim(TpM)
= dim(Vb) +dim(Hb)
Veja que Vb e Hb s˜ao disjuntos, logo dim(Vb ⊕Hb) =dim(Vb) +dim(Hb), segue ent˜ao
queTbP e Vb⊕Hb s˜ao isomorfos, da´ı
Temos que (Rg)∗(Hb) = Hbg, pois
(Rg)∗( ˙αei(0)) =
˙
\
Rg◦αei(0) ⇒(Rg)∗(Hb)⊂Hbg
E uma vez que (Rg)∗ ´e injetiva e dim(Hb) =dim(Hbg), temos
(Rg)∗(Hb) =Hbg
Hb ´e independente da escolha dosαi’s.
Suponha que β1, . . . , βn sejam tamb´em curvas emM tais que {βi˙ (0)} forma uma base
para TpM. Logo existe A= [aij]∈Gl(n,R) tal que
˙
βi(0) =X
j
aijαj˙ (0)
Da´ı
˙
e
βi(0) =k³βi˙ (0)´=k Ã
X
j
aijαj˙ (0)
!
=X
j
aijk( ˙αj(0)) =X
j
aijαje˙ (0)
e uma vez que {αje˙ (0)} gera Hb temos que{βe˙i(0)}tamb´em gera Hb.
Referˆ
encias Bibliogr´
aficas
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