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Eduardo Moreira Assis A CIDADE E O “MAL NECESSÁRIO”: PROSTITUIÇÃO E MARGINALIDADE SOCIAL

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(1)

Eduardo Moreira Assis

A CIDADE E O “MAL NECESSÁRIO”:

PROSTITUIÇÃO E MARGINALIDADE SOCIAL

EM POUSO ALEGRE-MG (1969-1988)

Mestrado em História Social

(2)

ERRATA

PÁGINA ONDE ESCREVE-SE LEIA-SE

2 vivida vividas

7 sócio-espacial social

10 Hist[oria História

11 por si. Comumente

Mocovici por si, comumente Moscovici

15 diferente diferentes

17 marginalidade sócio-espacial marginalidade social

41 Fio Foi

80 Fui que quem fiz Fui eu quem fiz

96 e que momento algum e que em momento algum

101 braço braços

107 por pôr

108 sobre estabelecidos um dos outros

sob

estabelecido uns dos outros

112 onde à alimentação onde a alimentação

113 Ao 16 anos Aos 16 anos

115 eram esses era um desses

116 Loteamento Aeroporto. Que Loteamento Aeroporto, que

118 a vista à vista

120 ao boato, estabelecer havia

muitas as

ao boato, de estabelecer haviam

muitas das

121 prostitutas de "donas de casa" prostitutas e "donas de casa"

128 quam quem

131 temos termos

132 Ia para domingo

(3)

_____________________________________________

_____________________________________________

(4)

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação/ tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

(5)

EDUARDO MOREIRA ASSIS

A CIDADE E O “MAL NECESSÁRIO”:

ZONA DE PROSTITUIÇÃO E MARGINALIDADE

SOCIAL EM POUSO ALEGRE-MG

(1969-1988)

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo

como exigência parcial para a

obtenção do título de MESTRE em

História Social, sob orientação da

Professora Doutora Estefânia Knotz

Canguçu Fraga.

(6)

HUMAN BEHAVIOUR

if you ever get close to a human and human behaviour be ready be ready to get confused

there's definitely definitely definitely no logic to human behaviour but yet so yet so irresistible

and there's no map to human behaviour

they're terribly terribly terribly terribly moody then all of a sudden turn happy but, oh, to get involved in the exchange of human emotions is ever so ever so satisfying

and there's no map and a compass wouldn't help at all

(7)

AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos iniciais são endereçados às professoras

Andréa Silva Domingues, por iluminar o caminho das primeiras discussões

e esforços de pesquisa; Estefânia K. C. Fraga pela imensa paciência e

orientações imprescindíveis para o andamento deste trabalho; Célia Regina

Toledo Lucena, pelos diálogos sobre o oficio do historiador, pelas

indicações de eventos acadêmicos e autores e, acima de tudo, pelas

leituras dos esboços desta dissertação que, além de abrir novos horizontes,

foram, não raro, responsáveis por colocar o trabalho de volta nos eixos; e

Heloísa de Faria Cruz pelas contribuições indispensáveis dadas no exame

de qualificação.

À CAPES e ao CNPq, agradeço o financiamento que permitiu a

realização desta pesquisa e o retorno de dois anos de dedicação e estudo à

sociedade. Nesse sentido, expresso também minha gratidão infinita a meu

pai pelo auxílio anterior às bolsas, essencial para o sucesso dessa

empreitada e de minha carreira.

Para com meus depoentes, todos eles, carrego uma dívida de

gratidão que não consigo descrever. Suas falas, trabalhadas direta ou

(8)

maneira significativa, a construção de uma história marginalizada à qual era

reservado o silêncio e o picaresco enquanto invólucros.

Agradecimentos devem ser feitos ainda à Fátima Bellani, secretária

da Câmara Municipal de Pouso Alegre, ao senhor Alexandre Araújo, diretor

do Museu Histórico Municipal de Pouso Alegre e aos departamentos de

Patrimônio e de Obras e Infra-Estrutura da Prefeitura Municipal de Pouso

Alegre.

Ao longo de pouco mais de dois anos, pessoas mais que especiais

estiveram sempre perto de mim dando-me esperança, acalmando-me,

ressaltando as minhas capacidades e méritos, minhas conquistas e meus

sonhos, sendo companheiras de uma jornada que definiu meus objetivos

para o futuro, dividindo indagações, dificuldades, desafios, experiências e

interesses, momentos de descontração e de preocupação. Por isso, a

Micheline Reinaux de Vasconcelos, Leonara Lacerda Delfino, David

Shigueo Tamamoto, Helena Maria de Souza Matos e Eduardo Silveira Neto

Nunes e Gustavo Aciolli meus agradecimentos mais fraternais.

Por fim, as muitas noites de sono mal-dormidas ou não-dormidas, os

dias de estresse, toda expectativa e curiosidade em torno da realização

deste trabalho, a torcida pelo meu sucesso e pela superação dos

obstáculos enfrentados no percurso da pesquisa, que tiveram por mim as

minhas irmãs Ita e Cynthia, não podem ser esquecidas aqui. Sem o apoio

das duas tudo teria sido muito mais árduo, e muito menos compensador e

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 01

CAPÍTULO I Prazeres entre fronteiras: Preconceito, intolerância e marginalidade social nas relações entre cidade e Zona de Prostituição. ... 20

CAPÍTULO II Em nome da moral e dos bons costumes: Moralização, fiscalização, higienização e especulação imobiliária. ... 60

CAPÍTULO III A cidade que muda de cara, mas não muda de alma: Referenciais do passado sobre os caminhos do futuro. ... 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 135

FONTES ... 140

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ... 155

(10)

RESUMO

Entre 1969 e 1988, a cidade sul-mineira de Pouso Alegre-MG industrializava-se. Valores como “modernidade”, “desenvolvimento” e “progresso” eram construídos pela imprensa local que, juntamente com os moralistas e opositores à Zona de Prostituição, passou a considerá-la um entrave ao crescimento urbano, travando uma campanha de moralização pelo fim da prostituição na região central, cujos resultados refletiram a necessidade de construção de um espaço, afastado do centro, destinado a confinar a prostituição, e que se tornou vizinho nos anos 1980 de um Conjunto Habitacional, iniciando assim novas relações de sociabilidade entre os sujeitos que buscavam afirmar suas identidades.

A dissertação A cidade e o “mal necessário”: Zona de Prostituição e marginalidade social em Pouso Alegre-MG (1969-1988) busca refletir sobre a construção da Zona de Prostituição enquanto território urbano e explorar as tensões que permearam as relações estabelecidas entre cidade e a Zona no decorrer dos anos, resultando e legitimando um processo de exclusão e o recurso aos preconceitos no reforço de fronteiras simbólicas construídas nas relações entre os sujeitos sociais como critérios de diferenciação entre eles.

A narrativa da pesquisa foi construída com o recurso às fontes orais, que permitiram apreender experiências dos diferentes sujeitos sociais que viveram esse processo de exclusão e construção da marginalidade da Zona, estabelecendo um diálogo constante com diferentes tipos de fontes, como a imprensa local do período, fontes legislativas, cartográficas, oficiais e memórias escritas, no sentido de construir uma história multifacetada capaz de desmistificar as múltiplas imagens pesavam sobre a Zona de Prostituição e apresentar um outro lado daquele território marginal, culturalmente construído, dono de valores e regras próprias abordado pela primeira vez historiografia pouso-alegrense.

(11)

ABSTRACT

From 1969 to 1988, Pouso Alegre, a southern Minas Gerais state city, had lived the very beginning of it’s industrial process. Values such as “modernity”, “development” and “progress” were under construction by the local press, where both, the morality defenders and people opposed to the Prostitution Zone, had considered it an obstacle to urban growth, thus raising a moral campaign which demanded the prostitution’s end at the city center. Such results reflected the need of another Prostitution Zone, far away from downtown and with the purpose of the prostitution confinement, which came afterwards to be a residential area’s neighbor in the 1980’s. This way new social relationships among the ones who tried to stabilize their identities with each other, were started.

The dissertation The city and the ‘necessary evil’: Prostitution Zoning and social marginality in Pouso Alegre city, Minas Gerais state (1969-1988)

aims to reflect on the Prostitution Zone construction as an urban territory to explore the tense relationships established between the city spaces and the Zone along the years. It had resulted and rightfully became a process of social exclusion and the prejudice resource was reinforced by a symbolic borderline among their social relationship as a way of differing themselves.

The narrative of the research was built up with the contribution of Oral History, which allowed the capture of experiences from those who lived the process of social exclusion and marginality construction of the Zone. Therefore establishing a continuous dialogue with different kinds of legal, official-documented, cartography, written-memory sources and the local press with the purpose of making up a multi-faced history, able to deconstruct the several images that were attached to the Prostitution Zone as well as presenting another view of that marginal territory, culturally constructed with its own rules and values, for the first time presented by the Pouso-Alegrense historiography.

(12)

INTRODUÇÃO

A cidade é uma pessoa, feita de pessoas que ela modela.

Jacques Le-Goff

Em Pouso Alegre, Sul de Minas Gerais, quando o assunto é

prostituição, há sempre alguém com um conhecido que viveu alguma

aventura, em algum momento do passado, em uma das Zonas que a cidade

teve. Mas nunca há alguém disposto, efetivamente, a remexer esse

passado, retirando-o do picaresco ou da atmosfera onde todas as imagens

parecem já estar cristalizadas e os discursos prontos e acabados.

Na historiografia local a Zona sempre apareceu com nitidez através

dos silêncios e das omissões oficiais que permeiam os trabalhos dos seus

memorialistas, enterrada pelo saudosismo que a história dos grandes

homens, grandes acontecimentos e das famílias tradicionais tratou de

preservar e de contar através dos tempos.

Envolta por uma aura de mistério, a um único homem parece ter

cabido falar sobre o meretrício pouso-alegrense. Quando as questões sobre

Zona, sobre prostitutas, “donas de casa” e, mais ainda, sobre suas práticas

(13)

era recomendado como “doutor honoris causa em Zona”, conforme indicou

um destacado memorialista, informalmente, nos primeiros passos desta

pesquisa.

Na medida em que a Reis coube o que pode ser conceituado como

“memória oficial” dos prazeres ilícitos, muito, sobre muitos, bem como muito

sobre ele próprio, foi abafado pelo tempo, restando para ser conhecido, e

isto a quem interessar pudesse, uma história de grandes nomes e grandes

acontecimentos também dentro da prostituição: poderosas “donas de casa”,

as prostitutas mais famosas, as sanções mais duras, as polêmicas mais

ruidosas, os vestígios de grandes freqüentadores e a atuação do próprio

narrador como herói dentro da Zona, registradas em acordo com o ponto de

vista das “memórias de um bom malandro”1.

Questões como as mencionadas acima apenas refletem a trajetória

desta dissertação, como da própria temática na historiografia2, cujos

primeiros esforços de pesquisa tiveram início ainda nos tempos de

1 Moacyr Honorato Reis chegou a publicar um livro onde conta a sua vida e as aventuras vivida nas

Zonas Boêmias de Pouso Alegre, de São Paulo e do Rio de Janeiro, intitulando-o de “Memórias de um bom malandro”. Cf. REIS, Moacyr H. Memórias de um bom malandro. Pouso Alegre: Grafcenter, 1993.

2 O francês Alain Corbin foi o primeiro em seu país a realizar uma pesquisa sobre prostituição, em

(14)

graduação3, cabendo aqui algumas observações relativas às dificuldades

enfrentadas pela pesquisa, pois que a documentação sobre prostitutas,

“donas de casa” e todo esse universo marginal que representou a Zona de

Prostituição havia trilhado um caminho de silêncio e desconsideração, o

qual impôs desafios que muitas vezes mostraram-se intransponíveis.

Grande parte da documentação oficial não existia mais quando foi

procurada. Na Delegacia de Polícia, a exemplo de outros registros, os

prontuários da Delegacia de Costumes tinham sido incinerados anos antes

dos primeiros passos trilhados para a construção desta pesquisa por falta

de espaço nos arquivos da Polícia Civil. Quando as fontes não haviam sido

destruídas, o acesso a elas era negado, como foi o caso dos processos

judiciais que permitiram à Zona de Prostituição driblar legalmente a ação

dos moralistas que pediam seu fechamento com obstinação4. Ou então,

dificultado pela má organização e entraves burocráticos dos arquivos dos

vários departamentos da Prefeitura Municipal5.

3 A trajetória desta reflexão começa em 2002 com a pesquisa empreendida na construção do trabalho

de conclusão de curso intitulado Outras Visões, Outras Versões: prostituição, cotidiano e memória na cidade de Pouso Alegre-MG (1945-1990)3 cujo propósito era descortinar o cotidiano no interior

das Zonas de Prostituição pouso-alegrenses ao longo de quarenta e cinco anos, tomando como objeto de pesquisa a Prostituição. Com o fim do TCC, uma série de outras indagações ganhou fôlego, das quais emergiu a cidade enquanto questão e a necessidade de fazer da Zona objeto de estudo.

4 Durante o período estudado houve várias tentativas de fechamento da Zona. O Projeto de Lei 1.704,

de 1972, previa a interdição de todas as “casas” do meretrício em 48 horas quando foi apresentado à Câmara dos Vereadores na primeira votação, sendo rechaçado e obrigatoriamente submetido a outras votações, onde, em cada uma delas, solicitava um prazo diferente para o mesmo propósito: de 48 horas passou para 10 dias, depois para 30, depois para 45 e por fim, para 90, porém, a Zona nunca foi fechada. Suas ocupantes, chegaram, inclusive a contratar um advogado, de nome Jorge Beltrão, o qual chegou a ser procurado no sentido de conceder um depoimento. No fórum local, era necessário a autorização por escrito do advogado, que designava o número do processo, para acesso a tal documentação. Entretanto, motivos de saúde impossibilitaram o senhor Beltrão de colaborar com a pesquisa, tendo sido descartada a sua participação e o trabalho com os processos.

5 A título de exemplo, para que o conjunto de documentos que falavam sobre a venda dos terrenos da

(15)

Outros impedimentos, por sua vez, disseram respeito aos depoentes,

ou melhor: à dificuldade em encontrar pessoas dispostas a falar sobre suas

experiências na Zona, em particular antigos clientes, muitos deles, hoje,

homens públicos atuantes. Da mesma maneira que prostitutas e

ex-“donas de casa”, que, com seus “bons casamentos” ou conversão em outra

fé, “esqueceram-se” do passado. Dificuldades estas responsáveis pelas

maiores lacunas do trabalho, ou seja, pela quietude da Zona falando de si e

por si mesma em diversos momentos ao longo dos capítulos – faltam cenas

cotidianas dos exames médicos, da atuação da polícia, da interação com a

cidade, cenas do ponto de vista das moradoras da Zona central,

especialmente.

Todos os desafios e todas as limitações que serão observadas a

seguir, no entanto, servem para reforçar o pioneirismo deste trabalho, que

volta suas atenções para os anos mais importantes na constituição da

identidade atual da cidade, visto que entre os anos do recorte, 1969 e 1988,

é nítida a alteração de sua vocação político-econômica, bem como sua

“cara”: de cidade voltada para o cultivo de arroz, milho e para a pecuária

leiteira, para cidade industrial e forte pólo regional, cuja população, entre

1970 e 1980 praticamente dobra com a instalação das primeiras fábricas no

município.

Não obstante, é imprescindível aqui ressaltar que este é um trabalho

sobre Zona de Prostituição, e não sobre a industrialização do município,

(16)

servindo esta como pano de fundo com o qual se imbricam questões

culturais: as tensas e polêmicas relações entre o meretrício confinado e

suas ocupantes com os espaços “decentes” da cidade foram capazes de

refletir sobremaneira os choques culturais entre a Pouso Alegre que

mudava e a Pouso Alegre que insistia em permanecer a mesma, apesar

das rupturas – crescimento urbano, industrialização, enriquecimento com

captação de impostos etc., e as inconsistências dos moralistas nesse

sentido, os quais, apoiando-se no discurso do progresso que criava as

imagens de desenvolvimento e prosperidade para o município, pediam a

manutenção de valores como virgindade e a segregação dos corpos

mal-sãos em espaços de reclusão, disciplina e saneamento, trazendo à tona

uma disputa pelos espaços da cidade e a constatação de que o progresso

era para os “eleitos”. Eleitos que excluíam as moradoras da Zona através

do preconceito enraizado, responsável pelo estabelecimento de fronteiras

simbólicas entre os territórios “decentes” e o território da “imoralidade”,

“moralmente corrompido”, que ameaçava o centro da cidade.

O ano de 1969 coloca para Pouso Alegre o início de uma campanha

de “moralização dos costumes” conduzida pela imprensa, pelo fechamento

do meretrício, enclausurado desde a década de 1940, quando às prostitutas

foi vedado o footing como prática de socialização e a praça principal, por

conseqüência, em nome de uma moral cristã e machista, que visava à

honra da mulher e da família pouso-alegrenses, o ordenamento dos

espaços e sua higiene social. Higiene social que por sua vez era mantida

(17)

pelo chavão do “mal necessário”, sobre o qual foram estabelecidas as

relações estreitas entre “donas de casa” e sua clientela e entre esta e

algumas das mulheres confinadas.

Até 1988, quando a Prefeitura intervém modificando o nome da rua

da antiga Zona de Prostituição, chamada David Campista6, para Dr.

Joaquim Coelho Júnior7, colocando fim à disputa pela região do meretrício,

muitas tensões permearam a campanha moralizante, merecendo destaque

a atuação do vereador Sebastião Alves da Cunha, que leva o problema

para dentro da Câmara dos Vereadores ao cobrar das autoridades uma

posição clara sobre o que pensavam e o que deveria ser feito com relação

à Zona no centro da cidade.

Na única vez em que a Zona aparece na historiografia local

tradicional8, ela é apresentada enquanto lugar de “má fama”, porque lugar

das “meretrizes” e avizinhada por “barracos de gente pobre”, na década de

6 A necessidade de mudança no nome da rua decorreu do processo de significação espacial que se

deu com a presença das prostitutas e “casas” na rua da Zona Central de Pouso Alegre. David Morethson Campista, que batizava a rua, nasceu no Rio de Janeiro em 22 de Janeiro de 1863. Bacharelou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (1883). Deputado Federal. Em 1898 assumiu o cargo de Secretário das Finanças de Minas Gerais. Nomeado Ministro da Fazenda foi um de seus primeiros atos a criação da Caixa de Conversão para a qual foram transferidos os fundos de resgate e de garantia do papel-moeda instituídos em 1899. Ao deixar o Ministério foi nomeado representante diplomático do Brasil na Dinamarca onde faleceu em 12 de Outubro de 1911. Cf.

http://www.fazenda.gov.br/portugues/institucional/ministros/rep013.asp

7 Conforme foi descoberto através de depoimento informal, a mudança no nome da rua David

Campista gerou muita controvérsia nos bastidores do poder local. Como o batismo de uma via pública estava revestido por toda uma manifestação de prestígio do homenageado, não houve em Pouso Alegre ninguém além do ex-prefeito Rômulo Coelho, disposto a ceder nome de familiar para renomear a famosa rua da Zona. Joaquim Coelho Júnior foi membro da família Coelho, ilustre na cidade, tendo exercido a profissão de advogado, falecendo em 1987, um ano antes da aprovação da lei que colocaria fim à Zona no centro da cidade.

8 Cf. GOUVÊA, Octávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre, Grafcenter, 1998.

(18)

1920, sendo conhecida como “Quatro Cantos” 9 pela própria maneira como

as relações sociais foram impressas no desenho da cidade: a disposição da

rua David Campista, fechada pelas ruas Coronel Pradel e do Rosário, na

vertical, e pela rua da Tijuca, na horizontal superior10 constituía um

quadriculamento11 que, nominalmente, já expressava a exclusão

sócio-espacial que viria estabelecer-se no decorrer dos anos. E ser reforçada em

1973, quando o próprio Poder Executivo sanciona lei que criava uma nova

Zona do Meretrício, cinco quilômetros distante do centro, institucionalizando

a prostituição e legitimando a exclusão.

Contudo, como Pouso Alegre era colocada face a face com o

desenvolvimento industrial e com o crescimento urbano que lhe foi inerente,

os contornos dessa nova Zona foram desenvolvidos com a criação de um

Conjunto Habitacional, cuja missão era dar moradia para mais de duas mil

pessoas. Como a cidade mudava de cara, mas não de alma, novas tensões

foram iniciadas e novas relações de sociabilidade também foram

estabelecidas, bem como o processo de construção das referências

culturais que deveriam deixar nítidas as diferenças entre a Zona e aquele

bairro residencial.

9Cf. REVISTA Pouso Alegre 150 anos. s.n. Pouso Alegre, Ipsis, 1998, p.9.

10 Ver em anexo mapa da região central onde constam grifos vermelhos assinalando as ruas citadas

no corpo do texto.

11 Os mapas anexados cumprem função meramente ilustrativa, visando localizar o leitor no espaço da

(19)

A fragmentação da cidade em lugares produzidos e ocupados por

diferentes sujeitos, cada qual com os seus usos, as suas intenções e os

seus interesses, permitem perceber o espaço urbano como um tabuleiro de

tensões, local de ‘fronteiras simbólicas’, um emaranhado de divisões bem

demarcadas por uma linha invisível, por um aviso simbólico, uma linguagem

codificada sutilmente captada por seus habitantes, constituídas pelas

relações dos seus ocupantes uns com os outros, processo que ficou

particularmente visível com a lei que mudou o nome da rua David Campista

delineando a importância das fronteiras simbólicas na construção dos

territórios urbanos: como a lei visava legislar sobre a memória da antiga

região da Zona, nela ainda eram perceptíveis, por conseguinte, as marcas

que fazem parte da história do grupo que as constituiu e que estão sendo

rejeitadas por outros sujeitos sociais, donos de uma identidade diferente, a

qual precisa impor-se sobre vincos culturais tão profundos, os quais não

conseguiram atingir a superação nem pela força de um decreto.

A cidade, portanto, não é apenas o palco de transformações, não é a

arena na qual desenrolar-se-iam as tensões que encontraram no discurso

do progresso e na industrialização do município o pretexto para fazer da

Zona um de seus grandes problemas. Não é o cenário dos choques entre

as moradoras da Zona e sua vizinhança, entre elas e os poderes

constituídos: mais que palco, a cidade é personagem, espaço vivenciado e

vivificado pelos intercâmbios entre os sujeitos que nela circulam; é produto

(20)

mutante, pois em construção permanente12. “Categoria da prática social”13,

a cidade vem exibir a maneira como as relações entre os sujeitos históricos

foram tecidas, através da articulação, distribuição e circulação deles sobre

seus espaços: exemplo disso é a segregação que recaía sobre as

ocupantes da zona legitimando e justificando a manutenção de uma ordem

da qual elas não faziam parte de outra forma que apontadas como

instrumento de “higienização social” dos espaços “decentes”.

Se se objetivou mudar o nome da rua e mesmo assim, pouco mais

de quinze anos transcorridos, ela é ainda lembrada como ‘rua da Zona’

pelos habitantes de Pouso Alegre, houve, então, um significativo processo

de subjetivação. E se a Zona aparece o tempo todo problematizada

enquanto território14 trata-se de um espaço vivido. Sua grafia, por

conseguinte, não pode ser outra que não em maiúsculas: é um nome

próprio, denomina não só um conjunto de experiências e memórias, mas

também representa e apresenta um modelo de dominação cultural que

atravessou o tempo permitindo ao homem definir a conduta moral da

mulher “honesta” pela relação antagônica desta com a “mulher de zona”,

12 ROLNIK, Raquel. Cada um no seu lugar! (São Paulo, início da industrialização: geografia do poder). São Paulo, 1981. 217 f. Dissertação (Mestrado em História Urbana) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade de São Paulo. pp.21-22.

13 RONCAYOLO, Marcel. Cidade in Enciclopédia Einaudi: Região. Vol.8. [S.l.]: Imprensa Nacional

– Casa da Moeda, 1986. p.400.

14 O conceito de território compreende uma categoria de análise que permite pensar os espaços em

(21)

referencial de “má conduta” como a alteridade15 expressa pela maioria das

fontes trabalhadas na pesquisa refletindo essa relação, posto que

prostitutas e “donas de casa” aparecem referidas sempre por termos como

“decaídas”, “mundanas”, “escravas do sexo”, “infelizes”, entre tantos outros

nomes responsáveis pela acentuação do contraste com a “mulher casada”,

com as “senhoras” e as “moças de família”. Foram, justamente, estes

contrastes percebidos nas fontes os responsáveis por descortinar e

justificar a Zona como “mal necessário”, revelando as ambigüidades que

envolveram-na no decorrer do recorte e os tipos de tratamento que lhe

foram reservados.

Problematizar todos os antagonismos que perpassam o interior deste

trabalho significou tomar as fontes da pesquisa por reflexos e elementos

que corroboraram a constituição das relações sociais16. Dessa maneira,

optou-se por uma documentação variada, capaz de desvendar as maneiras

pelas quais os sujeitos constituíram a si próprios, suas práticas e o conjunto

mesmo de documentos que as refletem17, estudando-se o tema através da

articulação dos diferentes tipos de fontes na tentativa de apreender e

15 BEAUVOIR. Simone. Op.cit.O Segundo Sexo. vol.1 – Fatos e Mito. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1980. p.11.

16 Para Jacques Le Goff as fontes trabalhadas pelo historiador constituem monumentos pois foram

deixadas à posteridade com o propósito de refletir as representações dos grupos sociais que estiveram por trás de sua produção, sendo que nessa representação estão contidas as dinâmicas das relações desses grupos com outros em uma sociedade e período, cabendo ao historiador percebê-las e analisa-las criticamente. Cf. LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento in Hist[oria e Memória. Coleção Lugar da História. Vol.2. Lisboa: Edições 70, 2000. pp.103-115.

(22)

desvendar as imagens18 que os diferentes sujeitos formularam de si

próprios e dos outros com os quais interagiram durante determinado

processo histórico, imprimindo nesse ato de confiança a construção dos

sentidos para seus atos, legitimando-os ou justificando-os.

Como na documentação tradicional às ocupantes da Zona não foi

permitido falar de si e por si. Comumente, essa fala é atravessada e

reformulada pela figura masculina, responsável pela produção de grande

parte dos documentos que trataram delas, documentos que as vêem sob

uma espécie de “prisma deformador”, viciado na ênfase à deploração, do

mal-estar, ao sofrimento, ao fracasso, à dor e à infelicidade, não

apresentando espaço para ‘um outro lado’, onde possam ser revelados

aspectos positivos da atividade19, como é objetivo aqui. Afinal, a Zona

representa para vida de todas as depoentes entrevistadas, um substituto

para relações parentais tensas ou inexistentes, baseado na fraternidade e

compreensão que a fragilidade desse território permite serem construídas

rapidamente, bem como ideal de liberdade, através do confinamento, que

encarna, por sua vez, as referencias mesmas de identidade com as quais

encontram-se, sentem-se confortáveis, seguras e amparadas.

18 De acordo com a teoria de Serge Mocovici, as representações sociais constituem um instrumento

de interpretação da realidade, formulado por um grupo social, visando informá-lo acerca de um dado desconhecido através da construção de referências particulares capazes de transformar o não-familiar em algo familiar e, assim, passível de compreensão. Em acordo com o conceito de Moscovici, no trabalho as representações sociais serão evocadas pelo termo imagens, suscitando os mesmos esquemas de interpretação. Cf. MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2004. pp.167-214.

19Cf. CORBIN, Alain. L’historien et la prostituée in: Historien du sensible. Entretiens avec Gilles Heuré. Paris: Éditions La Découverte, 2000. p.44-45. No original, lê-se:

(23)

Da mesma maneira era necessário descobrir-se os significados da

Zona de Prostituição enquanto espaço disciplinador, bem como enquanto

espaço na cidade que se voltava ao sexo masculino, as relações

estabelecidas entre as esferas de poder e o meretrício, e seus impactos no

cotidiano pouso-alegrense, as relações estabelecidas entre os espaços da

cidade e a Zona, através da construção de uma imagem que identificasse

suas ocupantes e os papéis sociais e, a partir daí, como foram construídas

e mantidas, pelo menos na intenção, as fronteiras simbólicas que

garantiram a não-mistura dos corpos.

Igualmente importante é desmistificar a campanha de moralização e

os usos do discurso do progresso como justificativas tão empregadas e

arraigadas pela imprensa, dando sentido às arbitrariedades que pontuaram

a retirada da prostituição do centro da cidade, desvendando como se deu o

processo, quais expedientes foram usados, de que maneira,

desmanchando também o próprio espaço da Zona o qual, por si só, cercado

de mistérios e de pré-conceitos, alimentava na população um misto

intrigante de fascínio e repulsa, curiosidade e medo, integração e rejeição,

atingido e adentrado com auxílio da História Oral enquanto metodologia de

pesquisa.

Para tanto, foram levantados e entrevistados depoentes cujas

trajetórias tocaram o tema em maior ou menor intensidade, como

ex-proprietários dos jornais trabalhados, os ex-prefeitos que administraram a

(24)

cidade ao longo do recorte, o próprio vereador redator do Projeto de Lei que

pedia o fechamento da Zona, alguns de seus vizinhos, comerciantes e

prestadores de serviços – manicuras, babás, lavadeiras, tanto na Zona

central, como no Loteamento Aeroporto – e pessoas que conheciam

histórias de Pouso Alegre, sobre a Zona, além, obviamente, de

ex-prostitutas e ex-“donas de casa”20, formando assim, através da diferença,

um todo coerente de informações21.

Compartilhando dessa metáfora elaborada por Portelli, as entrevistas

não foram trabalhadas e nem percebidas aqui enquanto um sucedâneo de

acontecimentos. Elas constituíram um trabalho de interpretação realizado

incessantemente pelos depoentes enquanto narravam, pois, ao recordarem,

e contarem, estavam depositando no interior mesmo de suas falas, suas

interpretações dos acontecimentos dos quais haviam ou não participado e

de suas trajetórias de vida, registrando através da narrativa, os traços que

definiram suas identidades no presente22.

Ao percorrerem caminhos antigos e já conhecidos, os depoentes

fizeram por onde reconstruir o passado, submetendo as ações nele

empreendidas a um re-exame, sobre o qual pesou consideravelmente o

hoje, pulsando em suas narrativas a percepção de que suas vidas haviam

20 De modo a aliviar o texto da introdução, foi preferido o posicionamento da relação dos depoentes

trabalhados ao final da dissertação junto ao elenco das demais fontes trabalhadas. No decorrer do texto, entretanto, e na medida em que forem aparecendo, para cada depoente, nas notas de rodapé, constará um resumo de sua história contextualizando o leitor.

21 PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na

História Oral in Revista Projeto História n.15. São Paulo: Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP – EDUC, 1997. p.16.

22 PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas memórias

(25)

mudado muito, bem como eles próprios, em função dos novos valores e das

novas idéias que lhes atribuíam outra percepção de mundo e maturidade23.

Tornar, nesse sentido, pública, uma série de experiências através de

um depoimento gravado e transcrito, acabou colocando muitas vezes o

entrevistado numa posição de resguardo próprio, onde os silêncios, as

criações e as representações funcionaram ora como escudos protetores,

ora como reveladores da vulnerabilidade dos próprios depoentes,

demonstrando como a subjetividade é intrínseca à construção dos

depoimentos e porquê ela pode ser pensada enquanto a característica mais

marcante da História Oral24.

Considerados estes aspectos, a História Oral permitiu apreender

então não só as experiências que o indivíduo viveu, mas também aquelas

tantas outras que acreditou ter vivido, introduziu subjetividades e o

simbólico como matérias-primas para o ofício de historiador, contando mais

sobre os significados dos acontecimentos que sobre os acontecimentos em

si25, tendo sido trabalhadas em diálogo constante com outros tipos de fonte,

em especial, com os jornais do período, levantados no Museu Histórico

Tuany Toledo, à partir de um acervo que preservou exemplares dos

principais jornais impressos em Pouso Alegre desde o final do século XIX26.

23 BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. 9.ed. São Paulo: Companhia das

Letras, 2001. p.55.

24 Ver POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio in Revista Estudos Históricos.

volume2, numero3. Rio de Janeiro: Cpdoc/FGV, 1989. p.13.

25 PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente in Projeto História 14. São Paulo:

Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP – Educ, 1997. p.31-32.

26 Com relação ao acervo do Museu Tuany Toledo, cabe mencionar que este foi todo constituído

(26)

Em face às dificuldades de manuseio e análise no recinto do arquivo,

os jornais publicados no período estudado foram xerocopiados em papel A3

no seu todo e analisados posteriormente, sendo eles compreendidos pel’O

Jornal de Pouso Alegre, A Folha de Pouso Alegre e A Gazeta de Pouso

Alegre, cujo critério de seleção obedeceu ao grau de envolvimento que

demonstraram com a questão da Zona, sua campanha de moralização e

com o apoio destinado ao discurso do progresso e à industrialização da

cidade, todos eles apresentando um conteúdo distribuído por pequenas

notas, artigos, colunas e matérias sobre a cidade e a região, embora O

Jornal de Pouso Alegre e A Folha de Pouso Alegre, cujos ex-proprietários

foram entrevistados, utilizassem-se de linguagem mais moderada, em

contraste com o tom agressivo que marcou A Gazeta.

A necessidade de prismas diferente sobre as questões que incidiam

sobre a cidade colocou para a pesquisa a recorrência às Atas da Câmara

de Vereadores, levantadas e previamente analisadas com o intuito de

descortinar a maneira como a Zona entrou naquela Casa, sua repercussão

e as providências tomadas com relação à Zona Boêmia e as

transformações da cidade, sob o ponto de vista dos bastidores do poder.

Procedeu-se, então, ao levantamento dos tomos no Museu Municipal, sua

leitura e fichamento prévios, que compreenderam os livros de atas das

sessões realizadas semanalmente ao longo das décadas de 1960, 1970 e

1980, tendo sido, mediante protocolo de solicitação registrado em papel

(27)

timbrado da PUC-SP, liberados para reprodução em papel alcalino A4 os

tomos 121, 123 e 124, com as atas referentes aos anos de 1972 a 1974, de

1975 a 1977 e de 1977 a 1978, respectivamente.

Os dados obtidos através da leitura dos jornais e das atas da

Câmara de Vereadores selecionados firmam um diálogo especial com as

fontes estatísticas revelando aspectos e dimensões do crescimento da

população urbana de Pouso Alegre no decorrer dos anos 1970, 1980 e

1990, tendo sido coletadas tabelas junto à página do IBGE na Internet cujos

dados informam sobre população rural e urbana total, masculina, feminina e

geral do município para o que foi explorada a situação urbana e rural, em

número de habitantes e sem distinção de sexo.

No Departamento de Obras e Planejamento Urbano foram

localizados, coletados e xerocopiados os projetos, disponíveis para retirada,

de alguns bairros da cidade, inaugurados na década de 1970, e também do

Conjunto Habitacional São Cristóvão, que desenvolveu a região para onde

foi mudada a Zona Boêmia. Foram bairros representativos para o

crescimento da cidade devido ao modo como foram articulados à

localização de algumas indústrias instaladas em Pouso Alegre. Já no

Departamento de Patrimônio da Prefeitura Municipal, foram identificadas e

reproduzidas em xerocópia cerca de sessenta e cinco certidões de venda

relativas aos terrenos que compuseram o Loteamento Aeroporto, cuja

análise do conjunto revelou desocupação descompassada da zona central,

com início em 1973, crescimento até 1976 e declínio, a partir dessa data até

(28)

nulidade após 1987. No Departamento em questão também foi levantado e

reproduzido o processo de doação do terreno que viria a sediar a nova

Zona Boêmia de Pouso Alegre e o Conjunto Habitacional São Cristóvão.

Compondo ainda a documentação oficial, diversas Leis Municipais que

incidiram sobre desde a criação do Loteamento Aeroporto, até a alteração

no nome da rua David Campista.

Pela impossibilidade de análise nos ambientes em que foram

identificados e pela complexidade que abrigavam, posto que em seus textos

as informações são posicionadas nas entrelinhas, foram necessárias a

xerocópia dos mesmos em papel A4 e a utilização de um método de

entrecruzamento de diversas fontes no sentido de revelar significados e

motivos que resultaram na existência de tal material, especialmente em se

considerando que muitas leis não apresentaram justificativas – como a que

dispões sobre criação do Loteamento Aeroporto. Em contra-partida, o texto

do Projeto de Lei que pediu o fechamento da Zona de Prostituição chegou a

listar as razões pelas quais as trabalhadoras do sexo deveriam ser

removidas do centro da cidade, introduzindo queixas formais de instituições

religiosas e educacionais da cidade e apresentando as relações de

distância entre as ruas da Zona de Prostituição com os principais pontos da

cidade.

Apresentadas as fontes, a narrativa da dissertação foi tecida em três

capítulos, cada qual construído sem subdivisões de modo a facilitar o

encadeamento das idéias. Assim, no primeiro deles, intitulado “Prazeres

(29)

nas relações entre cidade e Zona de Prostituição”, é estudada a tensa

relação entre a cidade e a Zona de Prostituição central, com ênfase no

preconceito como fator responsável pela manutenção das fronteiras morais,

mesmo quando essas caminhavam em um sentido que pendia para a

frouxidão, na medida em que os anos avançavam e o crescimento da

cidade permitia a flexibilização das separações e a mistura dos sujeitos

sociais nos espaços considerados decentes, para o que respondeu com

força e arbitrariedade a campanha moralizadora, tornada cruzada pessoal

do vereador Sebastião Alves da Cunha, com seu Projeto de Lei, fio

condutor do segundo capítulo, “Em nome da moral e dos bons costumes:

Moralização, fiscalização, higienização e especulação imobiliária”. Nesse

capítulo, também se buscou desconstruir e problematizar a especulação

imobiliária disfarçada pelo discurso progressista, o qual, por seu turno, era

empregado pelo discurso moralista como argumento legitimador da

manutenção das fronteiras morais que estavam lentamente desaparecendo.

Por fim, no capítulo final desta dissertação, cujo nome é “A cidade

que muda de cara, mas não muda de alma: referenciais do passado sobre

os caminhos do futuro”, buscou-se descortinar a construção da Zona

enquanto território, espaço vivido e vivificado por prostitutas e “donas de

casa”, especificamente a Zona do Capim Gordura, pelo fato de ter sido

possível acessar a trajetória de algumas das primeiras pessoas a

explorarem a prostituição nela. Percebendo as mudanças pelas quais

passou a cidade e os impactos do fechamento do meretrício à rua David

(30)

e a nova Zona, territórios antagônicos, mas que, com o tempo, foram

interpenetrando-se, colocando novas necessidades e desafios um para o

outro, bem como tensões que desestabilizaram a prostituição, impondo

para o modelo da Zona o início de sua falência, no fim da década de 1980,

(31)

CAPÍTULO I

Prazeres entre fronteiras:

Preconceito, intolerância e marginalidade social nas relações entre cidade e Zona de Prostituição

Universo povoado por muitos estereótipos e clichês, tudo aí é muito antigo e já conhecido, pois acredita-se no senso comum, e não apenas nele, que a prostituição “é a profissão mais antiga do mundo”: reatualizações intemporais. Os lugares estão bem demarcados, as explicações prontas e as imagens projetadas sobre os personagens – prostitutas seminuas, caftens desalmados, caftinas gordas e endurecidas pelo tempo, fregueses devassos – parecem ter aderido aos corpos e se cristalizado.

Margareth Rago

A interdição dos diversos pontos que exploravam a prostituição à rua

David Campista e mesmo seu fechamento definitivo, tão ambicionados no

decorrer de toda a década de 1970, foram idéias que nunca estiveram

longe das intenções dos moralistas nos anos anteriores. Mas para que isso

ocorresse, fazia-se necessário um pretexto forte o suficiente para mobilizar

a opinião pública contra a Zona de Prostituição pouso-alegrense. Pretexto

(32)

sua subseqüente e “ameaçadora” proximidade com as “casas” do

meretrício, argumento explorado pel’A Folha de Pouso Alegre em

Novembro de 1969. No jornal em questão, lia-se:

“Ligada à estação rodoviária, teremos como cartão de visita de

nossa cidade, a imoralidade, a imundice e a corrupção de

costumes, problema social que tôdas (sic) as cidades vêm

cuidando de sanar, enquanto aguardamos novas perspectivas

para nossa terra.

Enquanto o problema se resumia às infelizes que se vêem na

contingência de suportar tal calamidade, porque suas posses

não permitem que fujam em busca de um lugar decente onde

possam educar seus filhos, não esperávamos nada de melhor,

mas agora que o meretrício se estende para o centro de nossa

cidade, ficando a 100 metros de nossa Estação Rodoviária,

duvidamos que as autoridades não tomem uma medida

drástica e saneadora com respeito à moralização de nossos

costumes.

Não podemos admitir que visitantes e passageiros levem

daqui a impressão de terem aportado em uma terra onde a

moral, a dignidade e o decoro (sic) público é representado por

tal classe de elementos sociais... [grifo meu]”27

(33)

No momento em que o meretrício estendeu-se rumo à região central,

tornando-se não mais “problema de alguns”, mas perceptível a todos por

conta do “progresso” alcançado por Pouso Alegre, a moralização dos

costumes – vide fechamento da Zona – emergiu como solução irremediável,

assinalando, e de maneira marcante, uma disputa pelos usos que os

diferentes “elementos sociais” pudessem fazer do centro, “... uma espécie

de sinal do caráter da cidade, cartão de visitas, imagem que a cidade exibe

para fora, mas, sobretudo, que o poder urbano exibe para a totalidade da

cidade”28. Afinal de contas, passageiros e visitantes não podiam levar de

sua passagem pelo município, a “impressão de terem aportando em uma

terra onde a moral, a dignidade e o decoro público” fossem representados

pela Zona de Prostituição e suas moradoras. Era imprescindível que a

impressão de um lugar “sem ordem”, “corrompido”, fosse varrida desse

“cartão de visitas” que estava sendo construído cuidadosamente para

Pouso Alegre.

Para tanto, e escrito de modo a revestir a questão da localização do

meretrício pouso-alegrense de uma conotação moral que o colocava como

pivô de uma polêmica cujo destino era tornar-se cada vez maior, o artigo

apresentou a Zona à população como uma ameaça à imagem de

modernidade que deveria relacionar-se à cidade através da nova rodoviária,

(34)

Ora, àquele mesmo espaço, o qual deveria ser combatido e eliminado do

centro, coube confinar as trabalhadoras e empresárias do sexo, de modo a

impedir a perigosa circulação de seus corpos pelos espaços da cidade

freqüentados pelas pessoas “honradas”.

O universo de personagens que circularam e povoaram a Zona de

Prostituição foi, então, submetido a um ordenamento espacial que os

observou isolando-os do núcleo pouso-alegrense “decente”, definindo uma

espécie de “quem-é-quem” e “a-quem-cabe-qual-lugar” nesse contexto,

onde predominavam as mais variadas formas de barreiras.

Para completar, o confinamento das moradoras da Zona possibilitou,

ainda, uma atuação das instituições repressoras mais direta, mais eficiente,

e ao mesmo tempo mais espetacular, pois foi preciso fazer com que as “...

técnicas que [permitissem] ver [induzissem] a efeitos de poder, e onde, em

troca, os meios de coerção [tornassem] claramente visíveis aqueles sobre

quem se aplicam”29. A punição das prostitutas que se aventuravam pelos

espaços da cidade que lhes eram vedados foi marcante para Pouso Alegre.

A espetacularização das punições faz parte da memória de muitos dos mais

antigos habitantes da cidade, tanto que o memorialista Octávio Gouvêa

chega a lembrar de um caso, apresentando, inclusive, com riqueza de

explicações, o motivo de ações tão ruidosas. Segundo suas palavras,

28 ROLNIK, Raquel. São Paulo na virada do século: territórios e poder in A cidade e a rua. Cadernos

de História de São Paulo 2. São Paulo: Museu Paulista da Universidade de São Paulo, dez/jan.1993. p.44.

29 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 26.ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

(35)

“Naquele tempo, o lugar onde se reunia a rapaziada, a

juventude, era no jardim. Então davam volta no jardim, os

rapazes por fora e as moças por dentro. Então, havia aquele...

Os olhares se cruzavam: andando, fazendo a volta, um

flertava com o outro e dali que surgiam os namoros, etc. E

algumas mulheres, dessas da Zona, se aventuravam a entrar

no meio do footing, andar, tudo... eu me lembro até de um

fato... uma dessas tava andando no jardim e o, um moleque

qualquer mexeu com ela. E ela veio com a bolsa, batendo. Foi

um escândalo. Na mesma hora veio a polícia e prendeu ela e

tudo. Foi um rolo medonho...”30

Marcando o início de vários namoros, o footing praticado nos

arredores da praça principal, vizinha da Avenida Doutor Lisboa, era vedado

às “mulheres da Zona”, pois que representavam a possibilidade de macular

a “juventude sadia” da cidade. A praça era um ponto de encontro, mas não

de todos os moradores do núcleo urbano, e assim o seria por muitos anos.

Ocorre que, embora pesassem sobre a região do meretrício as

fronteiras morais, a circulação de trabalhadoras e empresárias do sexo

pelos espaços da cidade foi, na medida do possível, tolerada, até a década

30 OCTÁVIO MIRANDA GOUVÊA nasceu em Pouso Alegre na década de 1920, tendo falecido em

(36)

de 1940, quando, conta Alexandre Araújo, a situação das ocupantes da

Zona mudou, visto que, em suas palavras:

“... [o] delegado, na década de 40, proibiu elas de descerem

na Avenida, porque era reclamação das famílias. Nessa

época, na Avenida e nas outras ruas... na minha casa, por

exemplo: minha mãe punha três, quatro, cinco cadeiras na

porta... e as mulheres da vida passando por ali, pra cima e pra

baixo. Então, houve reclamação geral junto... à delegacia pra

que elas não descessem a Avenida. Mas mesmo assim, de

vez em quando, elas iam, e o meretrício era restrito naquele

setor lá, na rua... rua David Campista, que hoje é Joaquim

Coelho Júnior.”31

Mesmo que sobre a Zona já houvesse o peso de uma moral

proveniente de uma sociedade conservadora e marcada pela grande

atuação da Igreja Católica desde seus primórdios32, a quem coube a

31 ALEXANDRE ARAÚJO é Pouso-alegrense. Nasceu em 17 de Abril de 1922. Serviu o Exército de

1939 a 1941. Em 1950 foi admitido pelo DNER, trabalhando na instituição até 1978. Foi secretário executivo da Câmara Municipal de 1964 a 1989, intercalando o ofício com suas funções no DNER até 1978, quando passa a dedicar-se exclusivamente ao seu ofício na Câmara dos Vereadores de Pouso Alegre. Em 1984 funda a Galeria da Câmara, para exposição de documentos históricos da cidade, mas é a partir de 1989 que assume a coordenação do Museu Municipal Tuany Toledo, tendo sido todo o seu o acervo reunido e organizado por ele, sendo o responsável pela instituição.

32 A história de Pouso Alegre tem começo em meados do século XVIII com as bandeiras que deram

(37)

implementação e direção das instituições educacionais mais importantes de

Pouso Alegre33, a década de 1940 assinala para a cidade o fim dos tempos

de tolerância e a implementação do confinamento das “mulheres de vida

fácil”. Foi então que a cidade fechou-se para as moradoras da Zona

legitimando o preconceito e a descriminação. Pois, quando a região do

meretrício se transformou em lugar de isolamento, passou a vigorar então

um mecanismo disciplinar que foi capaz de controlar a “perigosa” mistura

proximidades até que as águas baixassem, resultando daí o primeiro nome do lugar: Pouso do Mandu. Esse primeiro núcleo ocupacional composto por uma fazenda de criar, algumas casas, um rancho de paragem e uma venda, recebeu por volta do ano de 1755, conforme designação do governador da Capitania de Minas Gerais, um posto de fiscalização, chamado de Registro, cujo objetivo maior era evitar o contrabando e controlar o fluxo de metais preciosos extraídos das minas de Santana do Sapucaí e Ouro Fino. Foi quando o “Pouso do Mandu” viu surgir novas necessidades, e a criação de uma igreja dentro de seus limites representando a principal delas, visto que o exercício da vida religiosa dos moradores do povoado dependia do deslocamento desses até a Freguesia de Santana do Sapucaí. Em decorrência disso, a partir de 1797, com recursos doados pelos moradores do povoado, nas terras cedidas pelo fundador da cidade, Antônio José Machado, a capela foi erguida e depois reconhecida pelo Príncipe Regente de Portugal Dom João no ano de 1799, tendo sido consagrada ao Senhor Bom Jesus dos Mártires ou do Matozinho, contribuindo para que o Pouso do Mandu passasse a ser conhecido por arraial do Matozinho do Mandu. O arraial seria elevado à freguesia, em 1810, e alçado à categoria de paróquia, em 1811, tendo sido presidida pelo padre José Bento Ferreira de Mello, tido pela tradição local como figura central de toda a história da cidade. Anos mais tarde, em 19 de Outubro de 1848, em decorrência do seu crescimento, a vila foi emancipada politicamente, tornando-se cidade, o que rendeu fôlego à construção da Santa Casa de Misericórdia e também às obras da Igreja Matriz, concluídas em 1857. Cf. GOUVÊA, Octávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Graficenter, 1998 e MODESTO, Janaína Célia. Pouso Alegre ou um Triste Pouso? Como a industrialização mudou nossa cidade. Pouso Alegre, 1997. p.13.

33 Figurando nas páginas dos livros de história local também como um dos seus marcos de progresso,

a criação do o bispado foi responsável pelo estabelecimento no município de instituições de ensino e de assistência social, bem como a fundação de um jornal oficial da Igreja Católica que fizeram de Pouso Alegre um importante centro letrado no sul de Minas Gerais. Em 1899, eram instalados em Pouso Alegre o Ginásio e o Seminário Diocesanos. Com a virada do século e a elevação da cidade à categoria de Diocese, o bispado empreendeu a reforma e ampliação das instalações destas duas instituições voltadas para a ordenança e à educação de meninos da elite sul-mineira e a instalação de outras instituições como a casa de congregação dos Missionários do Sagrado Coração de Maria entre 1901 e 1905, a fundação do jornal oficial da igreja local, chamado Semana Religiosa, em 1902, bem como um colégio para meninas dirigido pelas Irmãs da Visitação, a Escola Agrícola Francisco Sales. Também proporcionou a vinda das Irmãs Dorotéias, de Portugal, e a instalação de sua Escola Normal Santa Dorotéia, em 1911 e a construção de seu novo prédio entre 1918 e 1919, no qual estudavam as meninas da elite pouso-alegrense33. Além disso, foram realizadas obras de assistência social através

(38)

dos corpos nos espaços da cidade – mistura percebida enquanto ameaça à

honra das “mães de família” e das “mocinhas honestas” da sociedade

pouso-alegrense, de maneira que pudesse compartimentar o núcleo

urbano, demarcar os territórios e seus limites e posicionar os habitantes da

cidade, cada indivíduo, em seu devido lugar34.

Confinadas em um espaço disciplinar, as prostitutas e “donas de

casa” recebiam da polícia, não raro, uma punição-espetáculo, de modo que

a atuação das instituições repressoras fosse amplamente conhecida pela

população geral, que as outras moradoras da Zona tivessem na violência

aplicada objeto de temor e que as “moças de família” encontrassem na

sanção às prostitutas – tidas como “audazes”, por circularem em um espaço

que lhes era proibido estar – mais um motivo para zelarem por suas honras;

conforme esclarece Moacyr dos Reis, “antigamente, a moça que saia fora

da... que se perdia antes do casamento, como a cidade era pequena, então,

a turma toda ficava sabendo... do acontecimento e aí, ela era execrada em

praça pública como biscate, quer dizer, uma mulher qualquer. Todo mundo

apontava!” 35.

De maneira bastante sutil, a essência das punições públicas que o

próprio confinamento permitia serem aplicadas deveria ser exemplar o

34 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 26.ed. Petrópolis: Vozes,

2002. pp.122-123.

35 MOACYR HONORATO REIS: Pouso alegrense, nascido em 07/12/1930, casado e “pai de

(39)

suficiente para nortear igualmente as “mulheres decentes”, afinal, segundo

Leme, “a presença espetacularizada da prostituta na cidade também

[servia] de instrumento para reprimir e controlar o cotidiano das mulheres

‘honestas’, preservadas, segundo os padrões morais e cristãos, a

assumirem seus futuros papéis de esposas e mães”36. Assim, era o medo

da associação de comportamentos que contava como regulador moral;

fugindo da norma da época, mulheres da “sociedade”, “honradas”, poderiam

ser apontadas, em praça pública, como “mulheres quaisquer”, manchando

não somente a própria reputação, mas, por extensão, a de sua família.

A partir de regras não ditas e fronteiras estabelecidas através de

relações complexas entre a cidade e Zona, prostitutas, “donas de casa” e o

próprio meretrício reservado, formavam um conjunto que encarnava “...

consciente ou inconscientemente”, como argumenta Ilnar de Souza, “a má

consciência de uma sociedade às voltas com um puritanismo cristão de que

a história brasileira está repleta”37, principalmente quando se observa que

ao espaço disciplinador de confinamento também coube uma função social:

a de instrumento de contenção e preservação da ordem nos espaços

urbanos que investia a prostituição de um caráter regulador de tensões

sociais em potencial, como revela Sebastião Alves da Cunha ao explicar

que

ano. Tinha fama de briguento, por isso seu apelido, Moacyr Bocudo, e nunca negou seu passado boêmio, referindo-se a si próprio como gigolô e malandro.

36 LEME, Edson José Holtz. Faces ilícitas de uma cidade: representações da prostituição em Londrina (1940-1966). Assis: 2001. 275f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista – campus de Assis. p.17.

37 SOUZA, Francisca Ilnar de. O Cliente: o outro lado da prostituição. São Paulo/ Fortaleza:

(40)

“... em 1970, 30 anos, 32, 33 anos atrás, a freqüência dos

jovens era mais, mais via zona, essas coisas... pra evitar de

ter uma tragédia fora [grifo meu]. Não seria o caso de hoje,

porque, hoje ta aí na rua, à vontade, né?! Mas naquela época,

não. Era difícil. Havia um medo, até das autoridades, de não

ter e as pessoas começarem a partir pra outro campo, usar de

outras vias [grifo meu]. Então, por isso que dizia que era um

‘mal necessário’... que na época era um problema

seriíssimo!”38

A Zona, lugar da prostituição por excelência dentro do recorte,

assumindo grande importância na iniciação e vida sexual da maioria dos

homens pouso-alegrenses era imediatamente percebida como necessária

para a preservação da honra das mulheres, refletindo a cultura de uma

sociedade machista, cujos argumentos ao mesmo passo que execravam o

“mau exemplo” das “decaídas”, legitimavam a prostituição ao conceituá-la

como mal-necessário39, do mesmo modo, a permanência e o cultivo de um

forte moralismo controlando e condenando a iniciação sexual da jovem

38 SEBASTIÃO ALVES DA CUNHA: Nascido em Pouso Alegre no dia 27 de Maio de 1943,

(41)

antes do casamento. Some-se a isso, ainda, o recorrente recurso à imagem

do homem como um animal sexual “incontrolável”, a ponto de ser

considerada a possibilidade de “uma tragédia fora” – da Zona, é claro –

produzida e bem utilizada no e pelo chavão do “mal necessário” e

obtém-se, portanto, uma receita de contrastes, onde as imagens das “moças de

família” aparecem como contra-ponto, apresentando-as como detentoras de

uma castidade que deve ser – pretensão moralista – inatingível.

Entremeando essa receita de imagens e papéis sociais, as

prostitutas aparecem como corpos à disposição das descargas libidinais

dos homens. Entretanto, não dá para ser esquecido o fato de que elas

mesmas, as prostitutas, são mulheres; mulheres dentro de um modelo que

negava às “moças de família”, “direitas” e “honestas” o direito à descoberta

do sexo antes/ fora do casamento, mas que, apesar de mal vistas pela

sociedade, preservavam a virgindade e a reputação dessas mesmas moças

“honradas” que não podiam misturar-se a elas. A prostituta era vista como

“desregrada”, “decaída”, era chamada “mariposa”, era o antimodelo, mas

bem servia à sociedade que as condenava e fechava seus espaços

urbanos com muros invisíveis construídos pelo preconceito, amalgamados

pela hipocrisia, que caminha junto com o chavão do “mal necessário”.

Fosse como fosse, ou porque assim o queriam os moralistas e assim

“rezavam” os costumes, entre o aceito e o condenável, sobre as moradoras

da Zona, em especial a prostituta, pesaram sempre rótulos e proibições

(42)

suficientes para destinar a elas a posição de “párias” na sociedade. Dessa

forma, excluídas por uma fronteira moral, a Zona de Prostituição abria-se

como morada, e ao mesmo tempo fechava-se em uma prisão sem grades.

Encampou, assim, um espaço de contenção, que, espremido entre dois

mundos distintos e em constante distinção entre si, separaram-se por uma

divisão visivelmente invisível que definia o território dos “bons costumes”,

de um lado, e o território da “degradação” e da “imoralidade”, de outro,

como pode desprender-se da fala de Rubens Laraia, ao dizer que a Zona

“... era um lugar que era proibido para moças de família. Se

uma moça de família fosse vista andando pela região, achava

que era uma prostituta, podia ser abordada como uma

prostituta por um homem que estivesse por ali. Então, não era

um lugar para ser freqüentado por moças de família... [risos] É

um cotidiano muito diferente do de hoje, uma sociedade que

zelava muito pela virgindade da mulher, uma sociedade

conservadora, naquela época.”40

Se o centro da cidade se fechava às trabalhadoras do sexo com

violência, igualmente a Zona e suas imediações também foram se fechando

com o passar dos anos e o crescimento da cidade, tolhendo a liberdade das

“mulheres honestas” de uma maneira diferente.

40 RUBENS DE BARROS LARAIA é natural de Pouso Alegre, nascido em 06 de Abril de 1948. É

(43)

Era o receio da abordagem de homens que freqüentavam o

meretrício que dava o tom à circulação dos vizinhos da Zona com filhas

jovens. Neste sentido, Neuza Maria da Silva é quem permite explorar

melhor essa questão ao relembrar seus temores com relação à livre

movimentação de suas filhas pelas ruas vizinhas à Zona. De acordo com

ela,

“... quando as minhas meninas saiam pra rua, eu saia junto,

sabe? A gente ficava preocupada, mas nunca aconteceu

nada. Sempre houve respeito, nunca houve nada. Só na

cabeça da gente que a gente ficava preocupada, né?! Elas

saiam, a gente saia junto, voltava junto. Eu não deixava as

meninas ficar sozinha. Eu não sei dizer pr’ocê qual era o

temor, só que eu achava que dava mais proteção pras

meninas. Eu ficava pensando, achava que podia ter algum

desrespeito. É porque tinha as casa lá em cima e a gente

morava aqui [na rua Silviano Brandão] e a gente não sabe o

que vai se passar. Vai que alguma briga lá, alguma coisa... A

preocupação da gente era essa.”41

41 NEUZA MARIA DA SILVA é natural de Cruzeiro, interior de São Paulo, divorciada, nascida em

(44)

Mas não era somente a possibilidade dos freqüentadores da Zona

Boêmia faltarem com o respeito às “moças honestas” que preocupava os

moradores das cercanias das casas de prostituição. O medo de brigas no

meretrício também aparece como motivo de inquietação, pois se trata de

um território inconstante e, por isso mesmo, constantemente vigiado pela

polícia, passível de interdições violentas que pudessem confundir

transeuntes com moradoras da Zona e resultar em prisão ou algum tipo de

ação que fosse revertida em prejuízo moral para essa “moça de família”, a

qual corria o risco, como diz Laraia, de ser confundida com uma moça do

meretrício.

Tais fronteiras estabelecidas e constantemente reforçadas pelo viver

urbano ao definirem os territórios traduziam a emergência dos perigos que

a Zona colocava para a vizinhança, imersa em uma outra cultura que não

era a da reclusão e a da marginalidade social. A afirmação dos temores, a

constante negação dos espaços da cidade às moradoras da Zona, ou

mesmo as tentativas que visavam esta negação, e a preocupação vigilante

dos pais com relação à circulação de seus filhos pelas tênues divisões com

o universo “fascinante” e “obscuro” das “casas”, suas moradoras e

freqüentadores, trazem à tona turbulências, evidenciam a existência de

brigas e desses perigos que rondavam a Zona, mas que surgem nos

depoimentos de maneira discreta, muitas vezes apenas como

“possibilidades”.

Porém, as “possibilidades” e os temores eram reflexos das brigas

(45)

ocupantes das “casas” pelos clientes – sem hora para ocorrer, fosse dia,

fosse noite – como recorda Jasmina Ferreira.

Conhecida como Dona Geni, moradora da região da rua David

Campista dede a década de 1930, a depoente ainda completa a justificativa

às preocupações expressas implicitamente na fala de Neuza Maria da Silva

mencionando outros conflitos, dessa vez entre os próprios clientes, com

ênfase especial no cabaré de sua amiga Margarida Leite, aquecidas pelo

álcool, tendo como pivôs a conquista das mulheres e a disputa de egos e

masculinidades feridas, embaladas pela música alta. Segundo Dona Geni,

não era nenhuma raridade tais confusões lhe baterem, durante as

madrugadas, e literalmente, à parede-meia, responsável pela separação de

sua casa e do cabaré de Margarida42.

Território que não permitia ser decifrado, compreendido e dominado

com facilidade43, devendo pesar sobre ele, por esse mesmo motivo,

vigilância constante, a Zona de Prostituição de Pouso Alegre, Minas Gerais,

aparece ainda hoje, mais de vinte anos passados desde seu fechamento na

região central da cidade, sempre cercada por algum tipo de vigilância ou

controle externos na memória dos moradores mais antigos do município.

De todas as imagens construídas em torno de um “controle oficial”

sobre o meretrício, ou seja, exercido diretamente por aparelhos de

42 JASMINA FERREIRA é natural de Muzambinho, trabalhava em Guaxupé quando foi convidada

por sua patroa a mudar-se para Pouso Alegre e servir-lhe como dama-de-companhia. Aos 19 anos muda-se para a rua David Campista, vizinhança a qual nunca abandonou. No decorrer de sua vida, assume uma pensão de mulheres na rua da Zona, o que lhe rendeu fama na cidade. Foi casada, à peoca em que foi “dona de casa” na David Campista. Conhecida por Dona Geni, seu marido faleceu à década de 1990. atualmente, mora sozinha em uma casa na rua do Rosário.

Referências

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