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Cad. Saúde Pública vol.22 número8

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Academic year: 2018

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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(8):1739-1740, ago, 2006

De todos os temas da bioética, as situações relacionadas ao fim da vida são as que mais in-tensamente provocam a saúde pública. O crescente envelhecimento populacional vem exigindo uma redefinição da morte: de um tabu moral para uma questão emergente de saúde pública. Associada a essa mudança na estrutura geracional da sociedade brasileira, a consolidação de valores éticos da cultura dos direitos humanos – como a autonomia in-dividual – facilita uma nova compreensão da ética sobre o fim da vida: de uma questão restrita à beira do leito, a morte passa a ser também entendida como uma questão de saú-de pública e saú-de direitos individuais.

Essa passagem do segredo para a negociação pública não é simples. Muito embora a morte seja intrínseca à condição humana, a sua enunciação e negociação moral pressu-põem uma redefinição de valores morais arraigados à socialização dos profissionais de saúde. A primeira redefinição desloca a morte do campo do fracasso técnico para o da ex-periência individual. A morte é uma questão pessoal, quando muito familiar. Essa afirma-ção da experiência da morte como algo essencialmente moral exige uma redefiniafirma-ção de quem é o sujeito legítimo para deliberar sobre como, onde e de que forma se deseja mor-rer. Os quatro autores deste fórum estão de acordo que esta deva ser uma decisão indivi-dual e que os profissionais de saúde podem ser parceiros importantes nesse processo de cuidado da morte como uma experiência física e moral individual.

O primeiro artigo, Quando a Morte é um Ato de Cuidado: Obstinação Terapêutica em Crianças, da antropóloga Debora Diniz, discute um caso verídico de recusa de ventilação mecânica em um bebê de oito meses de idade, portador de uma doença genética incurá-vel e degenerativa. O pedido dos pais à Justiça não foi para antecipar a morte do bebê, mas para ter o direito de escolher quais procedimentos médicos considerariam adequados pa-ra os cuidados paliativos do bebê. Casos semelhantes são cotidianamente enfrentados em hospitais, mas a negociação ética se restringe à ética à beira do leito. Se a equipe de saúde estiver de acordo com a preferência dos pais, não se realizam medidas extraordinárias de sustentação da vida; caso contrário, a obstinação terapêutica pode ser o destino do pa-ciente. O caso foi decidido favoravelmente pela Justiça, e os pais escolheram não realizar medidas invasivas de sustentação artificial. O bebê morreu uma semana após a decisão.

O segundo artigo, Autonomia: Viver a Própria Vida e Morrer a Própria Morte, do ju-rista Diaulas Costa Ribeiro, discute em profundidade o direito a recusar a obstinação tera-pêutica como uma expressão da autonomia individual de cada paciente. De acordo com Ribeiro, cada pessoa deve ter o direito de deliberar sobre como deseja morrer, se em hos-pitais ou em casa, se sob intensa medicalização ou livre de qualquer intervenção técnica. Para garantir o exercício desse direito, o autor sustenta que não há qualquer restrição jurí-dica no Brasil, mas, sim, previsões legais no Código Civil, no Código Penal, na Constituição Federal, além de leis estaduais e portarias governamentais. O fundamento ético dessa re-leitura do Direito brasileiro é que a morte é uma extensão de como cada pessoa experi-menta sua vida e, como tal, deve ser fruto de uma deliberação moral individual.

O terceiro artigo, A Finitude Humana e a Saúde Pública, dos médicos Sérgio Rego e Marisa Palácios, analisa como a compreensão da morte como uma experiência moral indi-vidual pressupõe uma revisão dos currículos de formação dos profissionais de saúde. Os autores não se limitam a avaliar o desafio que essa redefinição representa para a socializa-ção dos profissionais de saúde; há uma ambisocializa-ção propositiva no artigo: a bioética pode ser uma estratégia eficaz para essa passagem do cuidado da morte como um dever de medica-lização para o cuidado da morte como uma experiência ética relacional entre pacientes e profissionais de saúde.

Debora Diniz

Programa de Pós-graduação em Política Social, Universidade de Brasília, Brasilia, Brasil. anis@anis.org.br

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