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Open Registro das memórias: uma questão identitária

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS APLIC ADAS E EDUCAÇÃO – CCAE

CAMPUS IV – MAMANGUAPE

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS – PROFLETRAS

MARIA JOSÉ PAULINO DE ASSIS

REGISTRO DAS MEMÓRIAS:

uma questão identitária

MAMANGUAPE-PB

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MARIA JOSÉ PAULINO DE ASSIS

REGISTRO DAS MEMÓRIAS:

uma questão identitária

Dissertação apresentada à Coordenação do Programa

de Mestrado Profissional em Letras –

PROFLETRAS – da Universidade Federal da Paraíba – UFPB – como requisito final para obtenção do grau de mestre em Letras.

ORIENTADORA: Profa Dra Luciane Alves Santos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS APLICADAS E EDUCAÇÃO – CCAE

CAMPUS IV – MAMANGUAPE

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS – PROFLETRAS

Aprovada em 28 de agosto de 2015.

BANCA EXAMINADORA

Profa Dra Luciane Alves Santos

Orientadora (Universidade Federal da Paraíba – UFPB)

Profa Dra Maria Claurênia Abreu de Andrade Silveira Examinador (Universidade Federal da Paraíba – UFPB)

Profa Dra Maria Auxiliadora Fontana Baseio Examinador (Universidade de Santo Amaro – UNISA)

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos.

(J. C. M. N.)

Meu agradecimento inicial é a Deus, que me permitiu integrar a Turma I do Profletras, num momento de provações em minha vida, além de acolher-me sempre em seus braços, elevando-me em todos os momentos difíceis e prósperos de minha existência com seu amor incondicional de Pai e Criador. Obrigada, Senhor!

A minha família, que sempre acreditou em mim, cada um em seu modo particular: Meu marido e companheiro de todas as lutas, Luiz Daniel, pela força ímpar que me transmite, pela compreensão e partilha da vida, especialmente durante esse período do Mestrado. Pelas tantas contribuições que, juntos, trazemos à Educação e à luta do magistério, nossa história é muito especial!

Meus filhos Thiago e Luana – pessoas maravilhosas e amadas – pelo incentivo constante, por acreditarem em meu potencial profissional e acadêmico, pelo apoio afetivo e digital. Tenho muito orgulho de vocês.

Aos meus pais, Maria e Graciano, pela concepção e ensinamento do valor da dignidade em nossas vidas. Aos meus irmãos Antônio, João, Elisangela e Graciano, pelos créditos concedidos durante toda a minha jornada pessoal e profissional.

À Profa. Dra. Luciane Santos, minha orientadora, que acolheu minha intenção de projeto ainda embrionária e tornou-se cúmplice desse trabalho, incentivando, acreditando, sugerindo, direcionando, com quem muito me identifiquei. Obrigada por tantos ensinamentos, pela confiança transmitida a cada encontro.

À Profa. Dra. Laurênia Souto, por tantas vezes que ouviu meus relatos, sugerindo referências, apoiando minha pesquisa e incentivando meu trabalho profissional e acadêmico.

Aos Professores Doutores João Wandemberg, Marluce, Alvanira, Carla

Alecsandra, Marineuma, Roseane e Carlos Augusto, por integrarem nossa formação acadêmica de forma tão humanitária.

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(UNISA) e Profa. Dra Maria Claurênia Baseio (UFPB), pelas relevantes contribuições acadêmicas que trouxeram ao meu texto final.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela concessão da bolsa durante todo o período de realização deste mestrado.

À TURMA I do Profletras/UFPB, por tanta cumplicidade nas angústias e sucessos, dores e alegrias. Turma única na humanização do meio acadêmico. Pela partilha de experiências – docentes e pessoais – e saberes teóricos, pelo apoio múltiplo vivenciado desde o nosso primeiro encontro e comprovado a cada dificuldade apresentada. Aos 26 que sempre fomos!

À “turma do carro”, por tantos diálogos, tantas memórias narradas na convivência da estrada, tantos assuntos resolvidos, tantas dúvidas sanadas: Ana Maria, Anelise, Fernando. Projetos e títulos eram definidos em nosso itinerário, numa construção coletiva e identitária. À doce amiga Aldenice, pelo carinho e incentivo dispensado a mim.

A Girlaine, minha irmã-companheira, que compartilha comigo a vida desde o primeiro dia de aula da graduação em Letras, por ouvir tantos relatos profletrandos com paciência e conivência, por fazer parte desse trabalho desde o início.

A Ana Cláudia Sales, que me apresentou o Profletras. Obrigada pelo apoio fundamental dado no início dessa jornada e que muito contribuiu para esse ápice.

Aos amigos e amigas que me deram apoio, incentivo, orientação quanto às normas técnicas, desse e de outros trabalhos, continuamente, acreditaram em minha capacidade. Àqueles que contribuíram com estímulo particular ao direcionarem indagações acerca dos artigos, seminários, leituras e encontros acadêmicos dos quais participei. Muitas pessoas foram fundamentais nesse processo!

Aos alunos do 9º ano A (turma escolhida para a intervenção pedagógica), que acolheram a proposta da pesquisa sem restrições, dispostos a relatar suas memórias a partir das descobertas identitárias, constituindo a essência desse trabalho. Vivenciamos uma experiência adorável na partilha dos relatos de vida de cada um.

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Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: Em que espelho ficou perdida a minha face?

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Deslizando os dedos sobre as páginas de um livro escolar, deparei-me com Cecília. Em vão tentei falar-lhe, pois ela, com um olhar efêmero e melancólico, debruçada sobre uma janela, via uma cidade que parecia feita de giz, ali procurava um espelho onde, um dia, deixou perdida a sua face.

Fechei o livro e abri minha janela, através dela vi um espelho refletindo passo a passo a minha vida. E eu contemplava os cenários reproduzidos, pessoas que entravam e saíam, como estrelas cadentes ou borboletas coloridas, nesse ir e vir, tantas surpresas aconteciam. Uma senhorinha de cabelos brancos fazia renda, guardiã de sua almofada e seus bilros, tecia, tecia, assim ia tecendo toda a minha história, acrescentava fatos e maravilhas... Naquele tecido transparente, ela registrou minhas memórias.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo amplo investigar fundamentos teóricos acerca de memórias e identidades que sejam coadjuvantes no projeto de intervenção pedagógica. Esta intervenção visa registrar as memórias e sua contribuição para a coletividade, a partir da concepção de que recuperar o passado e a tradição é uma forma de dar significado à sua própria existência através da descoberta identitária. Apresentamos a metodologia da aplicação prática do projeto de intervenção e a análise das produções textuais desenvolvidas em sala de aula com alunos do 9º ano do ensino fundamental. O suporte teórico desta pesquisa apresenta-se fundamentado em Bergamaschi (2002) Memória: entre o oral e o escrito, Hall (2011), A identidade cultural na pós-modernidade, Le Goff (2013) História e Memória, Matos (2014) A palavra do contador de histórias: sua dimensão educativa na contemporaneidade, Schnneuwly; Dolz (2011) Gêneros orais e escritos na escola e apresenta textos de apoio a partir das obras de Casimiro de Abreu (1999); Manuel Bandeira (2004); Cecília Meireles (2004); José Lins do Rego (2008), entre outros. A partir desse estudo foi elaborado o projeto de intervenção que proporciona o registro das memórias pessoais e familiares, partindo da expressão oral, em equipe, para a modalidade escrita. O exercício da oralidade ocorre primeiro de forma espontânea e desprendida, sem preocupação formal, depois há registro em vídeo. São apresentados textos motivadores, sobretudo, do romance Menino de Engenho, de José Lins do Rego, em que o protagonista narra situações com familiares, expondo o respeito, a admiração e o deleite da convivência afetiva, expõe ainda a contação de histórias marcada em sua infância. A atividade de escrita acontece com o objetivo de registrar dados sobre a vida de cada um, desde o nascimento aos dias atuais, e seu convívio social, criando, assim, um relato de memórias. Em outra ocasião são narrados acontecimentos vividos com parentes – pais, irmãos, primos, avós, tios... – significantes para suas memórias e formação identitária. A análise do corpus da pesquisa possibilitou a comprovação de que o objetivo proposto foi alcançado.

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ABSTRACT

This work has the broad objective to investigate theoretical foundations about memories and identities that are supporting the pedagogical intervention project. This intervention aims to record the memories and its contribution to the community, from the design to recover the past and tradition is a way to give meaning to their own existence through the discovery identity. We show the methodology of the practical application of the intervention design and the analysis of textual productions developed in the classroom with students from 9th grade of elementary school. The theoretical support of this research is based on Bergamaschi (2002) Memory: between the oral and the written, Hall (2011), Cultural identity in postmodernity, Le Goff (2013) History and Memory, Matos (2014) The word of the storyteller: his educational dimension in contemporary times, Schnneuwly; Dolz (2011) Genres oral and written texts in school and has support from the works of Casimiro de Abreu (1999); Manuel Bandeira (2004); Cecilia Meireles (2004); José Lins do Rego (2008), among others. From this study was drawn up intervention project that provides a record of personal and family memories, starting from speaking, as a team, for writing mode. The exercise of orality first occurs spontaneously and disengaged, without formal concern, then is recorded on video. Motivating texts are presented, especially the novel Menino de Engenho (Plantation Boy), by José Lins do Rego, in which the protagonist narrates situations with family, exposing the respect, admiration and the delight of the affectionate familiarity, still exposes the storytelling marked its childhood. The writing activity takes place in order to record data about the life of each one, from birth to the present day, and your social life, thus creating a report of memories. Another time are narrated events lived with relatives - parents, siblings, cousins, grandparents, uncles ... - significant for your memories and identity formation. The corpus analysis of the research made it possible to prove that the proposed objective was achieved.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1 MEMÓRIAS: RECORDAÇÕES, IDENTIFICAÇÕES, REGISTROS... ... 16

1.2 Memória e identidade ... 20

1.3 Memórias e a experiência do narrador ... 24

1.3.1 Histórias de tradição oral: entrou pela perna do pinto e saiu pela perna do pato ... 26

2 A ESCOLA E O REGISTRO DAS MEMÓRIAS ... 31

2.1 As práticas da oralidade a partir dos PCNs ... 32

2.2 O texto escrito conforme os PCNs ... 35

2.3 Memória e escola ... 37

2.4 Do texto literário ao registro das memórias ... 38

3 REGISTRO DAS MEMÓRIAS: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO EM SALA DE AULA ... 42

3.1 A intervenção ... 42

3.1.1 Exposição da prática... 45

3.2 A pesquisa ... 46

3.2.1 Sujeitos da pesquisa ... 47

3.2.2 Vivência da pesquisa ... 48

3.3 Oficinas ... 49

3.3.1 Situação inicial: primeiras oficinas ... 49

3.3.2 Diálogos com o texto literário e produção das memórias ... 52

3.3.3 Reflexões sobre a pesquisa ... 57

4 E POR FALAR EM MEMÓRIAS...: UM OLHAR REFLEXIVO PARA AS PRODUÇÕES TEXTUAIS ... 60

4.1 Dinâmica de apresentação: características pessoais ... 61

4.2 Texto de apresentação: um curto relato ... 62

4.3 Gênero textual Relato: memória de parentes ou amigos ... 64

4.4 Perfil do Estudante ... 71

4.5 Apresentação em áudio: destaque para a oralidade ... 73

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4.7 Linha do tempo: fatos pessoais e sociais ... 87

4.8 Em foco o texto literário... 92

5 CONCLUINDO ETAPAS ... 102

APÊNDICE ... 109

ANEXOS ... 121

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INTRODUÇÃO

O ato de contar histórias é uma necessidade humana, conta-se o que foi vivido e o que é imaginário, o que se vive e o que pretendemos viver. Desde a aquisição da fala, o homem desenvolveu a narração para relatar dos pequenos aos grandes episódios da vida e acrescentar façanhas aos fatos reais. Há em nós o impulso natural de exteriorizar nossas ideias e sentimentos.

A princípio tudo foi transmitido oralmente, desde os tempos mais remotos, quando o registro dos acontecimentos era passado pela tradição oral. Aqueles que possuíam a eloquência reuniam públicos sedentos de informação para ouvir relatos de vivências ou causos, do mito às narrativas fabulosas com lição de vida (fábulas), passagens bíblicas ou sonhos de amor. Foi o instrumento social forjado pelo homem, a linguagem por excelência, que nos permitiu a distinção das coisas. Na criação da fala é como se o espírito estivesse saltando entre a matéria e as coisas pensadas, criando mundos paralelos e poéticos, ao lado da natureza (HUIZINGA, 2004, p. 7).

Com o surgimento da escrita, as narrativas começam a ser grafadas e, posteriormente, a imprensa consolida o registro escrito de muito que se viveu, ou se imaginou. A escrita trouxe a era da informação, mas, em certa medida, contribuiu para o declínio da experiência do narrador de tempos imemoriais. Por muito tempo o domínio da letra foi restrito a um pequeno grupo privilegiado, que deteve não apenas a soberania da escrita, mas também das ideias, o poder de passar adiante o que se quer que seja entendido.

A democratização do saber e das ideias foi gradativamente atenuada por meio de lutas históricas do povo oprimido, cansado e sufocado pelo poder demolidor dos detentores do letramento. Esse povo inicia um longo período de lutas em defesa da quebra da hierarquia linguística. Domínio este que não foi ainda exterminado, mas amenizado.

Com o lento acesso à leitura e escrita, à propagação de ideias e aquisição de informações, os intelectuais idealistas começam a conquistar espaço na sociedade, enveredar seus ideais e participar da encenação da História, deixando de ser meros espectadores.

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Correa ressalta ainda que a interação comunicativa se revela primordial para atuarmos como agentes da História viva da Humanidade. E para nos tornamos sujeitos dessa História precisamos constituir uma identidade social. Quem sou eu no mundo em que vivo? Posso contribuir para transformá-lo ou devo me submeter aos modelos vigentes? Sem memória de si e de sua comunidade, o sujeito é desenraizado, desalojado de histórias e tradições específicas, e fica mais vulnerável às influências de uma sociedade mercantilizada, marcada pelo consumismo que, na visão de Stuart Hall, promove um verdadeiro “supermercado cultural” (2011, p.75).

Por meio da contação de histórias, de oficinas, leituras e análises de textos literários, no espaço escolar, objetivamos, através da intervenção pedagógica, registrar a memória e sua contribuição para a coletividade, recuperar o passado e a tradição é uma forma de dar significado à sua própria existência. Precisamos sentir que fazemos a História e somos parte dela.

Para alcançar o objetivo acima descrito, realizamos os estudos de suporte teórico, a fim de respaldar-se da importância do registro das memórias. Iniciamos com o capítulo “MEMÓRIAS: recordações, identificação, registros...” composto de breves considerações sobre o conceito de memória, da importância de seus registros, em sociedades ágrafas e em sociedades gráficas, com aporte teórico especialmente em Le Goff (2013) e Hall (2011). Expomos também a relevância dos narradores no decorrer do curso da História da Humanidade, ressaltando a necessidade de a escola centrar-se na tarefa de proporcionar a interação entre o contador e o público ouvinte, com ênfase na narrativa de tradição oral, a partir dos estudos de Zilberman (2006) e Bergamaschi (2004) e textos literários dos modernistas José Lins do Rego – na prosa regionalista – e Manuel Bandeira – no texto poético.

No capítulo “A ESCOLA E O REGISTROS DAS MEMÓRIAS” destaca-se a relevância de contar histórias desde a infância e do papel da escola nesse processo que envolve o oral e o escrito no constante registro das memórias, da identidade cidadã, do respeito ao outro, do falar e do ouvir, a partir de um estudo reflexivo dos PCNs do ensino fundamental.

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textos literários de Cecília Meireles, Pedro Bandeira, José Lins do Rego, entre outros.

Finalmente, o capítulo “E POR FALAR EM MEMÓRIAS...: um olhar reflexivo para as produções textuais” é constituído da análise das etapas de produção textual pautada na fundamentação teórica do projeto e desse estudo.

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1 MEMÓRIAS: RECORDAÇÕES, IDENTIFICAÇÕES, REGISTROS...

“Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais!”

(Casimiro de Abreu, 1999)

Iniciar este capítulo tendo como epígrafe os versos saudosistas do nosso poeta romântico Casimiro de Abreu é mergulhar na nostalgia da memória e viajar pelos entrecaminhos da literatura, possibilitando descobertas inéditas ou maravilhosas de nossa identidade. Embalar-se nos encantamentos da infância é redescobrir-se, conhecer melhor a si mesmo e entender comportamentos muitas vezes censurados pelo meio social em que vivemos. Rememorar a infância nos traz deliciosas lembranças das façanhas vividas, como bem escreveu nosso contemporâneo Chico Buarque nos versos: “Dar banda por aí / Fazendo grandes planos / E chutando lata / Trocando figurinha / Matando passarinho / Colecionando minhoca1”, ou seria, em situação adversa, rever dissabores que devem ser esquecidos por causarem angústia, talvez superados para que possamos ir do sofrível ao agradável. Tudo contribui com a construção identitária, ora o fascínio, ora o desapontamento.

Nesse processo pela construção da identidade, a busca pela memória é um fator decisivo. O resgate das lembranças familiares, da infância, da adolescência como também da vida adulta cotidiana vem despertar a afetividade e atribui uma importância antes despercebida. Esse valor afetivo incita o registro escrito como forma de imortalizar acontecimentos lembrados. Com a memória ativada e motivados a produzir textos com narrativas e descrições familiares e pessoais, os alunos estarão conscientes da atuação como escritores de sua própria história.

Nesse sentido, Le Goff, em História e Memória, valoriza a memória como um “elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia” (2013, p. 435).

No domínio do literário, a relação entre memória e sentidos foi imortalizada no século XX pela obra Em busca do tempo perdido, do escritor francês Marcel Proust. Seu empreendimento literário esgarçou as fronteiras do romance tradicional ao tecer o mundo

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interior pelo fio da memória involuntária, que se desenrola acompanhando o tempo psicológico da infância. Bergamaschi (2002), em seu texto Memória: entre o oral e o escrito, cita a obra de Proust assegurando que a memória é a garantia da identidade, é ela que possibilita dizer ‘eu’ reunindo tudo o que fomos e fizemos e tudo o que somos e fazemos, portanto, memória é a matéria-prima da existência.

Joël Candau, em Memória e Identidade, associa esses dois elementos que intitulam a obra na perspectiva de entrelaçamento mútuo, apresenta a ideia de necessidade de uma estar submetida à outra, complementando-se numa coordenação harmoniosa. Através da tese do antropólogo, reiteramos os conceitos expostos nessa pesquisa a respeito de memória e identidade:

A memória, ao mesmo tempo que nos modela, é também por nós modelada. Isso resume perfeitamente a dialética da memória e da identidade que se conjugam, se nutrem mutuamente, se apoiam uma na outra para produzir uma trajetória de vida, uma história, um mito, uma narrativa (CANDAU, 2014, p. 16).

Então, é pertinente afirmar que, assim como a trajetória de vida, o ato de contar histórias, a seleção de enredos e o público-ouvinte contribuem com a formação da identidade, garantida pela memória. Esse ‘eu’ definido por Proust é, de fato, resultado de experiências e escolhas. Desta forma, reafirma-se a importância do apoio da contação de histórias à fixação das memórias e identidades.

1.1 Memória social: em busca da história coletiva

Na qualidade de ser social, o homem constitui-se a partir dos acontecimentos que o cercam e que, de certa forma, influenciam seu modo de viver, seu pensamento, sua identidade. Para conhecermos melhor as razões por que um autor defende uma teoria, ou expressa um pensamento, é indispensável inteirar-se da época em que ele viveu. Assim, é possível atribuir um significado maior às ideias difundidas pelo escritor estudado.

As lembranças memoráveis que conseguimos relatar e/ou registrar, na oralidade ou na escrita, não se compõem unicamente de fatos isolados, embora sejam memórias pessoais, pois estarão sempre permeadas por outros indivíduos, uma vez que vivemos em permanente contrato social, assim, a memória individual se entrelaça com a memória coletiva, contribuindo com a formação identitária de cada indivíduo.

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indivíduo e em sua memória individual. Durante toda História, o homem sentiu necessidade de registrar suas memórias, tanto individual quanto social, em tempos remotos, isso acontecia oralmente, depois, com a consolidação da imprensa, na modalidade escrita.

Le Goff (2013, p. 389) cita Jack Goody ao afirmar que “em todas as sociedades, os indivíduos detêm uma grande quantidade de informações no seu patrimônio genético, na sua memória de longo prazo e, temporariamente, na memória ativa”. Conservar a memória é relevante para as sociedades, uma vez que esse legado contribuirá com a formação crítica e identitária de gerações subsequentes. A falta de registros poderá, inclusive, comprometer a preservação do patrimônio de um povo. Além do mais, como já foi dito, um povo sem memória é um povo sem história. Observamos, portanto, as relações de poder ditadas por setores dominantes de uma sociedade em que a memória coletiva é um forte instrumento de dominação das classes que ascendem ao poder:

a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder. São as sociedades cuja memória social é, sobretudo, oral, ou que estão em vias de constituir uma memória coletiva escrita, aquelas que melhor permitem compreender esta luta pela denominação da recordação e da tradição, esta manifestação da memória (LE GOFF, 2013, p. 435).

O indivíduo precisa sentir-se parte da sociedade, colocar-se à margem chega a ser uma negação do próprio eu. Para Le Goff (2013, p. 390) “o estudo da memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história, relativamente aos quais a memória está ora atrasada, ora adiantada”.

Desde os tempos mais remotos, quando não havia a escrita, procurava-se constituir algo que memorasse ao povo a força e o poder exercido por reis e imperadores. Monumentos eram construídos para garantir a lembrança constante do domínio. Ao longo da incansável luta da humanidade pelas questões humanitárias, muito se tem a contar, a registrar, numa perspectiva de conquistas e de libertação. Até os dias atuais, a luta pelo poder e o domínio das classes é uma inegável realidade. O povo massacrado pela ganância de quem acumula bens materiais e culturais, compõe a massa de manobra política, social e cultural.

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A relação de poder nas sociedades é registrada em todos os tempos, perpassando os diversos tipos de organização social, o espaço geográfico e os sistemas políticos. Apesar de todo o domínio a que o povo é submetido, através do registro das memórias há a tentativa de se chegar à libertação, gradativamente, acredita-se que o povo oprimido minimize seu flagelo, fortalecendo seus ideais e adquirindo identidade.

As sociedades, historicamente, tiveram um longo período de tradição oral, assim mesmo conseguiam registrar suas memórias, narrativas orais davam conta das lutas, conquistas e domínios de um povo. Com a aquisição da escrita, a oralidade, ou contação de histórias, não foi renegada, também continuaram os monumentos em homenagem, especialmente, àqueles que detinham o poder.

Na obra O tempo vivo da memória, Ecléa Bosi ressalta a liberdade da memória e seu significado coletivo, “A memória opera com grande liberdade escolhendo acontecimentos no espaço e no tempo, não arbitrariamente, mas porque se relacionam através de índices comuns. São configurações mais intensas quando sobre elas incide o brilho de um significado coletivo” (BOSI, 2013, p. 31). Portanto, a memória assume relevância ao integrar fatos pessoais e coletivos, situados em espaço e tempo concatenados sincronicamente.

Ao falar da história da memória coletiva, Le Goff (2013, p. 391) refere-se à afirmação de André Leroi-Gourhan ao dizer que essa se apresenta em cinco fases distintas “da transmissão oral, da transmissão escrita com tábuas ou índices, das fichas simples, da mecanografia e da seriação eletrônica”.

Basicamente, podemos dividir as fases da história da memória coletiva em sociedade sem escrita e sociedade da escrita. De acordo com Le Goff (2013, p. 393), “nestas sociedades sem escrita, há especialistas da memória, homens-memória: genealogistas, guardiões dos códices reais, historiadores da corte, tradicionalistas”, cita Goody, que por sua vez, enfatiza esse assunto ao dizer:

Nas sociedades sem escrita, não há dificuldades objetivas na memorização integral, palavra por palavra, mas também o fato de que “esse gênero de atividade raramente é sentido como necessário”; “o produto de uma rememoração exata” aparece nestas sociedades como “menos útil, menos apreciável que o fruto de uma evocação inexata” (GOODY, apud LE GOFF, 2013, p. 393).

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eternizaram-se nas sociedades, mesmo depois da escrita, da era eletrônica, digital, da cibernética e das relações virtuais.

Com o advento da escrita e, por conseguinte, da imprensa, as sociedades comportaram uma série de mudanças, com forte influência, portanto, na memória coletiva. Le Goff aponta como alterações a adoção do “monumento comemorativo” que consolida comemorações e celebrações. Mais adiante, o autor aponta, ainda, “a outra forma de memória ligada à escrita é o documento escrito num suporte especialmente destinado à escrita” (2013, p. 396). Percebe-se que a evolução das sociedades com instauração da escrita, da epigrafia, permite não apenas mudanças sociais, mas também as possibilidades de reordenação e reedição daquilo que foi registrado.

Portanto, nesse processo evolutivo, muito se tem a explanar, no entanto, nos delimitaremos à afirmação de Leroi-Gourhan, citada por Le Goff (2013, p. 396), “a evolução da memória, ligada ao aparecimento e à difusão da escrita, depende essencialmente da evolução social e, especialmente, do desenvolvimento urbano”.

Com o crescimento acelerado e desordenado dos centros urbanos, a ascensão do progresso social, tecnológico e midiático, a memória urbana tem veementemente a necessidade de registros, pois se torna uma “verdadeira identidade coletiva, comunitária”.

1.2 Memória e identidade

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No caso da identidade, a tentativa de depuração conceitual é mais difícil. No que se refere ao indivíduo, identidade pode ser um estado – resultante, por

exemplo, de uma instância administrativa: meu documento de identidade estabelece minha altura, minha idade, meu endereço etc. –, uma

representação – eu tenho uma ideia de quem sou – e um conceito, o de identidade individual, muito utilizado nas Ciências Humanas e Sociais (CANDAU, 2014, p. 25).

Assim, é fato que o sujeito constitua sua identidade a partir da convivência com seu grupo social, podendo, seguramente, acatar ou refutar as ideias e pontos de vista expostos pelo grupo.

Para Hall (2011, p. 15), “as sociedades modernas são, por definição, sociedades de mudança constante, rápida e permanente”. A partir dessa descrição podemos verificar que as incessantes mudanças sociais vividas pelo homem moderno, ou diria pós-moderno, comprometem o caráter de sua identidade.

Ampliando o conceito de identidade, estabelecemos um diálogo entre Hall e Bauman quanto à concepção, na modernidade, em que ambos comungam suas ideias. Hall (2011) apresenta a concepção de sujeito pós-moderno, numa sociedade de incessantes transmutações. Essa pós-modernidade é descrita por Bauman como modernidade líquida, em que prevalecem a liquidez, a fluidez, a incerteza e a insegurança individual e social. Nesse contexto, no livro Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi, Bauman (2005, p. 35) afirma que “Em nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, ‘estar fixo’ – ser ‘identificado’ de modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez mais malvisto”. Constatamos diariamente essa versão apresentada pelos sociólogos em nosso meio social, através das vivências cotidianas nas relações coletivas.

Certamente que a formação identitária não é estática, construída em forma, podendo, inclusive, modificar-se com o tempo, segundo Hall (2011, p. 13), “a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia”. A velocidade com que as transformações ocorrem no mundo moderno impõe ao homem a necessidade de caminhar no mesmo ritmo. Nessa corrida alucinante, para manter-se em sintonia, o passado vai ficando cada vez mais distante e valores fundamentais esquecidos.

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilo, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as

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apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha (HALL, 2011, p. 75).

Percebemos, então, a mutação da identidade social na linha do tempo da humanidade. O estilo de vida e os meios de que as pessoas dispõem acabam por moldar um novo perfil identitário para os sujeitos da história, estes, por sua vez, precisam despertar-se enquanto agentes, para que não sejam tragados pelo aceleramento desordenado do progresso e da multiplicidade de opções que lhes são postas. Acerca desse mesmo conceito, expomos a contribuição de Bauman ao citar as estruturas e instituições sociais:

A principal força motora por trás desse processo tem sido desde o princípio a acelerada “liquefação” das estruturas e instituições sociais. Estamos agora passando da fase “sólida” da modernidade para a fase “fluida”. E os “fluidos” são assim chamados porque não conseguem manter a forma por muito tempo e, a menos que sejam derramados num recipiente apertado, continuam mudando de forma sob a influência até mesmo das menores forças. Num ambiente fluido, não há como saber se o que nos espera é uma enchente ou uma seca – é melhor estar preparado para as duas possibilidades. Não se deve esperar que as estruturas, quando (se) disponíveis, durem muito tempo (BAUMAN, 2005, p. 57).

Desta forma, o indivíduo deve estar apto tanto às liquefações sociais quanto ao comportamento que deverá ter diante das mudanças, não é que existam fórmulas pré-aprovadas de sobrevivência, mas a orientação dada ao sujeito social certamente contribuirá com suas descobertas identitárias, portanto, as instituições família e escola devem ter um papel decisivo nessa formação.

A escola – como instituição social e formadora de cidadania – deve atuar de maneira contundente no desenvolvimento do senso crítico, que contribui com a descoberta das identidades. Além da responsabilidade de protagonizar como mediadora entre a identidade coletiva da humanidade, numa ampla referência, e da identidade nacional. De acordo com Hall (2011, p. 47), “no mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural”.

Hall também defende que as identidades nacionais não são natas, mas adquiridas durante nossa formação e experiência. Adiante, o autor evidencia a mudança na caracterização da cultura nacional, apontando alterações paradigmáticas que certamente influenciam na identidade do sujeito.

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gradualmente, nas sociedades ocidentais, a cultura nacional (HALL, 2011, p. 49).

Decerto que o desenvolvimento das sociedades acarretou mudanças em todos os segmentos: tecnológico, político, religioso, comportamental, arquitetônico, fomentando, por conseguinte, metamorfoses no protótipo da identidade cultural. Ampliando conceitos anteriormente concebidos, um fator determinante nesse processo de mutação foi a expansão tecnológica e midiática. Como sabemos, a identidade não é inerte, estagnada, mas depende da mobilidade histórica, social e cultural. Assim, o sujeito também vai, gradativamente, identificando-se.

No tocante às vicissitudes da pós-modernidade, muito se pode observar quanto ao comportamento identitário dos sujeitos, dessa maneira, Candau assegura sua contribuição em torno dessa temática, especificando a identidade pessoal na relação com o outro, enfatizando o elemento que, estritamente, é responsável pela identificação primária nesse contexto pós-moderno em que os indivíduos assumem um papel social na família, na escola, no trabalho, no grupo institucional no qual está entreposto. Vejamos como Candau expõe sua assertiva a esse respeito:

Na atualidade, não se lembrar do nome de uma pessoa pode parecer uma ofensa para esta última, sobretudo se o esquecimento é manifesto em sociedade. Ela terá o sentimento de ser negada em sua individualidade, naquilo que Bourdieu denomina “sua constante nominal” (cf. RICOEUR, 1985, p. 194). Ao contrário, chamar alguém por seu nome – e mesmo escrever corretamente seu sobrenome – é lembrar-se da atribuição e do reconhecimento social de uma identidade igualmente, “fazer o nome” é agir para a posteridade, ter a esperança estéril de não desaparecer no esquecimento. Como mostram esses diferentes exemplos, não é suficiente apenas nomear para identificar, é preciso ainda conservar a memória dessa nominação, o que é a razão de ser memória administrativa registrada nos atos de estado civil (CANDAU, 2014, p. 69).

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monumentos, museus, bibliotecas, fotografias, texto oral ou texto escrito. Inclusive, essa certidão deve fazer parte do acervo coletivo, visto que somos parte do todo, não vivemos e agimos por exclusiva individualidade, senão, pela coletividade.

Reiterando a necessidade de descoberta identitária a partir do registro das memórias, Candau (2014, p. 19) atesta a indissociabilidade de identidade e memórias, acrescentando que ambas se completam e corroboram mutuamente, das origens à dissolução, para garantir a busca identitária faz-se primordial rememorar os fatos vividos.

Assegurar ao cidadão o direito de historiar suas vivências ao mesmo tempo em que tece seu perfil identitário, deve ser, pois, uma atividade constante na sociedade, e esta, por sua vez, precisa avalizar à escola a incumbência de desenvolver em seus educandos a competência leitora e de escrita que possibilite a efetivação no registro das memórias. Nesse âmbito, é válido discorrer, portanto, que há uma ideia de unidade ao citarmos e trabalharmos memória e identidade do sujeito em relação a si mesmo, seu grupo social e sua participação na história da Humanidade.

1.3 Memórias e a experiência do narrador

Nem mesmo a intempestividade do “era uma vez...”, nem tampouco a distância inimaginável do “num reino muito distante...”, associados ao avanço cibernético, fizeram com que a efígie do contador de histórias expirasse de nossa sociedade. Ainda encontramos resquícios de contação de histórias entre nós, o deleite sobrevive em quem respira uma bela narrativa, com adaptação de vozes e suspiros de tensão. O dom da palavra surpreende todas as gerações, todas as culturas, na descoberta de si mesmo e do outro, do próximo e do distante, do real e do imaginário.

Ao falar dos contadores de histórias, em seu livro A palavra do contador de histórias, Gislayne Matos (2014, p. 1) descreve-os como “guardiões de tesouros feitos de palavras”, que conduzem os ouvintes à aprendizagem e à compreensão de “si mesmos e do mundo”. A autora também os reverencia quanto ao desempenho da tarefa que lhes cabe, num processo de humanização de seus ouvintes.

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O ícone do contador de história é muito mais que uma voz abastada de fantasias e mistérios advindos de tempos perdidos e lugares inabitáveis, é também uma representação do humanitário, da sensibilidade, da luta entre o bem e o mal, da construção da identidade em gerações com valores e culturas diversos. A contação de histórias desperta a emotividade de quem conta e de quem ouve, instaurando o zelo pelo narrar e pelo ouvir. Essa mútua permuta possibilita o senso de sociabilização.

De fato, a palavra do contador de histórias parece perpassar a alma do ouvinte, tocar a mais profunda sensibilização do ser. A autora Gislayne Matos, na introdução do seu livro, respalda-se na experiência da infância, com a família, num típico registro de memórias, expõe o deleite vivido com as contações de façanhas reais e grandezas do mundo maravilhoso, assim, ela explica as motivações que a levaram a investigar teoricamente a dimensão educativa da palavra desses contadores:

A primeira advém do fato de eu mesma ter crescido numa família e numa comunidade em que a prática da narrativa oral era comum e incluía desde os casos memoráveis de membros da família e de pessoas da comunidade, os relatos de viagem daqueles que se aventuravam além das fronteiras da fazenda – momento de descontração, riso e comentários de todos os tipos por parte dos ouvintes – até a contação das histórias de encantamento e de assombração – quando a atmosfera se transformava em grave e solene, e o silêncio somente era quebrado pela voz do contador que sabia imitar, com maestria, os sons da floresta, a voz de cada um dos personagens, os gemidos do outro mundo. Esses serões, além de fonte inesgotável do prazer, eram um recurso educativo por excelência, tanto para as crianças tanto para os adultos, por proporcionarem a reflexão sobre as relações e a ética (MATOS, 2014 p. XXI-XXII).

Com essas palavras, a autora convida-nos – educadores, pai e mãe – a mergulhar no universo da contação de histórias, nas narrativas memoráveis da infância, das peripécias imaginadas e não vividas, dos sonhos fantasiosos, da visão que temos das nuvens, da fumaça, do voo dos pássaros... enfim, somos atraídos pelo bálsamo das narrativas orais, pela voz magistral do narrador, e conduzidos ao respeito pelo outro na construção da identidade e registro das memórias. Matos refere-se, ainda, para justificar sua investigação teórica, ao fato de ter se tornado uma contadora de histórias.

Regina Zilberman, em seu artigo Memória entre oralidade e escrita, discorre e reforça a importância do narrador no ato de contação de história.

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modelares, o marinheiro e o agricultor, o primeiro recordando o que aconteceu em outras terras, o segundo, o que vivenciou proximamente, manifestam-se verbalmente para uma audiência visível e palpável, não para sujeitos distantes e seres anônimos (ZILBERMAN, 2006, p. 119).

Nesse caso, a escola deve propiciar esse momento da oralidade que, inclusive, é um dos pontos do currículo. O público que ouve histórias, espontaneamente, interage com o enredo, sente-se parte dele, entrelaça fatos narrados com fatos de sua própria vida, além de inspirar-se para, também, contar suas narrativas íntimas. Contar histórias para um público presente faz com que o texto torne-se concreto de imediato, no processo de interação autor/texto/leitor-ouvinte, numa “audiência visível e palpável”, como frisa a autora.

Também os PCNs sugerem esse ambiente de socialização das vivências num propósito de expansão de conhecimentos de mundo que nitidamente conduzem à constituição identitária.

A busca de reinterpretação das experiências já vividas e das que passa a viver a partir da ampliação dos espaços de convivência e socialização possibilita ao adolescente a ampliação de sua visão de mundo, na qual se incluem questões de gênero, etnia, origem e possibilidades sociais e a rediscussão de valores que, reinterpretados, passam a constituir sua nova identidade (BRASIL, 1998, p. 46).

Logo, o contador de histórias, em todos os tempos e modelos de regime social, contribui, decisivamente, para o registro das memórias, numa perspectiva de humanização dos sujeitos envolvidos nesse enlace narrativo que transpassa tempo, espaço e desenvolvimento sociocultural.

1.3.1 Histórias de tradição oral: entrou pela perna do pinto e saiu pela perna do pato

O tempo de contar histórias embaixo de uma árvore, na sala, sob a luz de uma lamparina, ou na calçada da casa tem se tornado raro no meio urbano, poderíamos dizer que só existe em nossas lembranças, nas recordações de nossos pais e avós, ou mesmo nas narrativas literárias. Nas reuniões familiares, os mais experientes relatavam suas próprias vivências ou narravam histórias que despertavam o imaginário dos ouvintes. A oralidade fluía na mistura de afeto e prazer, mistério e suspense, fantástico e maravilhoso. Mas esse hábito ainda tem registro em comunidades urbanas, porém, a recorrência maior é registrada em localidades indígenas e rurais.

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sociedades sem escritas e em sociedades letradas. A colocação da autora ressalta a modalidade oral e a modalidade escrita no ato da contação de histórias, que proporciona o registro das memórias e a questão identitária:

Nas sociedades sem escrita há os especialistas da memória, em geral a pessoa mais velha da comunidade, que conta histórias, lembra fatos, repassa lendas, guarda receitas, preside os rituais comemorativos dos acontecimentos. [...] Nas sociedades letradas a memória assume o papel de inscrição – es(ins)crita. Passando da esfera auditiva à visual, a escrita armazena a informação que, através do registro, atravessa o tempo e o espaço (BERGAMASCHI, 2002 p. 133-134).

Devemos entender por “especialistas da memória” aqueles que sabem memorizar as narrativas para contá-las ao público, ouvintes sedentos por essas histórias. São essas narrativas que aguçam os ouvidos, a imaginação e a capacidade de reproduzir tantas outras histórias, de si mesmo e do outro, de seu povo e de povos distantes.

Outra contribuição expressiva a respeito de narrativa e oralidade vem de Bosi, ao reiterar que o registro das memórias garante a circulação do fluxo entre presente e passado e vice-versa:

Insisto nos termos narrativa e oralidade. Ambas se desenvolveram no tempo, falam no tempo e do tempo, recuperando na própria voz o fluxo circular que a memória abre do presente para o passado e deste para o presente. Eu diria que a expressão oral da memória de vida tem a ver mais com a música do que com o discurso escrito (BOSI, 2013, p. 45).

É notável a relação de afetividade e sensibilidade quando os relatos de memórias acontecem na oralidade, nesse processo presente e passado se fundem, não há limites extremamente demarcados entre o tempo vivido e o agora, certamente que as formas verbais se encarregam dessa divisão, mas não com radical precisão.

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literário brasileiro, existem ainda diversos escritores que bebem e beberam na fonte da tradição oral. O romance do memorialista paraibano José Lins do Rego, Menino de Engenho, entre outras, exemplifica o apego às fontes primordiais da narração:

A VELHA TOTONHA de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada. Ela vivia de contar histórias de Trancoso. Pequenina e toda engelhada, tão leve que uma ventania poderia carregá-la, andava léguas e léguas a pé, de engenho a engenho, como uma edição viva das Mil e uma noites. Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens! Sem nem um dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras. As suas histórias para mim valiam tudo. Ela também sabia escolher o seu auditório. Não gostava de contar para o primo Silvino, porque ele se punha a tagarelar no meio das narrativas. Eu ficava calado, quieto, diante dela. Para este seu ouvinte a velha Totonha não conhecia cansaço. Repetia, contava mais uma, entrava por uma perna de pinto e saía por uma perna de pato, sempre com aquele seu sorriso de avó de gravura dos livros de história. E as suas lendas eram suas, ninguém sabia contar como ela. Havia uma nota pessoal nas modulações de sua voz e uma expressão de humanidade nos reis e nas rainhas dos seus contos. O seu Pequeno Polegar era diferente. A sua avó que engordava os meninos para comer era mais cruel que a das histórias que outros contavam (REGO, 2008, p. 79).

Fascinante a descrição da contadora de histórias feita pelo escritor modernista, qualquer um – criança ou adulto – sentir-se-ia preso pelos laços de encantamento das histórias da Velha Totonha. Nosso menino-narrador apresenta-nos a velha narradora com os olhos de quem foi tragado pelo encanto da contação de histórias.

A obra traz as lembranças de um pequeno órfão que vive no engenho do avô José Paulino. Em suas memórias, o protagonista Carlinhos de Melo, relembra as inúmeras histórias vividas em total liberdade. Ao final do texto, o jovem demonstra a maturidade precoce e carrega para seu novo endereço todo universo de impressões familiares, superstições, crenças e lendas oriundas da literatura oral, das vozes dos remanescentes de escravos. Em sua bagagem porta ainda as impressões sensoriais e imagens do mundo do engenho, espaço fadado ao esquecimento.

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contadores de histórias também são lembradas/os em versos, consolidando-se no lirismo e nas lembranças do eu poético, como podemos citar em Manuel Bandeira:

E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar (BANDEIRA, 2004, p. 100)

O encantamento das histórias ouvidas na infância perpassa os anos, o desejo de ouvir histórias ainda flui no adulto. A oralidade é lembrada na escrita de nossos consagrados escritores. E, como afirmou Bergamaschi (2002, p. 134), “a escrita armazena a informação que, através do registro, atravessa o tempo e o espaço”, o registro escrito deve perpetuar a contação de histórias, as memórias que servirão de suporte na constituição da identidade.

As narrativas passadas de pai para filhos, filhos para netos, bisnetos e demais descendentes devem ganhar um lugar especial nas memórias, tornando-se imortais. As proezas vividas ou sonhadas, as conquistas, os amores, as aventuras, as dores e alegrias poderão eternizar-se desde que registradas na modalidade escrita, perpetuando-se como romances, contos, relatos, biografias, memoriais ou memórias literárias.

Emaranhada nos caminhos e progressos da vida cotidiana, a arte de contar histórias atravessa séculos embalando sonhos e educando gerações e gerações. Nos tempos modernos, mesmo com a aceleração do desenvolvimento das mídias digitais e das redes sociais, o contador de histórias ainda encanta públicos de todas as idades, estimulando, inclusive, o surgimento de novos adeptos que se tornarão não somente contadores de histórias, mas também descobrirão traços identitários a partir da identificação com os enredos das narrativas reproduzidas.

No livro Alfabetizar letrando com a tradição oral, Lenice Gomes e Fabiano Moraes mencionam os contadores de histórias que são insubstituíveis devido à ludicidade de sua arte, pois transgridem a austeridade do tempo, da idade, das posições sociais e efetuam-se como humanizadores:

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com sons que se parecem e se confundem; de se deixar admirar e encantar pelas e com as palavras em toda a sua intensidade afetiva e emocional, provindas desse jogo gestual (GOMES; MORAES, 2013, p. 52).

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2 A ESCOLA E O REGISTRO DAS MEMÓRIAS

Quando eu tinha seis anos Não pude ver o fim da festa de São João Porque adormeci.

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo Minha avó Meu avô Totônio Rodrigues Tomásia Rosa Onde estão todos eles? (BANDEIRA, 2004, p. 98)

Na infância é imprescindível que se conte histórias, desde os primeiros meses de vida. Esse ato ajuda a desenvolver a atenção, a percepção de mudança no tom de voz e estimula a fala. À medida que o tempo passa, a criança que ouve histórias tem mais imaginação, adquire riqueza vocabular e desenvoltura social.

O momento de ouvir precisa ser aguçado para que se preserve o respeito ao outro que fala. Saber ouvir é um hábito que deve ser desenvolvido desde o nascimento, pois por meio dele obtemos conhecimentos e capacidade de reflexão.

Desde os primeiros anos de convívio escolar, o educando necessita de práticas que estimulem tanto o ato de ouvir quanto o de falar, que o preparem no caminho rumo à escrita. Considerando, portanto, o imensurável valor da prática da oralidade em nosso meio social e também do papel insubstituível da escola como mediadora desse processo, é incontestável tornar essa atividade – de contar e ouvir histórias – prazerosa. Assim, pode-se estimular o aluno a contar sua própria história, relatar façanhas, experiências e estilo de vida de seus pais, avós, tios. Acontecimentos de sua infância devem assumir aspectos de grandes episódios, as aventuras infantis e da adolescência devem ser vistas como odisseias.

Irandé Antunes, em seu livro Aula de Português: encontro & interação, lança a seguinte reflexão sobre a atuação do ensino da língua:

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incondicionalmente, decorrem também dessa incompetência e dessas distorções. Sabemos que a educação escolar é um processo social, com nítida e incontestável função política, com desdobramentos sérios e decisivos para o desenvolvimento global das pessoas e da sociedade. Sentimos na pele que não dá mais para “tolerar” uma escola que, por vezes, nem se quer alfabetiza (principalmente os mais pobres) ou que, alfabetizando não forma leitores nem pessoas capazes de expressar-se por escrito. Coerente e relevantemente, para, assumindo a palavra, serem autores de uma nova ordem das coisas. É, pois, um ato de cidadania, de civilidade da maior pertinência, que aceitemos, ativamente e com determinação, o desafio de rever e de reorientar a nossa prática de ensino da língua (ANTUNES, 2009, p. 36-37).

Nessa reflexão proposta por Antunes, acentua-se ainda mais a necessidade de inserir na escola práticas de cidadania que vislumbrem a real possibilidade de uso da língua no registro das experiências de nossos estudantes, estimulando-os a aprender e empregar os recursos linguísticos como forma de tornarem-se sujeitos que atuam na função de leitor, autor e crítico dos escritos de sua própria história e da história de sua comunidade. Assim, as aulas de língua portuguesa ganharão sentido, perdendo a enfadonha obrigação do ensinar e do aprender a ler e escrever por uma tarefa tão somente de cunho social.

Essa proposta de dar sentido ao ensino-aprendizagem da língua materna também foi contemplada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), sendo atribuído à escola o dever de instruir o cidadão integralmente, respeitando os valores e desenvolvendo a aprendizagem e o senso crítico, atribuição assegurada nos Parâmetros.

2.1 As práticas da oralidade a partir dos PCNs

Os PCNs são uma coleção de documentos que sugerem a grade curricular e conteúdos para o ensino fundamental e médio. As propostas trazidas pelos Parâmetros foram elaboradas pelo Ministério da Educação e publicadas em 1997 (1º ao 5º ano) e 1998 (6º ao 9º ano).

Durante muito tempo, coube à escola dedicar-se às instruções de aprendizagem do conhecimento puramente formal, estabelecendo regras severas com o intuito de moldar os estudantes para tornarem-se pessoas temerosas às leis e às autoridades. Esse perfil da escola também foi registrado em obras literárias, conservando a verossimilhança com a sociedade da época. O narrador de Casa de Pensão ao falar da educação primária do protagonista Amâncio de Vasconcelos, um jovem maranhense, traz o seguinte relato:

Aos sete anos entrou para a escola. Que horror! O mestre, um tal Antônio Pires, homem grosseiro, bruto, de cabelo duro e

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a voz áspera, a catadura selvagem; e quando metia para dentro um pouco mais de vinho, ficava pior. Amâncio, já na Corte, só de pensar no bruto, ainda sentia os calafrios dos outros tempos, e com eles vagos desejos de vingança. Um malquerer doentio invadia-lhe o coração, sempre que se lembrava do mestre e do pai. Envolvia-os no mesmo ressentimento, no

mesmo ódio surdo e inconfessável. Todos os pequenos da aula tinham birra do Pires. Nele enxergavam o

carrasco, o tirano, o inimigo e não o mestre; mas, visto que qualquer manifestação de antipatia redundava fatalmente em castigo, as pobres crianças fingiam-se satisfeitas ;riam muito quando o beberrão dizia alguma chalaça e afinal, coitadas! iam-se habitualmente ao servilismo e à mentira (AZEVEDO, 1996, p. 23).

A partir de mudanças sociais e políticas, a escola passou a ser vista como formadora de cidadãos. A cidadania era pregada por aqueles que constituíam e dirigiam a escola, embora a mudança tenha se arrastado por longos anos. A formação cidadã devia garantir ao sujeito (educando) a expressividade coerente e coesa, assim poderia fazer a exposição de suas ideias, posicionar-se de maneira estável tanto oralmente como por escrito. E, quanto ao ensino da oralidade, muito precisa ser feito para pôr em prática a teoria presente nos documentos oficiais. Para Schneuwely e Dolz (2011, p. 125) “o ensino escolar da língua oral e de seu uso ocupa atualmente um lugar limitado”.

Essa é uma verdade consolidada, pois, apesar da garantia do ensino dos gêneros orais em documentos e sugerido em livros didáticos, muitos profissionais da educação entendem que a oralidade já “está pronta no estudante”. Sabemos que não se pode dispensar o desenvolvimento das habilidades da exposição oral. Segundo Schneuwely e Dolz (2011, p. 147) “o papel da escola é levar os alunos a ultrapassar as formas de produção oral cotidianas para os confrontar com outras formas mais institucionais, mediadas, parcialmente reguladas por restrições exteriores”. Evidencia-se na fala dos autores a necessidade de aprimorar no aluno a capacidade de expressar-se oralmente.

A expressão oral, ou oralidade, passa a ser uma necessidade na vida cotidiana do cidadão moderno, tanto na formalidade quanto na informalidade. Mesmo com o avanço tecnológico e digital e a expansão tipográfica, muitos são os momentos que exigem o uso da exposição oral, em diferentes contextos. No livro Da fala para a escrita: atividades de retextualização, Marcuschi aponta, inclusive, para os gêneros textuais orais.

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Os gêneros textuais orais ou “fundados na realidade sonora” devem ser trabalhados pela escola, tanto quanto os gêneros textuais escritos. Numa perspectiva de formação integral do educando enquanto usuário da língua que terá a necessidade de comunicar-se oralmente e por escrito.

Como documento oficial que visa orientar a prática pedagógica, os PCNs asseguram objetivos de ensino associados, logicamente, a conteúdos que favoreçam a aprendizagem e a formação cidadã dos educandos.Iniciando a exposição dos objetivos do ensino fundamental, os PCNs apresentam o seguinte objetivo direcionado aos alunos:

Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito (BRASIL, 1998, p. 7).

Nesse contexto de direitos e deveres, respeito ao outro e a si mesmo, a formação cidadã é agora uma obrigação da escola, não apenas no curso do ensino fundamental, como também no curso do ensino médio. Dentre os conteúdos propostos para que a escola atue como formadora de cidadania, a grade curricular da disciplina de Língua Portuguesa é bastante vasta, incluindo conteúdos da linguagem oral e da linguagem escrita, sugerindo trabalho com os diversos gêneros textuais, inclusive os da esfera literária.

Apesar de apresentadas como dois sub-blocos, é necessário que se compreenda que leitura e escrita são práticas complementares, fortemente relacionadas, que se modificam mutuamente no processo de letramento — a escrita transforma a fala (a constituição da “fala letrada”) e a fala influencia a escrita (o aparecimento de “traços da oralidade” nos textos escritos). São práticas que permitem ao aluno construir seu conhecimento sobre os diferentes gêneros, sobre os procedimentos mais adequados para lê-los e escrevê-los e sobre as circunstâncias de uso da escrita (BRASIL, 1997, p. 40).

É muito pertinente essa observação a partir da oralidade e da escrita, pois os próprios PCNs (1998, p. 54-55) apresentam de forma distinta quando situam os conteúdos relativos a cada uma das modalidades, inclusive distinguindo os gêneros textuais orais e os gêneros textuais escritos. Cabe aqui uma reflexão sobre a distinção oficializada a respeito do que seria propriamente um gênero oral e um gênero escrito. Um cordel é restritamente um texto oral? E

o que diríamos do folheto de cordel impresso? E o que dizer do depoimento e da entrevista? Poderíamos pensar na possibilidade de uma revisão quanto à oralidade e a escrita

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noção de texto, sua composição e compreensão.

No documento oficial é apresentado um conceito de texto em que seus elementos cotextuais e contextuais implicam tanto em sua organização quanto em sua compreensão.

Um texto produzido é sempre produzido a partir de determinado lugar, marcado por suas condições de produção. Não há como separar o sujeito, a história e o mundo das práticas de linguagem. Compreender um texto é buscar as marcas do enunciador projetadas nesse texto, é reconhecer a maneira singular de como se constrói uma representação a respeito do mundo e da história, é relacionar o texto a outros textos que traduzem outras vozes, outros lugares (BRASIL, 1998, p. 40-41).

Percebemos ainda que os PCNs sugerem a possibilidade da presença de fatores de textualidade, como intertextualidade e interdiscursividade na produção de textos. Isso mostra a relevância do trabalho que deve ser desenvolvido nas aulas de Língua Portuguesa, exigindo do professor e demais profissionais da escola o planejamento para que se obtenha bons resultados. Além do mais, no processo de composição textual, especialmente envolvendo os fatores de textualidade, serão consideradas as modalidades oral e escrita.

2.2 O texto escrito conforme os PCNs

Assim como já foi explicitado, os PCNs distinguem o ensino da língua oral e língua escrita a partir dos gêneros textuais. Alguns gêneros são considerados essencialmente de realização oral, outros de realização escrita, outros ainda podendo aparecer nas duas modalidades. Desta forma, coloca-se em evidência o texto como unidade de ensino, sendo, pois, a partir dele desenvolvido o estudo da língua, seus usos, suas flexões e variedades.

Com ênfase no ensino da língua materna, os PCNs evidenciam a preocupação referente à competência discursiva do educando, possibilitando que a escola seja capaz de desenvolver habilidades de escuta e leitura, na oralidade e na escrita.

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Observa-se, ainda, o destaque para a produção de textos, tanto orais quanto escritos, considerando a necessidade de comunicação do cidadão em formação escolar. Dessa forma, o realce para o cuidado com o dever da escola em instruir o educando e orientá-lo a expressar-se dignamente enquanto sujeito atuante e crítico em expressar-seu meio social, torna-expressar-se prioridade nesexpressar-se documento.

Para que se efetive essa aprendizagem, é irrefutável que a escola planeje suas ações a partir dos objetivos assegurados no documento oficial:

a escola deverá organizar um conjunto de atividades que, progressivamente, possibilite ao aluno: utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condições de produção do discurso (BRASIL, 1998, p. 32).

A seguridade de que a produção de textos escritos atende a diversas esferas sociais favorece a desenvoltura do educando na qualidade de cidadão. É pertinente refletir sobre o registro feito por Marcuschi que aponta a escrita como “produção textual-discursiva” com fins comunicativos:

A escrita seria um modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua constituição gráfica, embora envolva também recursos de ordem pictórica e outros (situa-se no plano dos letramentos). Pode manifestar-se, do ponto de vista de sua tecnologia por unidades alfabéticas (escrita alfabética), ideogramas (escrita ideográfica) ou unidades iconográficas, sendo que em geral não temos uma dessas escritas puras. Trata-se de uma modalidade de uso da língua complementar à fala (MARCUSCHI, 2010, p. 26).

Nesse trecho, Marcuschi sugere que há no texto escrito especificidades e características gráficas, além de localizá-lo no plano do letramento. E, finalizando, defende que o texto escrito e o texto oral se complementam.

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2.3 Memória e escola

Dentre as muitas atribuições conferidas à escola, voltemos ao encargo de despertar a cognição em seus educandos. Com ações cautelosamente planejadas, como já sabemos a instituição deve atuar decisivamente no foco da formação cidadã, além de promover e expandir a humanização dos estudantes, meta alcançada através de habilidades desenvolvidas cotidianamente, incluindo o registro das memórias pessoais e sociais.

Em se tratando de identidade e reconhecimento de si mesmo e do outro como parte da sociedade em que vive, os PCNs (BRASIL, 1998, p. 7) trazem a seguinte contribuição nos objetivos, referindo-se aos alunos do ensino fundamental: “conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país”.

Desse modo, a escola deve atuar de maneira decisiva na construção e/ou definição da identidade, tanto individual quanto coletiva, proporcionando ao sujeito a concepção de agente de sua própria história e da História do seu povo, de sua gente:

as pesquisas em torno da memória, de modos variados, têm atingido alguns setores educacionais que buscam discuti-la e compreendê-la em diversos contextos, relacionando-a com práticas educativas da sociedade, mais especificamente com práticas escolares (BERGAMASCHI, 2002, p. 132).

A partir do exposto por Aparecida Bergamaschi, constatamos que já existem trabalhos nesse campo, o que é significativo, pois as atividades escolares devem, acertadamente, contemplar o registro das memórias, de forma que o indivíduo sinta-se parte da História. Além do mais, a escola deve garantir o acesso aos mais diversos meios de informações para que se chegue ao maior número possível de dados que auxiliem na constituição das memórias e da identidade. Inclusive, esse é um direito do qual não se deve abrir mão, pois, ao longo da História, muito se sonhou com a aquisição e o uso da leitura e da escrita como forma de libertação e de conhecimento do mundo.

Le Goff (2013) evidencia a luta das forças sociais, o desejo de fazer parte da História foi um marco nas memórias do povo oprimido. Assim como no espírito coletivo, essa necessidade também fazia parte do espírito individual, ou seja, sentir-se sujeito da História era uma questão de identidade.

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conhecimento e da formação cidadã. Entendendo-se por cidadania a atuação do sujeito – protagonista da história da Humanidade – assim, é primordial que se faça conhecer e que conheça a si mesmo, sendo, por isso, catalogado na memória social, oral e escrita.

2.4 Do texto literário ao registro das memórias

Do mesmo modo que a escola tem uma atribuição relevante quanto ao registro das memórias, é outorgada à instituição a função de desenvolver o gosto pela leitura em seus educandos, apresentando-lhes textos literários e propiciando a compreensão destes. Desta forma, a literatura contribui, decisivamente, em nossa pesquisa, com a descoberta das identidades e a produção dos relatos de memórias.

Ao formularmos a proposta de trabalho, refletimos sobre as dificuldades que historicamente vêm acompanhando professores e alunos, especialmente da rede pública deste país. Entendemos que atividades que promovam e fortaleçam a interação entre leitores e o texto literário demandam planejamento e envolvimento da comunidade escolar. Nesse sentido, o projeto de intervenção foi pensado de maneira a fim de proporcionar o relato das memórias dos sujeitos à medida que percebiam suas identidades, despertados pela leitura de textos literários, pesquisa com os parentes, roda de conversas, contação de histórias. Esse processo de contato e conhecimento do texto literário tem um caráter humanizador apontado por Antônio Cândido, no texto “O direito à literatura”:

A produção literária tira as palavras do nada e as dispõe como todo articulado. Este é o primeiro nível humanizador, ao contrário do que geralmente se pensa. A organização da palavra comunica-se ao nosso espírito e o leva, primeiro a se organizar; em seguida, a organizar o mundo. Isto ocorre desde as formas mais simples, como a quadrinha, o provérbio, a história de bichos, que sintetizam a experiência e a reduzem a sugestão, norma, conselho ou simples espetáculo mental (CÂNDIDO, 1995, p. 177).

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