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INTERPRETAÇÃO E SÚMULAS VINCULANTES EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

Carla de Carvalho Sudré Henriques

INTERPRETAÇÃO E SÚMULAS VINCULANTES EM

MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Mestrado em Direito Tributário

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

Carla de Carvalho Sudré Henriques

INTERPRETAÇÃO E SÚMULAS VINCULANTES EM

MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração Direito do Estado, subárea de Direito Tributário, sob a orientação do Professor Doutor Paulo de Barros Carvalho.

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Aos meus pais, por me ensinarem a perseguir meus

sonhos;

aos meus irmãos, que sempre estão ao meu lado;

ao Wesley, por todo o seu amor, por me incentivar,

suportar os momentos de ausência e me transmitir

segurança e tranquilidade;

à Laura e à Beatriz, que ainda no ventre “participaram”

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AGRADECIMENTOS

Ninguém alcança seus objetivos sozinho, e, em meu caso, não foi diferente. Muitos participaram desta conquista.

Agradeço aos Mestres da PUC/SP, em especial ao Professor Paulo de Barros Carvalho, cujas inteligência e energia são inspiradores. À Dra. Maria Rita Ferragut, que me incentivou desde o princípio, e aos Mestres cujas aulas ampliaram meus horizontes: Fabiana Del Padre Tomé, Clarice von Oertzen de Araujo, Roque Antonio Carrazza, Robson Maia Lins, Rosana Oleinik Pasinato e Charles William McNaughton.

Ao Flávio Couto Bernardes, orientador nos trabalhos da graduação e pós-graduação lato sensu. Ao Dr. Isaltino Gonçalves, pela primeira oportunidade de trabalho na área do Direito Tributário.

Aos colegas de Mestrado e IBET, com quem muito aprendi, especialmente Renata Cassia de Santana, Luis Carlos de Merçon Vargas e Mauritânia Elvira de Sousa Mendonça, que me acompanham desde o início. Aos colegas de trabalho também, por proporcionarem constantes discussões a respeito do Direito Tributário e permitirem a aplicação de muitos conhecimentos obtidos.

A todos os amigos que estiveram comigo durante esta jornada.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objeto principal as súmulas vinculantes, em especial as que versam sobre matéria tributária, e sua correlação com a interpretação da norma jurídica. Adentra em algumas categorias da Teoria Geral do Direito, necessárias ao deslinde do tema. Examina a gênese do instituto da súmula vinculante e seus fundamentos legais – Emenda Constitucional 45 de 2004 e Lei 11.417, bem como trata dos procedimentos a serem observados na edição, revisão e revogação das súmulas vinculantes. Analisa, ainda, a súmula vinculante como espécie de norma jurídica e, partindo desse pressuposto, estuda sua aplicação, sempre enfatizando o procedimento de exegese. Para trazer um cenário mais amplo, compara a norma jurídica da súmula vinculante com outras existentes no sistema jurídico, além de colacionar uma a uma as súmulas vinculantes relacionadas ao tema tributário. Finalmente, trata da reclamação, remédio cabível no caso da não observância do teor da súmula vinculante pela autoridade, quer em âmbito administrativo, quer em âmbito judicial e tece comentários a respeito das sanções decorrentes da não aplicação da súmula vinculante.

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ABSTRACT

The present work has as its main object the binding precedents, especially those that deal with tax matters, and its correlation with the interpretation of the legal rule. It enters in some categories of the General Theory of Law, which are necessary to disentangle the issue. It examines the genesis of the Institute of binding precedent and its legal grounds – Constitutional Amendment 45 of 2004 and Law 11.417, as well as it deals with the procedures to be followed in edition, revision and repeal of binding precedents. It also examines the binding precedent as a kind of legal rule and, based on this assumption, studies its application, always emphasizing the process of exegesis. In order to bring a broader scenario, it compares the legal rule of binding precedent with others existing in the legal system, and, one by one, introduces the binding precedents related to the tax issue. Finally, it deals with the “complaint” institute, appropriate remedy in the case of non- compliance with the content of the binding precedent by the authority, both at the administrative level, and in the judicial sphere, and comments about the sanctions resulting from non-application of the biding precedents.

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RESUMEN

El presente trabajo tiene como objeto principal la jurisprudencia vinculante, en especial la que se refiere a cuestiones fiscales, y su correlación con la interpretación de la norma jurídica. El analiza algunas categorías de la Teoría General del Derecho, las cuales son necesarias para clarear la cuestión. El examina la génesis del Instituto de la jurisprudencia vinculante y sus fundamentos legales – Enmienda Constitucional 45 de 2004 y Ley 11.417, así como también se ocupa de los procedimientos los cuales deben ser seguidos en la edición, revisión y derogación de la jurisprudencia vinculante. El también examina la jurisprudencia vinculante como una especie de norma jurídica y, con base en este supuesto, estudia su aplicación, destacando siempre el proceso de la exégesis. Para incluir un escenario más amplio, compara la norma jurídica de la jurisprudencia vinculante con otras existentes en el ordenamiento jurídico, además de apuntar uno a uno los textos de jurisprudencia vinculante relacionados con el tema tributario. En fin, cuida del instituto de la “reclamación”, recurso apropiado en el caso de incumplimiento con el contenido de la jurisprudencia vinculante por la autoridad, ya sea a nivel administrativo, ya sea en el ámbito judicial y traje comentarios acerca de las sanciones que resultan de la no aplicación de la jurisprudencia vinculante.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1 PROPEDÊUTICA GERAL ... 18

1.1 DIREITO POSITIVO,CIÊNCIA DO DIREITO E REALIDADE SOCIAL. ... 18

1.2 DIREITO POSITIVO – ORDENAMENTO OU SISTEMA? ... 19

1.3 ENUNCIADO PRESCRITIVO E NORMA JURÍDICA ... 21

1.4 A NORMA JURÍDICA COMPLETA – NORMA PRIMÁRIA E NORMA SECUNDÁRIA ... 22

1.5 REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA (RMIT) ... 27

1.6 INCIDÊNCIA NORMATIVA E SUA RELAÇÃO COM A APLICAÇÃO ... 29

2 INTERPRETAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA ... 34

2.1 OS PLANOS DE LINGUAGEM ... 34

2.2 SUPORTE FÍSICO, SIGNIFICADO E SIGNIFICAÇÃO NO DIREITO POSITIVO E NA CIÊNCIA DO DIREITO ... 35

2.3 LINGUAGEM E OS VÍCIOS DE LINGUAGEM ... 36

2.4 CONCEITO DE INTERPRETAÇÃO E A INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA ... 38

2.5 MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA ... 41

2.6 INTERPRETAÇÃO PÓS GIRO-LINGUÍSTICO – A LIMITAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO PELAS REGRAS DOS JOGOS DE LINGUAGEM ... 43

2.7 INTERPRETAÇÃO (E SEUS LIMITES) SEGUNDO A OBRA DE HUMBERTO ECO ... 49

3 GÊNESE DO INSTITUTO DA SÚMULA VINCULANTE ... 61

3.1 INTRODUÇÃO AO TEMA ... 61

3.1.1 A Carta Magna de 1988 e o controle de constitucionalidade ... 65

3.2 ORIGEM DO INSTITUTO DA SÚMULA VINCULANTE ... 68

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3.4 ALEI 11.417 ... 77

4 CONCEITO DE SÚMULA VINCULANTE E SÚMULAS VINCULANTES EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA ... 81

4.1 CONCEITO DE SÚMULA VINCULANTE ... 81

4.2 SÚMULAS VINCULANTES EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA ... 83

4.2.1 Súmula vinculante número 08 ... 85

4.2.2 Súmula vinculante número 19 ... 87

4.2.3 Súmula vinculante número 28 ... 88

4.2.4 Súmula vinculante número 29 ... 90

4.2.5 Súmula vinculante número 31 ... 91

4.2.6 Súmula vinculante número 32 ... 92

5 SÚMULA VINCULANTE COMO ESPÉCIE DE NORMA ... 94

5.1 A SÚMULA VINCULANTE COMO ESPÉCIE DE NORMA, PROCEDIMENTO E REQUISITOS PARA A EDIÇÃO DAS SÚMULAS VINCULANTES ... 94

6 COMPARAÇÃO ENTRE A NORMA POSTA PELA SÚMULA VINCULANTE E OUTRAS NORMAS ... 102

6.1 INTRODUÇÃO ... 102

6.2 SÚMULAS NÃO VINCULANTES E JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE ... 106

6.3 DO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA ... 109

6.4 SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSOS... 112

6.5 REPERCUSSÃO GERAL ... 113

6.6 RECURSOS REPETITIVOS NO ÂMBITO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ... 121

7 INTERPRETAÇÃO E O PROCESSO DE APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE ... 124

7.1 CAUSA DE PEDIR (PRÓXIMA, REMOTA), PEDIDO MEDIATO E PEDIDO IMEDIATO ... 124

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8 CRÍTICAS AVIADAS EM FACE DO INSTITUTO DA SÚMULA

VINCULANTE ... 142

8.1 TRIPARTIÇÃO DOS PODERES ... 142

8.2 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO ... 145

8.3 ENGESSAMENTO DO ORDENAMENTO JURÍDICO ... 146

8.4 OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA ... 147

8.5 VIOLAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA DOS JUÍZES E DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL ... 148

9 EFEITOS, REVISÃO E REVOGAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE . 149 9.1 MODULAÇÃO DA EFICÁCIA DAS SÚMULAS VINCULANTES ... 149

9.2 REVISÃO E CANCELAMENTO DAS SÚMULAS VINCULANTES ... 151

10 PROCESSUALIDADE NO DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE ... 154

10.1 RECLAMAÇÃO COMO NORMA PROCESSUAL ... 154

10.2 SANÇÕES DECORRENTES DA NÃO APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE ... 158

CONCLUSÕES ... 161

ANEXOS ... 177

ANEXO I EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2004 ... 178

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INTRODUÇÃO

A ideia do presente trabalho emergiu dos estudos relativos à teoria do giro-linguístico e da interpretação. Se tudo se manifesta pela linguagem, se a realidade é constituída pela linguagem, se a interpretação é única na mente do utente e, sobretudo, se o intérprete autêntico1 cria as decisões através do processo de interpretação, que considerações poderíamos tecer a respeito da súmula vinculante? O instituto em questão limitaria ou até mesmo aniquilaria o trabalho de interpretação a ser realizado pelo aplicador?

Com efeito, será interessante estudarmos a súmula vinculante como norma, entender sua gênese, as possiblidades de seu alcance e seus efeitos. Seria a súmula vinculante um instrumento de imposição de limites ao trabalho de exegese realizado pelo intérprete autêntico ou mais uma norma a ser interpretada? Neste ponto, tentaremos fazer uma conexão entre o trabalho do julgador ao aplicar a súmula vinculante e o entendimento acerca da interpretação, trazido pela teoria do giro-linguístico2, a qual, em resumo, afastou a ideia de uma interpretação una, de um processo de extração do conteúdo de determinado texto3 e, para os aplicadores do direito, a impossibilidade de extração quer seja da vontade da lei, quer seja da vontade do legislador.

Após o giro-linguístico, a exegese passou a ser entendida como um processo de criação de sentido, que será determinado pelo próprio horizonte cultural do intérprete, com toda a subjetividade que lhe é afeta. Neste ponto, nasce uma das questões objeto de nossas pesquisas: no

1 Hans Kelsen divide a intepretação entre a autêntica e a não autêntica que, seriam,

segundo o jusfilósofo, respectivamente: “a interpretação do Direito pelo órgão que o

aplica, e a interpretação do Direito que não é realizada por um órgão jurídico, mas por

uma pessoa privada, e, especialmente, pela ciência jurídica”. (Teoria Pura do Direito. 7. ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 387-388).

2 Tendo em vista a importância do tema, trataremos da corrente conhecida como

giro-linguístico em tópico específico deste trabalho.

3 O vocábulo texto é utilizado neste trabalho em sentido amplo, alcançando todo aquele

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processo de criação de uma decisão, haveria limites que, ultrapassados, gerariam as decisões consideradas arbitrárias ou teratológicas?

Analisaremos o instituto da súmula vinculante em todos os seus aspectos de edição, revisão e cancelamento. Conveniente também nos parece analisar o objeto da súmula vinculante: quando uma matéria estaria madura o suficiente para ser sumulada? Uma única decisão judicial poderia resultar em uma súmula vinculante ou seria necessária uma farta jurisprudência acerca de um determinado tema?

Ainda quanto ao objeto, poderia a súmula vinculante extrapolar o conteúdo das decisões que lhe serviram de base, acrescentando, por exemplo, um conceito? Estaríamos tratando de uma superinterpretação4?

Quanto aos efeitos do instituto da súmula vinculante, temos também como escopo de nossas pesquisas avaliar se, afinal, alcança seu objetivo precípuo de tornar mais célere o processo judicial e avaliar se, para atingir este desígnio, estaria prejudicando a qualidade das decisões proferidas.

Ainda dentro do exame destes efeitos, será interessante observar que, dentro da Jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal, há inúmeras decisões transitadas em julgado com entendimento e resultado de julgamento diametralmente opostos ao sumulados, sempre com vasta e legal fundamentação. Não poderia, assim, o julgador das instâncias inferiores, no processo de interpretação do caso concreto e das normas aplicáveis, ter entendimento conflitante com essas decisões do Supremo Tribunal Federal? Essa decisão conflitante não enriqueceria nossa jurisprudência e não poderia aproximar os jurisdicionados do ideal de justiça?

Obviamente este trabalho não tem a pretensão de responder de forma definitiva a todos os questionamentos acima levantados. Presta-se, a princípio, a tentar entender o instituto, conhecer as súmulas

4 Conceituaremos a “superinterpretação” ao analisar a teoria do Professor Humberto Eco,

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vinculantes já existentes em matéria tributária e identificar a contribuição do instituto para o sistema jurídico nacional.

Acrescente-se ainda que, por se tratar de um trabalho científico, não poderíamos nos esquivar de escolher um método de trabalho, in casu, o hermenêutico-analítico. Hermenêutico, porque durante todo este trabalho lidaremos com a linguagem jurídica e os valores que lhe são inerentes. Por outro lado, analítico, porque parece o método mais acertado para conhecermos o direito, aqui tomado como um corpo de linguagem.

Não podemos tampouco deixar de realizar um corte em nosso objeto de estudos, o que de fato fizemos ao tratar somente das súmulas vinculantes em matéria tributária5, por mera predileção, por ser o Direito Tributário objeto dos estudos do nosso curso de Mestrado e também por já considerarmos matéria suficiente e campo fértil para nossos estudos e alcance de algumas conclusões.

No entanto, não nos ateremos ao conteúdo específico de cada súmula vinculante, vez que estaríamos a tratar de muitos universos distintos, com todos os seus conceitos, valendo ressaltar que cada súmula vinculante em matéria tributária, individualmente, mereceria ser tema de um trabalho específico de dissertação.

Entendemos, ainda, que a Filosofia é tipo de linguagem imprescindível para o desenvolvimento de qualquer trabalho científico, motivo pelo qual adotaremos o giro-linguístico como modelo filosófico no desenvolvimento destes escritos, por comungarmos da ideia de que a linguagem exerce papel muito mais amplo que o de apenas ser instrumento de conhecimento da realidade, prestando-se, sobretudo, a criar essa realidade.

5 Na data de conclusão deste trabalho, são seis as súmulas vinculantes que tratam da

matéria tributária stricto sensu. Quanto à Súmula vinculante de número 24, muito embora

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Finalmente, ressaltamos que adotaremos a metodologia de, além de dedicar um capítulo inicial para estabelecer alguns conceitos que serão utilizados no decorrer do trabalho, conceituar alguns signos à medida que se tornem objeto de nossos estudos. Dessa forma, entendemos que podemos estabelecer uma melhor aproximação entre um determinado conceito e seu campo de aplicação, ou seja, aproximar os campos sintáticos e semânticos do pragmático. Exemplos dessa metodologia serão encontrados nos itens 5.1 (no qual tratamos das normas de conduta e de estrutura), 5.2 (dispomos a respeito do ato de enunciação, do enunciado, da enunciação-enunciada e do enunciado-enunciado) e 7.1 (no qual ressaltamos os elementos processuais).

No segundo capítulo, debruçar-nos-emos sobre o instituto da interpretação, conceituando-o, analisando a mudança de paradigma trazida ao processo de exegese pelo giro-linguístico e o estudando sob a ótica da obra de doutrinador que dedicou grande parte de seus estudos ao assunto: Humberto Eco.

Iniciaremos com o estudo da interpretação porque entendemos que ela é a base de todo o conhecimento. Nada chega ao ser humano sem ser objeto de interpretação, até mesmo os mais simples eventos são interpretados antes de serem vertidos em linguagem. E, conforme já exposto, a ideia deste trabalho nasceu justamente do possível conflito existente entre a exegese realizada pelo julgador nos âmbitos do Judiciário e Administração Pública e o instituto da súmula vinculante.

No terceiro capítulo, trataremos da gênese do instituto da súmula vinculante e seu embasamento legal.

Em seguida, como não poderia deixar de ser, conceituaremos o instituto da súmula vinculante e apresentaremos as súmulas vinculantes em matéria tributária vigentes no momento de conclusão deste trabalho.

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trabalho, vez que cada uma trata de assunto diverso, com seus respectivos conceitos. Assim, as súmulas vinculantes neste capítulo serão apresentadas e delas nos utilizaremos a título de exemplo no decorrer dos nossos estudos.

No capítulo quinto, analisaremos a súmula vinculante como espécie de norma, bem como os procedimentos e requisitos necessários à sua edição e seu eventual papel como fonte do direito.

No capítulo posterior, ater-nos-emos na comparação entre a súmula vinculante e outras normas postas por institutos cujo fim precípuo é similar ao da súmula vinculante: orientar a prolação de futuras decisões, quer de forma vinculativa ou não. Fazem parte desse conjunto as súmulas (não vinculantes) e a jurisprudência dominante, o incidente de uniformização de jurisprudência, a súmula impeditiva de recursos e os institutos da repercussão geral e recursos repetitivos.

Avançando um pouco o raciocínio, trataremos do trabalho de exegese realizado pelo julgador ao se deparar com uma controvérsia concreta que lhe é submetida para julgamento e a decisão pela aplicação ou afastamento de determinada súmula vinculante. Entendemos ser esse o ponto alto de nossos trabalhos: analisar o momento de aplicação da súmula vinculante correlacionando-o com a teoria da interpretação.

Neste item, analisaremos também questões processuais: em que o caso concreto submetido a julgamento deve guardar identidade com relação aos casos nos quais a súmula vinculante se baseou: na causa de pedir, no pedido mediato, no imediato?

Outro interessante ponto a ser analisado seria o caminho que devem percorrer partes e julgador para afastar e justificar o afastamento da aplicação de determinada súmula vinculante.

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Posteriormente, trataremos dos efeitos, revisão e revogação das súmulas vinculantes, dispondo também sobre a questão da possibilidade de modulação de sua eficácia.

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1 PROPEDÊUTICA GERAL

1.1 Direito positivo, Ciência do Direito e realidade social.

Para situarmos o objeto de nossos estudos, imprescindível é diferenciarmos a realidade social dos sistema do direito positivo e da Ciência do Direito.

No que diz respeito aos sistemas do direito positivo e da Ciência do Direito, embora ambos sejam sistemas comunicacionais6, vez que pressupõem a troca de mensagens entre sujeitos, estamos a tratar de dois plexos de linguagem distintos.

O sistema do direito positivo é o conjunto das normas jurídicas válidas em um determinado país, que se utiliza da linguagem em sua função prescritiva, vez que tem como alvo a regulação de condutas intersubjetivas.

Informe-se que há outros sistemas prescritivos de condutas, como é o caso da moral, da religião e da ética. No entanto, só o sistema de direito positivo possui prescrições respaldadas pela coercitividade do Estado, que dispõe de mecanismos de sanção a serem aplicados em face dos que descumprirem as normas por ele veiculadas.

Por outro viés, a Ciência do Direito, que se utiliza da linguagem descritiva, tem justamente a função de interpretar e descrever o direito positivo, podendo ser considerada, portanto, uma metalinguagem ou linguagem de sobrenível.

Quanto à realidade social, também é um corpo de linguagem, sendo que nela ocorrem as reações intersubjetivas que serão regradas pelo direito positivo.

Em resumo: realidade social, sistema do direito positivo e sistema da Ciência do Direito são corpos de linguagem que não se misturam.

6 Por outro lado, os sistemas não comunicacionais dizem respeito àqueles que não

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Para que um evento da realidade social, que está no plano do ser, possa ser inserido no plano do direito positivo, que é do dever-ser, sempre deverá haver uma linguagem competente. Ou seja, esse evento deverá ser vertido em linguagem, para só aí se tornar um fato que, jurisdicizado, se tornará um fato jurídico.

Do exposto, podemos extrair duas conclusões: (i) ao afirmarmos que o direito positivo objetiva disciplinar condutas subjetivas, não estamos afirmando que o direito positivo vá afetar diretamente a realidade social, vez que uma linguagem não chega a tocar a outra. Na verdade, o direito positivo atuará na mente do receptor da mensagem prescritiva, induzindo-o a agir da forma almejada pelo direito positivo e, (ii) por outro lado, a linguagem da Ciência do Direito é incapaz de tocar a linguagem do direito positivo, modificando-a. Será necessário que o jurista, intérprete autêntico7, produza uma nova norma jurídica, influenciado pela melhor doutrina.

1.2 Direito positivo ordenamento ou sistema?

Parte da doutrina8 não concorda ser o direito positivo um sistema, vez que faltaria uma forma de organização, uma harmonia interna que lhe faria alcançar esse status, o qual é detido pela Ciência do Direito. Esse posicionamento é muito bem elucidado e combatido por Aurora Tomazini de Carvalho9:

7 Usamos indistintamente neste trabalho os termos aplicador, julgador e intérprete

autêntico. Quanto ao conceito de interpretação autêntica, para parte da doutrina, estaria

relacionado com o exegeta. Hans Kelsen, por exemplo, entende que a interpretação autêntica é aquela realizada por órgão credenciado pelo sistema. Qualquer outra interpretação seria doutrinária. Há outros doutrinadores que entendem que a interpretação autêntica se caracteriza pela linguagem produzida pelo processo de exegese. Quando a interpretação culmina na criação de uma nova norma jurídica (como ocorre no caso das sentenças e acórdãos), a interpretação será autêntica. Do contrário, não.

8 Para citar alguns exemplos: Gregório Robles, Daniel Mendonça e Tárek Moussalem. 9 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito o Constructivismo

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Para estes autores, o fato de existir contradições no direito positivo o impede de ter natureza sistêmica, pois, geralmente, mesmo que não de forma explícita, eles adotam a não contradição como uma das características definidoras do conceito de sistema. Não compartilhamos do mesmo posicionamento, pois quando definimos nosso conceito de sistema deixamos fora de seu definiens a característica da

coerência dos seus elementos. Isto demonstra que, para nós, a não contradição dos termos de um conjunto estruturado não é pressuposto para que ele seja considerado um sistema.

Tácio Lacerda Gama também entende que o direito positivo alcança o status de sistema10:

Contra esse entendimento sustentamos existir racionalidade e sistematicidade tanto no chamado sistema, que é domínio da Ciência do Direito, quanto no direito positivo, que é o campo do ordenamento jurídico. Nessas duas hipóteses, o produto da interpretação varia, pois na Ciência se produzem proposições descritivas e no direito positivo se produz normas. Em ambos, porém, há esquemas racionais que determinam como se dá a relação entre as proposições. Justificamos, assim, o porquê de não acatarmos a distinção entre ordenamento e sistema, exposta de forma clara e didática acima.

De fato, como para cada sistema cabem as definições de suas características, se excluirmos a não contradição como uma característica, estaremos outorgando ao conjunto de normas jurídicas em determinado espaço e tempo o status de sistema.

Sendo assim, o direito positivo pode ser caracterizado como um sistema que admite antinomias, que, em nossa opinião, são aparentes, vez que podem ser resolvidas segundo as normas desse próprio sistema.

Outros doutrinadores, do quilate de Roque Antonio Carrazza, utilizam os signos sistema e ordenamento como sinônimos11:

Aforados em textos de bom cunho, podemos afirmar que o Direito regula o comportamento das pessoas para tornar

10 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da

nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 157.

11 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28. ed. São

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possível a vida social. Tal regulação manifesta-se por meio das

normas jurídicas, regras de comportamento que produzem

seus efeitos na sociedade. Estas normas, é claro, não devem ser consideradas isoladamente, mas em conjunto, formando um sistema, um ordenamento jurídico.

1.3 Enunciado prescritivo e norma jurídica

Embora estejamos adiantando questões que serão mais nitidamente trabalhadas em outro capítulo, entendemos essencial efetuar um ajuste semântico visando conceituar e diferenciar os institutos do enunciado prescritivo e da norma jurídica.

Os enunciados prescritivos são o fruto do processo legislativo de enunciação, conforme veremos mais à frente. Sendo assim, os enunciados prescritivos estão no plano físico e servirão para a construção da norma jurídica, que já é a significação deonticamente estruturada produzida a partir dos enunciados prescritivos.

Conforme trataremos em item posterior, ao estudar o percurso gerador do sentido, a norma jurídica só nascerá em S3, enquanto que em S1 e S2 estaremos tratando do enunciado prescritivo, texto de lei e proposição, que são significações isoladas, ou seja, ainda não deonticamente estruturadas.

Elucidando nosso ponto de vista: temos que a norma jurídica é imaterial, vez que construída na mente do intérprete, sempre estruturada na forma hipotético-condicional, motivo pelo qual não seria cientificamente correta a distinção entre norma jurídica implícita e expressa – toda norma jurídica é implícita. De forma expressa, apresentam-se os enunciados prescritivos, que estão no plano material do direito positivo.

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Essas considerações se prestam, entre outras funções, a responder à questão acerca da existência de normas sem sanção. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho12:

A grande relevância de entrever essa mesma distinção aparece, novamente, quando pretendemos responder à pergunta: existe norma sem sanção? A resposta é esta: absolutamente não. Aquilo que há são enunciados prescritivos sem normas sancionatórias que lhe correspondam, porque estas somente se associam a outras normas jurídicas prescritoras de deveres. Caso imaginássemos uma prestação estabelecida em regra sem a respectiva sanção jurídica e teríamos resvalado para o campo de outros sistemas de normas, como o dos preceitos morais, religiosos etc.

Ou seja, a norma jurídica completa, conforme veremos a seguir, prescinde da norma sancionatória, sendo, no entanto, fruto da criação do intérprete, que se baseará em todo o sistema do direito positivo para sua construção.

1.4 A norma jurídica completa norma primária e norma secundária

Ao iniciarmos este capítulo, não podemos nos furtar de assumir a premissa segundo a qual os comandos, para que adquiram a qualidade de jurídicos e possam regular as condutas humanas, devem estar vertidos na linguagem apropriada.

Cabe aqui reforçar uma importante diferenciação: a existente entre o evento, o fato e o fato jurídico. O evento ocorre no mundo social13 e pode ou não ser vertido em linguagem. Em não o sendo, nunca se tornará um fato, como no caso de um maremoto que acontece a quilômetros da costa e não é testemunhado e nem transformado em linguagem por nenhum utente.

12 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 7.

ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 23.

13 Neste trabalho, utilizamos com sinônimas as expressões mundo social, mundo

fenomênico, mundo real, mundo fático, mundo físico, todas fazendo referência ao mundo

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E mais: para que o fato se transforme em fato jurídico, apto a ser descrito no antecedente da norma jurídica, terá que ser vertido na linguagem apropriada, conforme mencionado mais acima. Estamos a tratar da estrutura formal deôntica, como pontifica Paulo de Barros Carvalho14:

É que os comandos jurídicos, para terem sentido e, portanto, serem devidamente compreendidos pelo destinatário, devem revestir um quantum de estrutura formal. Por certo que

ninguém entenderia uma ordem, em todo o seu alcance,

apenas com a indicação da conduta desejada ‘pague a quantia de x reais’. Adviriam logo algumas perguntas, e, no segmento das respectivas respostas, chegaríamos à fórmula que nos dá o sentido completo. Supondo identificado o sujeito que deve cumprir o comando, perguntaria este: pagar a quem? Quando? Por quê? Ao atender a tais indagações iríamos perfazendo aquele mínimo irredutível que possibilita a mensagem do direito.

A norma jurídica em sentido estrito sempre será composta por um antecedente ou hipótese, que descreve um evento de possível ocorrência no mundo social e que, uma vez ocorrido e vertido em linguagem, fará nascer um consequente, que seria justamente uma relação obrigacional entre dois sujeitos de direito.

O consequente da norma sempre será uma proposição de relação, ligando dois ou mais sujeitos de direito através de uma conduta que será proibida, permitida ou obrigatória. E, frise-se, entre antecedente e consequente haverá um conectivo condicional os atrelando.

Em resumo: a norma jurídica nada mais é que uma proposição, produto da interpretação dos enunciados prescritivos contidos nos textos de direito positivo. A proposição em questão sempre é construída de forma implicacional: associa-se um fato jurídico apto a ocorrer no mundo fenomênico a um relação jurídica.

No antecedente da norma será descrito um evento possível, portanto a linguagem utilizada será sempre a descritiva. No antecedente também serão identificados três critérios: o material (ligado ao

14 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 7.

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comportamento das pessoas), o temporal (tempo em que ocorrido o fato jurídico) e o espacial (o local onde ocorre o fato jurídico).

Já no consequente são prescritas condutas, ou seja, a linguagem é a prescritiva, do dever-ser.

Importante ressaltar que o antecedente se liga ao consequente através de uma imputação deôntica, sendo o elo um operador deôntico na forma não modalizada. Estamos tratando do operador deôntico interproposicional. Por outro lado, os dois sujeitos de direito presentes no consequente da norma também estão relacionados através de um operador deôntico, agora intraproposicional e modalizado (permitido, obrigatório ou proibido).

Eurico Marcos Diniz de Santi15 levanta ponto primordial para a compreensão das normas jurídicas ao afirmar que elas possuem homogeneidade sintática e heterogeneidade semântica. A primeira característica se explica pelo fato de as normas jurídicas estarem revestidas de igual estrutura lógica, enquanto o segundo predicado diz respeito ao fato de as normas serem sempre reguladoras de condutas sociais, ou seja, sempre terem como objeto as relações intersubjetivas entre os sujeitos de direito, que poderão variar a cada caso.

De fato, tanto a norma jurídica primária quanto a secundária, embora formem a norma jurídica completa, são estruturas formais independentes. Paulo de Barros Carvalho16 também destaca serem as estruturas sintáticas, tanto de uma como de outra norma, idênticas, somente variando o aspecto semântico, uma vez que

[…] na norma secundária o antecedente aponta para um comportamento violador de dever previsto na tese da norma primária, ao passo que o consequente prescreve relação jurídica em que o Estado, exercitando sua função jurisdicional, passa a ocupar a função de sujeito passivo.

15 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Max Limonad,

1999, p. 38.

16 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 7.

(26)

Ainda quanto às normas jurídicas em sentido estrito, temos que elas são o fruto do trabalho do intérprete que as constrói se valendo de vários enunciados prescritivos e mediante a realização do percurso gerador de sentido, a ser esmiuçado em capítulo posterior.

As normas jurídicas podem ser classificadas em primária e secundária, sendo que a norma jurídica completa será a que abarcar esses dois tipos. Grosso modo, na norma primária, estará prevista a relação de direito e dever e, na secundária, as consequências para o descumprimento do que ali estiver estatuído. Mister destacar que não há simetria entre os dois tipos de normas, vez que a norma sancionadora pressupõe a existência da norma primária. Nas sábias palavras de Lourival Vilanova17:

Seguimos a teoria da estrutura dual da norma jurídica: consta de duas partes, que se denominam norma primária e norma secundária. Naquela, estatuem-se as relações deônticas direitos/deveres, como consequência da verificação de pressupostos, fixados na proposição descritiva de situações fáticas ou situações já juridicamente qualificadas; nesta, preceituam-se as consequências sancionadoras, no pressuposto do não-cumprimento do estatuído na norma determinante da conduta juridicamente devida.

Dizemos que há uma relação-de-ordem não-simétrica, a norma sancionadora pressupõe, primeiramente, a norma definidora da conduta exigida.

A norma jurídica secundária surge para que o direito esteja apto a cumprir sua função de regulador de condutas, ou seja, à medida que um sujeito de direito não cumpre o determinado em uma norma jurídica, deverá se submeter a uma sanção, seja privativa de liberdade, de constrição de patrimônio ou outra prevista na norma secundária.

Não podemos deixar, também, de subdividir a norma primária em dispositiva e sancionatória, sendo que o primeiro tipo traz em sua hipótese um ato ou fato ilícito, enquanto o segundo tipo traz um não cumprimento de deveres ou obrigações.

17 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo:

(27)

À guisa de exemplo: na norma em que resta instituída a obrigatoriedade do pagamento do imposto sobre serviços de qualquer natureza por aquele que presta serviço, será norma primária dispositiva a que descreve o fato de prestar serviço que resultará na obrigação do pagamento do imposto sobre serviços de qualquer natureza.

Para fecharmos este item, façamos um resumo: a norma primária sancionatória será a que dispõe que o não cumprimento da norma primária dispositiva acarretará uma sanção de ordem administrativa consubstanciada no dever de recolher o imposto acrescido de multa ou juros moratórios. Nas sábias palavras de Paulo de Barros Carvalho18, a norma primária sancionatória assim se caracteriza e se entrelaça com a norma secundária:

É o caso das chamadas ‘sanções administrativas’ concebidas

para reforçar a eficácia dos deveres jurídicos previstos em outras normas primárias, estabelecendo multas e outras penalidades. Podem ter, como de fato muitas têm, finalidade punitiva, agravando o valor cobrado a título de tributo. Nada obstante, essa condição, por si só, não é suficiente para outorgar-lhes o caráter de norma sancionatória no sentido estrito, vale dizer, norma jurídica secundária (perinorma, em Cossio), exatamente por faltar-lhes a presença da atividade jurisdicional na exigência coativa da prestação, traço distintivo na sua identificação normativa. As sanções administrativas, como as sanções contratuais, por exemplo, são normas primárias que se justapõem a outras normas primárias, entrelaçadas, lógica e semanticamente, a específicas normas secundárias, se bem que o legislador, em obséquio à economia do discurso jurídico-positivo, integre os valores cobrados em cada uma das unidades normativas, estipulando uma única prestação a ser exigida coativamente pelo exercício da função jurisdicional do Estado.

18 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 7.

(28)

1.5 Regra-Matriz de Incidência Tributária (RMIT)

A norma jurídica no âmbito tributário possui algumas especificidades, conforme já pontificava Geraldo Ataliba19:

Não é, pois, só pelo mandamento que se distingue a norma tributária das demais. Na hipótese legal, associada ao mandamento, é que se vai encontrar o critério para isolar a norma tributária […].

Na seara do direito tributário, nosso campo de estudo, a norma jurídica por excelência é a Regra-Matriz de Incidência Tributária (RMIT)20, que será composta: no antecedente, por um evento que, uma vez ocorrido no campo social, em determinado tempo e espaço, fará nascer a obrigação, prevista no consequente, de pagar tributo, podendo consubstanciar-se em uma circulação de mercadorias, uma prestação de serviços, o fato de auferir renda, entre tantos outros eventos.

Assim, no consequente, constará a relação entre contribuinte (polo passivo) e Estado (polo ativo), sendo que o primeiro será titular do dever de pagar determinada quantia e o segundo do direito de receber essa prestação. É no consequente que, além do critério pessoal (sujeitos ativo e passivo), é definido o aspecto quantitativo do objeto da obrigação de pagar o tributo (base de cálculo e alíquota). Nas palavras de Robson Maia Lins21:

A RMIT tem na composição do seu antecedente os seguintes critérios: (i) material, (ii) espacial, e (iii) temporal. O critério material consiste no cerne do fato jurídico tributário, sendo composto sempre de um verbo acompanhado de um complemento. […] Os critérios espacial e temporal interligam, respectivamente, o lugar e o tempo nos quais o fato jurídico

19 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006,

p. 22.

20 Regra-Matriz de Incidência Tributária (RMIT): nomenclatura talhada por Paulo de Barros

Carvalho para a norma jurídica no campo do direito tributário, ou seja, é a norma jurídica primária dispositiva.

21 LINS, Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária. Decadência e

(29)

tributário pode ocorrer. Aqui (nos critérios do consequente), temos os critérios subjetivo e quantitativo da RMIT. Aquele aponta para os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária; este, para os critérios de apuração do quantum pertinente ao tributo. São seus componentes a alíquota e a base de cálculo.

Importante salientar que o tributo só incidirá quando o fato jurídico tributário (evento ocorrido no mundo do ser e vertido em linguagem competente) possuir identidade total com os critérios previstos na hipótese tributária. Paulo de Barros Carvalho denomina esse fenômeno de subsunção do fato à norma.

Quanto à RMIT, entendemos necessário também tratar dos aspectos referentes à generalidade, individualidade, abstração e concretude, vez que são termos aos quais recorremos com frequência neste trabalho.

Conforme já exposto, no antecedente da norma jurídica estão o fato jurídico tributário e os critérios material, temporal e espacial utilizados para sua constituição. Já, no consequente da norma, repousa a relação jurídica, com seu aspecto pessoal ou, melhor dizendo, critério subjetivo e seu aspecto quantitativo, representado pela alíquota e base de cálculo.

Nesse critério subjetivo encontram-se os sujeitos ativo e passivo, sendo que a estes últimos dizem respeito os predicados normativos ‘generalidade’ e ‘individualidade’. A RMIT será geral quando os sujeitos passivos da relação jurídica tributária forem uma coletividade, ‘indeterminada nas individualidades componentes’. Por sua vez, quando a norma jurídica trouxer em seu consequente critérios precisos para identificação dos sujeitos passivos, estaremos diante de uma norma jurídica individual22. Nas palavras de Robson Maia Lins23:

22 Tudo conforme Robson Maia Lins (Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária.

Decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 65).

23 LINS, Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária. Decadência e

(30)

Por isso e estamos reiterando a informação , a generalidade/individualidade da norma não possui qualquer relação com seu processo de produção (enunciação-enunciado), mas o conteúdo prescritivo (enunciado-enunciado).

[…] Daí o acerto da jurisprudência do STF quando afirma que o

critério “generalidade” para a norma ser sindicada no controle concentrado importa o aspecto “material” da lei e não o “formal”, ou seja, importa a generalidade do produto e não do

processo.

Por outro lado, abstração e concretude são elementos inerentes ao antecedente da norma jurídica: se a ação descrita só for aplicável uma única vez, para aquela relação jurídica, estaremos diante de uma norma concreta. Se, por outro lado, a previsão for de uma situação hipotética e a norma estiver apta a ser aplicada quantas vezes a situação ali prevista se repetir, estaremos diante de uma norma abstrata.

1.6 Incidência normativa e sua relação com a aplicação

Ao tratarmos do tema norma jurídica, não podemos deixar de examinar o fenômeno da incidência normativa.

Pontes de Miranda, Alfredo Augusto Becker e Miguel Reale são representantes da doutrina tradicional no que diz respeito à teoria da incidência. Para esses autores, a incidência é fenômeno automático e infalível. Segundo os ensinamentos de Becker24:

Ora, com o acontecer dos fatos, vão se realizando (existindo no presente e no pretérito), um a um, os elementos previstos na composição da hipótese de incidência, quando todos os elementos se realizaram (existem no presente e no pretérito), a hipótese de incidência realizou-se e, então, automaticamente (imediata, instantânea e infalivelmente) aquele instrumento entra em dinâmica e projeta uma descarga (incidência) de energia eletromagnética (juridicidade) sobre a hipótese de incidência realizada.

Recebendo esta carga de energia (de juridicidade), a hipótese de incidência fica carregada de energia eletromagnética (juridiciza-se) em estado dinâmico, cujo efeito é a irradiação

24 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,

(31)

(pela hipótese de incidência já juridicizada) da eficácia jurídica: a relação jurídica e seu conteúdo jurídico de direito e correlativo dever, de pretensão e correlativa obrigação, de coação e correlativa sujeição.

E ainda:

A incidência da regra jurídica é infalível, o que falha é o respeito aos efeitos jurídicos dela decorrentes. Não existe regra

jurídica “ordenando” a incidência das demais regras jurídicas; a

regra jurídica incide porque o incidir infalível (automático) é justamente uma especificidade do jurídico como instrumento praticável de ação social.

Tal posicionamento se justifica principalmente pelo fato de esses autores não diferenciarem os planos de linguagem do direito positivo e do direito social que, como vimos mais acima, são planos distintos e que não chegam a se tocar, prescindindo sempre de uma outra linguagem que possa recair sobre o plano social e juridicizá-lo.

Sob a ótica dos mencionados autores, a norma jurídica, no próprio plano social, incidiria sozinha, independentemente do ato humano, assim que os fatos se concretizassem, fazendo com que eles produzissem os efeitos dispostos no consequente dessa norma. Para Pontes de Miranda, a aplicação, sim, depende de um ato de vontade, sendo somente a formalização da incidência por autoridade competente, destacando-se que pode vir ou não a ocorrer.

Por outro lado, a teoria de Paulo de Barros Carvalho diverge da acima esposada. Para ele: (i) a subsunção depende de um ato humano e (ii) uma vez que direito positivo e realidade social se encontram em planos distintos, é necessário que haja uma linguagem para que os fatos sociais adentrem no ordenamento jurídico e produzam efeitos. Clarice von Oertzen de Araújo25, ao estudar a teoria do renomado autor, ensina:

Na concepção de Barros Carvalho tanto os fatos jurídicos como as relações jurídicas possuem a natureza de fatos

25 ARAÚJO, Clarice von Oertzen de. Incidência Jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses,

(32)

enunciativos, linguísticos, e, portanto, compreendidos entre o gênero dos fatos semióticos. A constituição linguística interna dos fatos e relações jurídicas varia conforme o fato componha o antecedente ou o consequente de uma norma individual e concreta. Na primeira possibilidade, o fato apresenta-se como uma predicação monádica. Caso esteja localizado no consequente das referidas normas, a predicação será poliádica. Para a formulação dos fatos jurídicos, a síntese deôntica será apenas mencionada (função descritiva da linguagem). De modo diverso, os enunciados que inserem no ordenamento objetivo as relações jurídicas tributárias apresentam o functor deôntico em uso (função prescritiva ou conativa da linguagem).

Sob a perspectiva acima mencionada, a norma só irá incidir ao ser aplicada. Nosso entendimento vai ao encontro da última teoria mencionada, e este é o posicionamento adotado no decorrer deste trabalho.

Aurora Tomazini de Carvalho tece interessantes comentários comparando as teorias de Pontes de Miranda e Paulo de Barros Carvalho. Segundo a autora, na ótica de Paulo de Barros Carvalho, a incidência também é automática e infalível, não mais no momento do evento, como defende Pontes de Miranda, mas com relação ao fato jurídico, ou seja, evento já vertido em linguagem. Melhor explicando: uma vez constituído o fato jurídico através de linguagem competente, automática e infalivelmente terão lugar os efeitos jurídicos a ele concernentes26.

Ao adotarmos a teoria de Paulo de Barros Carvalho, também assumiremos que incidência e aplicação são sinônimos, uma vez que a norma jurídica não incidirá sozinha sobre o evento ocorrido no mundo social, prescindindo de uma autoridade competente, a ser determinada pelo ordenamento jurídico, que, tomando por base uma norma geral e abstrata, crie uma norma individual e concreta.

A autoridade competente percorrerá, então, o seguinte caminho na aplicação: a partir da interpretação dos enunciados jurídicos, construirá a hipótese de uma norma geral e abstrata, que contém critérios para identificar um fato jurídico, e também seu consequente, que, por sua vez,

26 Tudo conforme Aurora Tomazini de Carvalho (Curso de Teoria Geral do Direito o

(33)

contém critérios de identificação de uma relação jurídica. Através da linguagem das provas, terá acesso à linguagem social e, interpretando-a, realizará a subsunção, produzindo uma nova linguagem jurídica consubstanciada em uma norma individual e concreta, na qual o antecedente será este fato “recortado” do mundo social, e o consequente, uma relação jurídica pelo aplicador imputada.

Quanto aos temas da interpretação, incidência e aplicação, valorosas as lições de Tathiane dos Santos Piscitelli27:

A aplicação do direito pode ser o resultado da interpretação, mas com ela não se confunde. O processo de construção de sentido da norma, que resulta em uma dada interpretação é, em verdade, anterior à aplicação da regra para a solução do caso concreto. A aplicação seria mais identificável com a subsunção, do que com o processo de interpretação que é muito mais complexo e envolve várias outras etapas.

E prossegue:

Ora, caso de parta da postulação que este trabalho realiza, de que a interpretação é uma atividade criativa, de construção de sentido pelo intérprete, como decorrência necessária tem-se que, nos casos em que essa atividade é realizada pelo Poder Judiciário, não bastará a indicação das fontes legislativas para a satisfação dos problemas jurídicos que se apresentam. É evidente que ocorrerá uma valoração dos termos da regra e, internamente a essa atividade (de interpretação) está a de justificação, já que não basta aos juízes que indiquem a solução adequada ao caso; eles devem enunciar as razões pelas quais entendem que está (sic) é a decisão mais acertada. Ainda a respeito da importância da incidência, informa Luis Carlos A. Merçon de Vargas28:

Dito de outra forma: é por meio das relações entre normas superiores e inferiores que o direito caminha em relação às condutas humanas. Ocorre que entre essas partes do todo, há sempre algo que as conecta. Esse algo é justamente a

27 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando pelas consequências no direito

tributário. São Paulo: Noeses, 2011, p. 100-101.

28 VARGAS, Luis Carlos A. Merçon de. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

(34)

incidência das normas jurídicas. Metaforicamente falando, se as normas fossem os tijolos de uma construção, a incidência seria a aplicação do cimento que os liga, e compõe o todo do edifício.

(35)

2 INTERPRETAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA

2.1 Os planos de linguagem

Ainda a título de introdução aos temas que serão estudados nos próximos capítulos, embora não seja alvo deste trabalho um aprofundamento na teoria da linguagem, vez que o tema por si só já seria material suficiente para um trabalho de dissertação, consideramos importante, uma vez que o direito é um corpo de linguagem que se presta a prescrever condutas, tratar dos planos de linguagem.

De fato, aquele que se propuser a interpretar o enunciado prescritivo e criar a norma jurídica deverá passar pelos três planos de linguagem: o sintático, o semântico e o pragmático.

No plano sintático, verificará as relações que os signos estabelecem entre si. No semântico, constatará a relação entre esses signos e o objeto que eles representam. Por fim, no campo pragmático, estudará as formas através das quais os utentes interpretam essa linguagem, ou seja, a relação entre a linguagem e seu intérprete.

Nas palavras de Robson Maia Lins29:

O plano sintático traça as regras de arrumação da sequência frásica dos signos, de forma que seja possível estabelecer-se relação comunicativa. Assim, o plano sintático é um prius em relação aos semântico e pragmático. O plano semântico tem a ver com a significação dos signos empregados. Neste nível a investigação gira em torno das possíveis significações da palavras, fases e orações. […] O plano pragmático é aquele em que a relação utente/signo é analisada. Na comunicação, mesmo a científica, o plano pragmático tem grande importância na determinação das significações construídas (princípio da predominância do plano pragmático), sendo, pois, decisivo para precisar o plano semântico.

29 LINS, Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária. Decadência e

(36)

Os planos de linguagem voltarão a ser estudados sob a perspectiva do percurso gerador do sentido, no item 2.8.

2.2 Suporte físico, significado e significação no direito positivo e na Ciência do Direito

Embora não tenhamos neste trabalho a pretensão de aprofundamento nos estudos da Semiótica30, não podemos nos furtar de explicar o signo e o triângulo semiótico, em seus três elementos: suporte fático, significado e significação.

De forma genérica, o signo é qualquer coisa que signifique algo para o intérprete, sendo uma relação triádica entre um suporte físico, um significado e uma significação31.

O suporte físico é a parte do signo com a qual travamos contato fisicamente, podendo tanto ser algo palpável, quanto algo imaterial, como as ondas sonoras e gestos. Ele se refere a um significado que, embora seja material, não precisa ser real. Um dinossauro, uma fada, um unicórnio ou até mesmo um saci podem ser significados, embora façam parte do mundo imaginário e passado (no caso do dinossauro).

Por fim, a ideia que é suscitada na mente do intérprete por esse significado é sua significação.

Tomemos como exemplo o signo “sol”. As marcas de tinta da palavra sol deixadas no papel são seu suporte físico. O significado é o próprio astro. A significação é aquilo que é suscitado na mente do intérprete quando ele tem acesso ao suporte físico. Nesse caso, a significação pode remeter ao astro ou a um desenho infantil ou até mesmo a um nome próprio feminino. Conforme ilustração abaixo:

30 Semiótica é a Teoria Geral dos Signos, ou seja, a Ciência que objetiva o estudo dos

signos.

31 Para Humberto Eco: significante, referente e significado. Para Peirce: signo, objeto e

interpretante, conforme Aurora Tomazini de Carvalho (Curso de Teoria Geral do Direito –

(37)

Significação (na mente do intérprete)

“SOL”

suporte físico Significado

Aplicando esta tríade ao direito positivo, teremos que o suporte físico são os enunciados prescritivos (artigos, incisos e parágrafos de uma lei), enquanto o significado é a própria conduta humana à qual os enunciados se dirigem, e a significação é a norma jurídica construída na mente do intérprete.

Por outro lado, na Ciência do Direito, temos como suporte físico os próprios enunciados descritivos (frase em um livro, onda sonora de um discurso de um cientista), como significado o próprio direito positivo aos quais esses enunciados se reportam, e como significação as proposições descritivas que nascem na mente de quem as interpreta.

Com essa breve explanação, não guardamos a ilusão de ter esgotado o tema, tendo em vista sua riqueza, mas, pelo menos, de permitir que os termos signo, suporte físico, significado e significação possam ser compreendidos quando utilizados no decorrer deste trabalho.

2.3 Linguagem e os vícios de linguagem

Dando sequência ao nosso raciocínio: ao tratar da interpretação, não podemos nos eximir de tecer alguns comentários a respeito da linguagem, vez que sem linguagem não seria possível qualquer interpretação.

(38)

uma convenção. Conforme observa Carrió32, a convenção será explícita no caso das linguagens artificiais e tácita no caso das linguagens naturais.

O exegeta, na linguagem jurídica, se utiliza de termos cunhados na linguagem natural, vez que a prerrogativa de criar novas palavras pertence a profissionais de outras especialidades. Esse fato, conforme já comentamos, explica a linguagem jurídica ser eivada de ambiguidade, vaguidade e alta carga emotiva.

A ambiguidade é característica dos termos que, dependendo do contexto, podem apresentar diferentes significados, conotar sentidos distintos. É o caso do vocábulo manga, que pode se referir à fruta, à peça de roupa ou até mesmo ao verbo mangar.

Já a imprecisão diz respeito à característica de certas palavras, cuja aplicação repousa em uma zona de penumbra. Tomemos como exemplo o vocábulo urgente, que para cada intérprete poderá ter uma significação diferente: espaço de tempo correspondente a um mês, um dia ou uma semana. A extensão do vocábulo, se não houver uma definição a explicitar o termo, vai depender do critério de cada exegeta.

Por fim, no que diz respeito à carga emotiva, decorre do próprio fato de que, ao interpretar, o exegeta, sendo um ser cultural e impregnado de valores, os utilizará ao atribuir sentidos.

Em resumo: na linguagem natural, influenciarão não somente os aspectos sintático e semântico, mas também o pragmático, ou seja, o contexto em que esta linguagem está sendo utilizada. Nas palavras de Tácio Lacerda Gama33:

Problemas semânticos de ambiguidade e vaguidade, próprios da linguagens não formalizadas, deslocam as atenções para disputas sobre o sentido deste ou daquele termo. Uma névoa de imprecisões semânticas desvia as atenções do intérprete para temas que nada tem que ver com a estrutura dos discurso.

32 CARRIÓ, Genaro. Notas sobre Derecho y Lenguaje. 4. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,

1990.

33 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da

(39)

Diante desse quadro, caberá ao intérprete determinar em que sentido um certo vocábulo é utilizado e qual o seu alcance.

2.4 Conceito de interpretação e a interpretação da norma jurídica

Antes mesmo de conceituar o vocábulo interpretar, gostaríamos de iniciar nosso trabalho socorrendo-nos das lições de Tárek Moussallem34, para, em um exercício linguístico, tratar da própria “definição”. Senão vejamos:

Igualmente, é de bom alvitre advertir que definir o conceito de uma palavra é algo extremamente diverso de descrever (constituir a realidade). Vimos que a definição do conceito de direito não busca descobrir os aspectos mais profundos do mundo físico, justamente por ser intangível.

O objetivo de se definir é explicitar o conceito (aqui entendido como significado) das palavras (símbolos) empregadas no processo comunicacional, sempre empregando outras palavras.

Nesse ponto, cumpre repisar que os termos advindos da linguagem natural e que expressam os conceitos jurídicos fazem com que estes sejam, não raras vezes, imprecisos e ambíguos. Tornar-se-ão necessárias, então, as definições, que se prestam a superar esses vícios de linguagem.

Muitas das vezes, o intérprete e aplicador da lei acaba se confundindo entre os institutos da definição e do conceito, utilizando-se da definição (que seria aplicável a um determinado contexto) no lugar do conceito do termo, situação que tem potencial para prejudicar o processo de exegese35.

34 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses,

2006, p. 38.

35 Aqui cabe uma interessante digressão trazida na obra de Eros Grau: uma vez feita a

diferenciação entre conceito e definição, resta afastada a existência de “conceitos indeterminados”, sendo somente possível haver termos indeterminados em conceitos. E para esclarecer esses termos indeterminados é que se presta a definição. O autor ainda

(40)

Feito esse preâmbulo, informamos que o conceito do vocábulo interpretar, no dicionário Houaiss e em outros dicionários não filosóficos, ignora a corrente do giro-linguístico, sobre a qual trataremos no item seguinte. De fato, segundo este dicionário, interpretar é:

1 determinar o significado preciso de (texto, lei etc.) 2 adivinhar a significação de (algo) por indução

Exs.: i. sonhos i. um olhar

3 dar certo sentido a; entender; julgar

Exs.: interpretou mal as palavras do colega

interpretou aquele afastamento como rejeição[…].36

O entendimento mais ligado à ótica tradicionalista a respeito da exegese realmente é o de que a interpretação estaria ligada a apreender o sentido existente em um texto37.

Não nos deteremos nessa conceituação tradicionalista que bastante se afasta do giro-linguístico, vez que não nos parece a mais acertada e não será a adotada como premissa neste trabalho de pesquisa. No entanto, mister é frisar que essa conceituação é a adotada muitas vezes tanto na Ciência do Direito como no Direito Positivo, sobretudo nas decisões judiciais.

Na esteira desse pensamento se posiciona, por exemplo, Rubens Gomes de Souza38:

A dicotomia entre “mens legis” e a “mens legitoris” repousa

sobre a premissa de que, uma vez editada a lei, ela adquire uma existência própria e autônoma, obviamente não no plano normativo, mas no plano intelectual da interpretação, diversa

conceito indeterminado, há, na verdade, noção. E a noção jurídica deve ser definida como idéia que se desenvolve a si mesma por contradições e superações sucessivas e que é, pois, homogênea ao desenvolvimento das coisas [Sartre].” (Destaques do

original). (Ensaio e discurso sobre Interpretação/Aplicação do Direito. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2006).

36 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro:

Objetiva, 2009, s.v. interpretar.

37 Conforme já informamos, neste trabalho o vocábulo texto terá sentido amplo, dizendo

respeito a tudo aquilo que puder ser interpretado.

38 SOUZA, Rubens Gomes de. Normas de intepretação no Código Tributário Nacional. In:

RIBEIRO, Bernardo de Moraes et al. Interpretação no direito tributário. São Paulo:

(41)

ou independente, não necessariamente oposta, mas não necessariamente vinculada à intenção que teria tido seu autor. Confessamos, dentro de nossas limitações, que nunca conseguimos entender como um texto, que por sua natureza é uma formulação abstrata para aplicar-se a hipóteses quando estas se verifiquem em concreto, possa adquirir uma vida própria e independente da orientação mental que lhe deu origem. Afinal a lei (e por força dos nossos pecados talvez melhor do que ninguém saibamos disso) é um produto do esforço mental humano.

Comunga desse entendimento também o Mestre Roque Antônio Carrazza39:

Sem outras considerações, que não vêm para aqui, a interpretação é uma atividade cognoscitiva que visa a precisar o significado e o alcance das normas jurídicas, possibilitando-lhes uma correta aplicação. Esta tarefa, voltada, precipuamente, à descoberta da mens legis (da vontade do Estado contida na norma jurídica), exige a constante invocação dos grandes princípios, mormente em face das disposições incertas e das palavras equívocas ou polissêmicas que costumam recamar nossos textos legislativos.

Outro posicionamento adotado pela doutrina da hermenêutica tradicionalista e que nos parece equivocado é a existência de textos cuja clareza dispensaria o processo de interpretação. Segundo esta tese, em alguns casos, a “letra da lei” é de tal forma transparente, que prescindiria o processo de exegese. Sobre este posicionamento, leciona Fabiana Del Padre Tomé40, citada por Rosana Oleinik Pasinato41:

O adágio segundo o qual, ´na clareza da lei cessa a interpretação´, não se sustenta. Até mesmo para dizer que uma lei é clara, demanda-se interpretação, a qual pretende dar, ingenuamente, aquele sentido unívoco. E isso ocorre exatamente porque quando o legislador elabora o texto,

39 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28. ed. São

Paulo: Malheiros, 2012, p. 52.

40 Deter-nos-emos mais sobre o assunto no capítulo relativo ao percurso gerador de

sentido.

41 PASINATO, Rosana Oleinik. Pressupostos condicionantes da interpretação no direito

tributário. Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) – Pontifícia Universidade Católica

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