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A casa de férias de Moledo

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Academic year: 2021

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A casa de férias de Moledo

JOÃO CERQUEIRA

Revista da Faculdade de Letras CIÊNCIAS E TÉCNICAS DO PATRIMÓNIO Porto 2006-2007 I Série vol. V-VI, pp. 129-134

Resumo

A necessidade de recuperar do desgaste físico e psicológico imposto pelo modo de vida urbano e o desejo de usufruir dos prazeres da vida, que a partir dos anos 50 passa a estar associada à evasão para os campos e para as praias, dá origem, uma década depois, a uma vaga de construções de casas de férias por todo o país que no Alto Minho tiveram o seu expoente no Concelho de Caminha, em concreto na freguesia de Moledo do Minho.

Abstract

The need to recover from physical and psychological wear imposed by the urban way of life and a desire to enjoy the pleasures of life, from that of the 50 will be associated with evasion to the fields and to the beaches, leads, a de- cade after , A wave of constructions of holiday homes across the country that the Alto-Minho had its exponent in the Municipality of Caminha, specifically in the parish of Moledo of Minho

Casa Santos Silva – arquitecto Magalhães Carneiro

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A necessidade de recuperar do desgaste físico e psicológico imposto pelo modo de vida urbano e o desejo de usufruir dos prazeres da vida, que a partir dos anos 50 passa a estar as- sociada à evasão para os campos e para as praias, dá origem, uma década depois, a uma vaga de construções de casas de férias por todo o país que no Alto Minho tive- ram o seu expoente no Concelho de Caminha, em concreto na fregue- sia de Moledo do Minho.

Essa estadia é encarada como a libertação das tensões acumuladas du- rante os meses de traba- lho, funcionando a casa como casulo protector destinado a retemperar as forças mas também como local propício ao convívio e à afirmação social. Se para os arquitectos a integração na natureza e, em alguns casos, a absorção da tradição regional de construir, é condição indispensável para assegurar a qualidade da obra construída para muitos utentes funciona também como garante de autenticidade de uma estadia na praia, ou no campo, destinada a esquecer, durante tal período de tempo, a cidade.

Do encontro de obras de arquitectos prestigiados que ousam trilhar novos rumos com obras de construtores anónimos detentores de um conhecimento ba-

seado na experiência prática não resulta um choque de culturas mas uma confluência de formas arquitectónicas, que se diluem tal o en- contro de duas corren- tes de água, na qual, em alguns exemplos, as construções antigas renascem transfiguradas em construções moder- nas que não esquecem a História. Assim, man- tendo viva a memória e religando o presente

Casa Graça Spratley, arquitecto Álvaro Resende Casa do Arquitecto José Quintão

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com o passado, as casas de férias permitem recuperar antigas habitações de cam- poneses, onde cada pedra carrega uma história e uma tradição, que, devido à fuga da população rural para as cidades, estavam condenadas ao abandono e à ruína.

Desta forma, numa época em que a degradação do ambiente natural se intensifica e a preservação do património tradicional continua negligenciada, revitalizam a estrutura urbana do campo, mantendo as formas mas substituindo as funções, do- tando-a de um saudável fulgor que noutras localidades parece irremediavelmente perdido. Como se o espírito do lugar do Concelho de Caminha renascesse para suster a vaga agressiva de construções desordenadas que o crescimento do turismo na região tenderia a impor.

No entanto, apesar da supracitada integração no sítio, a casa de férias – inserida numa amplitude geográfica que abrange os montes de Argela e de Caminha, o zona agrícola de Cristelo e de Seixas e o centro de Moledo, não faz, nem pretende fazer, desaparecer a dicotomia entre o espaço rural e o espaço urbano. Mas, ao transpor conceitos arquitectónicos modernos para a província, numa contaminação imparável de consequências imprevisíveis, e ao permitir a estadia de habitantes das cidades no campo, funciona como elo de ligação entre as duas culturas.

Contudo, talvez se trate apenas de uma relação unívoca, na medida em que são os citadinos quem se aproximam e descobrem algo, ainda que superficial, da ruralidade ficando os autoctónes limitados a um conhecimento dis- torcido da cultura e do modo de vida urbano.

Mesmo assim, pela novi- dade introduzida, as casas de férias do Concelho de Caminha transformam-se num modelo para os ha- bitantes locais que, num mimetismo ingénuo do- minado pelo desejo de se equipararem a uma classe percepcionada como alta e sofisticada, introduzem alterações nas suas anti- gas moradias, como por exemplo o uso inusitado da cor amarela nas fachadas, tomando como referência as construções dos citadinos.

Embora tenham contribuído para o desenvolvimento de um equilibrado orde- namento urbanístico, refreando a natural tendência para a especulação imobiliária que qualquer colónia balnear propicia, a crescente vaga de casas de férias cons- truídas ao longo dos anos atrai no mês de Agosto à colónia balnear de Moledo

Casa Ricardo Pais, arquitectos Alves Costa e Sérgio Fernandes

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multidões de veraneantes que, dada a reduzida dimensão da praia_ devorada pela avanço do mar, e a falta de instalações hoteleiras e de restauração, a transformam num local caótico, pautado pelo conflito entre o tráfego pedonal e o tráfego auto- móvel, pouco propício ao sossego e à tranquilidade ansiada nas férias. Com o seu vestuário de marca, os carros de alta cilindrada, os jipes, as motas de água, o inces- sante ruído dos telemóveis e as formas de linguagem peculiares, os novos senhores

de Moledo impõe a sua presença mediante a ostentação de bens e posturas de comportamento so- cial que os identificam como um grupo particular. Nessas alturas, descontando o aspecto urbano e a natureza envolvente, o local as- semelha-se a uma qualquer zona balnear do Algarve saturada de turistas. Superando a mera mi- mése folclórica as casas de férias apresentadas neste estudo, na sua vertente vernácula, reflexionam sobre os aspectos primordiais da cultura arquitectónica portugue- sa, numa reconquista da identi- dade regional, tendo em conta uma herança cultural na qual o respeito pela integração na na- tureza se inclui. Essa perfeita co- munhão com o sítio confere-lhe um sentido de equilíbrio com o tempo que as impede de se tor- narem anacrónicas. Por outro lado, ao reconciliar a tradição com a modernidade, consubstanciando as características mais válidas e adequadas de ambas, a casa de férias demonstra que a memória histórica pode constituir um precioso auxílio para a imaginação criativa do arquitecto. A presença de elementos modernos transfor- ma-a numa arquitectura híbrida que floresce numa singularidade de soluções, num processo heurístico em que os modelos vernáculos fornecem inspiração para a revisão da modernidade. Assim, coliga sem conflito duas linguagens distintas para conseguir responder a questões fulcrais da arquitectura como a funcionalidade, o sentido estético e a integração na natureza. Dessa forma, articula conceitos opostos como o urbanismo e a ruralidade, a técnica e a natureza, o rigor e a informalida- de.

Limitados pela necessidade de contenção volumétrica e sobriedade dos mate- riais utilizados mas livres para procederem a experimentações na composição dos espaços interiores e no diálogo com o meio envolvente, os arquitectos nortenhos

Casa do arquitecto Correia Fernandes

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(na maioria pertencentes à escola do Porto) criam moradias que exploram novos conceitos de habi- tar e de sentir uma casa onde a proximidade hu- mana e a envolvência com a natureza consti- tuem valores primordiais sem sacrifício dos prin- cípios de racionalidade construtiva. A casa de férias torna-se assim uma das vias principais para a libertação da criatividade ancilosada pelas normas rígidas do modernismo demonstrando ao mesmo tempo que nenhuma forma de progresso, ou desenvolvimento sustentado, pode voltar as costas à natureza ou às tradições de uma região.

Relativamente às casas onde predomina a livre expressão de estilos contemporâneos, conquanto as suas fachadas exibam uma linguagem estranha ao urbanismo local, a depuração plástica das suas formas, resultante de um acurado purismo geométrico, permite-lhes inserir-se em harmonia no sítio, quer junto à montanha quer junto à praia. Sem abdicarem de uma assumida identidade contemporânea, que o acompanhamento das novas tendências afirma, estas vivendas, sobretudo as de piso térreo, satisfazem as exigências de integração na natureza e de respeito pela tradição e pela cultura da região. Para tal também contribui o facto de os terrenos onde foram implantadas beneficiarem de relativo isolamento (casas António Reis, Alzira Meeiro e Marques Guedes), de considerável protecção por parte da vegetação existente (casa Rui Teixeira) ou de disporem de um sistema de vedação que as isola do exterior (casa Ricardo Pais). Este conjunto de características permitiu aos arquitectos, ante a quase ausência de referências arquitectónicas envolventes, uma grande liberdade de criação sem temerem o impacto da materialização das suas ideias, de que resulta uma assinalável variedade morfológica entre os edifícios.

Podemos inclusive afirmar que essa diversidade, numa antítese da uniforme tendência urbana, onde a casa vernácula se dissolve na vaga de novos edifícios sem identidade definida, que a região apresenta, transforma o eclético conjunto das casas de férias do Concelho de Caminha, se incluirmos também os exemplos construtivos de duvidoso gosto estético, num modelo de estudo de grande riqueza arquitectónica, histórica e sociológica. A variedade de tipologias e de linguagens destas casas de férias testemunha a riqueza, onde a revisão vernacular da

Casa Alcina, arquitecto Sérgio Fernandes

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modernidade dá lugar, nos anos noventa, à fractura da multiplicidade de estilos, da arquitectura portuguesa. Desta forma, elas evocam as reflexões sobre a questão da tradição construtiva, do legado regionalista e da modernidade no que pode ser considerado como uma continuação, superada a problemática dos historicismos, das reflexões iniciadas no princípio do século XX sobre a Casa Portuguesa e prosseguida por Távora quarenta anos depois com o ensaio O Problema da Casa Portuguesa.

Ao contrário das mansões e challets do início do século XX, cuja imitação de modelos estrangeiros e a monumentalidade destoante da malha urbanística envolvente denotam o anseio de afirmação social dos seus proprietários, as casas presentes neste estudo patenteiam um desejo de acompanhar as novas tendências arquitectónicas, do qual ressalta mais o intuito de integração numa corrente estética moderna que a emulação social, e uma necessidade de privacidade e conforto que, em alguns casos, as desloca para zonas isoladas.

Nascidas da vontade dos arquitectos ousarem aplicar um programa conceptual específico, que em cada época se afirmou pela inovação e pelo arrojo, destinado a proporcionar qualidade de vida aos seus utentes, a sua materialização exigiu também encomendadores cultos dispostos a aceitar novas tendências arquitectónicas, por vezes, como sucedeu na casa Alves Costa, tendo de enfrentar a oposição tenaz do município local. Para além dos arquitectos que construíram as suas próprias casas os restantes proprietários possuem, numa considerável maioria, formação superior diversificada constituindo assim a outra face da moeda sem a qual esta não poderia existir.

Santuários da eubiótica e do hedonismo estas moradias possuem um indefinível sortilégio, catalizador dos sentidos, cujo deleite singular só os seus frequentadores mais assíduos conhecem. Ciosas dos seus enlevos exigem tempo e dedicação – uma entrega genuína ao lazer, para revelarem a plenitude dos seus secretos encantos. Concebidas, essencialmente, para o Verão proporcionam em qualquer estação do ano uma gratificante sensação de convivência íntima com a natureza, de descoberta e partilha dos seus segredos que nos recorda quais são, afinal, os valores mais importantes da nossa existência.

(Excerto da Tese de mestrado em História da Arte: A casa de férias de Moledo – Entre a revisão vernacular da modernidade e a livre expressão de estilos contemporâneos)

Referências

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