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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE HISTÓRIA E PRÁTICAS DE PESQUISA NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO*

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE HISTÓRIA E PRÁTICAS DE PESQUISA NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO*

* Recebido em: 04.10.2015. Aprovado em: 22.10.2015.

** Doutora em História. Professora do Departamento de Metodologia de Ensino do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: moniclio@uol.com.br.

Mônica Martins da Silva**

Resumo: reflexões sobre a formação de professores de história no Estágio Supervisionado, análise de práticas de pesquisa e produção de materiais didáticos, com novas aborda- gens acerca dos povos africanos, afrodescendentes e indígenas, construídos a partir da inter-relação teórica e metodológica entre conhecimento histórico escolar e produção historiográfica. Apresenta-se os percursos do trabalho, a construção de referenciais teórico-metodológicos e elementos do currículo em ação.

Palavras-chave: Ensino de História. Prática de Pesquisa. Povos africanos, afrodescen- dentes e indígenas. Saber Histórico Escolar.

HISTORY TEACHERS TRAINING AND RESEARCH PRACTICES IN THE SUPER- VISED INTERNSHIP

Abstract: reflections on history teachers training in the Supervised Internship, research prac- tices and production of teaching materials with new approaches on African, Afro-descendants and indigenous people. They were built from theoretical and methodological interrelations between academic records knowledge and historiographical production. It is possible to show the work’s paths, construction of theoretical and methodological frameworks and elements of the curriculum in action.

Keywords: History Teaching. Research Practice. Academic Records Knowledge. History and Culture of African, Afro-descendants and Indigenous people.

A formação inicial de professores constitui tarefa de grande desafio para os cursos de licen-

ciatura, que precisam escolher como melhor organizar o currículo, de modo a contemplar

as disciplinas do campo de referência do curso e também aquelas que constituem o núcleo

pedagógico e da prática profissional, como os estágios supervisionados. A Resolução CNE/CP nº 2, de

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19 de fevereiro de 2002, alterada, recentemente, pela Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, instituiu a carga horária mínima de duração dos cursos, indicando a necessidade do cumprimento de 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado, a partir do início da segunda metade do curso. Essa diretriz possibilitou, em grande medida, modificar o modelo de formação, conhecido como “3+1”, que deslocava as disciplinas relativas à formação pedagógica para o final do curso, assim como concebia que a formação de professores era tarefa exclusiva dessas disciplinas.

Apesar de essa mudança ter produzido uma grande alteração na concepção curricular de muitas licenciaturas, alguma permanências ainda perduram, como a dificuldade em equilibrar a dimensão teórica e prática no decorrer do processo formativo e a incorporação da dimensão da pesquisa como um dos “princípios pedagógicos essenciais ao exercício e aprimoramento do profissional do magistério e ao aperfeiçoamento da prática educativa” (BRASIL, 2015). No campo da História, o debate acerca da indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa, estrutura a discussão em torno da profissionalização do oficio de historiador no Brasil, cujo projeto aguarda há décadas a aprovação do legislativo federal, questão que também orienta inúmeros embates em torno da organização curricular de diferentes cursos de História do país.

Nesse texto, vou apresentar experiências de formação de professores de História, por meio de disciplinas de Estágio Supervisionado que ministro no curso de História da Universidade Federal de Santa Catarina, desde 2010. Elas fizeram parte do projeto de pesquisa “Saber Escolar e conhecimento histórico: itinerários para novas configurações da história ensinada” desenvolvido no Departamento de Metodologia de Ensino do Centro de Ciências da Educação da UFSC entre os anos de 2009 e 2012

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, cujo objeto central foi a formação de professores de história articulada à produção de materiais didáticos para a educação básica, com novas abordagens acerca da história dos povos africanos, afrodescendentes e indígenas, em diálogo com as leis 10639/03 e 11645/08, construídos a partir da inter-relação teórica e metodológica entre conhecimento histórico escolar e produção historiográfica. Serão apresentados os percursos do trabalho de investigação de alguns alunos que culminaram em projetos de ensino e planos de aula, a construção de referenciais teórico-metodológicos para a abordagem dos temas e alguns elementos do currículo em ação, referente à prática pedagógica decorrente desses trabalhos.

A PRÁTICA DA PESQUISA NA FORMAÇÃO INICIAL

O ensino de história dos povos africanos, afrodescendentes e indígenas ganhou um novo im- pulso com a legislação que definiu a obrigatoriedade desses temas nos currículos da educação básica.

Embora essa questão constitua uma preocupação recorrente, já há bastante tempo, as leis 10639/2003 e 11645/2008 delineiam um discurso normatizador que define o papel dos currículos escolares na inserção de conteúdos específicos sobre esses grupos, na perspectiva de uma educação afirmativa e de positivação das suas experiências e trajetórias individuais e coletivas.

Compreendendo a importância dessas temáticas para a formação dos professores de História do mundo contemporâneo, um dos objetivos centrais do trabalho foi incorporar a dimensão da pesquisa na formação inicial de professores (as) de história, articulada à produção de materiais didáticos para a educação básica, com novas abordagens acerca da história dos povos africanos, afrodescendentes e indígenas, em diálogo com as leis 10639/03 e 11645/08, construídos a partir da inter-relação teórica e metodológica entre conhecimento histórico escolar e produção historiográfica (DELGADO, 2010).

Essa perspectiva de trabalho possibilitou o constante exercício da autoria dos (as) alunos (as) /pesquisadores (as) que foram estimulados, em diferentes momentos, a construir propostas de trabalho que mobilizassem os diferentes saberes constituídos no decorrer do seu processo formativo, orientadas por uma metodologia de trabalho que articulou os conhecimentos pedagógicos prévios, os conhecimentos específicos do campo disciplinar da formação e os diversos elementos constitutivos do currículo e da cultura escolar do Colégio de Aplicação da UFSC, instituição que participou da construção da proposta e abrigou o projeto nas suas diferentes fases.

A primeira etapa do trabalho consistiu na inserção dos alunos/pesquisadores no cotidiano

do Colégio de Aplicação por meio de um conjunto de procedimentos de investigação que deveriam

apontar os diversos elementos constitutivos da cultura escolar como: as características gerais do

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trabalho pedagógico; as especificidades do currículo da disciplina História e a prática pedagógica dos professores na sala de aula; as diversas interações dos alunos com o espaço físico da escola e a construção de seus projetos culturais e políticos; as características do trabalho de inclusão de alunos com necessidades especiais, entre outros temas. Já nessa etapa inicial de identificação dos múltiplos sujeitos e diversas práticas da instituição escolar, os (as) alunos(as)/pesquisadores(as) eram orientados a definir os procedimentos de pesquisa que iriam estruturar a investigação e, nesse sentido, produziram um planejamento do qual fazia parte: a seleção de documentos considerados importantes para o trabalho; a definição de sujeitos para a realização de entrevistas; a produção de fotografias ou vídeos como forma de registros das práticas observadas, entre outros. Como parte do trabalho, os alunos deveriam analisar os dados e construir uma sistematização que incorporasse o conjunto das reflexões construídas em sala de aula acerca das investigações realizadas, em diálogo com a bibliografia previamente apresentada e que possibilitava a inserção de categorias de análise como cultura escolar, cultura da escola, saberes docentes e saber/conhecimento escolar (CANDAU, 2000; TARDIF, 2002a;

2002b; GAUTHIER, 1998; LOPES (1997a, 1997b); MONTEIRO, 2007).

No decorrer do projeto, mais especificamente durante a disciplina Estágio Supervisionado de História II, que ocorre no semestre seguinte, procurou-se delinear uma metodologia de ensino de história que fundamentasse a mediação didática realizada no processo de elaboração dos materiais didáticos e nas experiências de uso construídas em salas de aula da educação básica. A intenção foi, a partir dos objetivos dessa pesquisa, promover a inter-relação entre as discussões teóricas e metodo- lógicas específicas de cada um desses campos. Em outro momento, procurou-se analisar como essas diferentes abordagens foram incorporadas por livros didáticos de história produzidos para o ensino fundamental e médio nos últimos anos, com base na contribuição de alguns autores como Fonseca (2003) e Oliva (2003). Esses pressupostos auxiliaram na compreensão de que, mais do que adição de conteúdos no currículo formal, precisamos intervir no currículo em ação e nas práticas pedagógicas de ensino da História escolar. O debate acerca dos desafios da disciplina História no processo de im- plementação da legislação também foi objeto de debates por meio da interlocução com autores que escreveram sobre o tema (MATTOS, 2003; ABREU; MATTOS, 2008; PEREIRA, 2008).

Ao longo do processo de desenvolvimento da pesquisa, as professoras Andréa Ferreira Delgado e Mônica Martins da Silva do Departamento de Metodologia de Ensino da UFSC, atuaram, em momen- tos diferentes, no processo de orientação de 19 alunos do curso de história da UFSC que realizaram o Estágio Supervisionado no Colégio de Aplicação da UFSC nos anos de 2009 e 2011. Nesse texto, apresentarei aspectos relativos à experiência com os alunos que estiveram sob minha orientação nos anos de 2011/1 (Estágio Supervisionado em História II) e 2011/2 (Estágio Supervisionado em História III), observando que muitos dos pressupostos apresentados nesse texto ainda orientam o meu trabalho com essas disciplinas que foram criadas no processo de implantação do atual currículo em 2007 e que ainda permanecem com esse formato, a despeito de inúmeros debates e tensões, travados nos últimos anos, em torno da discussão de um novo currículo, que ainda não foi definido.

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA PEDAGÓGICA E DOS MATERIAIS DIDÁTICOS

Uma das primeiras etapas do processo de preparação para a prática pedagógica foi a cons-

trução dos projetos de ensino, nos quais os alunos/pesquisadores deveriam construir o referencial

teórico metodológico que fundamentaria o trabalho com as temáticas que foram selecionadas, de

acordo com os interesses e necessidades do currículo do Colégio de Aplicação. Propôs-se, assim, o

diálogo efetivo entre dois campos de pesquisa – aquele da produção do conhecimento histórico e o

campo do ensino de história - mediado pela História ensinada na instituição escolar (DELGADO,

2010). Por meio desse movimento de reorganização e mediação didática dos temas e conteúdos,

os (as) alunos (as) /pesquisadores (as) tornavam-se autores (as) de seus projetos de ensino e planos

de aula, nos quais deveriam estabelecer conexões coerentes entre o saber do campo disciplinar

da história e os objetivos definidos como fundamentais para a faixa etária destinada, buscando

também articular os conhecimentos prévios dos alunos e inter-relacioná-los com determinadas

problematizações sobre o passado.

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A concepção central que fundamentou a pesquisa “Saber escolar e conhecimento histórico:

itinerários para novas configurações da história escolar” compreende que a história ensinada opera com um conhecimento que é específico e não é mera simplificação ou adaptação do conhecimento histórico produzido pelos historiadores nas instituições acadêmicas, pois tem um estatuto epistemoló- gico próprio e resulta tanto do processo de construção da história como disciplina escolar (currículos, políticas públicas, metodologias, etc) quanto da dinâmica cotidiana da sala de aula, visto que, em última instância, o saber ensinado resulta da interação entre professores (as) e alunos (as) (MONTEIRO, 2007).

A construção do conhecimento histórico escolar é o pressuposto que orientou a proposta de investigar a produção recente sobre História da África, dos afrodescendentes e indígenas a fim de pro- duzir materiais didáticos para a educação básica, constituindo, assim, uma estratégia de incorporação da renovação historiográfica no ensino escolar de história. A intenção não era simplesmente propor ingenuamente a inserção de novos conteúdos no currículo escolar. Em consonância com a produção no campo dos estudos da sociologia da educação acerca do currículo, o primeiro movimento foi evidenciar as relações de saber- poder presentes na seleção e tratamentos dos conteúdos curriculares e a posição estratégica que ocupam na produção dos processos de discriminação e desigualdades culturais e so- ciais (SILVA, 1995). No tocante ao objeto da pesquisa, procuramos problematizar as consequências do silêncio e do ocultamento das experiências sociais de homens e mulheres africanos, afrodescendentes e indígenas na história ensinada nas escolas brasileiras e discutirmos objetivos, conteúdos e metodo- logias para a construção da abordagem de temáticas que correspondam às diretrizes da legislação.

Os onze alunos que ficaram sob minha orientação se dividiram em grupos que trabalharam com diferentes temáticas, que foram escolhidas por se relacionar com o conjunto dos temas indicado no currículo das turmas em que iriam atuar. Dois dos grupos, que lecionaram em turmas do 8º ano, trabalharam com conteúdos de história da África, compreendendo o período do século XII ao século XV. Dois outros grupos, que lecionaram em turmas do 9º ano, trabalharam com os povos africanos, afrodescendentes e indígenas no contexto da América Portuguesa. O outro grupo, que atuou em turmas do 7º ano, optou por trabalhar com diferentes reinos africanos da antiguidade, enfatizando a relação entre os povos de cultura iorubá e alguns traços da cultura afrobrasileira.

Deve-se ressaltar que esse processo de escolha revestiu-se de grande complexidade, pois buscava-se estabelecer uma relação com o currículo da escola, propondo-se inserir esses conteúdos específicos por meio de conexões coerentes com os contextos históricos estudados previamente. No entanto, em muitos dos casos, essa relação não era evidente, já que tornava-se imperioso abordar outros contextos temporais e espaciais, demarcando, por exemplo, as especificidades da história do continente africano em relação ao europeu.

Em todos os grupos, adotou-se o trabalho por eixos temáticos que permitiu desenvolver tanto as noções de sequência, duração e permanência, como possibilitou pensar nas transformações, rupturas e sincronias, o que favoreceu o desenvolvimento das temáticas. Como exemplo, pode-se citar um dos grupos que trabalhou com conteúdos de história da África e que optou por desenvolver eixos como:

‘Introdução a História da África’, que possibilitava introduzir o assunto, levantando os conhecimentos prévios dos alunos acerca dos temas propostos, ao mesmo em que problematizavam preconceitos, estereótipos e noções de senso comum; ‘Reinos e Impérios Africanos’ que possibilitou desenvolver um abordagem que conferiu a abrangência da experiência política dos reinos e impérios no continen- te, ao mesmo tempo em que possibilitou apresentar um recorte temático específico sobre reinos da África Ocidental como os reinos de Gana, Mali e Songhai da África Ocidental e, posteriormente, o Reino do Congo, que possibilitaram pensar a singularidade de diferentes experiências políticas afri- canas em um amplo contexto histórico relacionado ao continente europeu e que havia sido estudado previamente; Outros dois eixos temáticos propostos: ‘A escravidão na África’ e ‘O contato com os europeus’, possibilitavam percorrer outras experiências africanas de contato com outros povos problematizando as visões de passividade e vitimização dos povos africanos (ZIMMERMANN;

MORSCHEITTER, 2011, p. 15-16).

A proposta de problematização dos conteúdos ocorreu de diversas outras formas, como, por

exemplo, na abordagem dos povos africanos e afrodescendentes na América Portuguesa como sujeitos

e não como trabalhadores escravos. Ambos os grupos que trabalharam com essas temáticas optaram

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em desenvolver as abordagens por meio de diferentes eixos temáticos que envolviam não apenas o trabalho escravo, mas também aspectos da cultura africana e afro-brasileira, como as irmandades religiosas e as festas, como exemplos, não apenas de expressões culturais desses povos, mas como experiências de integração, conflitos, resistências, recriação e dinâmica cultural que evidenciavam a trajetória coletiva e individual de sujeitos africanos e afrodescendentes em busca de melhores condi- ções de vida, mesmo que momentâneas. Outro eixo temático presente em ambos os grupos foi o das resistências, que demarca a intenção dos alunos/pesquisadores em evidenciar a trajetória de rebeldia e recusa desses sujeitos à condição escrava, destacando a multiplicidade de experiências de luta pela liberdade como as fugas, os quilombos, as agressões contra os senhores, a capoeira, os batuques e os processos judiciários que alguns africanos e afrodescendentes empreenderam contra os seus senhores, questionando, por exemplo, os castigos físicos, entre outros maus tratos (LINDENMEYER; FERRARI, 2011; MELLO; DUWE, 2011).

As problematizações dos conteúdos foram propostas, também, por meio da relação entre o presente e o passado, indicando a historicidade de algumas experiências sociais atuais como as po- líticas de cotas nas universidades brasileiras e o trabalho análogo ao escravo, apresentando a relação desses temas com o passado escravista e a produção de preconceitos e estereótipos sobre a população afrodescendente (LINDENMEYER; FERRARI, 2011). Em outra situação, os alunos/pesquisadores propuseram a relação entre práticas culturais afrobrasileiras como o culto à Iemanjá e a rituais católicos como a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, que ocorre em algumas cidades de Santa Catarina, problematizando as matrizes culturais europeias do Brasil, por meio do cruzamento de práticas rituais (PHILIPPI; SCHETZ; CARDOSO, 2011).

A elaboração dos materiais didáticos propriamente ditos orientou-se, preliminarmente, por meio de eixos metodológicos, que foram problematizados no decorrer da pesquisa, no diálogo com a produção acadêmica acerca da história ensinada: São eles: a) a construção de problemáticas para abordagem dos conteúdos, a partir da relação presente-passado-presente, elaboradas no diálogo com a experiência social dos alunos; b) a indissociabilidade entre textos didáticos, fontes históricas e atividades no processo de ensino-aprendizagem do conhecimento histórico escolar; c) a incorporação da construção do conheci- mento histórico como objeto do ensino de história, discutindo diferentes abordagens historiográficas dos temas em discussão; d) a utilização de fontes históricas no ensino de história, como instrumento privilegiado para problematizar procedimentos próprios do ofício do historiador; e) uso de diferentes linguagens na produção dos materiais didáticos, respeitando as especificidades de cada uma e discutindo suas potencialidades para o ensino de história (DELGADO, 2009, p. 26).

Esses eixos perpassaram a proposta de produção dos materiais didáticos, dos quais destacam-se os textos didáticos, responsáveis pela construção de uma narrativa histórica elaborada a partir de uma mediação didática entre as discussões historiográficas pertinentes às temáticas desenvolvidas e as necessidades da série/faixa etária. Os textos eram elaborados por meio de uma narrativa temporal que agregava múltiplas temporalidades e possibilitava o desenvolvimento de noções básicas para a escolarização como tempo, espaço, sujeitos, grupos sociais e políticos e conceitos como escravi- dão, liberdade, multiplicidade e diversidade cultural, entre muitos outros. O uso de boxes, em quase todos os textos, possibilitava também a inserção de documentos históricos intercalados e integrados à narrativa histórica desenvolvida, evidenciando o papel do discurso historiográfico na construção de narrativas, assim como o papel dos documentos históricos no processo de produção do passado, como desenhos, pinturas, jornais, diários, narrativas orais, etc. Dentre essas diversas fontes utilizadas nos projetos, destaca-se o uso de relatos de viajantes utilizados tantos nos projetos referentes ao estudo da História de reinos e impérios africanos, como na discussão da sociedade da América Portuguesa produzida por esses cronistas. Esse caso possibilita evidenciar que a preocupação com as fontes ocupou um espaço privilegiado nas abordagens, pois, por meio delas, era possível apresentar elementos das experiências desses sujeitos, ausentes em outras fontes, ao mesmo tempo em que possibilitava proble- matizar as representações produzidas sobre esses grupos e que, em sua maioria, estavam permeadas dos valores e concepções de seus autores.

Ao enfatizar a relação entre materiais didáticos e conteúdos escolares nos posicionamos na dis-

cussão sobre a utilização desses recursos em sala de aula. Diferente daqueles que atribuem ao simples

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uso de materiais didáticos a função de promover inovações nas práticas educativas, nos preocupou a concepção teórica e metodológica de ensino-aprendizagem do conhecimento histórico escolar que orienta a elaboração desses materiais e o agenciamento na prática pedagógica.

Compreende-se que na atuação em sala de aula, os professores mobilizam os saberes dis- ciplinares, os saberes da formação pedagógica, os saberes curriculares e os saberes experienciais que, amalgamados, constituem os saberes docentes. Na proposta desenvolvida, os (as) alunos (as)/

pesquisadores(as) também mobilizaram seus saberes docentes ao produzirem os materiais didáticos que utilizaram, transformando-se em autores da mediação didática (LOPES, 1997a; 1997b), ao con- verter o conhecimento histórico em conhecimento histórico escolar.

Vale ressaltar que a proposta de incorporar a renovação na produção de materiais didáticos não se pauta pela compreensão que a História escolar deve reproduzir o mais fielmente possível o conhecimento histórico acadêmico. Fundamentados na dimensão educativa que, de acordo com nossa concepção, orienta a discussão dos currículos e da prática pedagógica escolar, nos interessa incorporar as experiências sociais de homens e mulheres africanos e afro-descendentes na história ensinada nas escolas brasileiras.

A orientação desses alunos (as) / pesquisadores (as) obedeceu a diferentes dinâmicas: num pri- meiro momento, cada docente acompanhou seus orientandos (as) na produção das primeiras versões do material, posteriormente discutidas e analisadas em reuniões individuais e coletivas. Com isso, procurou-se respeitar ritmos e especificidades de trabalho de cada docente e de seus orientandos, ao mesmo tempo em que preservou-se o espaço para compartilhar experiências, nosso objetivo principal ao propor um grupo de pesquisa.

A PRÁTICA PEDAGÓGICA

Durante a prática pedagógica, com a participação dos professores (as) do Colégio de Aplicação, avaliamos constantemente a problematização construída para cada tema e os materiais didáticos produzidos - os textos, o trabalho com as fontes, a incorporação de outras linguagens e o conjunto de atividades.

Algumas dificuldades tornaram-se evidentes, demarcando a complexidade com o trabalho com esses temas em sala de aula. Dentre elas, destacam-se a pouca preparação dos alunos/pesquisadores para lidarem com os assuntos, tendo em vista que muitos relataram não terem cursado as disciplinas especificas do currículo, que qualificariam as discussões, ou as cursaram com professores que não eram especialistas nos assuntos. O tempo limitado e restrito para o desenvolvimento dos assuntos, também constituiu-se numa dificuldade recorrente, inviabilizando, muitas vezes, o aprofundamento de discussões que envolviam preconceitos e estereótipos sobre os povos estudados. Por se tratar de questões de profundo enraizamento ideológico, difundido nas mais diferentes fontes e grupos (mídias, famílias, igrejas etc.), a ausência de tempo e inexperiência dos estagiários em lidar com as dificuldades e limitações dos alunos da escola, produziam frequentes decepções e angústias.

Outra questão que afetou os grupos que trabalharam com a América Portuguesa, foi a difi- culdade em inserir os povos indígenas nas abordagens propostas sobre o processo de formação da sociedade, o que acabou involuntariamente produzindo uma ênfase na abordagem dos povos africanos e afrodescendentes

Posteriormente, durante o Estágio III, os alunos/pesquisadores se envolveram amplamente na reflexão das etapas percorridas e desenvolveram diversos outros textos decorrentes dessa reflexão.

Nessa etapa, recorreram aos outros textos produzidos em momentos anteriores, como os relatórios de investigação do cotidiano escolar do Colégio de Aplicação, o relatório de observação das aulas, os projetos de ensino, os planos de aula e os materiais didáticos decorrentes e os diários de aula.

Sendo assim, atuaram na construção de uma escrita que buscava, de forma reflexiva, reelaborar as

concepções da experiência docente. No decorrer desse trabalho, os alunos incorporaram a análise de

temas suscitados durante a prática pedagógica e que se relacionavam com o currículo em ação. Desse

conjunto, destacam-se as discussões acerca das interações estabelecidas com os alunos e que estavam

relacionadas às formas de recepção do trabalho desenvolvido (com os textos, as atividades, a análise de

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fontes históricas e as diferentes linguagens e as problematizações acerca do passado-presente-passado); as interações verbais e não verbais decorrentes da própria dinâmica cotidiana da sala de aula e do desenvol- vimento de um saber da experiência. Dos (as) alunos (as) /pesquisadores (as); a construção das regras e a disciplina no cotidiano da sala de aula; as interações com os alunos com necessidades especiais;

as diversas formas de gestão do tempo da sala de aula e da escola; a avaliação como componente do processo de ensino aprendizagem, entre outros temas.

Paralelamente, produziram novas versões dos materiais didáticos que incorporaram as questões apresentadas no decorrer da docência e que compõem um CD-ROM com o objetivo de divulgar o produto final do trabalho junto ao Colégio de Aplicação da UFSC e outras instituições de ensino da rede pública de Florianópolis.

Para compartilhar as experiências desenvolvidas com um público ampliado, também foram produzidos trabalhos para apresentação em congressos e artigos, que compõem duas publicações.

A primeira intitulada Experiências de Ensino de História no Estágio Supervisionado publicado em 2011 (SILVA, et al., 2011), da qual faz parte um texto da professora Andréa Ferreira Delgado que sistematiza parte do trabalho desenvolvido no primeiro ano do projeto de pesquisa, assim como artigos dos alunos que concluíram o Estágio Supervisionado em História III no segundo semestre de 2010, sob a sua orientação, além de outros textos de reflexões sobre o ensino de história e experiências de Estágio Supervisionado de alunos da UDESC. No ano de 2012, foi publicado o segundo volume deste livro, que recebeu o mesmo título do primeiro (ROSSATO, et al., 2012) e dele fazem parte um artigo da professora Mônica Martins da Silva que apresenta as linhas gerais que estruturou o seu trabalho, além de três artigos que correspondem às reflexões de três grupos de alunos que, sob a sua orientação, concluíram a disciplina Estágio Supervisionado de História III no segundo semestre de 2011, além de textos de experiências de Estágio Supervisionado de outros projetos. Essas publicações consolidam a experiência de autoria desses alunos, estimulada no decorrer do projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No desenvolvimento da pesquisa “Saber Escolar e conhecimento histórico: itinerários para novas configurações da história ensinada” procuramos contribuir com a formação inicial de professores de história a partir da inserção da experiência de pesquisa articulada à produção de materiais didáticos acerca dos povos africanos afrodescendentes e indígenas.

Compreendemos que esse trabalho qualificou a experiência da docência, não apenas por articular esse processo formativo a uma exigência da legislação que atualmente envolve a disciplina, mas por possibilitar a relação entre a prática cotidiana da docência com questões específicas do campo disci- plinar que podem desenvolver habilidades importantes para a sua prática profissional, pois inserem o professor como sujeito da sua prática pedagógica, ao capacitá-lo a refletir e construir os caminhos teóricos e metodológicos do seu trabalho.

Nota

1 Esse projeto foi desenvolvido em parceria com Andréa Ferreira Delgado, professora do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina, e também autora e coordenadora dessa pesquisa.

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Referências

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