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ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL: ENTRE A SOLIDARIEDADE LIBERTÁRIA E A LIBERAL

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

DE SÃO PAULO

Luís Miguel Luzio dos Santos

ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL: ENTRE

A SOLIDARIEDADE LIBERTÁRIA E A LIBERAL

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Luís Miguel Luzio dos Santos

ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL:

ENTRE A SOLIDARIEDADE LIBERTÁRIA E A

LIBERAL

Tese apresentada como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Ciências Sociais, sob orientação da Profª Drª. Silvana Maria Correa Tótora, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Pontifícia Universidade Católica

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Banca Examinadora

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Ao Mestre Maior da Solidariedade, o qual serviu de inspiração para esta tese e dá sentido à minha existência.

À minha mãe Maria Adelina, pelo exemplo vivo de solidariedade e de renuncia pessoal em favor do outro.

Ao meu pai, José Adelino, pela importância que sempre deu ao conhecimento, como ferramenta essencial para o desenvolvimento humano.

À minha filha Sofia por ter me possibilitado a experiência maior do amor incondicional e irrestrito.

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AGRADECIMENTO

A todos os amigos(as), professores(as), autores, colegas e familiares que, me auxiliaram e contribuíram para a reflexão, execução, análise e escrita desta tese. Foram fundamentais as discussões, reflexões, sonhos e ideais compartilhados, que possibilitaram o desenvolvimento deste trabalho científico.

À Profª. Drª. Silvana Tótora, um agradecimento especial pela acolhida no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e por toda a sua dedicação, comprometimento e amizade no decorrer desta empreitada.

Aos professores convidados para compor a banca do Exame de Qualificação, Dr. Luiz Wanderley e Dr. Jung Mo Sung, a quem presto a minha gratidão pelas considerações fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho.

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Bendito seja o mesmo sol de outras terras que faz todos os homens meus irmãos porque todos eles, num momento do dia, o olham como eu.

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RESUMO

O presente trabalho concentrou-se na discussão da temática da solidariedade sob distintas perspectivas, nomeadamente a proposta liberal e a libertária. Tendo a solidariedade como mote principal de pesquisa, buscaram-se vias que pudessem expressar esta realidade, o que conduziu a abraçar o universo contemplado pelas Organizações da Sociedade Civil em suas inúmeras expressões e realidades. A pesquisa foi realizada inicialmente junto às Organizações da Sociedade Civil da cidade de Londrina – Paraná, que somaram um total de 162 entidades, as quais foram abordadas no sentido de identificar as suas principais características e perfil. Isso permitiu a elaboração de um mapa, o mais próximo possível da realidade, que compreende o universo das Organizações da Sociedade Civil da cidade. Num segundo momento, foram selecionadas quatro entidades que representassem a heterogeneidade de iniciativas, em que se analisaram, de forma aprofundada, elementos qualitativos não abarcados pela pesquisa quantitativa inicial. Foram entrevistados os principais dirigentes destas organizações, ou/e figuras de destaque no seu corpo de trabalho, para a identificação e análise das diferentes perspectivas da realidade vivenciada. A investigação qualitativa foi orientada por um roteiro de entrevista baseado nos objetivos e problemas da pesquisa. As análises trouxeram ricos elementos interpretativos e principalmente ressaltaram a heterogeneidade de posicionamentos que compõe o universo destas entidades na cidade de Londrina, o que vem se opor à visão simplista de um fenômeno dominado pela coesão e uniformidade de interesses e de práticas de ação. As fortes divergências identificadas e a heterogeneidade de propósitos e de visão de mundo e de sociedade que permeiam as diferentes Organizações pesquisadas serviram de base para a escolha do próprio título da tese, que fez uso de duas dimensões desta realidade, caracterizando-se “entre a solidariedade libertária e liberal”.

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ABSTRACT

This study focused on the discussion of the theme solidarity, under distinct perspectives- namely the liberal and the libertarian proposal. Having solidarity as the aim of the research, ways of expressing such reality have been sought, which led to the universe of the Civil Society Organization in its various expressions and realities. The study was initially carried out along with the Civil Society Organization of Londrina – Paraná, which added up to a total of 162 entities studied in order to identify their main characteristics and profile. This has allowed to the creation of a reality like map that comprises the universe of the Civil Society Organization of the city. Later, four entities were selected to represent the diversity of initiatives, in which qualitative elements that were not included in the initial quantitative research were then deeply analyzed. The major directors of those organizations were interviewed to identify and analyze different perspectives. The qualitative investigation was guided by an interview script based on the objectives and issues of the research. The analyses showed important interpretative elements and mainly indicated the diversity of positioning that constitutes the universe of these entities in the city of Londrina, which opposes to the simplistic view of a phenomenon dominated by cohesion and uniformity of interests and actions. The wide divergences identified, plus the diversity of purposes and of world and society view that pervade the different organizations researched, functioned as the basis to choose the topic of this study, distinguished by “libertarian and liberal solidarity”.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 - Ano de fundação dos diferentes tipos de Organizações da Sociedade Civil ... 147

Gráfico 2 - Área de atuação das organizações em relação ao tipo de Organizações da Sociedade Civil ... 150

Gráfico 3 - Área de atuação das organizações em relação ao ano de fundação ... 151

Gráfico 4 - Categoria jurídica da entidade em relação à classificação dos tipos de Organizações ... 157

Gráfico 5 - Área de atuação das organizações em relação ao tipo de Organizações da Sociedade Civil ... 158

Gráfico 6 - Número de funcionários em relação ao tipo de Organizações da Sociedade Civil ... 159

Gráfico 7 - Número de funcionários em relação ao ano de fundação ... 160

Gráfico 8 - Número de voluntários em relação ao ano de Fundação ... 164

Gráfico 9 - Número de voluntários em relação ao ano de fundação ... 165

Gráfico 10 - Área de atuação das organizações em relação ao tipo de Organizações da Sociedade Civil ... 171

Gráfico 11 - Área de atuação das organizações em relação ao tipo de Organizações da Sociedade Civil ... 172

Quadro 1 - Organizações com maior número de funcionários ... 162

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Ano de fundação da organização ... 147

Tabela 2 - Área de atuação em relação à classificação dos tipos de Organizações da Sociedade Civil ... 149

Tabela 3 - Área de atuação das organizações em relação ao ano de fundação: suporte, comunitárias e emancipatórias ... 150

Tabela 4 - Subdivisão da educação em relação ao ano de fundação ... 152

Tabela 5 - Subdivisão das organizações de assistência social em relação ao ano de fundação ... 153

Tabela 6 - Subdivisão das organizações de geração de renda em relação ao ano de fundação ... 154

Tabela 7 - Subdivisão das organizações de defesa de direitos em relação ao ano de fundação ... 156

Tabela 8 - Categoria jurídica da entidade em relação à classificação aos tipos da ONGs ... 157

Tabela 9 - Categoria jurídica da entidade em relação ao ano de fundação ... 158

Tabela 10 - Número de funcionários em relação à classificação dos tipos de Organizações da Sociedade Civil ... 159

Tabela 11 - Número de funcionários em relação ao ano de fundação ... 160

Tabela 12 - Número de voluntários em relação à classificação dos tipo de Organizações da Sociedade Civil ... 163

Tabela 13 - Número de voluntários em relação ao ano de fundação ... 164

Tabela 14 - Fonte de recursos em relação à classificação dos tipos de ONGs ... 168

Tabela 15 - Fonte de recursos em relação ao ano de fundação ... 168

Tabela 16 - Orçamento das organizações em relação ao tipo de Organizações da Sociedade Civil ... 171

Tabela 17 - Orçamento das organizações em relação ao ano de fundação ... 172

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEB Comunidades Eclesiais de Base

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

FEF Faculdade de Educação Física PT Partido dos Trabalhadores

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 16

2 SOLIDARIEDADES NUMA PERSPECTIVA PLURAL ... 24

2.1 SOLIDARIEDADE LIBERTÁRIA CONTRAPOSTA À SOLIDARIEDADE LIBERAL... 30

2.2 SOLIDARIEDADE E INDIVIDUALISMO, COOPERAÇÃO E COOPETIÇÃO ... 38

2.3 A SOLIDARIEDADE COMO PROBLEMA NO PENSAMENTO SOCIAL CONTEMPORÂNEO... 43

2.4 O AFETO E A EFETIVIDADE COMO ELEMENTOS DA SOLIDARIEDADE ... 52

2.5 SOLIDARIEDADE ARTESANAL... 57

2.6 CULTURA DA SOLIDARIEDADE... 60

3 O DESENVOLVIMENTO RECENTE DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL... 69

3.1 SOCIEDADE CIVIL ... 76

3.1.1 Organizações da Sociedade Civil e seus Objetivos ... 81

3.1.2 Instrumentos de Gestão... 90

3.2 ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL ... 96

3.3 HETEROGENEIDADE DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL ... 100

3.4 MODELO ANALÍTICO... 106

3.4.1 Organizações de Suporte e Complemento... 108

3.4.2 Organizações Comunitárias e Setoriais... 112

3.4.3 Organizações Emancipatórias e de Produção de Novos Direitos ... 116

4 PERFIL DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL NA CIDADE DE LONDRINA... 137

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA CIDADE DE LONDRINA ... 139

4.2 PROJETO MIL ONGs ... 140

4.3 PESQUISA QUANTITATIVA DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DA CIDADE DE LONDRINA ... 145

4.3.1 Ano de Fundação ... 147

4.3.2 Área de atuação ... 149

4.3.3 Categoria Jurídica da Entidade ... 157

4.3.4 Número de funcionários assalariados ... 159

4.3.5 Número de Voluntários... 163

4.3.6 Fonte de Recursos ... 168

4.3.7 Orçamento ... 171

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5 PESQUISA QUALITATIVA NAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE

LONDRINA .... 180

5.1 APEART – ASSOCIAÇÃO PROJETO EDUCAÇÃO ASSALARIADO RURAL... 181

5.1.1 Características da Organização ... 181

5.1.2 Participação na sociedade civil e solidariedade ... 184

5.1.3 Visão de sociedade ... 187

5.1.4 Tipo de solidariedade ... 192

5.2 ASSOCIAÇÃO RECICLANDO VIDAS ... 193

5.2.1 Características da Organização ... 193

5.2.2 Participação na sociedade civil e solidariedade ... 195

5.2.3 Visão de sociedade ... 199

5.2.4 Tipo de solidariedade ... 201

5.3 ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DO JARDIM UNIÃO DA VITÓRIA... 203

5.3.1 Características da Organização ... 203

5.3.2 Participação na sociedade civil e solidariedade ... 205

5.3.3 Visão de sociedade ... 209

5.3.4 Tipo de solidariedade ... 211

5.4 EPESMEL- ESCOLA PROFISSIONAL E SOCIAL DO MENOR DE LONDRINA ... 212

5.4.1 Características da Organização ... 212

5.4.2 Participação na sociedade civil e solidariedade ... 215

5.4.3 Visão de sociedade ... 217

5.4.4 Tipo de solidariedade ... 220

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 223

REFERÊNCIAS ... 233

APÊNDICES ... 242

APÊNDICE A - Roteiro de entrevista: pesquisa qualitativa... 243

APÊNDICE B - Questionário: pesquisa quantitativa... 244

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APRESENTAÇÃO

Para que se possam entender os motivadores e influenciadores que proporcionaram o desenvolvimento e escolha deste tema de pesquisa, faz-se necessário apresentar um pouco da trajetória pessoal que serviu de pano de fundo para a sua projeção.

O vinculo que me une à temática da solidariedade, provém, antes de tudo, do anseio de sentido existencial que sempre me envolveu e que me levou a buscar entender como este sentimento é despertado e canalizado em diferentes áreas do conhecimento. Acredito que no meio da complexidade que envolve o tema e que jamais se consegue apreender por completo, percebo na experiência da solidariedade um dos elementos essenciais aos múltiplos esforços empreendidos pela espécie humana em busca de sentido existencial.

Esta empreita desenvolveu-se por caminhos tortuosos e nem sempre lineares e facilmente compreensíveis, mas que de alguma forma criaram conexões que me trouxeram até aqui. Primeiramente enveredei pela área das ciências econômicas por motivos contingenciais, porém, os impulsionadores iniciais, foram distintos dos que se desenvolveriam ao longo da graduação. Os cursos de Ciências Econômicas e de Administração da Universidade Estadual de Londrina, em vez de me despertarem para o interesse em relação às áreas mercantis, despertaram-me o desejo por compreender os mecanismos de dominação e as alternativas para um mundo socialmente e economicamente mais justo e solidário.

Após repetidos conflitos pessoais ao tentar enquadrar-me ao mercado, via atividades administrativas e burocráticas, ver-me-ia atraído pela carreira acadêmica a qual me despertaria para a pesquisa ligada à temática das Organizações da Sociedade Civil, como expressões de solidariedade. Esta temática foi campo explorado no Mestrado entre os anos de 2000 a 2002, concentrando-me nas experiências da cidade de Londrina – Paraná, de forma mais específica, no caso das organizações de ensino profissionalizante.

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Este estudo seria extremamente útil na reflexão sobre diferentes manifestações solidárias, ou seja, a solidariedade não poderia ser vista e entendida sob uma única ótica, mas por trás de um caráter, a princípio, apartidário e neutro, escondem-se elementos de dominação que garantem os quadros de subjugação crônicos.

O estudo e pesquisa em relação às temáticas explicitadas conduziram-me a um interesse maior em relação ao aprofundamento destes conteúdos, partindo de uma perspectiva mais crítica, o que me levaria a uma aproximação em relação às Ciências Sociais, de forma mais específica à Sociologia e a Ciência Política.

Logo após o ingresso no Programa de Estudos de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC – SP, foi-me apresentada, pela minha orientadora Profa. Dra. Silvana Tótora, uma visão que se distanciava da proposta inicial de acreditar em alternativas consensuais, o que me faria rever muitas das premissas anteriores e mais ainda, me levaria a um exaustivo programa de leituras dirigidas por esta orientadora e que me conduziram à realidade das Ciências Sociais, bastante distante do cotidiano tradicional das ciências gerenciais e econômicas.

Para o ingresso no universo das Ciências Sociais foi de enorme valia, além das leituras mencionadas, a disciplina de Fundamentos de Política ministrada pela minha orientadora Dra. Silvana Tótora que me colocou em contato com as principais correntes do pensamento político clássico, o que sem dúvida foi essencial para criar alicerces sólidos para o bom andamento e desenvolvimento da tese. A disciplina de Política Brasileira ministrada pela Profa. Dra. Vera Chaia, também contribuiu enormemente para a melhor compreensão da realidade nacional e principalmente, suas particularidades e nuances que escapam a qualquer tentativa de generalização. Por sua vez, vale salientar a disciplina de Teoria Sociológica ministrada pelo Prof. Dr. Luiz Wanderley, que foi de extrema valia na compreensão das distintas propostas e iniciativas da sociedade civil organizada, nomeadamente na compreensão do sentido do utópico e na visão otimista de mundo.

O conjunto destes ingredientes fizeram com que empreendesse uma compulsiva produção, muitas vezes afastada do tema original, o que freqüentemente levaria a minha orientadora a trazer-me de volta ao “trilho”.

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concentrou-se na temática da solidariedade e seus distintos contornos, o terceiro buscou compreender os distintos modelos de Organizações da Sociedade Civil e os dois últimos ficaram concentrados na pesquisa empírica. No quarto capítulo, de forma específica, desenvolveu-se a pesquisa quantitativa que buscou traçar um perfil das Organizações da Sociedade Civil da cidade de Londrina e o quinto e último capítulo analisou quatro destas entidades, que de alguma forma, demonstraram um caráter emblemático que serviria para o aprofundamento e análise das particularidades no campo qualitativo que envolvem a realidade estudada.

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1 INTRODUÇÃO

A realidade do século XXI está marcada por contradições e antagonismos que imperam em todos os seus aspectos. Assiste-se a um processo de crescente parthaid social de grupos humanos, o que coloca em questão o próprio conceito de progresso e de desenvolvimento. Acreditou-se, por muito tempo, que o crescimento e o desenvolvimento das forças produtivas levariam a um mundo melhor para todos, porém o que se vê é uma realidade dominada por “guetos” de apartação, afastando parcelas significativas da população dos benefícios da modernidade. Tal situação parece indicar uma crise social decorrente do enfraquecimento das responsabilidades e, por conseqüência, de solidariedade.

A crise de valores da modernidade, em que meios são confundidos com fins e o homem, em seu sentido mais amplo, é renegado a simples instrumento das articulações econômicas mundiais, dominadas pelo individualismo, induz a repensar os modelos que regem as sociedades. Inicialmente a modernidade fez com que a solidariedade passasse a ser percebida como função e responsabilidade exclusiva do Estado, tornando-se este, em muitos casos, figura monopolizadora dessas práticas, levando à institucionalização estatal da solidariedade. A sociedade civil passaria, então, a se dissociar desse compromisso, e suas ações, muitas vezes, vistas como meramente caritativas e de simples regozijo emocional e/ou religioso, ou, ainda, reflexo de sociedades pouco desenvolvidas. Porém, ao se transferirem as práticas solidárias para o monopólio exclusivo do Estado, impediram-se e distanciaram-se os laços de afetividade e sensibilidade, instrumentalizando-os e institucionalizando-os.

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além de serem envoltas por fortes valores subjetivos e simbólicos que proporcionam elevados vínculos de comprometimento e motivação.

A solidariedade, como tema principal do presente trabalho, apóia-se na apresentação de uma multiplicidade de conceitos, posicionamentos e de estratégias, decorrentes da própria percepção em relação à natureza humana, aos valores sociais e individuais, o que trouxe à tona diferentes formas de atuar e entender o próprio mundo. Este enfoque vem se contrapor à idéia de consenso e de uniformidade. A questão da solidariedade é problematizada, buscando identificar as distintas expressões que se manifestam em seu nome. Esta tarefa é analisada por meio de uma visão complexa que se opõe à perspectiva reducionista e segmentada da realidade, tentando perceber as diferentes conexões que se estabelecem em torno da temática.

Objetiva-se com este estudo, primeiramente, problematizar a questão da solidariedade, buscando entender o fenômeno em seus múltiplos contornos, contradições e discursos. Nesse sentido, foram definidos quatro objetivos específicos:

a) analisar as variadas expressões de solidariedade empreendidas pelas Organizações da Sociedade Civil;

b) mapear e classificar os diferentes modelos de Organizações da Sociedade Civil da cidade de Londrina;

c) analisar o perfil, o posicionamento e as estratégias dos diferentes modelos de Organizações da Sociedade Civil locais; d) identificar e analisar a visão de sociedade e de mundo dos

sujeitos que compõem os quadros diretivos das referidas Organizações da Sociedade Civil.

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O problema aqui desenvolvido posiciona-se diante da realidade atual, em que se assiste a uma sociedade civil cada vez mais reivindicatória e atuante no processo de transformação social e na própria redefinição do conceito de democracia e espaço público passando, como já foi dito, de mera coadjuvante a agente pró-ativo e reivindicador de suas próprias demandas. As manifestações da sociedade civil acontecem ao redor do mundo, embora com diferentes visões e percepções da realidade, além de distintos motivadores de ação. Esse contexto de manifestações congrega desde organizações ligadas aos movimentos conservadores na defesa de ações compensatórias de ajuste, até movimentos mais ambiciosos, em que a sociedade se organiza a partir de suas bases e busca desenvolver experimentos de ruptura e de enfrentamento, novas formas de convivência com princípios de ação apoiados em ideais de solidariedade emancipatória e libertária.

O presente estudo divide-se em cinco capítulos integrados e complementares. Inicia-se com o capitulo introdutório, para posteriormente abordar a questão da solidariedade, com diferentes visões e perspectivas de análise, sendo a solidariedade aqui apresentada em dois movimentos distintos. Destaca-se primeiramente a solidariedade de influência liberal, apoiada em manifestações verticalizadas e de natureza compensatória, em que se estabelecem relações de poder em nome da assistência aos mais fragilizados, como se se tratasse de uma concessão voluntarista. Este modelo de solidariedade tende a querer ser visto como apolítico, apartado do Estado e revestido de um caráter “neutro”, apelando para o instrumentalismo destituído de reflexões ideológicas, inclusive desconsiderando os motivos estruturais que deságuam na exclusão. Predomina o apelo à “boa vontade” e à sensibilidade de cada um. Afastando-se de projetos de conquista de direitos, posicionam-se, muitas vezes, como substitutos das ações estatais no campo social, justificando esta posição pela ineficiência crônica do Estado e pela supremacia das entidades privadas, desarticulando-se o plano microssocial do macrossocial.

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de democracia ampliada e mais direta, via de regra, por meio de estratégias de descentralização do poder. Este modelo busca avançar no plano dos direitos e desenvolver mecanismos de emancipação social, através de relações horizontalizadas e autônomas, nomeadamente ambicionando arranjos de natureza emancipatória e libertária advindos da organização de grupos excluídos da sociedade.

Os ideais de emancipação podem ser entendidos como a busca pela conquista da autonomia da consciência e da capacidade de reconhecer a realidade, apartada de imposições externas, verticalizadas e geradoras de dependência, que buscam apresentar a estrutura socioeconômica dominante, como natural e por isso inquestionável. O pensamento dominante das elites econômicas insiste na tese da incapacidade do povo de ter iniciativas autônomas e de defender seus próprios interesses, ou seja, parte do princípio de que uns são naturalmente mais capazes e habilitados que outros, o que justifica e naturaliza o processo de dominação de alguns poucos sobre a grande massa da população.

Outra preocupação, abordada no segundo capitulo, diz respeito aos elementos constituintes da solidariedade, destacando-se a afetividade e a efetividade. Tais elementos nem sempre se estabeleceram de forma integrada e complementar, o que daria origem a arranjos, via de regra, incapazes de se firmar na potência desejada. A preocupação exclusiva com os fins acaba negligenciando os meios e comprometendo os próprios fins, porém a concentração apenas nos meios, sem ambições maiores de efetividade, tende a conduzir ao desperdício de esforços num ambiente geralmente dominado pela escassez de recursos e pelas necessidades superlativas.

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genéricas como “guarda-chuva”, conduzindo a uniformizações forçadas que distorcem a realidade.

A complexidade do objeto de estudo esbarra na própria fragilidade da definição do que deve ser delimitado como Organizações da Sociedade Civil. Numa sociedade complexa como a atual, muitas vezes, as organizações públicas e privadas apresentam fronteiras tênues, o que dificulta a sua sistematização e estudo. Agrava-se, nesse contexto interpretativo, a busca por modelos que ambicionam a unificação e a homogeneização da realidade, o que conduz facilmente ao erro e à falsificação da própria realidade, cooptando-a e muitas vezes servindo a interesses particulares e corporativistas. Assiste-se ao nivelamento do discurso, tendendo a uniformizar os posicionamentos e estratégias de ação, afastando-se do seu caráter multifacetado e variado por essência.

A pulverização das expressões que compõem o variado espectro das Organizações da Sociedade Civil dificulta a sua classificação fácil, contemplando no mesmo ambiente de estudo expressões tais como: Organizações da Sociedade Civil, Organizações Não Governamentais, Filantropia, Cidadania, Solidariedade, Comunidades de Base, Cooperativismo Social, Socioeconomia e Economia Solidária, entre outras. As causas abraçadas são múltiplas: preservação ambiental, defesa dos direitos humanos, proteção a minorias e assistência social de várias naturezas. Apresentam-se ainda, com várias origens e perfis, indo de movimentos religiosos a comunitários e ideológicos e políticos.

As expressões de contornos libertários e emancipatórios têm uma atenção especial neste estudo. Elas apresentam em sua arquitetura fundamental, a importância dada aos vínculos humanos e sociais, além do econômico, não podendo ser analisadas ou avaliadas meramente por questões quantitativas ou resultados contábeis. Imprimem a necessidade de se incorporarem outras dimensões humanas, que, via de regra, encontram-se no plano da subjetividade. Além do mais, estas manifestações caracterizam-se pela sua articulação em torno das bases, ou seja, buscam desenvolver-se autonomamente nas próprias comunidades podendo articular-se em forma de rede.

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meramente funcionalista, procurou-se entender os diferentes papéis assumidos por estas organizações na contemporaneidade, assim como seus distintos objetivos, carisma e, principalmente, sua hibridez externa (entre organizações) assim como interna (no seio da própria entidade).

No quarto capitulo, com base no levantamento quantitativo das Organizações da Sociedade Civil da cidade de Londrina, foi traçado um mapa das entidades da cidade para entender o seu perfil, ou perfis, e assim agrupá-las em três modalidades distintas: de suporte e complemento; comunitárias e setoriais; e emancipatórias e de produção de novos direitos.

A pesquisa aqui apresentada, definida como exploratória e de natureza quantitativa e qualitativa, foi segmentada em dois momentos distintos, mas complementares. Primeiramente, a partir da coleta e análise de material bibliográfico, buscou-se explicar o rápido crescimento, evolução e papel desempenhado pelas Organizações da Sociedade Civil diante das transformações da modernidade, assim como dos diferentes tipos de solidariedade que se manifestam. Posteriormente, passou-se à coleta documental junto aos órgãos competentes, destacando-se a Secretaria de Ação Social da Prefeitura Municipal de Londrina, e de forma particularizada, junto ao cadastro do ‘Projeto Mil ONGs’, encampado pela própria prefeitura municipal, que contempla o conjunto das Organizações da Sociedade Civil da cidade. Este esforço objetivou o levantamento dos principais indicadores que servissem de elementos essenciais para entender o universo compreendido por estas entidades, na cidade de Londrina.

A pesquisa quantitativa foi efetivada entre os meses de Julho de 2004 e Fevereiro de 2005, contemplando as 162 entidades cadastradas pelo ‘Projeto Mil ONGs’ até o final do mês de fevereiro de 2005, porém, devido à considerável falta de informações nos cadastros disponibilizados, houve a necessidade de um esforço adicional, no sentido de completar as lacunas existentes por meio de contatos diretos com as organizações, o que foi essencial para a compreensão correta dos objetivos propostos.

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capacidade de fornecerem elementos que auxiliassem na compreensão da temática da solidariedade, sobretudo experiências inovadoras de caráter artesanal que possibilitassem novas formas de análises da realidade. Buscou-se, ainda, analisar a problemática da solidariedade, enquanto discurso estratégico de ação e os valores motivacionais subjacentes.

As organizações selecionadas, apresentam um quadro representativo dos distintos posicionamentos encontrados na realidade da sociedade civil, opondo-se ao discurso dominante de um movimento coeso e harmônico. Nesse sentido, foram entrevistados os sujeitos de pesquisa das seguintes organizações: APEART - Associação Projeto Educação Assalariado Rural Temporário, Associação Reciclando Vidas, Associação de Moradores do Jardim União da Vitória e EPESMEL - Escola Profissional e Social do Menor de Londrina.

As organizações selecionadas representaram ainda os distintos modelos de sociedade civil organizada tipificados neste estudo, ou seja: organizações de suporte e complemento, comunitárias e setoriais, emancipatórias e de produção de novos direitos.

Ainda dentro do esforço de análise das entrevistas, foram elaboradas categorias interpretativas que permitiram captar nas falas dos sujeitos os aspectos que contemplassem os objetivos propostos no trabalho de pesquisa. Nesse sentido, foram abordados inicialmente aspectos que possibilitassem definir a caracterização da entidade, em seguida buscou-se apurar a participação de cada uma destas organizações e de seus representantes na sociedade civil e sua ótica em relação ao conceito de solidariedade. Por último, abordaram-se questões ligadas à visão que cada um dos sujeitos entrevistados possuía em relação à sociedade atual, assim como a perspectiva societária almejada e pela qual desenvolvem os seus esforços.

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Fica evidente na pesquisa o esforço das organizações em colaborarem na transformação da atual estrutura social, almejando um modelo social, que não seja necessariamente sintonizado com a lógica capitalista dominante, mas capaz de se auto-sustentar e incluir os hoje apartados do processo de desenvolvimento, deixando de ser meros coadjuvantes nas decisões e implicações estabelecidas pelos grupos hegemônicos mundiais. Apela-se para novos níveis de participação e de autonomia, em que novos experimentos possam emergir com visão ecológica e sistêmica, em que se restabeleçam novas pautas de prioridades, em que se contemple, de forma particular, a capacidade de sustentabilidade de longo prazo, sem negligenciar as contingências que exigem urgência, num esforço que integre elementos que conduzam à efetividade das ações, sem abrir mão da sensibilidade nas relações humanas.

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2 SOLIDARIEDADES NUMA PERSPECTIVA PLURAL

O conceito de solidariedade traz em seu bojo uma áurea de pretensa neutralidade, como se esta conduzisse naturalmente a um consenso em torno de valores percebidos como inquestionáveis destituídos de conflito, como o bem comum, a generosidade, a acolhida e o espírito de fraternidade. Esta pseudoneutralidade induz a uma ambição em torno de um ideal comum, desproblematizado, despolitizado e com ambições universalizantes. O que escapa à análise tradicional em torno do fenômeno da solidariedade é que ela mesma é partidária ao não incluir a dimensão do conflito dentro dos diferentes papéis que se estabelecem em seu seio e ao impor uma coesão forçada sufoca as diferentes forças interagentes e monopoliza o conceito enfraquecendo-o.

A temática da solidariedade é povoada intrinsecamente por uma multiplicidade de sentidos, porém, mesmo analisando-se sob diferentes perspectivas e diante de múltiplas visões de mundo, não se pode esquecer que essas abordagens estão se desenvolvendo no mesmo campo, o que conduz a um ambiente complexo e de difícil apreensão, nomeadamente povoado por fortes conflitos, ainda que muitas vezes mascarados em nome de uma coesão forçada. Percebe-se facilmente o quão comum é a visão de que tudo o que se faz em nome da solidariedade é virtuoso por natureza, reduzindo-se o conceito e encobrindo-se suas diferenças. A solidariedade pode ser entendida numa pluralidade de sentidos que se distinguem por diferentes elementos constituintes, como a própria natureza humana, as relações sociais e os aspectos culturais, entre outros.

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Para que se possam entender as diferentes óticas apresentadas em relação à temática da solidariedade, há que se buscar compreender as raízes epistemológicas que dão amparo aos distintos modelos de construção do conhecimento. A solidariedade é aqui analisada sob a perspectiva da teoria dos sistemas complexos, teoria esta entendida de diferentes formas, por uma diversidade de autores e correntes de pensamento, sendo aqui explorados de forma particular Capra e Morin, conquanto que compartilhem e se complementem em muitos pontos, também se contrapõem e se conflitam em muitos outros.

As relações caóticas e complexas que permeiam o nosso contexto social impedem qualquer tentativa de análise mais determinista ou reducionista da realidade, já que uma pequena causa pode produzir um efeito gigantesco e indeterminado, além do controle das causas não acarretar consigo o controle das conseqüências, o que conduz a uma visão da realidade dominada por múltiplos contornos e potencialidades difíceis de apreender em toda a sua dimensão, resultando em inúmeras possibilidades que facilmente se afastam de qualquer sistematização rígida ou de explicação baseada no paradigma linear de causa e efeito.

Como expõe Capra (2002), a necessidade de comunicação e diálogo entre todos os organismos envolvidos no sistema é fundamental para possibilitar a troca de energias que mantém todos os sistemas vivos em evolução. Todo o sistema vivo baseado em princípios exclusivamente e prioritariamente competitivos tende à desarmonia e ao colapso. O modelo encontrado na Amazônia é exemplo disso, nele a cooperação entre as diferentes espécies é tão intensa que estas não precisam de um solo muito rico para crescer e se desenvolver. Lá o metabolismo e a decomposição do material orgânico permitem o sustento da floresta, independente da pobreza do solo. Num sistema maduro como esse, o maior seguro de vida para uma espécie é quanto ela contribui para o bem-estar das outras. Porém, num sistema imaturo, a lógica é quanto eu posso retirar, no menor espaço de tempo possível e não com o que eu posso contribuir para que possa haver garantia de futuro.

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integrado, cujas características não podem ser reduzidas a partes menores. O pensamento sistêmico desenvolve uma nova visão de mundo e de compreensão deste, a partir da percepção da realidade através de suas relações. O princípio básico para entendimento de um ecossistema é que este se estabelece a partir de uma comunidade e não apenas de um conjunto de espécies soltas, ou seja, há laços imprescindíveis de interdependência, formando uma rede de relações. A teoria sistêmica tem seu foco nas relações, em vez de enfocar os objetos isolados a importância da comunidade está apoiada nas relações que se dão entre seus integrantes e, ao se estimularem as comunidades, busca-se estimular a qualidade das relações.

Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes. Por exemplo, somente será possível estabilizar a população quando a pobreza for reduzida em âmbito mundial. A extinção de espécies animais e vegetais numa escala massiva continuará enquanto o Hemisfério Meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a degradação do meio ambiente combinam-se com populações em rápida expansão, o que leva ao colapso das comunidades locais e à violência étnica e tribal que se tornou característica mais importante da era pós-guerra fria. Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exatamente, como diferentes facetas de uma mesma crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção (CAPRA, 1997, p.23).

A análise acima parte do princípio de que se deve entender que um ecossistema não produz detritos, pois o que é detrito para uma espécie é alimento para outra, gerando-se um ciclo constante de retroalimentação, em que a multiplicidade e diversidade de elementos é o que garante a sustentabilidade da vida. Desde o início, o que mais contribuiu para a sustentação da vida no planeta não foram as lutas, mas a capacidade de cooperação entre as espécies, a parceria e o trabalho em rede, com relação a isso percebia-se um destino comum e uma identificação e interdependência que garantiam a solidariedade necessária à própria perpetuação da vida.

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uma outra, de forma que num ecossistema praticamente todos os detritos são reciclados continuamente. As organizações humanas poderiam seguir o mesmo modelo dos ecossistemas da natureza, de modo que os desperdícios de uma indústria transformem-se em recursos para a próxima. Para que isto funcione, as indústrias precisam agrupar-se geograficamente, a fim de formar uma teia de transações e de relações integradas e interagentes, em que cada organização estaria ancorada em um "sistema de ecologia econômica", que por sua vez pressupõe o desenvolvimento de um novo paradigma de conhecimento baseado na “alfabetização ecológica”.

A alfabetização ecológica estimula o pensamento sistêmico – o pensamento que se estrutura em trono de relações, contextos, padrões e processos, e os projetistas ecológicos pregam a transição de uma economia baseada nos bens para uma economia de serviços e fluxos. Numa tal economia, a matéria circula continuamente, de modo que o consumo líquido de materiais brutos se reduz drasticamente. (...) À media que os resíduos se transformam em recursos, geram-se novas formas de renda, criam-se novos produtos e aumenta-se a produtividade (CAPRA, 2002 p.271).

Há uma crítica de vários autores, nomeadamente de Morin em relação ao pensamento de Capra, uma vez que este defende o princípio da ordem espontânea, que se apóia na teoria da auto-organização e ao mesmo tempo afirma que a globalização e os processos daí decorrentes são uma construção humana intencional, o que conduz à tese de que tudo o que é gerado de forma intencional pode ser desconstruído. Outra crítica ao autor decorre do fato deste tentar conduzir todo o seu pensamento e argumentação em torno de uma transposição da natureza biológica para toda a organização viva, incluindo o humano e não considerando em sua reflexão os aspectos culturais que diferenciam a espécie humana e que conduzem a ações e reações fortemente determinadas pelo meio sociocultural em que estão inseridas.

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que invisíveis no sistema, para que se possam perceber as transformações desenvolvidas no todo. De acordo com o autor não se pode cair no erro de aniquilar o todo através das partes, nem tão pouco aniquilar as partes em nome do todo. Morin (2000) ilustra a visão hologramática da seguinte forma:

Unidades complexas, como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais: dessa forma, o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. A sociedade comporta as dimensões histórica, econômica, sociológica, religiosa... O conhecimento pertinente deve reconhecer esse caráter multidimensional e nele inserir estes dados: não apenas não se poderia isolar uma parte do todo, mas as partes umas das outras; a dimensão econômica, por exemplo, está em inter-retroação permanente com todas as outras dimensões humanas; além disso, a economia carrega em si, de modo “hologramático”, necessidades, desejos e paixões humanas que ultrapassam os meros interesses econômicos. (MORIN, 2000 p.38).

Edgar Morin (2000), ao defender o pensamento complexo1, busca uma religação de conhecimentos que foram departamentalizados e separados há pelo menos três séculos, contribuindo para a nossa visão atual de mundo, estanque e segmentada. Para uma volta à conjunção e religação do todo é necessária uma busca do fio condutor entre as diferentes áreas que fundamentam a diversidade do conhecimento humano.

Morin (2005) apóia-se na necessidade imprescindível do conhecimento solidário com base ética, buscando-se uma nova maneira de pensar e agir, em que se possa desenvolver a solidariedade, podendo a sabedoria intuitiva ter vez num ambiente dominado pelo conhecimento racionalista, em que a conservação seja priorizada à expansão desenfreada e inconseqüente, onde o diferente e aberto possam conviver harmoniosamente, sempre em busca da unidade na pluralidade, amparados num senso de responsabilidade global.

O enfraquecimento da percepção do global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade (cada qual tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada), assim como ao enfraquecimento da solidariedade cada qual não mais sente os vínculos com seus concidadãos (MORIN, 2000 p. 40-41).

Morin (2000), apresenta uma visão distinta da de Capra, também em relação à transposição pura e simples dos modelos biológicos à realidade social. As ciências sociais não podem estabelecer leis universais, porque os fenômenos sociais

1 Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes

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são historicamente condicionados e culturalmente determinados, além de não poderem produzir previsões, visto que os seres humanos modificam o seu comportamento em razão do conhecimento que sobre eles se adquire. A subjetividade impera nos fenômenos sociais, não sendo possível desvinculá-la dos valores do observador, o que conduz à necessidade de priorizar métodos qualitativos, intersubjetivos, descritivos e compreensivos em vez dos meramente quantitativos, objetivos, explicativos.

A cegueira em relação à complexidade da vida e de suas relações conduzem a um estado de fragmentação da realidade, percebendo-se apenas partes componentes, mas não o todo e incluindo-se suas conexões. Não aprendemos a ver em forma de relações, mas de partes autônomas, individuais e não comunicativas e dialógicas. Os problemas do todo devem ser vistos de forma interdependente ou, então, incorre-se num isolamento perceptivo, em que o problema que afeta uma das partes não é entendido na relação e reflexo com as demais e logo perde-se a dimensão da responsabilidade pelo todo. Gera-se, assim, uma cultura da não-responsabilidade pelo que não é imediato e próximo, seja desemprego, violência, degradação do meio ambiente etc...

Morin (2000) alerta para o fato de que o reconhecimento de que estamos de fato interligados e somos interdependentes é o primeiro passo para o despertar de uma cultura de solidariedade ativa e comprometida com o homem e com a vida no seu sentido mais amplo. O enfraquecimento da percepção do global conduz por conseqüência ao enfraquecimento da responsabilidade e ao isolamento, além da concentração no imediato comprometer o próprio futuro.

O global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional. Dessa maneira, uma sociedade é mais que um contexto: é o todo organizador de que fazemos parte. O planeta terra é mais do que o contexto: é o todo ao mesmo tempo organizador e desorganizador de que fazemos parte. O todo tem qualidades ou propriedades que não são encontradas nas partes, se estas estiverem isoladas umas das outras, e certas qualidades ou propriedades das partes podem ser inibidas pelas restrições provenientes do todo (MORIN 2000 p.37).

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de conjunto e de interdependência. Assiste-se a uma precarização das relações, fruto de uma visão que tem dificuldade em ir além do imediato e próximo, as conseqüências parecem ser distantes, diminuindo-se as responsabilidades e o comprometimento mútuo, o que cria um distanciamento e um enfraquecimento das relações, conduzindo ao individualismo e ao distanciamento das partes em relação ao todo.

Perante um quadro dominado pelo individualismo e pela competição sem limites e sem balizadores que sejam capazes de atenuar os seus efeitos perversos, verifica-se um panorama cujos valores básicos de sustentabilidade planetária e de convivência equilibrada, tanto ambientalmente como socialmente, são violados. Há a necessidade de repensar os modelos que regem nossas sociedades, partindo-se de uma visão sistêmica de integração e comunhão das diferentes partes que compõem o todo. A solidariedade desponta como elemento fundamental na arquitetura de novos parâmetros de desenvolvimento e convivência.

2.1 SOLIDARIEDADE LIBERTÁRIA CONTRAPOSTA À SOLIDARIEDADE LIBERAL.

Quando se analisa a questão da solidariedade partindo-se de uma perspectiva dos sistemas complexos, verifica-se que nos seus múltiplos arranjos e conexões desenvolvem-se diferentes visões de mundo, em que se confrontam perspectivas distintas. De um lado despontam propostas que percebem a realidade através de suas partes especificas, passando o todo a ser visto como o conjunto das individualidades. Distintamente, uma outra corrente busca conjugar e relacionar as partes com o todo e o todo com as partes, de forma a que se tenha uma perspectiva de conjunto articulada, em que a visão do todo e de suas múltiplas conexões internas é que garantem a sustentabilidade do sistema.

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Dentro desta perspectiva, Assmann e Sung (2000) apresentam a solidariedade sob dois enfoques: no primeiro a solidariedade é vista como um fato, uma necessidade de interdependência na vida social, um conceito associado à coesão social aparecendo a exclusão como um perigo para a própria coesão; no segundo identifica-se a solidariedade como imperativo ético e normativo, sendo a solidariedade percebida como uma atitude capaz de respeitar diferenças e se interessar pelos problemas da coletividade, principalmente dos que estão em situação mais difícil. Estas duas dimensões se interligam, como expõem Assmann e Sung (2000, p.75):

Estes dois sentidos estão interligados na medida em que a solidariedade como atitude, ou solidariedade como uma questão ética, nasce do reconhecimento de que a solidariedade/interdependência é um fato, uma necessidade para a vida em sociedade. [...] Para que solidariedade se torne um imperativo categórico aceito e vivido pela sociedade, é preciso antes que esta mesma sociedade reconheça a interdependência e a coesão social como fato fundamental para a vida em geral, e a vida humana em particular.

Ao se buscar entender a solidariedade a partir das diferentes articulações entre o plano macrossocial e o microssocial, despontam duas visões distintas, a visão emancipatória ou libertária que busca relacionar o plano macrossocial com o microssocial num processo de interdependência, em que se busca entender as múltiplas conexões e vias de dialogo de forma a intensificar o relacionamento entre as partes e o todo. De maneira diferenciada estabelece-se a visão liberal que separa as duas dimensões, ou seja, o plano macrossocial e o microssocial são percebidos de forma desarticulada e separada e muitas vezes apresentam-se de forma substitutiva.

O plano macrossocial baseia-se na institucionalização das práticas solidárias, partindo do princípio da necessidade de construção de bases operacionais e de ferramentais objetivos para que a solidariedade possa se efetivar como direito universalizado, afastando-se do simples voluntarismo. Nesse sentido, ultrapassa-se o plano do sensível e do relacionamento face a face, formalizando-se e institucionalizando-se as ações. O plano microssocial, por sua vez, está relacionado com o contato face a face, com os laços sensíveis, pelo envolvimento e pela proximidade, predominando a subjetividade.

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grandes desafios traduzir a sensibilidade solidária estabelecida no plano microssocial em políticas públicas na dimensão macrossocial, consolidadas no plano dos direitos (ASSMANN; SUNG, 2000 p.141):

Instituições significam a possibilidade de reprodução de um grupo social e/ou da própria sociedade. Sem institucionalização não há sobrevivência de grupos, por mais solidários que eles sejam. Ao mesmo tempo, institucionalizações são o que são porque produzem e reproduzem regras, controles, hierarquias, burocracias, etc. O desafio é manter essa tensão entre os desejos que nascem da sensibilidade solidária e o realismo que reconhece a necessidade das institucionalizações e assim buscar soluções efetivas e viáveis também no campo macrossocial.

Há que se alertar para o risco de dois extremos, o primeiro é que em nome da institucionalização da solidariedade, se enfraqueçam os laços de afetividade e sensibilidade. Por outro lado, o foco restrito em torno de elementos afetivos e emocionais voluntários tende a criar barreiras ao desenvolvimento de projetos emancipatórios mais amplos. O domínio absoluto das políticas de promoção do bem-estar social por parte do Estado tem-se apresentado de forma reducionista centralizando as ações e impedindo a manifestação espontânea e autônoma das próprias comunidades locais, o que distancia, muitas vezes, as demandas da população em relação à sua institucionalização. De outra forma, o isolamento da solidariedade em ações pontuais voluntaristas e afastadas do plano dos direitos institucionalizados tende a conduzir a um panorama de dependência crônica e manifestação de hierarquias rígidas de poder.

De acordo com a articulação que é feita entre a dimensão macrossocial e a microssocial acabam por se estabelecer duas formas distintas de solidariedade. A primeira chamada de liberal, percebe o plano macrossocial e o microssocial como dissociados, como defende Peter Drucker e Hudson, entre outros autores contemporâneos. Diversamente entendem Sousa Santos, Demo e Cattani para ficar apenas em alguns, que entendem as duas dimensões sociais como interagentes e umbilicalmente ligadas, mesmo que muitas vezes se estabeleçam tensões e formas variadas de pressão, mas jamais de isolamento ou substituição.

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consumidor, despolitizando-se o conceito e distanciando-se dos direitos políticos e sociais. O pensamento baseia-se na premissa de que a solidariedade deve permitir que os grupos excluídos possam aproveitar as oportunidades que o mercado oferece a todos e que o não aproveitamento destas é da inteira responsabilidade de cada um.

Dentro da perspectiva liberal, o pesquisador Peter Drucker (1993) concentra seu discurso em torno da eficiência, ou seja, predomina em sua fala a defesa do instrumentalismo objetivo acima de qualquer elemento subjetivo. Em sua lógica, defende-se a adoção de instrumentos inerentes e consagrados pelo universo empresarial, nomeadamente ferramentas de controle e mecanismos de gestão empresariais, que façam com que se atinjam níveis de objetividade semelhantes aos do mundo corporativo. Além do mais, o seu pensamento não vai além de uma solidariedade dominada pelo atendimento à lógica do mercado, seguindo parâmetros de produtividade, eficiência e cumprimento de metas. Dentro dessa linha de pensamento, o autor propõe a terceirização das atividades tradicionais do Estado, como forma de garantir níveis mais elevados de eficiência, partindo da premissa básica de que o Estado tende a ser ineficiente por natureza.

Há uma razão adicional para se terceirizar as tarefas sociais: a necessidade de elevar a produtividade do trabalho em serviços. O governo é o maior empregador de trabalhadores de serviços, mas seus funcionários são os menos produtivos. E enquanto eles forem funcionários públicos, sua produtividade não poderá subir. Uma repartição pública age necessariamente como uma burocracia. Ela precisa subordinar a produtividade a regras e regulamentos. Precisa focalizar os formulários adequados ao invés dos resultados, caso contrário em pouco tempo ela se transforma em uma quadrilha de ladrões. E em todos os países desenvolvidos, um número considerável de funcionários é empregado para prestar esses serviços, para administrá-los (DRUCKER, 1993, p.128).

Drucker (1993) visualiza a perspectiva futura de uma cidadania desenvolvida por meio do “setor social”, que mais à frente o expressa como “terceiro setor”. Parte de uma lógica amparada no voluntarismo e nas ações privadas em torno de problemáticas sociais, que encontram resposta mais efetiva e adequada através das ações privadas dos organismos da sociedade civil em suas múltiplas expressões e alianças. Vai além ao afirmar que o conjunto destas entidades apresenta um dos maiores índices de crescimento potencial para as próximas décadas, atendendo às crescentes demandas da sociedade.

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tratasse de algo natural e sem necessidade de intervenção, uma simples continuidade do passado. Apresenta uma visão evolucionista adequando-se à perspectiva liberal de entender a realidade como um processo de evolução natural, que conduz a um futuro naturalmente promissor, mas que tem as “dores do parto” inerentes a qualquer processo de desenvolvimento que impõe sacrifícios de adaptação, mas sempre em prol de um fim maior.

As necessidades sociais irão crescer em duas áreas. Em primeiro lugar, elas irão crescer naquilo que tradicionalmente tem sido considerado caridade: ajudar os pobres, os incapacitados, os desamparados, as vítimas. E elas irão crescer, ainda mais rápido, com respeito a serviços que visam mudar a comunidade e mudar as pessoas. Em períodos de transição, sempre cresce o número de pessoas necessitadas. Há as grandes massas de refugiados em todo o mundo, vítimas de guerra e sublevações sociais, de perseguições raciais, étnicas, políticas e religiosas, de governos incompetentes ou cruéis. Mesmo nas sociedades mais acomodadas e estáveis, as pessoas serão deixadas para trás na passagem para o trabalho do conhecimento. São necessárias uma ou duas gerações para que uma sociedade e sua população se habituem com as mudanças radicais na composição da forças de trabalho e nas demandas por aptidões e conhecimento. [...] até que a produtividade dos trabalhadores em serviços seja elevada o suficiente para que eles tenham um padrão de “classe média” (DRUCKER, 1993, p.127).

De forma diferenciada se expressa a solidariedade libertária, empenhada em promover mecanismos de emancipação através de elementos de participação democrática, num esforço capaz de gerar a autonomia das populações hoje excluídas, além de desenvolver e ampliar o plano dos direitos, refletindo-se no exercício em constante construção e ampliação da cidadania. Estas iniciativas se apóiam no desenvolvimento de experimentos alternativos ao modelo dominante e na busca incessante por conquista de novos direitos que conduzam a níveis superiores de emancipação, nomeadamente num projeto de mudança das estruturas socioeconômicas que vêm garantindo a perpetuação dos níveis de opressão vigentes.

Efeitos de poder indicam que as relações sociais, a par de poderem sempre abrigar solidariedades admiráveis, supõem confronto dialético. Relações de poder solidárias tendem a ser contradição nos termos, porque escondem mais imbecilização do que história real. Daí não segue que a solidariedade em sociedade seja possível. Muito ao contrário, sugere-se apenas que a solidariedade, quando crítica e sobretudo autocrítica, sabe discernir efeitos de poder. Por exemplo, a solidariedade que produz ajuda assistencialista representa fantástico processo de imbecilização (DEMO, 2002, p.40).

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para infirmar a pretensão grotesca de povo eleito. Povo eleito é uma perspectiva profundamente acrítica, porque nega no outro o que reivindica para si (DEMO, 2002, p.145).

De acordo com a ótica de Demo (2002), a solidariedade é percebida como efeito de poder, em que as relações se estabelecem de forma confrontativa e não num processo de coesão, o que para o autor é reflexo das duas solidariedades que se apresentam e que se confrontam em ideais e estratégias de ação. Nesse sentido, disputam a solidariedade de cima e a solidariedade de baixo, em que a primeira parte das elites em relação às classes subalternas como uma concessão dos primeiros em relação aos segundos, como expõe Demo (2002, p.152): “Entendo por solidariedade de cima aquela pregada pelo centro ou pela elite. Rarissimamente não será infecta por efeitos de poder”. De forma contrária, a solidariedade de baixo parte de propostas emancipatórias das classes marginalizadas, que se unem em torno de lutas e ideais comuns, em diferentes experimentos, como salienta Demo (2002, p.164): “Se a solidariedade de cima há muito pouco o que aproveitar, existe a solidariedade de baixo, na qual destaco sobretudo duas promessas: o terceiro setor e a economia dos setores populares”.

A solidariedade libertária percebe a realidade como campo de conflito, de enfrentamento e de lutas entre interesses divergentes. A exclusão é vista como um fenômeno decorrente da estrutura dominante, que obstaculiza a emancipação e libertação de boa parte da população, induzindo à dependência e à subserviência diante da realidade que se impõe. A solidariedade libertária caracteriza-se pela busca de uma relação de reciprocidade e de interdependência entre elementos do mesmo grupo, capaz de pressionar e agir em prol da conquista de novos direitos e da transformação da própria estrutura social opressora. Como destaca Demo (2002, p.222):

Trata-se de trabalhar a trajetória da emancipação dos marginalizados a partir de suas energias próprias, em particular de sua capacitação política. Essa visão não desfaz o caráter polemico da economia solidária, mas empresta outros argumentos fundamentais, acompanhando, além do mais, o ritmo crescente de resistência globalizada à globalização hegemônica.

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papel das Organizações da Sociedade Civil: “Uma associação de voluntários teria como missão fundamental na escola pública a de exercer pressão efetiva sobre o Estado, obrigando-o a manter oferta de qualidade. Não é o caso substituir o Estado, mas fazê-lo funcionar bem”.

Os movimentos em torno da solidariedade emancipatória não são bem vistos pelas classes dominantes, visto que estes movimentos se caracterizam pelo repúdio a qualquer mecanismo de dependência verticalizada, ou que implique em posturas de subserviência, o que se antagoniza com o comportamento tradicional frente às diferentes formas de dominação e de estrutura de poder. Estas iniciativas incomodam e sofrem a antipatia das elites econômicas, já que não se sujeitam à dominação e não se comportam de forma submissa diante da realidade, além de se tornarem ameaça pela capacidade organizativa que favorece o enfrentamento e a construção de projetos emancipatórios. Nesse sentido Cattani (2003, p.130) define emancipação como:

é o processo ideológico e histórico de libertação de comunidades políticas ou grupos sociais, da dependência, da tutela e da dominação nas esferas econômicas, sociais e culturais. [...] significa livrar-se do poder exercido por outros, conquistando, ao mesmo tempo a plena capacidade civil e de cidadania no Estado democrático de direito [...] A sociedade é verdadeiramente emancipada quando a lei maior é o bem comum, objetivo e universalizante [...] é o inverso do pensamento elitista que afirma continuamente a incapacidade congênita do povo de ter iniciativas autônomas e de manifestar e defender seus próprios interesses.

A solidariedade libertária caracteriza-se pelo seu empenho em construir propostas baseadas em relações horizontais, havendo um domínio dos ideais de cooperação e de mutualidade, regados num processo democrático permeado pela transparência e participação conjunta. Porém, é preciso mencionar a dificuldade em transpor barreiras em que se condicionou boa parte das populações marginalizadas, em que as imposições a que são continuamente acometidas acabam por gerar padrões de dependência psicológica e descrédito quanto à própria capacidade de emancipação.

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que continuamente permeiam e influenciam a realidade. Sousa Santos e Rodriguez (2002) alerta que a solidariedade tem de ser pensada de forma a poder abarcar e contemplar dimensões globais, ou se correrá o risco de enfraquecimento em nome de ideais de solidariedade fechada em pequenas comunidades ou espaços como estratégia de proteção e isolamento, o que certamente geraria uma outra forma de individualismo e desagregação.

Porém, Sousa Santos e Rodriguez (2002) não deixam de alertar para ao se pensar num desenvolvimento global justo e sustentável, ter-se-á, em primeiro lugar, que pensar e agir em âmbito local, uma vez que todas as medidas macroeconômicas se concentram no crescimento econômico segundo critérios quantitativos, monetários e produtivistas, não se questionando as prioridades ou outras lógicas socioeconômicas. O orçamento participativo2 é um exemplo de avanço em relação à lógica tradicional, já que a democratização da administração pública poderá ser viabilizada de forma prática, levando-se em conta o respeito às escolhas e prioridades definidas em instancias locais, que implicam, como pré-requisito básico, a garantia de transparência e comprometimento da população.

Sousa Santos alerta, ainda, para a preocupação com os extremismos e puritanismos que tendem a excluir e a desintegrar partes da realidade como se fossem irreconciliáveis, em favor de um pensamento único e totalizador da realidade. Nesse sentido, analisa a discussão em torno do global em relação ao local (SOUSA SANTOS; RODRIGUEZ, 2002, p.56):

O radicalismo do local é produto da construção de dicotomias - “o povo” versus “os outros”, tradicional versus moderno, sociedade civil versus Estado, comunidade versus sociedade, local versus global, sabedoria popular versus conhecimento moderno – em que não cabe a possibilidade de um termo médio nem as propostas de articulação entre os termos confrontados. O resultado é uma rejeição completa de qualquer forma de pensamento e ação globais, inclusive daquelas que tentam estabelecer nexus de solidariedade entre lutas locais.

[...] Ainda que as alternativas ao desenvolvimento dependam, em grande medida, da defesa de alternativas locais e das formas de vida e de conhecimento anticapitalistas que elas possam representar, acreditamos que o pensamento e a ação pós-desenvolvimentista têm muito a ganhar – como mostram as lutas bem-sucedidas que articulam o ativismo local, nacional e global – se, em vez de celebrar incondicionalmente a diversidade local, se esforçarem por desenvolver propostas que se desloquem através de todas as escalas, dependendo das necessidades da luta concreta.

2 Orçamento Participativo, de acordo com Sousa Santos (2002) é uma forma de gestão compartilhada

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As experiências descritas, tanto no plano microssocial, como no macrossocial, no plano local como no global, podem ser exemplificadas através de distintos modelos organizacionais que despontam ao redor do mundo, tanto localmente como globalmente. Destacam-se aqui as experiências de economia solidária, as organizações não-governamentais de múltiplas matizes e propósitos, os fóruns de debate, além de movimentos em favor do perdão da dívida externa dos países de terceiro mundo. Também são cada vez mais fortes e constantes os diálogos em torno de propostas de renda básica irrestrita e universal, além do crescimento de movimentos em apoio à criação de impostos para problemas globais, como a taxação das transações financeiras mundiais (imposto Tobin3) em prol de um fundo de combate à miséria.

2.2SOLIDARIEDADE E INDIVIDUALISMO,COOPERAÇÃO E COMPETIÇÃO.

Dentro do espectro de hibridez e da multiplicidade de arranjos que povoam os distintos projetos socioeconômicos que se confrontam na sociedade, amparam-se inevitavelmente em diferentes visões e posicionamentos em torno da solidariedade / cooperação e do individualismo / competição, o que se reflete em formas distintas de institucionalização destas prerrogativas, nomeadamente em diferentes projetos socioeconômicos.

A perspectiva individualista advoga a liberdade individual como bem maior, percebendo as instituições que visam proteger o trabalhador contra os riscos econômicos, como barreiras à expansão da própria atividade econômica, principal meio de ampliação do nível de emprego e do desenvolvimento social. Propõe-se, então, como solução o desmonte das instituições de bem-estar social e a desregulamentação do mercado de trabalho, principais entraves, segundo esta perspectiva, para a livre expansão das forças produtivas e do próprio desenvolvimento social. A vertente individualista entende as desigualdades entre indivíduos como inevitáveis, além de justificar a existência das desigualdades pelo

3 O economista Jamas Tobin, Prêmio Nobel da Economia, propôs a incidência de uma taxa mundial

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fato de nem todos desempenharem o mesmo esforço e empenho, além de possuírem diferentes ambições materiais. Destaca-se, ainda, a variável sorte e os próprios dons inatos e meritocráticos de cada um como fatores determinantes das desigualdades.

Fridrich A. Hayek é um dos mais tradicionais defensores do liberalismo e do individualismo e, em seu livro “O Caminho da Servidão” publicado na Inglaterra em 1944, Hayek (1990) fez um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, que denuncia como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política. Ele defende a primazia absoluta da liberdade, devendo ser banida qualquer proposta que venha atentar contra este ideal maior. Hayek compartilha dos ideais de Adam Smith, mas vai além ao destacar a importância da informação e de seus inúmeros agentes que só conseguem ser coordenados e viabilizados através dos mecanismos de mercado, independentemente dos ideais competitivos ou cooperativos de cada um, não havendo a hipótese deste conjunto ilimitado de informações ser apreendido por um único organismo coordenador.

Chamar de privilégio a propriedade privada como tal, que todos podem adquirir segundo as mesmas normas, só porque alguns conseguem adquiri-la e outros não, é destruir a paadquiri-lavra privilégio do seu significado. A liberdade econômica [...] constitui o requisito prévio de qualquer outra liberdade. [...] cheguei à conclusão de que o maior serviço que ainda posso prestar ao meu semelhante é fazer com que os oradores e escritores se sintam profundamente envergonhados cada vez que empregarem o termo ‘justiça social’ (HAYEK, 1990, p.92).

Hayek denuncia que qualquer tipo de planificação da economia é o caminho para o totalitarismo, partindo do princípio de que a vida econômica é constituída de indivíduos egoístas que perseguem fins diferentes, concorrentes e até antagônicos. Não existe racionalidade superior à dos indivíduos, a única racionalidade efetiva é resultante do equilíbrio das ações individuais. O totalitarismo é resultado natural do abandono do liberalismo, não podendo haver liberdade política se não há liberdade econômica.

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demasiado complexo para ser planejado por uma instituição central, e por isso ela deve evoluir livremente, devendo qualquer intervenção de natureza solidária ficar restrita ao plano microssocial e não dar-se no nível macrossocial, como atesta em sua fala:

se pretendemos aplicar as rígidas pautas de conduta próprias do microcosmo (isto é, a ordem que caracteriza a convivência no pequeno bando ou manada, e inclusive na própria unidade familiar) ao macrocosmo (isto é, à ordem própria da sociedade civilizada em toda sua complexidade e extensão) - como tão reiteradamente nos recomendam nossas próprias tendências profundas -, poríamos em perigo a esse segundo tipo de ordem.

E se, ao inverso, pretendêramos aplicar a normativa própria da ordem extensa a essas agrupações mais reduzidas, acabaríamos com a própria coesão que as aglutina. É, pois, inevitável que o homem permaneça

submetido a essa realidade dicotômica (HAYEK, 1990, p.50).

Quando se analisa a questão específica da solidariedade, de acordo com a visão de Hayek (1990), verifica-se um pensamento ligado à teoria evolucionista, em que a solidariedade não passa de um instinto animal, comum a pequenos grupos, que deverá ser superado, caso haja interesse em níveis mais elevados de desenvolvimento. A evolução da sociedade não teria sido possível se vigorasse a supremacia do princípio da solidariedade de todos para com todos, não sendo esta condizente com a ordem do mercado competitivo defendida pelo autor, como motor principal do desenvolvimento das sociedades. A solidariedade é até compreensível para Hayek, no plano microssocial, mas jamais extrapolada para a dimensão institucional do macrocosmos.

Friedman (1984), de forma semelhante, notabilizou-se por defender e impulsionar a doutrina econômica liberal, embora o centro da sua discussão esteja na defesa do mecanismo do mercado como garantia de prosperidade e de utilidade, "ser livre para escolher". Defende a liberdade individual e considera qualquer medida contra a mesma coercitiva e, por conseguinte, abusiva, partindo do princípio de que toda a tentativa de redistribuição de renda, apoiando-se na lógica de tirar dos mais ricos para distribuir aos mais pobres, via tributação, é um atentado à liberdade individual.

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Gráfico 1 – Ano de fundação dos diferentes tipos de Organizações da Sociedade Civil.
Tabela 2 - Área de atuação em relação à classificação dos tipos de Organizações da Sociedade  Civil
Gráfico 2 – Área de atuação das organizações em relação ao tipo de Organizações da Sociedade  Civil
Gráfico 3 – Área de atuação das organizações em relação ao ano de fundação.
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Referências

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