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Contexto int. vol.29 número2

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Academic year: 2018

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produção acadêmica no campo de teoria das Relações Internacio-nais não consiste, na sua maior parte, em “novas teorias”. Nos princi-pais livros e periódicos da área, o que se encontra não são, de modo geral, tentativas de se reinventar a roda, mas um esforço coletivo e gra-dual de acumulação de conhecimento e aperfeiçoamento teórico. À medida que se ampliam os poderes explicativos e capacidades inter-pretativas dos modelos teóricos já existentes, espera-se que eles serão instrumentos cada vez mais valiosos para compreender uma realidade internacional que adquire constantemente novas complexidades.

Contudo, de tempos em tempos, o campo depara-se com uma obra cuja criatividade e determinação de “começar do início” do processo

*Resenha recebida em janeiro e aprovada para publicação em março de 2007.

**Diplomata e mestrando em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB). As opiniões aqui expressas são de caráter pessoal e não refletem necessariamente aquelas do Ministério das Relações Exteriores ou do governo brasileiro.

CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 29, no2, julho/dezembro 2007, p. 435-441.

Bounding Power:

Republican Security

Theory from the Polis

to the Global Village*

Daniel H. Deudney. Princeton, Princeton University Press, 2007, 391 páginas.

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de teorização reconfigura o debate. Tal façanha já foi empreendida por autores como Kenneth Waltz, Alexander Wendt, Nicholas Onuf e agora, talvez, também por Daniel Deudney.

Deudney é um autor estabelecido no campo, embora pouco conheci-do no Brasil, que já publicou diversos artigos e alguns livros sobre matérias tão diversas quanto meio ambiente, espaço exterior, armas

nucleares e ordem internacional.Bounding power é, porém, sua

mais importante obra até o momento, sintetizando e amarrando vári-os temas que têm surgido nvári-os seus escritvári-os ao longo dvári-os anvári-os.

O livro é escrito como uma reconstrução da tradição que o autor de-nomina de “teoria de segurança republicana”, surgida na Antiguida-de e esquecida em meio aos Antiguida-debates teóricos Antiguida-de Relações Internacio-nais do século XX. Deudney argumenta que o realismo e o liberalis-mo – e, embora menos diretamente, o construtivisliberalis-mo – representam fragmentos da teoria de segurança republicana. Ao empreender a re-construção desta “teoria-mãe”, Deudney propõe uma teoria que in-corpora largas seções do pensamento realista e liberal a uma estrutu-ra mais ampla, dando-lhes maior coerência e fôlego explicativo.

Antes de continuar, é mister notar as diferenças entre a obra de Deudney

e o esforço de Onuf (emThe republican legacy in international

thought) de resgatar o pensamento republicano. Enquanto Onuf vê

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obscuridade, e apontam a relevância desse pensamento para a teori-zação sobre Relações Internacionais.

Deudney vê a tradição republicana em termos essencialmente mate-rialistas (ele diz partir de uma ontologia híbrida, em vez de puramen-te mapuramen-terialista ou idealista, mas não desenvolve esse ponto). Para ele, a república é uma forma “negárquica” de organização política (um dos diversos termos cunhados ao longo da obra, a “negarquia” seria uma alternativa à anarquia e à hierarquia, em que as unidades são or-ganizadas por meio de restrições e contrapesos que as ordenam sem as hierarquizar), destinada a preservar a segurança física de seus par-ticipantes sem lhes tolher a liberdade política. Serve para proteger os atores dos perigos, tanto domésticos quanto internacionais, da anar-quia e da hieraranar-quia. A possibilidade da existência de repúblicas, e o formato e extensão dessas, evoluem à medida que os contextos mate-riais se transformam, isto é, à medida que a evolução tecnológica au-menta as capacidades de transporte e comunicação sobre longas dis-tâncias e incrementa o que o autor chama de “interdependência da violência”, a capacidade dos atores de causarem dano uns aos outros.

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A república surge, portanto, na Antiguidade, como uma espécie de

polisdedicada a salvaguardar a liberdade política de seus cidadãos e

protegê-los dos efeitos da anarquia. Ela seria, contudo, uma espécie particularmente vulnerável, sujeita ao que o autor chama de “leis de ferro do republicanismo daspolis”. A primeira lei afirma que,

neces-sitando serem pequenas de modo a permitir o governo pelo povo, as

polisrepublicanas eram particularmente sujeitas à conquista,

deven-do, portanto, manter-se constantemente em um estado de prontidão militar, o que levaria à erosão das liberdades individuais. Desta for-ma, as repúblicas só poderiam surgir em circunstâncias geográficas vantajosas, que facilitassem a defesa contra inimigos maiores. A se-gunda lei de ferro, baseada na experiência da república romana, afir-mava que apolisrepublicana que buscasse garantir a sua segurança

por meio da expansão territorial passaria a necessitar de um exército permanente no lugar de uma milícia cidadã. Esse exército, contudo, levaria quase inevitavelmente à derrubada da república e à instaura-ção da ditadura.

As limitações de espaço não permitem resumir aqui toda a história que Deudney faz da teoria de segurança republicana das suas origens clássicas até o presente. É importante, contudo, citar pelo menos al-guns dos passos e momentos mais fundamentais.

O desenvolvimento da tecnologia marítima, a partir da Renascença, permitiu o surgimento das repúblicas marítimas, como Veneza, Inglaterra e Holanda, cuja defesa não exigiria um exército permanen-te ou uma milícia cidadã, mas sim uma esquadra. Uma vez que o po-der marítimo, utilizado para defenpo-der a república, não se prestava à repressão interna, ele permitia que as repúblicas se defendessem sem incorrer no risco de se tornarem ditaduras, e dispensava uma milícia, permitindo aos seus habitantes que eles se dedicassem ao comércio e à acumulação de riqueza.

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com os impérios grandes, mas pouco numerosos da Ásia. Os nume-rosos Estados europeus mantinham sua independência em virtude da combinação de três fatores: divisão (as barreiras geográficas à ex-pansão, como cordilheiras e mares), equilíbrio (a ausência de um po-der preponpo-derante no sistema) e mistura (a interação entre popo-der ter-restre e naval). Assim, no ponto em que a Escola Inglesa enxerga uma “sociedade internacional” constituída por valores compartilha-dos e o realismo vislumbra um equilíbrio de poder entre unidades es-tanques, Deudney aponta uma estrutura negárquica, possibilitada fundamentalmente pelo contexto material (tecnológico e geográfi-co) da época e da região.

O próximo grande momento da evolução da teoria de segurança re-publicana foi a fundação dos Estados Unidos, no chamado “sistema de Filadélfia”. O autor afirma que a Constituição de 1787, longe de criar um Estado hierárquico, criou uma forma inovadora de repúbli-ca, capaz de assegurar as liberdades individuais e defender a coletivi-dade de ataques estrangeiros, ao mesmo tempo que preservava a es-trutura contra o desmoronamento (anarquia) ou a tirania (hierarquia).

Baseando-se principalmente no texto de O federalista, Deudney

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Chegando à Revolução Industrial, o livro examina o trabalho de di-versos autores – geopolíticos, idealistas, federalistas, socialistas, fas-cistas – e enxerga neles respostas diversas aos problemas apresenta-dos pelos processos conjuntos de industrialização e globalização. As obras de autores como Mahan, Mackinder, Wells e Dewey são cita-das para sustentar, convincentemente, que o período do fim do século XIX até meados do século XX assistiu não a um abandono, mas a uma revitalização e revolução da teoria de segurança republicana, que buscava se adaptar ao novo contexto material de um mundo em que a interdependência da violência e a integração em termos de co-municação e transporte haviam alcançado níveis nem mesmo sonha-dos anteriormente.

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O autor não é, contudo, otimista em relação às perspectivas futuras do sistema internacional e da segurança republicana. Apontando para as transformações domésticas sofridas pelos Estados Unidos desde os ataques de 11 de setembro de 2001, ele afirma que, se não forem constituídas estruturas internacionais capazes de controlar a proliferação de armas de destruição em massa entre atores estatais e não estatais, as repúblicas serão cada vez mais forçadas a adotarem estruturas hierárquicas para se defenderem, com efeitos nefastos para os direitos individuais e liberdades políticas. Assim, mesmo que as armas atômicas não levem a uma catástrofe militar, podem trazer conseqüências irreversíveis para a preservação da democracia e do Estado de Direito no mundo.

Bounding poweré um livro ousado de um autor audacioso. Deudney

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