APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PRONTUÁRIO MÉDICO.
O exercício da profissão da medicina, em consultório médico ou em hospital, está protegido pelo sigilo profissional, em proteção da profissão e do paciente, salvo as exceções tipificadas na lei.
A petição inicial da ação exibitória vincula-se à obtenção de documentos ou anotações médicos durante internamento hospitalar para pedido do seguro denominado “DPVAT”.
Para tanto, como regra, é suficiente a prova de estado expressa na certidão de óbito, em que consta a causa da morte.
À vista da petição inicial, não se justifica causa para a quebra do sigilo profissional que protege o exercício da medicina.
APELAÇÃO CÍVEL
VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70062296223 (N° CNJ:
0422185-69.2014.8.21.7000)
COMARCA DE TRAMANDAÍ
FUNDACAO HOSPITAL MUNICIPAL
GETULIO VARGAS
APELANTE
EDUARDO MORAES RODRIGUES
APELADO
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado,
à unanimidade, em dar
provimento ao recurso de apelação
.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os
eminentes Senhores DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN E
DES. DILSO DOMINGOS PEREIRA.
DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Relator.
R E L A T Ó R I O
DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI (RELATOR)
Fundação Hospital Municipal Getúlio Vargas interpõe recurso
de apelação contrário à sentença que julgou procedente o pedido formulado
na ação de exibição de documentos ajuizada por Eduardo Moraes
Rodrigues, assim (fls. 84-85):
“Vistos etc.
EDUARDO MORAES RODRIGUES ajuizou a presente ação cautelar
contra HOSPITAL TRAMANDAÍ, visando à exibição de prontuário médico de seu pai, Paulo Roberto Rodrigues, já falecido. Referiu que o demandado se negou a atender o seu pedido administrativo, alegando que os documento estão protegidos pelo sigilo médico. Pleiteou AJG. Juntou documentos (fls. 10/12).
Foi deferido o pedido de gratuidade de justiça (fl. 17).
Citado, o réu apresentou resposta, alegando, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do autor, uma vez que ele não possui poderes para representar a Sucessão do de cujus. No mérito, teceu razões acerca da fundação que atualmente gerencia o Hospital de Tramandaí. Disse que o prontuário médico pretendido não pode ser disponibilizado, tendo em vista o sigilo médico resguardado pelo Código de Ética Médica. Argumentou que mesmo os parentes do de cujus não tem direito de acessar os documentos. Requereu a improcedência do pedido, bem como a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. Juntou documentos (fls. 27/76).
Houve réplica (fls. 78/80).
As partes, intimadas acerca do interesse na produção de outras provas (fl. 81), nada requereram.
Vieram os autos conclusos para prolação de sentença.
Em relação a preliminar de ilegitimidade ativa, por se confundir com o mérito da presente demanda, será analisada junto com este, o que passo a fazer.
A ação de exibição de documento, descrita no art. 844 como procedimento preparatório, nem sempre o é, podendo ter caráter satisfativo, autônomo.
Assim, a medida se satisfaz em si mesma, visto que a pretendida ação somente será viabilizada uma vez cumprida a determinação judicial de exibição pelos demandados.
Tal modalidade de exibição é aceita por Pontes de Miranda, in Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1976, p.235:
“(...) Terceira espécie, c), é a ação exibitória principaliter, em que o autor deduz em juízo a sua pretensão de direito material à exibição, sem aludir a processo anterior, ou presente, ou futuro, que a ação de exibição suponha, a que se contacte, ou que preveja.”
No mesmo sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. DPVAT. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CARTA PROTOCOLO. SENTENÇA PROCEDENTE. ÕNUS SUCUMBENCIAIS DA PARTE DEMANDADA. MANUTENÇÃO. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. Estando a demandada em posse desses documentos que são comum as partes, e necessitando a parte autora ingressar em juízo para obtenção desses documentos, entendo pela manutenção da procedência da ação, uma vez que detém a parte autora interesse processual na presente exibitória. - Cumpre colocar que qualquer ação ajuizada pelas mesmas partes não impede a cautelar exibitória de caráter eminentemente satisfativa. Existência de pretensão resistida. Tempo hábil para a resposta. Ônus sucumbenciais da parte demandada. Minoração Da Verba Honorária. Descabimento. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70051184133, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 11/04/2013)
Por oportuno, cito o seguinte precedente jurisprudencial:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PRONTUÁRIO MÉDICO. DOCUMENTO NECESSÁRIO PARA RECEBIMENTO DE SEGURO DE VIDA REALIZADO PELO DE CUJUS . PRETENSÃO RESISTIDA CARACTERIZADA. As circunstâncias do caso permitem concluir que a autora realizou o pedido administrativo de exibição de documento, não tendo o réu logrado demonstrar ter respondido e/ou atendido ao mesmo, restando caracterizada a pretensão resistida e, conseqüentemente, o interesse de agir. A autora, na condição de esposa do paciente falecido no estabelecimento demandado, tem o direito de postular a exibição do prontuário médico do de cujus , restando evidenciados o seu interesse processual e a sua legitimidade. E o réu tem o dever de exibi-lo, não havendo falar em proteção de dados sigilosos do paciente e/ou de ofensa aos seus direitos personalíssimos . APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70055512289, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 13/11/2013)
Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido por
EDUARDO MORAES RODRIGUES contra HOSPITAL TRAMANDAÍ,
determinando que o réu exiba os documentos solicitados pela parte autora. Condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 500,00, forte no art. 20, § 4º, do CPC. Suspendo a exigibilidade da verba sucumbencial, porquanto a parte ré “é uma entidade jurídica, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública” (fl. 27).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”
Alega o apelante, em síntese, que o documento estaria
protegido pelo sigilo profissional, referindo a ilegitimidade do autor para ter
acesso ao prontuário do paciente (fls. 87-90).
O recurso foi recebido (fl. 91) e contra-arrazoado (fls. 87-90).
Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, foram
simplificados os procedimentos dos artigos 549, 551 e 552, do CPC,
resguardada a integralidade.
V O T O S
DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI (RELATOR)
Antecipo a conclusão de meu voto no sentido de dar
provimento ao recurso de apelação.
A petição inicial da ação exibitória vincula-se à obtenção de
documentos ou anotações médicos durante internamento hospitalar para
pedido do seguro denominado “DPVAT”.
Para tanto, como regra, é suficiente a prova de estado
expressa na certidão de óbito, em que consta a causa da morte (“hemorragia
interna por ruptura da artéria aorta toráxica” – fl. 7).
O exercício da profissão da medicina, em consultório médico
ou em hospital, está protegido pelo sigilo profissional, em proteção da
profissão e do paciente, salvo as exceções tipificadas na lei.
Nesse sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSO CIVIL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - SIGILO PROFISSIONAL - OMISSÕES INEXISTENTES.
1. Explicitado ficou no voto condutor que a entidade hospitalar não está
obrigada a enviar à Justiça prontuários médicos.
2. O Tribunal disse, com clareza, que à vista do prontuário, preservados os dados sigilosos quanto à doença e ao tratamento realizado, todos os demais dados relativos à internação não estão ao abrigo do sigilo profissional.
3. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no RMS 14134 / CE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. 2001/0192514-2. Ministra ELIANA CALMON. T2 - SEGUNDA TURMA. DJ 25/11/2002)” (grifei)
situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de
caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre
membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência
prestada ao indivíduo.” (grifei)
O Código Internacional de Ética Médica determina que deve o
médico "respeitar os direitos dos pacientes, dos colegas, e de outros
profissionais da saúde, e protegerá as confidências dos pacientes" e
"manter
absoluta confidencialidade de todo seu conhecimento sobre o paciente,
mesmo
após
a
morte
do
paciente”
1(grifei).
1<http://www.eticus.com/documentacao.php?tema=2&doc=33>
O artigo 89 do Código de Ética Médica assim dispõe:
“É vedado ao médico: (...)
Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para sua própria defesa.
§1º. Quando requisitado judicialmente o prontuário será disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz.” (grifei).
À vista da petição inicial, não se justifica causa para a quebra
do sigilo profissional que protege o exercício da medicina.
Por derradeiro, ressalto que a legislação que regulamenta
Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores
de via Terrestre, Lei nº 6194/74, não exige o prontuário médico como
documento obrigatório para o pagamento da indenização por morte,
conforme se vê:
“Art. 5º O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado.
§ 1o A indenização referida neste artigo será paga com base no valor vigente na época da ocorrência do sinistro, em cheque nominal aos beneficiários, descontável no dia e na praça da sucursal que fizer a liqüidação, no prazo de 30 (trinta) dias da entrega dos seguintes documentos:
a) certidão de óbito, registro da ocorrência no órgão policial competente e a prova de qualidade de beneficários no caso de morte;
b) Prova das despesas efetuadas pela vítima com o seu atendimento por hospital, ambulatório ou médico assistente e registro da ocorrência no órgão policial competente - no caso de danos pessoais.”