• Nenhum resultado encontrado

Natureza jurídica e efetividade das medidas protetivas de urgência da lei n° 11.34006 (Lei Maria da Penha), no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Natureza jurídica e efetividade das medidas protetivas de urgência da lei n° 11.34006 (Lei Maria da Penha), no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher"

Copied!
62
0
0

Texto

(1)

MARIA DE JESUS PEREIRA MOURA

NATUREZA JURÍDICA E EFETIVIDADE DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI N° 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA), NO

ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

(2)

NATUREZA JURÍDICA E EFETIVIDADE DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI N° 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA), NO ENFRENTAMENTO

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior

(3)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca da Faculdade de Direito

M929n Moura, Maria de Jesus Pereira.

Natureza jurídica e efetividade das medidas protetivas de urgência da lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha), no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher / Maria de Jesus Pereira Moura. – 2015.

61 f.: il.; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

1. Direitos Humanos Fundamentais. 2. Violência contrs as mulheres. I. Título.

(4)

NATUREZA JURÍDICA E EFETIVIDADE DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI N° 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA), NO ENFRENTAMENTO

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior

Aprovada em: __/__/____.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________ Prof. Me. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________________ Mestrando Fernando Demetrio de Sousa Pontes

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________________ Mestrando Djalma Alvarez Brochado Neto

(5)
(6)

que antes de punir acolhe, pelo dom da sabedoria e da paciência e pelo instinto investigativo, que me foram de fundamental importância na composição desta pesquisa.

Agradeço a minha família pelo apoio, em especial minha mãe Maria Veraneide, meu pai Genário, meu querido irmão Luzardo, minhas irmãs Juliene e Juliana e meus filhos Emile e Miguel, estando sempre presentes em todos os momentos bons e ruins de minha vida.

Agradeço as minhas amigas e meus amigos, minhas companheiras e companheiros de profissão que me apoiaram durante o processo de construção deste trabalho, motivando-me nos momentos difíceis, ajudando-me a conciliar meu papel de mãe, mulher, profissional, estudante e pesquisadora.

Ao Prof. William Marques, que me orientou neste trabalho, por sua disponibilidade e presteza reconhecidas por todo o corpo discente da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.

(7)
(8)

Objetiva-se demonstrar que a violência doméstica e familiar contra a mulher vem da concepção de supremacia masculina, mundialmente rebatida, e enraizada na sociedade brasileira, que ainda vive resquícios de uma conjunção de sociedade patriarcal, conservadora e machista. Alei intitulada de “Maria da Penha” criou meios de coibir esse tipo de violência, sendo resultado de ações afirmativas de direitos humanos. Traduz-se que sua aplicação não é fator isolado, necessitando da atuação de um suporte integrado que constitui a rede de atendimento à mulher no enfrentamento da violência doméstica e familiar, no qual o Estado exerce papel de grande relevância. Objetiva-se demonstrar a efetividade das medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha, como cautelar específica, com características peculiares que convergem para uma natureza jurídica de caráter satisfativo, em nosso meio jurídico, na medida em que visa à proteção de direitos humanos, representando uma das conquistas trazidas pela norma, na medida em que são não apenas protetivas, mas coibidoras, preventivas e garantistas. Apresenta-se a forma de como esse instituto foi recepcionado no nosso ordenamento jurídico na busca de promover a igualdade e resguardar direitos fundamentais das mulheres vítimas de violência doméstica. Por fim, são analisadas as tutelas de urgência, previstas no nosso ordenamento jurídico e como elas se diferem das medidas protetivas da Lei n°11.340/06.

.

(9)

The objective is to demonstrate that domestic violence against women comes from the male supremacy design, world-hitter, and rooted in Brazilian society, who still lives remnants of a combination of patriarchal society, conservative and sexist. The law titled "Maria da Penha" created means of curbing such violence, being a result of affirmative action for human rights. It means your application is not an isolated factor, requiring the operation of an integrated support that the woman is the service network in fighting domestic and family violence, in which the state plays a role of great importance. The objective is to demonstrate the effectiveness of the urgent protective measures under Maria da Penha Law as specific precautionary, with peculiar characteristics that converge to a satisfying legal nature character in our legal category, in that it aims at the protection of rights humans, representing one of the achievements brought about by the standard, to the extent that they are not only protective, but contained, preventive and with guarantees. It shows the way how this institute was welcomed in our legal system in the quest to promote equality and safeguard fundamental rights of women victims of domestic violence. Finally, the emergency guardianships are analyzed, provided for in our legal system and how they differ from the protective measures of Law 11,340 / 06.

Keywords: Woman. Maria da Penha Law. Domestic violence. Protective Measures.

Fundamental rights.

(10)

ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental

APAVV Associação de Parentes e Amigos de Vítimas da Violência do Ceará

BO Boletim de Ocorrência

CCDM Conselho Cearense dos Direitos da Mulher.

CEDAW Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher

CEJIL Centro de Justiça Internacional

CERAM Centro Estadual de Referência e Apoio a Mulher.

CF Constituição Federal

CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

CLADEM Comitê Latino Americano e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres

CNTS Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde COM Centro Popular da Mulher

CPC Código de Processo Civil CPM Centro Popular da Mulher CPP Código de Processo Penal

CPPL Casa de Privação Provisória de Liberdade DAM Delegacia de Atendimento às Mulheres DDM/ FOR Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza

IP Inquérito Policial

Juizado da Mulher Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher OAB Ordem dos Advogados do Brasil

OEA Organização dos Estados Americanos ONU Organização das Nações Unidas

PLNCPC Anteprojeto Do Novo Código De Processo Civil STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

(11)

2 LEVANTAMENTO DO FENÔMENO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

E DE SEU ENFRENTAMENTO ... 13

2.1 O que é violência contra a mulher? ... 15

2.2 Surgimento da Lei n° 11.360/06 no ordenamento jurídico brasileiro: intervenção pública no âmbito privado. ... 16

2.3 Enfrentamento da violência contra a mulher ... 22

3 TUTELAS DE URGÊNCIA PREVISTAS NO NOSSO ORDENAMENTO JURIDICO: TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPADA ... 28

3.1 Diferença entre tutela cautelar e tutela antecipada ... 28

3.2 Tutela Liminar ... 32

3.3 As tutelas de urgência no novo CPC ... 33

4 AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA PREVISTAS NA LEI N° 11.340/06.36 4.1 Necessidade de medida cautelar especial que amparasse com eficiência a mulher em situação de violência doméstica e familiar ... 39

4.2 Análise da natureza jurídica, aplicabilidade, eficácia e efetividade das medidas protetivas de urgência da Lei n° 11.340/06. ... 41

4.2.1 Relevância da palavra da vítima para a concessão das medidas protetivas ... 47

4.2.2 A multidisciplinaridade na aplicação das medidas protetivas ... 48

4.2.3 Mecanismos que auxiliam na garantia da efetividade das medidas protetivas ... 50

4.2.4 Cabimento de prisão preventiva em caso de descumprimento das medidas protetivas 51 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 56

(12)

1 INTRODUÇÃO

Diariamente, uma parcela significativa da população feminina mundial é vítima de violência doméstica: vítima, na sua grande maioria, de seus cônjuges, companheiros, namorados, parentes consanguíneos ou afins, mas unidos por qualquer relação familiar ou doméstica. Este tipo de violência provoca na pessoa da ofendida: angústias, vergonhas, redução da autoestima, e, acima de tudo, dores físicas e psicológicas. Os delitos sofridos por essas mulheres independem de sua classe social, sua escolaridade, faixa etária, etnia e credo, assim como também os de seus agressores.

A conduta indiscriminada da prática dessa violência motivou maior mobilização, além da luta em prol de uma legislação específica que as tutelasse, ultrapassando as fronteiras brasileiras para além das cortes internacionais.

Como reflexo desses movimentos e da determinação de tratados internacionais, temos, no Brasil, em 2006, a edição da Lei n° 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”, trazendo como elemento inovador seu aspecto protetivo acentuado como forma de enfrentamento enérgico à violência doméstica e familiar contra a mulher a partir da introdução das medidas protetivas de urgência.

Assim sendo, a presente pesquisa monográfica pretende discutir a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência, previstas na Lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha) como medidas cautelares inominadas que visam garantir direitos fundamentais e coibir a violência no âmbito das relações familiares, conforme preconiza o artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição da República, buscando avaliar os efeitos sociais desta tutela assim como os seus requisitos jurídicos em face do princípio da dignidade da pessoa humana. Para tanto, dividiu-se o trabalho em três capítulos.

O primeiro dispõe de uma análise através do tempo sobre as mulheres enquanto sujeitas históricas, além de um levantamento das discussões que culminaram na criação e aplicação da Lei Maria da Penha no Brasil, contextualizando de modo geral o trabalho proposto.

No segundo capítulo, trabalha-se o instituto das medidas cautelares e da tutela antecipada, analisando suas semelhanças e diferenças com as medidas protetivas de urgência, previstas na Lei n° 11.340/ 06.

(13)

cautelar, uma vez que resguarda direitos fundamentais, cuja natureza jurídica ainda não tem definição específica, muitas das vezes denominadas cautelares inominadas. Como forma de fundamentação da eficácia na aplicação da Lei Maria da Penha e de seus institutos protetivos, apresenta-se dados estatísticos, mostrando a evolução do número de medidas protetivas, requeridas por essas vítimas na cidade de Fortaleza, no recorte temporal do ano de 2006 ao ano de 2015, mostrando a efetividade e a eficácia dessas medidas, bem como a credibilidade da elencada lei em nosso ordenamento jurídico. Explica-se, assim, o impacto histórico e social por decorrência da referida lei, a partir do momento que elas rompem o silêncio e denunciam o agressor.

Ainda adota-se o apoio material das fontes primárias, que serviram de subsídio para o desenvolvimento pleno desta monografia, disponibilizadas pelos serviços que integram a Rede de Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres, das quais destacam-se o material educativo e informativo distribuídos à sociedade, como as cartilhas sobre a Lei, bem como a análise de índices estatísticos realizados pela Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza no sentido de proporcionar uma visualização.

A pesquisa será bibliográfica e documental. No que se tange à primeira, serão feitas consultas aos livros, às produções acadêmicas sobre o assunto, como artigos (científicos e jornalísticos), teses e dissertações. Em relação à segunda, serão abordadas jurisprudências, que tratem a respeito do tema e ajudem a elucidar o problema e estatísticas coletadas junto a Delegacia de Defesa da Mulher da mesma capital.

Por fim, destaca-se que as principais fontes normativas a serem utilizadas são a Lei n. 11.340/06, a Constituição Federal de 1988, o Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil, o Código Civil e o Código Penal.

(14)

2 LEVANTAMENTO DO FENÔMENO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E DE SEU ENFRENTAMENTO

Na década de 1970, as pesquisas em torno da figura feminina ganharam reconhecimento no mundo. Com o avanço de discussões sobre a importância social, política e econômica das mulheres, com uma maior participação destas em movimentos sociais e manifestações políticas que buscavam, e que ainda buscam, a manutenção de seus direitos, este quadro tem se revertido de maneira espantosa com o aumento de estudos, pesquisas e trabalhos acadêmicos sobre as mulheres e sobre o gênero feminino1. Nesse sentido:

A primeira corrente teórica que identificamos como uma das principais referências, orientando as análises sobre violência contra as mulheres nos anos 80 corresponde

ao famoso artigo de Marilena Chauí, intitulado “Participando do Debate sobre

Mulher e Violência”. Nesse trabalho, Chauí concebe violência contra as mulheres

como resultado de uma ideologia de dominação masculina que é produzida e reproduzida tanto por homens como por mulheres. A autora define violência como uma ação que transforma diferenças em desigualdades hierárquicas com o fim de

dominar, explorar e oprimir. A ação violenta trata o ser dominado como “objeto” e não como “sujeito”, o qual é silenciado e se torna dependente e passivo. Nesse

sentido, o ser dominado perde sua autonomia, ou seja, sua liberdade, entendida

como “capacidade de autodeterminação para pensar, querer, sentir e agir”

(SANTOS; IZUMINO, 2005, p.03).

A violência familiar contra as mulheres no Brasil tem perpassado todas as classes sociais, quebrando com o paradigma de que esse tipo de violência está relacionado a grau de instrução dos envolvidos ou à classe social deles. Além de serem dolos causados por pessoas consideradas socialmente, normais.2 (MASCARENHAS, 1985).

1 FORTE, Séphora B. M. A violência contra a mulher no Estado do Ceará e a aplicação da Lei Maria da Penha. 2008. Monografia (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Acaraú, Fortaleza, 2008; SANTIAGO, Rosilene A. e COELHO, Maria Thereza A. D., A violência contra a mulher: antecedentes históricos. [S/I] s/d BLAY, E. A. Violência contra a mulher e políticas públicas. Estud. av., v.17, n.49. São Paulo: sep./dic., 2003; I FÓRUM de Debates Sobre a Lei Maria da Penha. Governo de São Paulo. São Paulo, SP, 2006. Disponível em: <http:// www.conselhos.sp.gov.br/condiçãofeminina/notícias>. Acesso em: 20 mar. 2007; ESTATÍSTICAS oficiais revelam um cenário triste. Diário do Nordeste. Fortaleza, CE, 18 mar. 2007. Disponível em:<http://www.diariodonordeste.com.br>. Acesso em: 26 mar. 2007.

2“A noção de “ser humano normal” pode ter sua origem na

(15)

O aumento nos registros de violência doméstica e familiar envolvendo vítimas do gênero feminino motivou diversos setores sociais a discussões e a manifestações por elaboração de políticas públicas que combatessem esse mal de modo a amparar as mulheres em situação de vulnerabilidade.

Uma vez que a mulher agredida passa por vários outros dolos, que ultrapassam as barreiras dos atos da agressão direta e se inserem no cotidiano da mesma, ela passa a viver transtornos psicológicos, fobias e/ou aversões ao gênero do agressor, por lembrar-se do mesmo. Pode revoltar-se contra a sociedade de modo geral por se apresentar na visão crítica da vítima como conivente com a violência, entre outras aversões.

Este conjunto de transtornos interfere de maneira direta no processo natural de vida da vítima, ou seja, na sua realização profissional, na sua estabilidade na sua integridade física e mental, na sua sociabilidade, levando em alguns casos a morte por inanição, desnutrição ou suicídio (uma vez que a mulher é vítima também de dependências emocionais, depressões, síndromes do pânico, e outros transtornos psicológicos; assim ela deixa de se alimentar, tomar banho, perde a autoestima e definha chegando ao óbito). Assim:

Sabemos que a violência contra a mulher nada mais é do que uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, que tem conduzido a dominação da mulher pelo homem, a discriminação contra a mulher, provocando impedimentos contra o seu pleno desenvolvimento (MEDEIROS, 2005, p. 101).

É partindo deste ponto de discussão sobre os danos físicos e psíquicos nas vítimas de violência familiar que nos permitimos indagar: O que é violência contra mulher? Por que a diferenciação de violência contra mulheres dos outros cidadãos? O que é especificamente a lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, e como se dá a aplicabilidade e efetividade de seus institutos protetores entre quais destacamos as Medidas Protetivas de Urgência?

(16)

2.1 O que é violência contra a mulher?

Compreende-se atualmente, que violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” 3, no âmbito da unidade doméstica familiar, ou qualquer relação íntima de afeto independentemente de coabitação. A violência contra as mulheres foi perpetuada, ao longo da História, através de uma relação de superioridade exercida pelo homem em relação à mulher, não podendo ser entendida como um fator natural das espécies e nem tampouco ser analisada só pela esfera cultural, considerando-a como uma atitude meramente machista. É, ademais, o resultado da junção de processos histórico, social, econômico, biológico e cultural que violam não só a integridade física e moral das mulheres, como o comportamento de toda a sociedade.

A violação dos direitos das mulheres, também refletia numa violação dos direitos humanos, mostrando a deficiência destes direitos no que tange a sua atuação. Isto podia ser constatado através dos casos noticiados pelos meios de comunicação nacionais, que retratavam a ineficácia da aplicabilidade do conjunto de leis e garantias constitucionais brasileiras (MIGUEL, 2000). Daí a necessidade da legislação específica com o propósito de amparar essa categoria por vezes fragilizada, buscando a igualdade entre homens e mulheres, constitucionalmente garantida no art. 226 da CF/88. Trata se da igualdade material, sendo a lei resultado das ações afirmativas de direitos humanos.

A violência praticada contra a mulher, no âmbito doméstico, caracteriza-se, de acordo com a própria Lei Maria da Penha, no seu artigo 7º, de diversas formas: física, moral, sexual, econômica ou patrimonial e psicológica, sendo que cada uma delas tem sua especificidade, sendo considerada violência: física - as agressões que podem ou não deixar marcas no corpo, ou podem levar a morte; moral - são ofensas que manifestam algum tipo de calúnia, difamação ou injúria; sexual – é qualquer ato que leve ao constrangimento de presenciar, manter ou participar de uma relação sexual indesejada, mediante meios de intimidação, ameaça, coação ou uso da força (física ou moral), indução a comercialização ou

3 BRASIL. Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm >. Acesso em:10 jun. 2015. Art. 5º,

(17)

utilização da sexualidade da vítima, impedimento de uso de métodos contraceptivos ou que force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição (mediante chantagem, suborno, coação, manipulação, ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos).

Há também as violências: econômica ou patrimonial - são condutas que subtraem, destroem parcial ou totalmente os objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos financeiros (principalmente, os que são destinados as necessidades da vítima) e psicológica – esta é a mais comum e a menos identificada. É caracterizada como aquela que deixa sequelas no emocional, diminuindo sua autoestima, chegando a prejudicar e a transtornar a vítima através de constrangimentos, humilhações, manipulações, isolamentos, perseguições, insulto, ridicularizarão ou outro tipo de atitudes consideradas sutis que leve também a danos psicológicos.

Os tipos mais comuns de crimes praticados com esse tipo de violência são: ameaça, lesão corporal, crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação), constrangimento ilegal, estupro, periclitação da vida ou saúde, violação de domicílio; tentativa de homicídio, sequestro e homicídio doloso. Seguem-se também as contravenções penais, tais como a perturbação do sossego, as via de fato, sem deixar de contar a violência de caráter atípico, a exemplo do adultério, que não deixa de constituir violência psicológica contra a mulher.

2.2 Surgimento da Lei n° 11.360/06 no nosso ordenamento jurídico: intervenção pública no âmbito privado.

A Lei Nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, sancionada pelo então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu o nome em homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de violência doméstica e familiar por parte de seu ex-marido4. A biofarmacêutica, Maria da Penha, lutou durante anos pela condenação de seu agressor, o qual por duas vezes tentou assassiná-la. Sendo que em uma dessas tentativas de homicídio, Maria da Penha sofreu paraplegia irreversível.

O fato de a legislação brasileira não ter punições específicas, na época do crime, motivou Maria da Penha a buscar apoio de organizações voltadas para a luta e defesa das

(18)

vítimas de violência. No ano de 2001, a mesma passou a integrar como voluntária na Associação de Parentes e Amigos de Vítimas da Violência do Ceará (APAVV).

Devido à impunidade do réu por 19 anos, condenado por duas vezes durante a década de 1990, a biofarmacêutica buscou apoio em organismos nacionais e internacionais como o Centro de Justiça Internacional (CEJIL), Comitê Latino Americano e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres (CLADEM), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Esta última responsabilizou o Brasil por relaxamento penal e omissão em relação à violência sofrida pela farmacêutica e fez ao mesmo nove recomendações, dentre elas a de regulamentar o artigo 226, parágrafo 8º da Constituição Federal Brasileira, criando uma lei que coibisse a violência domestica e familiar contra a mulher:

1. Completar rápida e efetivamente o processamento penal do responsável pela agressão e tentativa de homicídio contra senhora Maria da Penha Fernandes Maia.

2. Levar igualmente a cabo uma investigação séria, imparcial e exaustiva para determinar a responsabilidade por irregularidades ou atrasos injustificados que impediram o processamento rápido e efetivo do responsável; e tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciais correspondentes.

3. Adotar, sem prejuízo das eventuais ações contra o responsável da agressão, medidas necessárias para que o Estado proporcione a vítima adequada reparação simbólica e material pelas violações aqui estabelecidas, em particular sua falta em oferecer um rápido e efetivo; por manter o caso na impunidade por mais de quinze anos; e por evitar com este atraso a possibilidade oportuna de ação de reparação indenização civil.

4. Continuar e aprofundar o processo de reformas que evitem a tolerância estatal e o tratamento discriminatório a respeito da violência domestica contra as mulheres no Brasil (...) 5

No caso de Maria da Penha, seu agressor foi preso 20 anos depois do ocorrido, e após um acompanhamento da Comissão dos Direitos Humanos ao processo. Posteriormente a esta decisão, observou-se que a necessidade da criação de uma legislação que coibisse, prevenisse, punisse e erradicasse a violência contra a mulher. Diversas organizações compuseram a criação do anteprojeto de lei que foi apresentado à bancada feminina do Congresso Nacional Brasileiro e também à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

O anteprojeto além de definir o que se caracterizava como violência doméstica e familiar, estabelecia também meios de combater estas violências e prestar assistências as suas vítimas. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres solicitou a constituição de uma

(19)

comissão interministerial para discutir todas as nuanças do anteprojeto (SOUZA & KÜMPEL, 2007).

“Quem ama não mata”, “Em briga de marido e mulher, vamos meter a colher”, “Homem que é homem não bate em mulher”, “Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência”, “Sua vida recomeça quando a violência termina”, “Onde tem violência todo mundo perde”. Foram muitos os slogans utilizados nas campanhas

que trouxeram para o espaço público aquilo que se teimava em dizer que deveria ser resolvido entre as quatro paredes do lar.6

Dois eventos foram de fundamental importância ao questionamento do papel social exercido pela mulher e sua dignidade como pessoa humana, sujeita de direito e de iniciativa, bem como portadora de liberdades: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW) conhecida como Lei Internacional dos Direitos da Mulher, ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1984 e a Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, conhecida como Convenção do Belém do Pará, ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995:

A Convenção Cedaw, em seu artigo 1º, define a discriminação contra a mulher como

“toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou

resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,

econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”. O artigo 1º da Recomendação 19 do Comitê Cedaw dispõe que a violência baseada no gênero é uma forma de discriminação que seriamente impede as mulheres de usufruírem os direitos e liberdades em condições de igualdade com os homens..7

Do mesmo modo, a Convenção de Belém do Pará, define a violência contra a mulher como uma forma de violação de direitos humanos que impede o exercício da cidadania feminina 8 e, ambas as convenções (Cedaw e a de Belém) obrigaram os países signatários a erradicar as formas de discriminação e violência contra a mulher. A criação das delegacias de defesa da mulher atendeu as exigências salvaguardas nos tratados internacionais, possibilitando maior atenção às mulheres vitimas de violências bem como a busca da punição do agressor, sendo otimizadas após a implementação da legislação específica.

6 LEI Maria da Penha: coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher. Cartilha educativa e informativa da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, 2006.

7 NORMA Técnica de Padronização das Delegacias de Atendimento às Mulheres DEAMs. Secretaria de Políticas para as Mulheres em parceria com a Secretaria Nacional de Seguranças Pública e UNODC –

Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Brasília, 2010. 8

(20)

A Lei n° 11.340, sancionada em 07 de agosto de 2006, em conformidade com as disposições previstas no Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal, que preconiza que a família, base da sociedade, merece especial proteção do Estado e nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal de 1988, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil.

Segundo o disposto no artigo 226, § 8º, da Constituição Federal: "O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.".

Pode-se caracterizar a legislação em enfoque como resultado das chamadas “ações afirmativas” 9, não ofendendo o princípio da igualdade, na medida em que busca reparar as injustiças sofridas pela mulher, célula-base da família, ao longo dos tempos.

Questionada acerca de sua constitucionalidade, no que tange a uma possível desigualdade, essa controvérsia não encontra mais guarida no nosso ordenamento jurídico, posto que dirimida em sede de ADC - Ação Declaratória de Constitucionalidade - n° 19 e ADI 4424 de 09/02/2012.

O fundamento desse tratamento diferenciado é o princípio da igualdade, que se divide em formal e material, sendo que a primeira, expressa na Constituição, assegura o mesmo tratamento a todos, sem distinção. Já a igualdade material é a oportunidade alcançada não só legalmente, mas por políticas públicas, por grupos minoritários e hipossuficientes que necessitam de proteção especial, ou seja, é a igualdade de condições sociais.

Assim, o princípio da igualdade assegura às pessoas em situações iguais os mesmos direitos, visando sempre o equilíbrio entre todos e não admitindo discriminações e diferenças arbitrárias. Os tratamentos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal e tais diferenciações devem ter finalidade razoável e proporcional, pois se forem usadas com fim ilícito, serão incompatíveis com a norma constitucional. Dias (2007, p. 55) entende que "leis voltadas a parcelas da população merecedoras de especial proteção procuram igualar quem é desigual, o que nem de longe infringe o princípio isonômico".

Deve-se buscar, então, não só a igualdade formal, que é decorrente da lei, mas também a igualdade material, conforme Aristóteles em tratando igualmente os iguais e

9

(21)

desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, buscando reduzir as diferenças sociais.

Com o objetivo de proteger direitos fundamentais, à luz do princípio da igualdade, o legislador já editara microssistemas próprios a fim de conferir tratamento distinto e proteção especial a outros sujeitos em situação de hipossuficiência, tais como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, estando a Lei Maria da Penha e seus mecanismos de proteção, em conformidade com o Princípio da Proibição da Proteção Insuficiente dos Direitos Fundamentais.

A nova legislação entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, não se aplicando aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher a Lei de nº 9.099/9510 dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais que prever penas alternativas, como prestação de serviços comunitários, multas isoladas ou cestas básicas. No julgamento da ADI 4.424-DF, o STF declarou a constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340⁄2006, afastando a incidência da Lei n. 9.099⁄1995 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista.

Esta lei não se aplica aos casos de violência cometidos contra a mulher, conforme literatura da Lei nº 11.340/2006, porque a pena alternativa mostrou que sua aplicação não tinha “uma relação direta com nenhum serviço de atendimento à mulher que passou por violência. Dessa forma, a punição não gerava uma conscientização do agressor quanto ao seu ato” (BARRETO, 2007, p.15). A vigência de uma legislação específica para julgamentos de violência doméstica levou o Brasil a fazer parte do grupo de 89 países que adotam dispositivos legais, segundo a ONU – Organização das Nações Unidas.

O disposto no seu artigo 4º alude à necessidade de se observar os fins sociais a que se destina a lei n° 11.340/06, em especial as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Considerando esses fins sociais, seu artigo 41, deve ser observado de forma ampla, afastando a incidência da Lei n. 9.099⁄1995, de forma categórica, tanto para os crimes quanto para as contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Confira-se: “Art. 4º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.”.

(22)

Assim, a prática das contravenções penais mais recorrentes no trato da violência doméstica e familiar, descritas nos artigos 21 e 65 do Decreto- Lei n. 3.688⁄1941, quais sejam: vias de fato, geralmente com incidência de empurrões e tapas, que não deixam vestígios, e perturbação da tranquilidade, quer seja por ligações, torpedos, redes sociais ou pessoalmente, com incidência da Lei Maria da Penha, o que enseja um considerável numero de requerimento de medidas protetivas de urgência, uma vez que é recorrente a não aceitação, por parte do acusado, do término do relacionamento, aliado ao sentimento de posse, decorrente do pensamento machista, presente no processo de formação da sociedade brasileira, não enseja transação penalem favor do ofensor, tampouco seu afastamento configura constrangimento ilegal.

No mesmo sentido, a aplicação do artigo 41 da Lei Maria da Penha às contravenções penais, não causa interpretação extensiva em desfavor do acusado. Esse é o entendimento da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça11, alinhada à nova jurisprudência do STF. Ressalte-se ainda que esse impasse já dirimido em sede da ADI n°4424, através da qual foi decidido que não se aplica a Lei nº 9.099/1995, dos Juizados Especiais, aos crimes da Lei Maria da Penha e que nos crimes de lesão corporal praticados contra a mulher no ambiente doméstico, mesmo de caráter leve, atua-se mediante ação penal pública incondicionada.

Observe entendimento do Supremo Tribunal Federal:

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340⁄06 – ALCANCE. O preceito do artigo 41 da Lei nº 11.340⁄06 alcança toda e qualquer prática delituosa contra a mulher, até mesmo quando consubstancia contravenção penal, como é a relativa a vias de fato. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340⁄06 – AFASTAMENTO DA LEI Nº 9.099⁄95 –

CONSTITUCIONALIDADE. Ante a opção político-normativa prevista no artigo 98, inciso I, e a proteção versada no artigo 226, § 8º, ambos da Constituição Federal, surge harmônico com esta última o afastamento peremptório da Lei nº 9.099⁄95 – mediante o artigo 41 da Lei nº 11.340⁄06 – no processo-crime a revelar violência contra a mulher. (HC 106212, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 24⁄03⁄2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 10-06-2011 PUBLIC 13-06-2011 RTJ VOL-00219- PP-00521 RT v. 100, n. 910, 2011, p. 307-327).

11

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 196.253⁄MS (2011/0022515-7), Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul. Advogado: Eni Cleyde de Mendonça Sartori Nogueira –

(23)

A Lei n°11.340/2006 é composta desde os meios punitivos, às medidas educativas (para vítimas e agressores), assistencialistas e de proteção às vítimas (nos casos específicos, das medidas protetivas). Sua criação permitiu avanços bastante significativos na sociedade brasileira, pois não foi só a sua aplicação, mas a criação de equipamentos institucionais que dessem todo um aparato a própria legislação, quais sejam: as Delegacias Especializadas em Defesa da Mulher, os Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, os Centro de Referências para Atendimento as Mulheres Vítimas de Violências, as Casas Abrigos, Promotorias da Mulher, entre outras organizações.

A pressão internacional e a luta implantada pelos movimentos femininos fizeram com que o Estado Brasileiro interferisse de maneira direta e objetiva - através da lei Maria da Penha, no cotidiano que se resumia: “briga de casal”, que deveria se resolver “entre quatro paredes”, ou “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, passando a discussão da violência doméstica do âmbito privado para o público.

Até o advento da Lei Maria da Penha, a violência doméstica não mereceu a devida atenção, nem da sociedade, nem do legislador e muito menos do Judiciário. Como eram situações que ocorriam no interior do “lar, doce lar”, ninguém interferia. Afinal, “em briga de marido e mulher ninguém põe a colher!” (DIAS, Op. cit.; p.21).

Romper com este pensamento e com diversos costumes machistas e ainda patriarcais da sociedade brasileira, em especial da nordestina, tem sido um processo difícil que muitas vezes joga setores contra setores sociais, tirando o foco da discussão sobre a importância da aplicação da lei em defesa da mulher, uma vez que a maioria das discussões tenta pôr a criação da Lei Maria da Penha como um motivo forte na acentuação das disputas entre os gêneros, masculino versus feminino.

2.3 Enfrentamento da violência contra a mulher

É conhecido que a sociedade brasileira ergueu seus pilares no: patriarcalismo, machismo e conservadorismo. Saffioti (2004) relata ao longo de seus estudos, a submissão da mulher em relação ao homem desde a vida social à vida privada, proporcionando-nos uma visão da desigualdade de gênero como fenômeno histórico.

(24)

multifacetado e multidimensional que contem o gênero, em sua transversalidade, encarrega-se desta ampliação. (OSTERNE, 2007, p. 279).

A violência contra a mulher é histórica e manifesta-se em fenômenos formadores da sociedade. As mudanças e os avanços em relação aos direitos das mulheres são fatores primordiais que merecem destaque dentro de um processo gradativo que no Brasil vem ganhando força desde o final de 1970, culminando na criação de políticas públicas e mecanismos que permitem o estabelecimento de uma rede de enfrentamento à violência contra a mulher.

A violência doméstica contra a mulher, por exemplo, mesmo que necessite ser explicada como fenômeno circunscrito ao espaço privado e familiar, uma vez perpassado pelas relações de poder e de gênero, não pode prescindir de ser entendido baseado na complexidade social que o produz. (OSTERNE, Op. cit. , p. 276)

A Lei n° 11.340/06, na busca de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, mostrou-se inovadora no sentido de não ter como caráter primordial apenas a punição do agressor, mas alertar a sociedade para o problema que nos é secular, promovendo assistência e proteção às vítimas, além da prevenção com medidas que visem à reeducação e à reabilitação do agressor, ou seja: propor a instituição familiar novas perspectivas no sentido de erradicar a violência no seu seio, destruindo os pilares conservadores nos quais esta foi erguida, num contexto cultural-histórico-social de opressão do gênero feminino em relação ao masculino.

Enfim, as políticas mais amplas, como as macroeconômicas, têm efetiva incidência sobre a vida das mulheres e da dinâmica das relações de gênero. Assim, o enfrentamento das desigualdades de gênero deverá ter sentido amplo e caráter de transversalidade. O compromisso do Poder público com o problema da violência contra a mulher exige que se compreendam suas determinações no interior do conjunto dos problemas sociais a serem enfrentados e superados, principalmente, pela via do político, do econômico e do cultural. (OSTERNE, Op. cit., p. 274)

(25)

atenção judicial, as medidas de caráter relevantes, aplicando as penalidades compatíveis com os níveis de crime em julgamento, bem como as medidas socioeducativas do agressor.

No ano de 2007, foram iniciadas as discussões no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará para a criação do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, previsto no artigo 34 da Lei Maria da Penha: “Art.34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.”12.

A criação do Juizado de Violência no Estado do Ceará foi aprovada por lei estadual divulgada em Diário Oficial no dia 31 de julho de 2007:

Outro aspecto observado: os agressores que foram presos não estão reincidindo. Anterior à Lei Maria da Penha, pessoas que respondiam até três termos circunstanciais de ocorrências eram condenados a pagar uma cesta básica, voltando a agredir suas companheiras, esposas ou namoradas. Com a possibilidade de serem presos em flagrante, os homens estão ficando mais temerosos e não voltam à prática da violência (FORTE, Op. cit., p. 27).

A história da criação das Delegacias de Defesa da Mulher, porta de entrada e de acolhimento da mulher, vítima de violência doméstica, remonta a história do movimento feminista no Brasil e da mobilização de diversos setores da sociedade, objetivando atendimento especializado em local adequado. O poder público oficializou em cada estado a criação dessas delegacias, cuja existência no Brasil é antecedente a obrigatoriedade delas pela Lei Maria da Penha.

No Brasil, a linha de atuação do Movimento Feminista vai se centrar na luta pela implantação de Delegacias Especializadas a partir do final da década de 1970. Em 1985 foi criada, em São Paulo, a primeira Delegacia da Mulher. Até o final da década de 1990 havia, apenas, 141 Delegacias em todo o país. (AMARAL, 1998, p. 119- 120).

As lutas incessantes das populações femininas e feministas, por políticas públicas no combate a violência contra a mulher, tão arraigada em nossa cultura, conforme já salientamos, culminaram no Brasil da década de 1970 com o surgimento dos primeiros movimentos feministas organizados em defesa dos direitos da mulher.

Estes movimentos ganharam força em 1979, quando do julgamento de Raul Fernandes do Amaral Street (“O Doca Street”) pelo assassinato de sua ex-esposa Ângela Maria Fernandes Diniz, no ano de 1976. Esse caso tornou-se símbolo da luta pela busca de

12

(26)

punições mais severas aos agressores das mulheres, com o lema: “Quem ama não mata”. Doca Street foi condenado a dois anos com “sursis”13, alegando legítima defesa da honra e domínio de violenta emoção. Tal caso motivou a criação da primeira delegacia de defesa da mulher 14, no Estado de São Paulo, em meados da década de 1980.

A primeira Delegacia de Defesa da Mulher em Fortaleza foi criada no dia 05 de dezembro de 1986 pelo Decreto Lei Nº 18.267, durante o primeiro governo civil do Estado, após o regime militar. Sua criação foi resultado da mobilização de mulheres remanescentes do Movimento Feminista pela Anistia no Ceará, que primeiramente instituíram duas organizações em prol da luta dos direitos da mulher: Centro Popular da Mulher (CPM) e a União das Mulheres Cearense (UMC).

Atualmente, a Delegacia da Mulher de Fortaleza, vinculada à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Ceará, é a maior e uma das mais importantes políticas públicas do Estado cearense no combate à violência contra a mulher e à impunidade, especificamente na cidade de Fortaleza, sendo a polícia civil “o porto seguro da mulher vítima de violência doméstica e familiar”, uma vez que, na maioria das vezes, é nas Delegacias de Defesa da Mulher que ela recebe seu primeiro acolhimento, vislumbrando todo seu contexto histórico de violência, fazendo suas primeiras narrativas através dos Boletins de Ocorrências.

Nesse acolhimento todos os procedimentos policiais e extrapoliciais que visem sua proteção e assistência serão observados, entre eles requerimentos para a concessão judicial das medidas protetivas de urgência, encaminhamento para órgãos assistencialistas, como atendimentos médico e hospitalar, bem como às unidades de saúde que pertencem a Rede de Assistência a Mulher ou para o Instituto Médico Legal para a realização de exames de corpo delito e quando necessário para os Centros de Referência Municipal (Francisca Clotilde) e Estadual (CERAM) e destes para as casas-abrigos, bem como Núcleo da Defensoria Publica do Ceará para pleitear seus direitos perante a justiça. Destarte:

As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher são equipamentos vinculados às secretarias estaduais de Segurança Pública, às quais integram a Policia Nacional de Prevenção, Enfretamento e Erradicação da Violência contra a Mulher e representam uma resposta do Estado brasileiro à violência contra as mulheres e, nesse contexto, o compromisso dos Estados na implementação da presente norma técnica é essencial para que esta política possa efetiva e eficazmente ser executada,

13

Sursi” é um instituto de direito penal com a finalidade de permitir que o condenado não se sujeite à execução de pena privativa de liberdade quando de pequena duração (não superior a dois anos), conforme mandamento do art. 77 do CP. Assim permite que uma pessoa mesmo condenada não fique na cadeia. Sursis significa

suspensão.

(27)

gerando-se mecanismos de monitoramento sistemático de ações por meio da produção de dados comparáveis ou equivalentes que possam ser analisados dentro de cenários locais, regionais e nacionais.15

As medidas de caráter investigativo são de competência da polícia judiciária, que deverá apurar com diligência e perspicácia os fatos relatados pelas vítimas que procuram a Delegacia da Mulher. As investigações fornecerão subsídios à peça de instrução e informação, qual seja: o inquérito policial, possibilitando a apreciação dos fatos pelo Judiciário e possível punição do agressor, sem prejuízo da aplicação de medidas educativas e reabilitativas, conforme entenda necessário a autoridade judicial.

As atividades das DEAMs têm caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal, às quais devem ser pautadas no respeito aos direitos humanos e aos princípios do Estado Democrático de Direito.16

Os Centros de Apoio e as Casas-abrigo para as mulheres e seus dependentes, têm como objetivo a proteção física e psicológica dos assistidos, diante da inexistência de um lugar seguro e adequado para suas estadias. Estas instituições além de serem consideradas de cunho assistencialistas, são também um direito adquirido pelas mulheres e assegurado por lei, porém muito aquém da real necessidade vivenciada no dia a dia. Fora um aparato de instituições mantidas pelo Governo do Estado, no enfrentamento desse tipo de violência, conta-se também: a Coordenadoria de Políticas das Mulheres da Prefeitura Municipal de Fortaleza, a Comissão da OAB Mulher e o Fórum Cearense de Mulheres (que é uma organização política, não partidária e autônoma de articulação da luta pela efetivação dos direitos das mulheres no Estado do Ceará, que atua buscando o fortalecimento do movimento de mulheres cearenses e a efetivação de políticas de promoção da igualdade entre mulheres e homens, e de raça/etnia) que integram a Rede de Atendimento às Mulheres.

De modo geral, e com base na fragilidade da vítima, as normas técnicas das DAM’s, impuseram que as investigações, a assistência social e psicológica e o julgamento desses crimes contra mulheres sejam realizados, preferencialmente, por profissionais do sexo feminino, capacitados no trato destes casos.

A Lei Maria da Penha permitiu uma ruptura aos moldes pré-estabelecidos em nossa sociedade, na medida em que propiciou a mulher maior mobilidade social, a certeza da

15 NORMA Técnica de Padronização das Delegacias de Atendimento às Mulheres DEAMs.

Op. cit..

16

(28)

punição do agressor, garantia de sua dignidade como pessoa humana e retorno às liberdades outrora subjugadas.

Todavia, ainda é grande o impasse gerado pelas desigualdades de gêneros, observado na forma de como as pessoas que exercem o poder jurídico enxergam a relação: homem versus mulher e suas representações simbólicas, uma vez que nossa sociedade foi construída em pilares machistas e patriarcais. Fatos esses, lamentavelmente, ainda hoje enraizados no pensamento de alguns operadores do direito, com maior representatividade masculina. Alguns vislumbram a Lei Maria da Penha como uma grande conquista nos direitos das mulheres, enquanto outros a veem como uma legislação preconceituosa e “acirradora” das disputas entre os sexos, desvirtuando os princípios de igualdades constitucionais17.

17 A decisão proferida pelo juiz de direito, Edílson Rumbelsperger Rodrigues, da cidade de Sete Lagoa em Minas Gerais, em 12 de fevereiro de 2007, ao rejeitar pedidos de Medidas Protetivas em prol das vítimas de violência

doméstica, foi polêmica ao considerar a Lei Maria da Penha inconstitucional “na medida que fere o principio

da isonomia e colide com o disposto do parágrafo 8° do artigo 226 da Constituição Federal”, tendo a supracitada lei como preconceituosa, discriminatória, “um conjunto de regras diabólicas”, ”um monstrengo tinhoso”, “uma heresia manifesta” , pronunciando que “ a desgraça humana começou no Éden por causa de

mulher”, e que “O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem”. A postura

adotada pela corregedoria do Tribunal de Justiça De Minas gerais foi a de arquivamento do pedido de abertura de processo contra o citado juiz, afirmando que nenhum juiz pode ser prejudicado por opiniões expressas em sentenças. Todavia o Conselho Nacional de Justiça abriu um processo disciplinar contra o jurista, declarando :

“ o juiz, como todo agente público, está sujeito aos preceitos éticos, inserindo-se aí a vedação de uso de

(29)

3 TUTELAS DE URGÊNCIA PREVISTAS NO NOSSO ORDENAMENTO JURIDICO: TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPADA

As chamadas tutelas de urgência são divididas em duas espécies, quais sejam: tutela cautelar e tutela antecipada. Nesse âmbito, é importante fazer jus a “liminar”, espécie de tutela de urgência satisfativa, “inaudita altera pars”, ou seja, concedida sem a necessidade de citação da parte contrária (demandada) podendo ser ela uma tutela cautelar ou uma tutela antecipada.

O Código de Processo Civil (CPC) de 1973 conferiu maior significância às tutelas de urgência, dedicando um livro especificamente ao processo cautelar. O CPC de 1939 já continha disposições acerca dessas tutelas de urgência, todavia de forma genérica e abstrata.

Danilo Amorim (p. 1130) classifica as tutelas de urgência em três: 1. tutela cautelar: genérica para assegurar a utilidade do resultado final; 2. tutela antecipada: genérica para satisfazer faticamente o direito; 3. tutela liminar: especifica para satisfazer faticamente o direito.

3.1 Diferença entre tutela cautelar e tutela antecipada

No ano de 1994, foi reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro a tutela de urgência, baseada na verossimilhança da alegação e no fundado receio de dano ou no abuso do direito de defesa, qual seja: a tutela antecipada. Assim, nosso panorama jurisdicional passou a figurar com duas tutelas de urgência, posto que já vigorava a tutela cautelar, tendo como requisitos tradicionais o fumus boni juris e o periculum in mora.

A tutela cautelar assegura o resultado útil do processo, enquanto a tutela antecipada satisfaz faticamente o direito da parte, geralmente do autor, sendo a primeira garantidora e a segunda, satisfatória. Em ambas as espécies de tutela de urgência encontram-se preencontram-sentes tanto a garantia quanto à satisfação. Se os efeitos práticos que a tutela gera encontram-se confundirem, no todo ou em parte, com os efeitos que serão criados com o resultado final do processo, haverá a tutela antecipada, do contrário, será a cautelar.

(30)

inequívoca18 da verossimilhança da alegação, conforme art. 273, caput, do CPC. Já para a concessão da tutela cautelar, um dos requisitos é o fumus boni iuris 19, existindo diferenças fundamentais.

Na lição de Danilo Amorim:

A prova inequívoca da verossimilhança da alegação esta mais próxima da certeza do que o fumus boni iuris, numa escala de convencimento do juiz, ainda que em ambos os casos já exista um convencimento suficiente para o juiz considerar ao menos aparente o direito do autor. Esse entendimento é recepcionado pelo Superior Tribunal de Justiça20. (AMORIM, p. 1142).

O STF 21 também converge no mesmo sentido, mantendo o entendimento de que os requisitos peculiares para a concessão de tutela antecipada de “convencimento da verossimilhança” são mais rigorosos do que o do fumus boni iuris. A concessão da tutela antecipada exige a presença de requisitos que se materializam na prova inequívoca que convença da verossimilhança da alegação, conciliada, alternativamente, com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou ainda, quando caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Essa distinção, todavia, desaparece no novo CPC, que igualou o grau de probabilidade de o direito existir para a concessão de qualquer espécie de tutela de urgência, independentemente de sua natureza.

A tutela antecipada pode ser revogada ou modificada a qualquer momento, conforme previsão do art. 273, § 4.°, do CPC. Possibilidade esta também prevista para as medidas cautelares, conforme disposto no art. 807 do CPC.

Em relação a sua concessão, depreende-se da lição do art. 273, caput, do CPC, “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela

18 Prova inequívoca é uma prova que convence bastante, que não tem dubiedade, sendo mais intenso que o juízo baseado em simples “fumaça", que é somente uma verossimilhança das alegações.

19

Fumus boni iurisTraduz-se, literalmente, como “fumaça do bom direito”. É um sinal ou indício de que o

direito pleiteado de fato existe. Não há, portanto, a necessidade de provar a existência do direito, bastando a mera suposição de verossimilhança. Esse conceito ganha sentido especial nas medidas de caráter urgente, juntamente com o periculum in mora.

20 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial - AREsp nº 233.773/RJ (2012/0200637-8).Agravante: Marco Antônio Celestino Rodrigues. Advogado: Felipe Caldas Menezes - Defensor Público da União. Agravado: União. Relatora: Ministra Assusete Magalhães. Brasília, DF, 27 de maio de 2015. Disponível em: <http://www.stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/192217947/agravo-em-recurso-especial-aresp-233773-rj-2012-0200637-8>. Acesso em 10 jun. 2015.

(31)

pretendida no pedido inicial, (...)”. Assim, a tutela antecipada depende de pedido expresso da parte interessada, não havendo esta previsão legal para sua concessão de oficio pelo juiz.

Apesar de haver precedentes do STJ em sentido oposto, dependendo da gravidade do caso, quando a concessão da tutela antecipada se justificaria de ofício com fulcro no principio da razoabilidade 22, a jurisprudência dominante do aludido Tribunal Superior, adota o mesmo sentido do art. 273, caput do CPC:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RURAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA DE OFÍCIO PELA CORTE DE ORIGEM. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PEDIDO POR PARTE DO SEGURADO. PETIÇÃO INICIAL REDIGIDA DE FORMA SINGELA, MAS QUE CONTÉM OS ELEMENTOS QUE INDICAM OS FATOS, OS FUNDAMENTOS E O PEDIDO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO A PARTIR DA CITAÇÃO, O QUE DENOTA PRETENSÃO PELO PROVIMENTO ANTECIPADO. VÍCIO AFASTADO. IMPLEMENTAÇÃO IMEDIATA DO PAGAMENTO MENSAL DO BENEFÍCIO POR OUTRO FUNDAMENTO. ART. 461 DO CPC. COMANDO MANDAMENTAL DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 1. Hipótese na qual o INSS pleiteia o reconhecimento de ofensa ao artigo 273 do CPC ao argumento de que a tutela antecipada para a implementação do benefício foi deferida pelo acórdão recorrido ex officio. 2. Deve ser mantida a implementação da aposentadoria por invalidez diante das peculiaridades do caso, pois a petição inicial, apesar de singela, traz pedido antecipatório ao requerer a implementação do benefício a partir da citação do réu. 3. No caso, a ordem judicial para a implantação imediata do benefício deve ser mantida. Não com fulcro no artigo 273 do CPC, mas sim com fundamento no artigo 461 do CPC, pois o recurso sob exame, em regra, não tem efeito suspensivo, o segurado obteve sua pretensão em primeira e segunda instâncias e a implementação do benefício é comando mandamental da decisão judicial a fim de que o devedor cumpra obrigação de fazer. Salvaguarda-se, desse modo, a tutela efetiva. A propósito, confiram-se: AgRg no REsp 1056742/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 11/10/2010; e REsp 1063296/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 19/12/2008. 4. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1319769 GO 2012/0004141-5, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 20/08/2013, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/09/2013).

Ainda mais esclarecedora é a lição de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira (Curso de Direito Processual Civil. 8. ed., Salvador: JusPodivm, 2013, v. 2, p. 568):

Não parece ser possível a concessão ex officio, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei, não só em razão de uma interpretação sistemática da legislação processual, que se estrutura na regra da congruência. A efetivação da

22

(32)

tutela antecipada dá-se sob responsabilidade objetiva do beneficiário da tutela, que deverá arcar com os prejuízos causados ao adversário, se for reformada a decisão.

Assim, concedida “ex officio”, sem pedido da parte, quem arcaria com os prejuízos, se a decisão fosse revista? A parte que se beneficiou sem pedir a providência? É preciso que a parte requeira a concessão, exatamente porque, assim, conscientemente se coloca em uma situação que assume o risco de ter de indenizar a outra parte, se restar vencida no processo.

Diferindo da tutela antecipada, o art. 797 do CPC prever expressamente o poder geral de cautela do juiz e a possibilidade da concessão de medidas cautelares de oficio, mesmo que em situações excepcionais. A doutrina é unânime no reconhecimento concessão legal de tutela cautelar pelo juiz, de ofício, independentemente de pedido da parte interessada.

Já, no que tange a concessão das medidas protetivas de urgência da lei n° 11.340/06, necessário será que a vítima venha a requerê-las: “Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.”.

Outra diferença entre a tutela antecipada e a tutela cautelar diz respeito ao procedimento adotado para sua concessão. A tutela cautelar, em razão da autonomia cautelar, se dá através da instauração de um processo específico para esse fim: o processo cautelar, que busca assegurar o resultado útil ao processo principal. O processo cautelar pode ser interposto antes ou durante a ação principal. O primeiro trata-se do processo cautelar preparatório ou antecedente, pois precede a existência da ação principal, enquanto o segundo trata-se do processo, posto que impetrado durante o trâmite da ação principal. Portanto o processo cautelar é sempre dependente da ação principal.

Atualmente, ganha força no meio jurídico, a discussão acerca da interpretação do art. 273, § 7°, do CPC onde haveria possibilidade de o juiz conceder uma medida cautelar incidentalmente no processo principal, sem a necessidade da instauração de um processo cautelar incidental. Todavia essa interpretação encontra, em seus opositores, a ideia de que a dúvida reside apenas a respeito de qual espécie de tutela de urgência deverá ser aplicada e não na proposição do fim do processo cautelar autônomo:

Art. 273. (...)

§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

(33)

cautelar, a tutela antecipada sempre será requerida e concedida incidentalmente em processo já instaurado, geralmente na fase ou no processo de conhecimento.

A tutela antecipada foi adotada em 1994 no nosso ordenamento jurídico, como tutela de urgência satisfativa ampla e genérica suprindo o vácuo legislativo, no qual figurava a da antiga tutela “cautelar satisfativa”.

Essas cautelares satisfativas, todavia, não desapareceram por completo do nosso panorama jurídico. Para Danilo Amorim (p. 1141-1142), as medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha são espécies dessa cautelar:

Além disso, existem previsões no próprio ordenamento jurídico indicando a existência de cautelar nominada com natureza indiscutivelmente satisfativa, como se verifica na cautelar:

(a) de alimentos provisionais' (b) de busca e apreensão de menores; (c) fiscal, de que traía a Lei 8.3971/1992;

(d) demolição de prédio em ruína iminente, para resguardar a segurança pública (art, 888, VIII, do CPC);

(e) prevista no art. 24 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha); (f) prevista no art. 6.° da Lei 11.804/2008 (Alimentos gravídicos).

Essa distinção desses diferentes graus de convicção já não aparece no Anteprojeto Do Novo Código De Processo Civil-PLNCPC, o qual igualou o grau de probabilidade de o direito existir para a concessão de qualquer espécie de tutela de urgência, independentemente de sua natureza: “Art. 277. A tutela de urgência e a tutela da evidência podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento, sejam essas medidas de natureza cautelar ou satisfativa.”.

Assim, na literatura do art. 300 do novo CPC 23: “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”.

3.2 Tutela Liminar

Conforme mencionado acima, é uma espécie de tutela de urgência satisfativa, “inaudita altera pars”, podendo ser ela uma tutela cautelar ou uma tutela antecipada. Quando a liminar se tratar de uma tutela cautelar, a satisfação gerada pela sua concessão será fática, não alcançando o direito material. Não alcança o objeto da demanda, mas o direito cautelar, que é imediatamente satisfeito no seu aspecto fático.

23

(34)

Não podemos perder de vista que a liminar só encontra razão de ser pela previsão legal se ocorrer antes da citação, ou seja: inaudita altera parte, dado o perigo iminente gerado pelo conhecimento do demandado. Assim, preceitua o CPC:

Art. 804. É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer.

Já Marinoni ( 2013, p.129) pontua:

A concessão da tutela cautelar antes da ouvida do réu é algo excepcional, e assim deve ser tratada. É preciso atentar para o fato de que o deferimento da tutela cautelar

inaudita altera parte restringe, com forte intensidade, o direito fundamental de

defesa, e isso apenas tem legitimidade quando o direito fundamental de ação, sem a emissão desta tutela jurisdicional, não puder encontrar efetividade no caso concreto.

Naturalmente, quando há previsão legal de liminar para determinado procedimento, mister se faz o uso desta. Do contrário, requer-se a tutela antecipada. Em, sendo ambas as tutelas de urgência de mesma natureza, a aplicação do princípio da fungibilidade se impõe.

Em observando como cada uma dessas tutelas de comportam no mundo jurídico, extraímos suas peculiaridades, que apesar das semelhanças, divergem-se das medidas protetivas de urgências, sendo estas, cautelares inominadas, com ênfase nos direitos humanos.

3.3 As tutelas de urgência no novo CPC

O Projeto do novo Código de Processo Civil visou reduzir significativamente o número de processos que tramitam perante o Judiciário, adequando todo o procedimento às necessidades atuais da sociedade. Em sua Exposição de Motivos, “a simplificação do sistema, além de proporcionar-lhe coesão mais visível, permite ao juiz centrar sua atenção, de modo mais intenso, no mérito da causa,” permitindo que cada processo tenha o maior rendimento possível.

(35)

arts. 277 a 296 do Título IX, Capítulo I do Projeto do Novo CPC, tal qual aprovado no Senado Federal.

Já em seu anteprojeto, nas tutelas de urgência, observava-se que não se fazia mais qualquer distinção entre o procedimento concernente às medidas de natureza satisfativa ou cautelar, tendo sido estabelecidos, requisitos gerais para a concessão das medidas independentemente de sua natureza. Distinto é o procedimento das medidas requeridas em caráter antecedente, estando previsto na Seção I do Capítulo II, do procedimento das medidas requeridas em caráter incidental, previsto na Seção II do mesmo Capítulo, aplicando-se a estas as disposições relativas àquelas, no que couber.

Não há mais medidas cautelares nominadas no novo CPC. Foi eliminado os procedimentos cautelares específicos. As tutelas de urgência, sejam cautelares ou satisfativas, serão inominadas. Preenchidos os requisitos para a concessão da tutela de urgência, o juiz deferirá a que entender mais adequada. Vislumbra-se, assim uma ampliação dos poderes conferidos ao juiz, deixando ao seu arbítrio a definição das medidas a serem aplicadas ao caso concreto.

Na busca pela celeridade processual e sua efetividade, o processo cautelar foi substituindo pela previsão genérica das tutelas de urgência e da evidência. Desta feita, dispõe o art. 277 do referido Projeto que “a tutela de urgência e a tutela da evidência podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento, sejam essas medidas de natureza cautelar ou satisfativa.”.

Assim, o foco foi deslocando para o direito, saneando a “processualidade excessiva”, que não guarda qualquer relação com o objetivo precípuo da solução do conflito pelo direito material.

Não mais existindo um processo cautelar autônomo, o requerimento das medidas de urgência somente poderá ser feito antes do ajuizamento da ação principal, ou seja, em caráter antecedente, ou incidentalmente, e, neste caso, nos próprios autos da ação principal e independentemente do pagamento de novas custas.

Imagem

Tabela 1 - Requerimento de medidas protetivas de urgência no município de Fortaleza.

Referências

Documentos relacionados

• Objetivo do Projeto: Identificar as espécies de plantas aquáticas que ocorrem no reservatório da UHE Lajeado; Determinar os fatores (naturais e artificiais responsáveis

O tema começou a ser discutido em abril de 2014, em uma reunião em Goiânia, com a participação do IBAMA, CETESB, ABEIFA e ANFAVEA. Ou seja, só quando publicados, é que se

No entanto, compostos de isoflavonas contidos no resíduo agroindustrial melaço de soja são utilizados no processo de bioconversão enzimática com presença da enzima β-Gli no

 Geralmente formadas por um só bloco – um conjunto rígido e impenetrável –, as obras monolitistas têm aparência de auto- suficiência como cidades ou mundos

Os empregados admitidos entre 1º de julho de 2016 e 30 de junho de 2017 terão um reajuste salarial no seu salário nominal e mensal proporcional pelo único critério

Os resultados também demonstram que é possível conduzir os designs de interface e instrucional do ambiente virtual em sintonia com o estilo de aprendizagem dos alunos para aperfeiçoar

Verificar a satisfação da população com o desenvolvimento econômico através da atividade turística. Verificar a satisfação do turista em relação ao município de

There is empirical evidence, from data provided or compiled herein, indicating that some morphologically similar Ciidae species, usually comprising a species group, frequently use