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TUTELAS DE URGÊNCIA E TUTELAS DE EVIDÊNCIA NA ARBITRAGEM

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC

SP

ANDRÉ RIBEIRO DANTAS

TUTELAS DE URGÊNCIA E TUTELAS DE

EVIDÊNCIA NA ARBITRAGEM

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

(2)

André Ribeiro Dantas

TUTELAS DE URGÊNCIA E TUTELAS DE

EVIDÊNCIA NA ARBITRAGEM

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, na área de concentração de Direito Civil, sob a orientação do Prof. Dr. Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim.

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Banca Examinadora

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(4)

RESUMO

O presente estudo versa sobre a possibilidade de concessão de tutelas de urgência e de evidência na arbitragem.

Na primeira parte, de cunho mais teórico, são analisados o conceito, as características e as funções próprias à jurisdição – bem como os poderes concedidos, pela lei, ao árbitro , para se concluir acerca da natureza jurisdicional da arbitragem.

Já na segunda parte, após considerações sobre o fundamento constitucional das tutelas de urgência e de evidência, são estudadas as diversas hipóteses de concessão dessas tutelas provisórias – antes ou durante a arbitragem – nos casos em que a convenção de arbitragem permita, seja omissa ou proíba a concessão de tutelas de urgência ou de evidência.

Por fim, são consideradas as possibilidades de revisão, pelo árbitro, de medidas urgentes concedidas pelo Judiciário, e vice-versa.

(5)

ABSTRACT

The present study focuses on the possibility of granting measures of urgency and evidence in arbitration.

We divided this study in two parts, the first part, more theoretical, we analysed the concept, features, the specifics functions of this type of jurisdiction and also the powers granted by law to the arbitrator or

compromissarius, to conclude about the legal classification of the arbitration

At the second part, after considerations related to the constitutional basis of measures of urgency and evidence used in the arbitration, we studied several hypothesis for granting such temporary measures, before or even after it had started the arbitration, in cases that the Arbitration Agreement or the arbitration clause allows, or the clause omit or even prohibit , to grant measures of urgency and evidence.

Finally, we considered the possibilities of review by the referee, of urgent measures granted by the Judicial System, and vice versa.

(6)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: ... 7

PARTE I JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM – PODERES DO ÁRBITRO I.1. Conceito de jurisdição:... 9

I.2. Características da atividade jurisdicional: ... 15

I.3. Atividades próprias à função jurisdicional: ... 16

I.4. Os poderes do árbitro: ... 19

I.5. Natureza jurisdicional da arbitragem: ... 21

I.6. Diversas posições doutrinárias sobre a questão: ... 24

I.7. Cooperação entre árbitros e juízes: ... 39

PARTE II TUTELAS DE URGÊNCIA E DE EVIDÊNCIA NA ARBITRAGEM II.1. Tutela de urgência e tutela de evidência: ... 44

(7)

II.3. Aplicam-se, à arbitragem, as garantias constitucionais do processo: 52

II.4. Tutelas de urgência na arbitragem: ... 53

II.5. Tutelas de evidência na arbitragem: ... 67

II.6. Tutelas de urgência e de evidência na convenção de arbitragem: .... 72

II.6.a. Omissão na convenção de arbitragem: ... 73

II.6.b. Proibição na convenção de arbitragem: ... 75

II.7. Tutelas antecedentes à instauração da arbitragem: ... 81

II.7.a. Da impossibilidade de concessão de tutelas de evidência anteriores à instauração da arbitragem: ... 82

II.7.b. Tutelas de urgência antecedentes à instituição da arbitragem: ... 83

II.8. Revisão, pelo árbitro, de decisão liminar concedida pelo Judiciário: 98

II.9. Revisão, pelo Judiciário, de decisão liminar concedida pelo árbitro: 106

II. 10. As Medidas cautelares ou de urgência no anteprojeto elaborado pela da Comissão para a reforma da lei de arbitragem: ... 112

CONCLUSÃO: ...114

(8)

7

INTRODUÇÃO

Desde a edição da Lei 9.307/96, a arbitragem vem se firmando no Brasil, cada vez mais, como valioso meio alternativo para a solução de controvérsias e contribuindo para um acesso à Justiça efetivo e razoavelmente célere.

Pari passu, foram sendo superadas algumas incompreensões iniciais, referentes à almejada e indispensável simbiose entre o Poder Judiciário e a arbitragem.

De um lado, ninguém põe em dúvida que a arbitragem, ao desviar do Judiciário causas de especial complexidade, vem contribuindo para que a Justiça estatal dê efetividade à garantia constitucional da razoável duração do processo. De outro lado, é indiscutível que a arbitragem depende do Judiciário para o seu adequado funcionamento. E foi justamente por essa dependência, que a Lei de arbitragem estabeleceu um verdadeiro “regime de cooperação” entre árbitros e juízes.

O presente estudo tem por objeto um dos principais itens desse regime de cooperação existente entre os juízos estatal e arbitral: a concessão e a execução de tutelas de urgência e de evidência nas controvérsias submetidas à arbitragem.

(9)

8 Numa segunda etapa, será abordado o tema propriamente dito do trabalho: as tutelas de urgência e de evidência na arbitragem.

Ao adentrar na matéria, será feito breve esclarecimento sobre a denominação adotada pelo projeto de novo Código de Processo Civil, em avançada tramitação no Congresso Nacional, que reclassificou as atuais medidas provisórias assecuratórias e antecipatórias em “tutelas de urgência” e “tutelas de evidência”.

Essa mesma classificação será utilizada para a análise da matéria no âmbito da arbitragem.

Inicialmente, serão analisados os fundamentos constitucionais das tutelas de urgência e de evidência e constatado que as garantias constitucionais do processo também se aplicam à arbitragem.

Para abordar o tema da concessão de tutelas provisórias – de urgência e de evidência – na arbitragem, primeiramente será considerada, em tese, a possibilidade da decretação, e da execução, dessas tutelas pelo árbitro.

Num segundo momento serão estudadas as hipóteses em que a convenção de arbitragem seja omissa ou proíba a concessão de tutelas de urgência.

Por fim, será analisado o atual entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito da concessão de tutelas anteriores à instauração da arbitragem e de revisão, pelo árbitro, de decisões liminares concedidas pelo Judiciário; bem como verificar-se-á a possibilidade de revisão, pelo Judiciário, de decisão liminar concedida pelo árbitro.

(10)

9

PARTE I

JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM

PODERES DO ÁRBITRO

Para a adequada análise das tutelas de urgência e de evidência no âmbito da arbitragem, a primeira questão a ser abordada é a discussão acerca do próprio instituto da arbitragem, como exercício de verdadeira jurisdição ou simples forma convencional de resolução de conflitos.

Em outras palavras, importa analisar a natureza jurídica da arbitragem.

Até o advento da Lei 9.307/96 havia acirrada polêmica doutrinária sobre a natureza jurídica da arbitragem.

Se bem que, após a edição da Lei de Arbitragem, essa polêmica tenha arrefecido bastante pois, hoje em dia, a grande maioria da doutrina e da jurisprudência reconhece a natureza jurisdicional do instituto –, afigura-se importante delinear os argumentos pró e contra tal entendimento.

Porém, antes de se analisar o porquê do caráter jurisdicional da arbitragem, é preciso definir o conceito de jurisdição.

I.1. Conceito de jurisdição

A palavra “jurisdição” é derivada do vocábulo latino jurisdictio, formado pelas expressões jus dicere, juris dictio, ou seja, a ação de “dizer o direito”, ou de “administrar a justiça”.1

(11)

10 Nas sociedades estruturadas, onde é proibido a autotutela –ou “fazer a justiça pelas próprias mãos” – a jurisdição costuma ser exercida exclusivamente pelo Estado. É o princípio do monopólio estatal da jurisdição.

É verdade que há exceções a essa proibição da autotutela. No Brasil, por exemplo, é permitida a legítima defesa (causa de exclusão de ilicitude, nos termos dos artigos 23, II, e 25 do Código Penal) e o desforço imediato, nos termos do art. 1210, § 1º, do Código Civil.

Contudo, mesmo nesses casos, a atividade jurisdicional não fica excluída, sobretudo para verificar se houve excessos quando da legítima defesa ou do desforço imediato.

Escreve a respeito Marcus Vinicius Rios Gonçalves:

“Com a evolução das instituições, o Estado assumiu para si,

em caráter exclusivo, a responsabilidade de dar solução aos conflitos, proibindo que os próprios envolvidos o fizessem, de

forma unilateral.”2

A jurisdição é, assim, uma das funções do Estado.

Nos Estados modernos, influenciados pelas idéias da Revolução Francesa, o poder único e soberano do Estado se manifesta, ou é exercido, através de três funções. É a clássica “tripartição dos poderes”: a função administrativa ou executiva, que cabe sobretudo ao Poder Executivo, a função legislativa, que é atributo do Poder Legislativo e a função jurisdicional que compete ao Poder Judiciário.

A jurisdição tem por finalidade, antes de tudo, a preservação da ordem jurídica e da paz social e ela compreende não só a tarefa de “dizer o direito”, mas de realizá-lo coativamente.3

2 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol 1, Editora

Saraiva, 3a ed., p. 46.

3 Cfr. Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim, Comentários ao Código de

(12)

11 Assinala Arruda Alvim que o sistema de jurisdição única é aquele que surgiu da separação dos poderes. Uma vez separadas as funções estatais, ficou afeto ao Poder Judiciário aquilo que “naturalmente, segundo as condicionantes históricas contemporâneas às grandes e marcantes diretrizes criadoras do Estado moderno, lhe deveria caber”. Ao Poder Judiciário – prossegue Arruda Alvim – coube “a função de dizer o direito no processo de conhecimento e, quando necessário, de realizá-lo coativamente (processo de execução). De nada adiantaria a simples manifestação do Estado dizendo o direito. É imprescindível que a sua atividade se complete através da efetivação do direito declarado.”4

No Estado de Direito, a jurisdição decorre dos preceitos da lei e só pode ser exercida nos limites que a própria lei estabelece, pois a própria noção de Estado de Direito pressupõe a submissão de todos, sem exceção, aos preceitos legais.

Escreve Eduardo Arruda Alvim que a submissão de todos à lei é a característica mais marcante do Estado de Direito:

“A característica mais marcante do Estado de Direito é a de

que nele todos se submetem à lei, governantes e governados, indistintamente. A idéia de tripartição de Poderes (ou, se preferir, tripartição das funções estatais do Poder, já que o Poder, enquanto expressão da soberania estatal, é uno) é tida hoje como verdadeiro pressuposto para que se possa falar, efetivamente, em Estado de Direito”.5

E Arruda Alvim acrescenta que, no Estado de Direito, o próprio Estado autolimita seu âmbito de atuação pelas balizas legais:

“No Estado de Direito, o próprio Estado submete-se à própria regra jurídica, dizendo-se, consequentemente, que o próprio

4 Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, 13a Edição, Editora Revista dos Tribunais,

2010, p. 174.

5

(13)

12

Estado autolimita o seu âmbito de ação, dentro das balizas da

lei”.6

A jurisdição caracteriza-se como sendo de índole substitutiva. Ou seja, a pretensão ou a “vontade” da parte é substituída pela aplicação da lei ao caso concreto, realizada por aquele que detém o poder jurisdicional. Segundo Arruda Alvim, “em virtude da atividade jurisdicional o que ocorre é a substituição de uma atividade/vontade privada por uma atividade pública, que é a ‘vontade da lei’ a imperar”.7

Aquilo que é proibido através da autotutela pode ser concedido pela atividade do juiz que, de modo imparcial, aplica a lei e verifica a quem assiste a razão.

Cândido Rangel Dinamarco assinala que, na atividade jurisdicional, os atos proibidos de autotutela são substituídos pela atuação do juiz:

“Pelo aspecto técnico, a atividade jurisdicional é sempre

substitutiva das atividades dos sujeitos envolvidos no conflito, a quem a ordem jurídica proíbe atos generalizados de autodefesa. Seja quando o sujeito aspira a um bem negado pela pessoa que lho podia dar (p. ex. pretensão a uma soma de dinheiro, etc), seja nos casos em que o processo é o único caminho para obtê-lo (anulação de casamento), a atividade jurisdicional é sempre substitutiva de alguma atividade das pessoas. Os atos proibidos de autotutela são substituídos pela atividade do juiz que, serenamente e com imparcialidade, verifica se o sujeito tem ou não razão e, por ato seu,

propicia-lhe a obtenção do bem.” 8

A tal respeito, é clássica a definição de jurisdição dada por Chiovenda:

“Jurisdição: a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela

6 Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, 13a Edição, Editora Revista dos Tribunais,

2010, p. 173.

7 Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, 13a Edição, Editora Revista dos Tribunais,

2010, p. 176.

8 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, Malheiros Editores, Vol.

(14)

13

atividade de órgãos públicos, já no afirmar a vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”.9

Como assinala Marcus Vinicius Rios Gonçalves, “jurisdição é uma das funções do Estado, que se substitui às partes na solução dos conflitos de interesses”.10

No mesmo sentido, o ensinamento de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, que definem a jurisdição como uma das funções do Estado, por meio da qual é substituída a vontade das partes em conflito pelo que preceitua o direito objetivo:

“Jurisdição: é uma das funções do Estado, mediante a qual

este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a atuação da vontade do direito objetivo que rege a lide que lhe é apresentada em concreto para ser solucionada; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando autoritativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito

estabelece (através da execução forçada)”.11

Essa substituição da vontade da parte pela aplicação da lei se consolida definitivamente com a formação da coisa julgada. Por isso, a coisa julgada é considerada, por muitos, como a essência da jurisdição.

Assinala Arruda Alvim que na quase totalidade dos casos a síntese da função jurisdicional é caracterizada pela sentença – mais especificamente a parte dispositiva da sentença – com a autoridade da coisa julgada.12

9 Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, Vol. II, Bookseller Editora e

Distribuidora, 3a edição, 2002, Campinas, SP, p. 8-9.

10 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol 1, Editora

Saraiva, 3a ed., p. 46.

11 Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Teoria

Geral do Processo, 2a ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1979, p. 83.

12 Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, 13a Edição, Editora Revista dos Tribunais,

(15)

14 Em igual sentido, assinala Athos Gusmão Carneiro que é a circunstância de as decisões judiciais se revestirem da autoridade da coisa julgada que efetivamente distingue a atividade jurisdicional:

“O que efetivamente distingue a atividade jurisdicional é que as decisões do Judiciário se revestem da autoridade de coisa julgada. Ou seja, esgotados os recursos cabíveis no processo em que são proferidas, desde que tenha havido resolução do mérito, tornam-se imutáveis, não podendo, em linha de princípio, ser rediscutida, nem naquele, nem em outros processos. (...)

A coisa julgada, ao levar à imutabilidade do que haja sido decidido, cristaliza essa substituição, tornando-se, portanto,

definitiva”.13

Essa é a razão pela qual no processo administrativo não há exercício da jurisdição. Ou seja, como as decisões emanadas pelos tribunais administrativos não transitam em julgado e estão sujeitas à revisão do Judiciário, elas não se revestem de caráter jurisdicional.

Veremos adiante que outra característica da jurisdição é o julgamento feito por pessoa imparcial e alheia à lide, diferentemente do que ocorre no processo administrativo, onde a própria Administração julga os seus processos.

Vale dizer, a Administração Pública não exerce função jurisdicional ao julgar processo administrativo. E isso, tanto pelo fato de que suas decisões não transitam em julgado e podem ser revistas pelo Judiciário, como porque seus julgamentos não são proferidos por pessoa imparcial.

Marcus Vinicius Rios Gonçalves ressalta que é justamente esse caráter de “definitividade” que caracteriza os atos jurisdicionais:

“Somente os atos jurisdicionais tornam-se imutáveis, porque a partir de determinado momento não podem mais ser discutidos. Os atos administrativos podem ser revistos e não têm o caráter

de definitividade que caracteriza a jurisdição”.14

13 Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e Competência, pp. 40/41.

14 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol 1, Editora

(16)

15 Vemos, portanto, que a jurisdição deve ser entendida como a função do Estado através da qual a vontade da parte é substituída pela aplicação da lei e que se consolida, definitivamente, com a formação da coisa julgada. Por tal motivo, muitos consideram acertadamente que a coisa julgada é a essência da jurisdição.

I.2. Características da atividade jurisdicional

Uma vez assentado no que consiste a jurisdição, importa considerar as principais características que devem estar presentes na atividade jurisdicional, para que esta seja exercida de modo legítimo.

Pode-se afirmar que essas características são, fundamentalmente, três: a imparcialidade do juiz, o respeito ao contraditório e a inércia inicial.

A necessidade de imparcialidade impõe que deve ser afastado do processo o juiz impedido ou suspeito. O respeito ao contraditório acarreta a observância de um procedimento regular e anteriormente estabelecido. E a inércia inicial significa que o Poder Judiciário só age quando provocado pela parte.

Para Arruda Alvim, as características marcantes da atividade jurisdicional são as seguintes:

“A terzietà do juiz, que tem de ser desinteressado do litígio, conceito este universalmente aceito e tradicional, e há de ser ocupante de órgão constitutivo do Poder Judiciário; daí, como consequência, afastar-se do processo o juiz impedido ou suspeito (art. 134 e ss), pois o seu desinteresse (= imparcialidade) está comprometido; ademais, no caso de impedimento, a própria sentença, ou acórdão, é suscetível de desconstituição por ação rescisória, dentro de certo prazo (art. 485, II, do CPC). (...)

(17)

16

É característica, ainda, da atividade jurisdicional, o seu desenvolvimento através de um contraditório regular, o que implica fundamentalmente, além de outros aspectos, a obediência a um procedimento regular e preestabelecido. Outro princípio informador da atividade jurisdicional é o da sua inércia inicial (arts 2o e 262 do CPC), o que significa que só

mediante solicitação da parte é que se instaura o processo contencioso, e, ainda, somente através de pedido do interessado é que o juiz poderá agir no campo da jurisdição voluntária. A regra, pois, é a de que o Poder Judiciário somente age quando regularmente provocado. Desta forma, não pode um juiz, sem pedido preordenado a tanto, instaurar um

processo para o qual não tenha sido provocado pela parte.” 15

Uma vez consignado que a atividade jurisdicional deve ter por características a imparcialidade do juiz, o respeito ao contraditório e a inércia inicial, analisaremos, a seguir, as atividades inerentes à função jurisdicional.

I.3. Atividades próprias à função jurisdicional

Pode-se dizer que a função jurisdicional é exercida por meio de duas atividades fundamentais: a principal delas – que corresponde à própria essência da jurisdição – é a atividade de “dizer o direito” (iuris dictio). Essa atividade é exercida no processo de conhecimento e, como vimos, trata-se de uma atividade de índole substitutiva, onde o julgador “diz” qual é o direito aplicável ao caso concreto. A partir de então, esse direito aplicável “substitui” a vontade da parte, sendo que essa substituição se torna definitiva quando se opera o trânsito em julgado da decisão.

E a segunda das atividades jurisdicionais é a de realizar, compulsoriamente, o direito aplicável ao caso concreto. Essa atividade é exercida por meio da execução.

Lecionam a respeito Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim:

15 Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, 13a Edição, Editora Revista dos Tribunais,

(18)

17 “A função jurisdicional é aquela que, por força da tripartição dos poderes, coube ao Poder Judiciário. Compreende não apenas a tarefa de dizer o direito, mas de realizá-lo coativamente (o que se faz através da execução). Tem em vista, antes de tudo,

a preservação da ordem jurídica e da paz social.”16

No mesmo sentido, escrevem José Antonio Fichtner e André Luís Monteiro:

“O exercício da jurisdição no processo civil se expressa através

do binômio cognição-execução, conforma lição da doutrina tradicional. A cognição e a execução, já dizia Piero Calamandrei, são os dois momentos da jurisdição.”17

Essas duas principais atividades – ou elementos – da função jurisdicional – cognição e execução (cognitio e imperium) – podem, por sua vez, ser subdivididas ou detalhadas.

De Plácido e Silva divide os elementos da jurisdição em notio, coercio, judicium, imperium e executio:

“O conceito de jurisdição, pois, tomado no sentido lato do

vocábulo: total da competência ou poder do magistrado, encerra ou contém a compreensão de todos os elementos que a compõem: notio, coercio, judicium, imperium e executio.

A notio, entendida como o poder de conhecer a questão, derivada da competência do juiz, é a própria jurisdição, simplesmente considerada.

A coercio, a coerção judiciária, fundada no poder de conhecer a matéria e a julgar, entende-se o poder de sujeitar às regras legais o objeto da questão e as pessoas que dela participam. O judicium, que promove praticamente o exercício da jurisdição, ou a atividade do juiz ou da autoridade, mostra-se a formação da discussão, pela qual se promove o esclarecimento da demanda, para a elucidação da verdade.

O imperium, elemento gerador da jurisdição, exprime a delegação do poder de julgar, provinda do Estado, pela qual se

16 Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim, Comentários ao Código de Processo

Civil, ed. GZ, 2012, p. 1.

17 José Antonio Fichtner e André Luís Monteiro, Temas de Arbitragem Primeira Série, Ed.

(19)

18

investe a autoridade administrativa ou judicial da atribuição e da competência necessárias, para cumprir e realizar a sua missão.

A executio, resultante do próprio poder de julgar conferido, é o poder de fazer cumprir a decisão tomada, em solução do que se levou ao conhecimento da autoridade, para seu

julgamento.”18

Por seu lado, Giuseppe Saredo classificou os elementos essenciais da jurisdição em notio, vocatio, coertio, iudicium e executio.

Notio: é a faculdade de conhecer de uma causa, de estar regularmente investido da faculdade de decidir uma controvérsia. Vocatio: é a faculdade de chamar a juízo aqueles cuja presença seja útil à justiça e ao conhecimento da verdade.

Coertio: é o direito de fazer-se respeitar, de reprimir as ofensas feitas ao exercício de suas funções. Iudicium: é o direito de julgar e de proferir sentença. Executio: é o direito de tornar obrigatória e coativa, em nome do poder soberano, a obediência às suas próprias ordens e decisões.19

Ademais, cumpre assinalar que os dois elementos principais da jurisdição – cognitio e imperium – encontram-se presentes numa terceira atividade que também é própria à função jurisdicional: a atividade cautelar.

A exposição de motivos do Código de Processo Civil (cap. IV, nº 11) classifica o processo cautelar como um “tertium genus”, ou seja, um gênero intermediário entre os outros dois, “que contém a um tempo as funções do processo de conhecimento e de execução” e que “tem por elemento específico a prevenção”.

Vale dizer, a “função jurisdicional cautelar” (expressão utilizada pela exposição de motivos do CPC) é divida em dois momentos, que correspondem às funções do processo de conhecimento e de execução: o juiz, num primeiro momento, conhece a questão e decreta a medida (cognitio); e, num segundo momento – se não houver o cumprimento espontâneo – executa a medida (imperium).

18 De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Editora Forense, 21a Edição, 2003, p. 466.

19 Giuseppe Saredo, Istituzioni di Procedura Civile, vol. I, 3ª ed., Firenze: Giuseppe Pellas

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19 Ernane Fidelis dos Santos inclui o dever de prestar cautela entre os elementos da jurisdição:

“Jurisdição: o poder-dever do Estado de compor os litígios, de dar efetivação ao que já se considera direito, devidamente acertado, e de prestar cautela aos processos em andamento ou a se instaurarem, para que não percam sua finalidade

prática”.20

No mesmo sentido, Darci Guimarães Ribeiro assinala que “a jurisdição se não esgota no declarar (‘cognitio’) ou realizar (‘executio’) o direito. A jurisdição se exerce também assecurativamente, cautelarmente”.21

A propósito, Fredie Didier Jr. identifica três tipos de tutela jurisdicional:

“Podem ser identificados três tipos de tutela jurisdicional: a) de

certeza, ou de conhecimento, ou declaratória: busca-se do Poder Judiciário a certificação, com a coisa julgada, de determinada relação jurídica; b) de efetivação ou executiva: pretende-se a efetivação de direitos subjetivos; c) de

segurança ou cautelar.” 22

Uma vez analisado o conceito de jurisdição, suas principais características e elementos constitutivos e as atividades a ela próprias, cumpre considerar os poderes conferidos pela lei ao árbitro, para assim poder chegar a uma conclusão acerca da natureza jurídica da arbitragem.

I.4. Os poderes do árbitro

Das duas principais atividades ou elementos próprios à jurisdição – cognição e execução – o árbitro possui apenas a cognição.

20 Ernane Fidelis dos Santos, Manual de Direito Processual Civil, Editora Saraiva, 11a Edição,

Vol. 1., p. 9.

21

Darci Guimarães Ribeiro, Aspectos relevantes da teoria geral da ação cautelar inominada, Revista de Processo | vol. 86 | p. 56 | Abr / 1997DTR\1997\566.

22 Fredie Didier Júnior, Esboço de uma teoria da execução civil, Revista de Processo | vol. 118 |

(21)

20 Com efeito, a Lei de Arbitragem brasileira assegurou ao árbitro a plenitude do poder de cognição, ao declarar, no caput do art. 18, que “o árbitro é juiz de fato e de direito”. Essa formulação já se encontrava tanto no Código de Processo Civil (art. 1.078), como no Código Civil de 1916 (art. 1.041) e servia para indicar que a atividade do árbitro era idêntica à do juiz estatal.

Carlos Alberto Carmona assinala que, ao declarar que o árbitro “é juiz de fato e de direito”, o objetivo da Lei de Arbitragem foi deixar claro que a atividade do árbitro é de todo equivalente à do juiz estatal:

“Resulta claro desta fórmula, verdadeiramente histórica, que o

intuito da Lei foi o de ressaltar que a atividade do árbitro é idêntica à do juiz togado, conhecendo o fato e aplicando o

direito.” 23

Porém, a Lei de arbitragem não concedeu ao árbitro o poder de execução. O árbitro não possui poderes para fazer valer, coercitivamente, as suas decisões.

Escrevem a respeito José Antonio Fichtner e André Luís Monteiro, assinalando que o poder jurisdicional do árbitro restringe-se às atividades próprias ao processo de conhecimento, e não às de execução:

“O poder jurisdicional do árbitro está restrito à atividade típica de processo de conhecimento, não possuindo ele poderes para implementar, de maneira forçada, no mundo real, as suas decisões. Em outras palavras, o árbitro detém o ius cognitio, mas não o ius imperium, esse sim exclusividade do Estado,

através do Poder Judiciário”. 24

No entanto, veremos a seguir que o fato de o árbitro deter apenas o poder de cognição e não o de execução, não impede que a arbitragem seja uma atividade de natureza eminentemente jurisdicional.

23 Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e Processo

– Um Comentário à Lei n 1º 9.307/96, Editora Atlas, 3ª Edição, 2009, p. 269.

24 José Antonio Fichtner e André Luís Monteiro, Temas de Arbitragem

(22)

21

I.5. Natureza jurisdicional da arbitragem

Como vimos acima, a jurisdição se caracteriza pela substituição da vontade da parte pela aplicação da lei. Substituição que se consolida, definitivamente, com a formação da coisa julgada. Por tal motivo, muitos consideram a coisa julgada a própria essência da jurisdição.

Isso posto – e antes de qualquer consideração acerca da ausência do poder de execução dos árbitros –, importa assinalar, desde logo, que indiscutivelmente o juízo arbitral possui a própria essência da jurisdição.

Sim, pois a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, nos termos do art. 31, da Lei de Arbitragem. Ou seja, a sentença arbitral faz coisa julgada e é um título executivo judicial, por expressa determinação do art. 475-N, IV, do CPC.

Portanto, pelo fato de a sentença arbitral produzir os mesmos efeitos das sentenças do Poder Judiciário, por fazer coisa julgada e ser um título executivo judicial, em suma, por substituir a vontade da parte pela aplicação da lei, a arbitragem, evidentemente, está revestida da própria essência da atividade jurisdicional.

É o que assinalam Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos, ao escrever que “o caráter de substitutividade está, aqui, no juízo arbitral, tão presente como na jurisdição exercida pelos órgãos estatais. Em verdade, a atividade do árbitro substitui a dos particulares em conflito.”25

Por outro lado, também já vimos acima que as características fundamentais da jurisdição são a imparcialidade do juiz, o respeito ao contraditório e a inércia inicial.

25

(23)

22 Ora, essas são, igualmente, as características fundamentais da sentença arbitral.

Com efeito, a imparcialidade do árbitro26 e o respeito ao contraditório são requisitos essenciais do procedimento arbitral, nos termos do § 2º do art. 21 da Lei de Arbitragem, sendo que o seu desrespeito acarretará a nulidade da sentença arbitral (art. 32, VIII).

E a inércia inicial também constitui característica fundamental da arbitragem, vez que a arbitragem tem sua origem numa convenção entre as próprias partes e que dentre os requisitos obrigatórios da sentença arbitral está o dispositivo, onde os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas (art. 26, III). Sendo nula a sentença que não respeitar esse requisito e/ou for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem (art. 32, III e IV).

Vemos, portanto, que a arbitragem possui todos os requisitos essenciais da jurisdição, visto que a sentença arbitral substitui a vontade da parte pela aplicação da lei – substituição que se consolida pelo transito em julgado da sentença arbitral – além de possuir as mesmas características fundamentais da jurisdição estatal, quais sejam, a imparcialidade do árbitro, o respeito ao contraditório e a inércia inicial.

Uma vez assentadas essas premissas, importa analisar se o fato de a arbitragem carecer do poder de execução retira-lhe a natureza jurisdicional.

Adolfo Armando Rivas assinala que dos cinco elementos que compõe o poder dos juízes – notio, vocatio, coertio, iudicium e executio – o árbitro possui apenas os dois primeiros e o quarto, faltando-lhe a coertio e a executio. Porém, isso não impede que o árbitro exerça uma verdadeira jurisdição. Observa, a propósito, Adolfo Rivas:

26 Recorde-se que o art. 14, da Lei de Arbitragem, proíbe o árbitro de atuar, caso ele tenha com

(24)

23 “O fato de serem cinco os elementos que compõe a jurisdição, não significa que todos eles sejam necessários e de igual valor para indicar a existência de jurisdição. (...) Obviamente, se existe o iudicium, é conatural e indispensável a notio e a

vocatio; porém, nem a coertio nem a executio podem existir sem iudicium, mas creio ter demonstrado que este último elemento [iuditium] pode existir sem a presença dos dois anteriores [coertio e executio]”.27

No mesmo sentido, escreve J. E. Carreira Alvim, assinalando que, em certas situações, o próprio magistrado carece da coertio e da executio, mas nem por isso deixa de exercer uma atividade eminentemente jurisdicional. Carreira Alvim recorda também – em reforço da tese de que a simples atividade cognitiva constitui atividade jurisdicional – que as sentenças meramente declaratórias, apesar de não serem executáveis, são inegavelmente de natureza jurisdicional.

“O juiz togado carece, muitas vezes, da coertio, não podendo, por exemplo, compelir as partes acorrer a uma audiência de conciliação, mas nem por isso seus atos escapam ao campo jurisdicional, o que demonstra que o poder de coerção é relativo e não absoluto; pode inexistir coerção e, não obstante, existir o poder jurisdicional. Os acórdãos são, igualmente, executados pelso juízos de primeira instância, carecendo os tribunais do poder de fazê-lo, por lhes faltar, para este fim, a

executio; nem por isso os acórdãos deixam de ser produto da jurisdição estatal. Ademais, fossem corretas as premissas contrárias, as sentenças meramente declaratórias, igualmente desprovidas de exequibilidade, não estariam compreendidas no

âmbito da jurisdição”.28

Abordando a questão por outro ângulo, Athos Gusmão Carneiro observa que a executoriedade não é atributo exclusivo da jurisdição, pois certos atos administrativos – que não possuem natureza jurisdicional e podem ser revistos pelo Judiciário – possuem essa característica.

“Veja-se, por exemplo, que há atos administrativos que possuem o atributo da executoriedade. É o que diz Celso Antonio Bandeira de Mello, segundo o qual “o Poder Público

27 Adolfo Armando Rivas, El arbitraje según el derecho argentino, Revista de Processo, Ano

XII, Janeiro-Março de 1987, no 45, p. 72.

(25)

24

pode compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais, ao cumprimento da

obrigação que impôs e exigiu”. Nota-se, portanto, que a coatividade não é característica exclusiva da função jurisdicional, estando também presente na atividade administrativa, ainda que essa eficácia possa ser obstada pelo

Judiciário se não informada pela legalidade”.29

Ademais, é óbvio que mesmo as sentenças condenatórias nem sempre necessitarão ser executadas, pois, proferida a sentença, poderá haver o adimplemento da obrigação, sem necessidade de se recorrer à execução.

Vê-se, portanto, que a atividade exclusivamente cognitiva pode ser qualificada como jurisdicional. Donde se conclui que o árbitro, juiz de fato e de direito, cuja sentença produz os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, exerce verdadeira atividade jurisdicional.

I.6. Diversas posições doutrinárias sobre a questão

Como dito acima, após a edição da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), a imensa maioria da Doutrina adotou o acertado entendimento de que a arbitragem no Brasil possui natureza jurisdicional.

O intenso debate prévio à Lei de Arbitragem, que contrapunha a teoria privatista (contratual) e publicista (jurisdicional) perdeu muito sentido, diante do disposto na Lei nº 9.307/96.

Joel Dias Figueira Junior relata a evolução do entendimento doutrinário a respeito da natureza jurisdicional da arbitragem, antes e depois da edição da Lei nº 9.307/96:

“No que tange especificamente à natureza jurídica do instituto da arbitragem, constatamos que as doutrinas nacional e alienígena têm sido pródigas ao longo das décadas em desenvolver e defender fundamentalmente duas correntes

(26)

25

antagônicas. De um lado, encontra-se a teoria privatista (ou contratual) de outro, a publicista (ou jurisdicional).

Nada obstante, a doutrina mais moderna já procurava conciliar as duas correntes referidas, e, de forma eclética, considerar o instituto da arbitragem como portador de uma natureza sui generis , porquanto nasce da vontade das partes (caráter obrigacional = privado) e concomitantemente regula determinada relação de direito processual (caráter público). (...) Se no passado, ainda que próximo, justificavam-se o confronto e as polêmicas acirradas que se formavam entre as duas teorias, hoje em dia, em face do novo regime estatuído através da Lei 9.307/96, essas questões passaram a adquirir outras conotações e reflexos, à medida que o legislador deixou transparecer com nitidez a sua verdadeira intenção, mormente insculpida nos Capítulos V e VI.

Em outros termos, se antes do advento da referida norma o juízo arbitral significava um julgamento que só se aperfeiçoava quando recebia a força e a autoridade do Estado por intermédio da homologação do laudo, e, portanto, não era considerado atividade jurisdicional, hoje assim deixou de ser. (...)

Se no regime anterior da arbitragem, que se processava nos moldes do Código Instrumental Civil a controvérsia merecia maior atenção dos estudiosos e aplicadores do direito, os termos claros e precisos utilizados pelo legislador no sistema da Lei , objeto desses comentários, parece-nos que colocou pá de cal sobre a questão.(...)

Vê-se, com meridiana clareza que o legislador aproximou ou melhor, equiparou a sentença arbitral à sentença proferida pelo Estado-juiz, como ato de autoridade que decide o conflito e vincula as partes litigantes ao cumprimento da declaração, constituição, condenação, mandamento ou execução exarada pelo juiz ou tribunal privado, gerando todos os efeitos decorrentes da coisa julgada.(...)

Podemos afirmar categoricamente que o juízo arbitral instituído pela Lei 9.307/96 apresenta natureza jurisdicional. Está-se, portanto, diante de verdadeira jurisdição de caráter privado. Aliás, o novo microsistema que contempla o juízo arbitral não

permite, ao nosso entender, outra conclusão”.30

30 Joel Dias Figueira Junior, Manual de Arbitragem, Editora Revista dos Tribunais, 1997, p.

(27)

26 Analisaremos, a seguir, alguns argumentos – pró e contra – o entendimento de que a arbitragem possui natureza jurisdicional.

Dentre os que negam o caráter jurisdicional da arbitragem, destaca-se Teori Albino Zavascki. Para ele, atribuir natureza jurisdicional à arbitragem importaria em romper o preceito constitucional do monopólio estatal da jurisdição:

“Nem se poderia, mediante lei ordinária, igualar ato privado com ato de jurisdição, já que isso importaria rompimento do monopólio da função jurisdicional, que pertence ao Estado por força da Constituição (art. 5o, XXXV).” 31

E, por tal motivo, Teori Zavascki considera "inapropriada” “a inclusão da sentença arbitral entre os títulos executivos judiciais."32

No mesmo sentido, escreve Alexandre Freitas Câmara. Para ele, não há como se atribuir natureza jurisdicional à arbitragem, pois o Estado, apesar de não possuir o monopólio da Justiça, possui o da jurisdição.

“Pensar de outra forma, a meu ver, seria infringir o monopólio

estatal da jurisdição, o que não me parece possível. Relembre-se agora o que já disRelembre-se anteriormente: o Estado não possui o monopólio da Justiça, mas possui o da jurisdição. (...) Ademais, não se faz presente na arbitragem a relação jurídica processual jurisdicional, qual seja, aquela que estabelece entre as partes e o Estado juiz. Não há, portanto, como se admitir a natureza jurisdicional da arbitragem, embora não se possa negar o múnus público exercido pelo árbitro, em sua atividade privada,

de busca da pacificação social”.33

Cândido Rangel Dinamarco inicialmente adotou o entendimento de que a arbitragem deveria ser qualificada como atividade “parajurisdicional”, visto que ela não teria, dentre os seus objetivos, o de dar efetividade ao

31 Teori Albino Zavascki, Processo de Execução Parte Geral, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª

Ed., 2004, p. 294.

32

Teori Albino Zavascki, Processo de Execução Parte Geral, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª Ed., 2004, p. 295.

33 Alexandre Freitas Câmara, Arbitragem, 3a ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2002, pp. 12 e

(28)

27 ordenamento jurídico substancial, nem seria dotada do requisito da inevitabilidade que caracteriza a jurisdição. Porém, escreveu ele, a arbitragem possui "o que há de substancialmente relevante no exercício da jurisdição, pelo aspecto social do proveito útil que é capaz de trazer aos membros da sociedade, está presente também nessas outras atividades: é a busca da pacificação das pessoas e grupos mediante a eliminação de conflitos que os envolvam." 34 Portanto, considerou Dinamarco que nesse “escopo social pacificador reside algo muito mais forte a aproximar a arbitragem da jurisdição estatal.”35-36

Posição semelhante é a de Masami Uyeda, para quem a arbitragem não seria jurisdição, pelo fato de as decisões proferidas pelo árbitro não terem coercitividade e de estarem sujeitas ao controle de legalidade do Poder Judiciário, quanto aos aspectos formais:

“O instituto da arbitragem não se confunde com a Jurisdição, ao menos em seu sentido técnico. As decisões proferidas pelo Juízo Arbitral, sem se descurar de sua inequívoca utilidade social na pacificação dos conflitos, não são imunes ao controle de legalidade do Poder Judiciário quanto aos aspectos formais, quanto à sua eleição, propriamente, e, tampouco possuem o caráter de coercibilidade. A Jurisdição, a seu turno, dotada da

34Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, Malheiros, 5ª ed.,

2005, p. 141 e 141.

35 Cândido Rangel Dinamarco, Nova Era do Processo Civil. 3ª ed., São Paulo: Malheiros

Editores Ltda, 2009, p. 39.

36

(29)

28

inevitabilidade e vocacionada a conferir efetividade ao ordenamento jurídico, aplicando-o às lides, em substituição à vontade das partes e com a força da coisa julgada, provém, decorre, diretamente da soberania Estatal, circunstância absolutamente inocorrente na arbitragem, ressalte-se.37

Por seu lado, Chiovenda afirmava que a função jurisdicional emana exclusivamente do Estado.38 Enquanto que Carnelutti classificou a arbitragem como um equivalente ao processo civil, pois a lide é resolvida por um terceiro sem potestade judicial. Para ele, o processo perante o árbitro seria um equivalente ao processo contencioso de cognição.39

Em sentido contrário, como veremos a seguir, a grande maioria da Doutrina reconhece a natureza jurisdicional da arbitragem.

Iniciemos com uma citação de Carreira Alvim, na qual é respondida a objeção de que a arbitragem seria um mero equivalente jurisdicional:

“O objetivo visado tanto na jurisdição arbitral como na estatal é

idêntico a resolução do conflito , pois o árbitro, como o juiz, também decide, e ambos exercem a sua função segundo determinadas regras (procedimento). A arbitragem não pode ser considerada simples equivalente jurisdicional, porquanto não proporciona resultado equivalente à sentença, mas uma verdadeira e própria sentença, em tudo e por tudo idêntica, em valor jurídico e eficácia, à que se obtém através da jurisdição estatal (que contém o judicium mais o imperium), mas também não se detém nos lindes dos meros equivalentes jurisdicionais,

que dependem de uma “integração” por novo ato jurisdicional. A decisão do árbitro não “equivale” a uma sentença; ela é uma

sentença; a eficácia de uma sentença arbitral e a autoridade de coisa julgada que resulta dela não tem nenhuma diferença

daquela que qualifica a sentença judicial.”40

37 Masami Uyeda, Acórdão STJ Conflito de Competência 122439, Data da Publicação

22/05/2012.

38 Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, Vol. II, Bookseller Editora e

Distribuidora, 3a edição, 2002, Campinas, SP, p. 8-9.

39Cfr. Francesco Carnelutti, Instituições do Processo Civil, ClassicBook Editora e Distribuidora

de livros Ltda., Vol. I, p. 157, 163.

(30)

29 Eduardo Arruda Alvim adota o mesmo entendimento, ao afirmar que a arbitragem “não se trata propriamente de um substitutivo da jurisdição, mas de uma espécie de jurisdição privada”.41

Saliente-se com o devido e merecido respeito que não se afigura inteiramente correto o argumento utilizado por Teori Zavaski, para afastar o caráter jurisdicional da arbitragem, ou seja, de que não seria possível “mediante lei ordinária, igualar ato privado com ato de jurisdição, já que isso importaria rompimento do monopólio da função jurisdicional, que pertence ao Estado por força da Constituição (art. 5o, XXXV)”.

Em primeiro lugar, porque não está demonstrado que o art. 5º, XXXV, da CF imporia o monopólio – absoluto, excludente e irrenunciável – da função jurisdicional ao Estado. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o pedido de homologação de sentença estrangeira SE 5.206-7, da Espanha, já adotou o entendimento de que a lei de arbitragem não excluía da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV da CF).

Nesse acórdão, publicado no DJ de 30/04/2004 – no qual foi suscitada a questão da constitucionalidade da lei de arbitragem – apesar do entendimento contrário de alguns ministros, o STF considerou a lei de arbitragem um grande avanço e não viu nela nenhuma ofensa ao texto constitucional.

Em seu voto, o Ministro Carlos Velloso ressaltou que a lei só é aplicável em relação a direitos patrimoniais e disponíveis e que as partes têm a faculdade de renunciar a seu direito de recorrer à Justiça, pois o “direito de ação” não significa “dever” de ação judicial: “a lei não institui a arbitragem em termos obrigatórios, caso em que ocorreria ofensa ao inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, mas simplesmente, faculta às partes prevenirem ou terminarem o litígio mediante a arbitragem”.

41 Eduardo Arruda Alvim, Direito Processual Civil. 4ª ed., São Paulo, Editora Revista dos

(31)

30 Além disso – e desde que preservado o direito constitucional de ação (art. 5º, XXXV, da CF) – nada impede que uma lei ordinária confira a jurisdição a um árbitro privado, livremente escolhido pelas partes.

Esse é o entendimento da grande maioria da Doutrina, assim condensado por Arruda Alvim:

“Para aqueles que, como nós, estão convencidos pela natureza jurisdicional da arbitragem, esta substitutividade pode decorrer da atividade privada da lei à luz do entendimento do árbitro.”42 E De Plácido e Silva adota o mesmo entendimento, ao afirmar que a jurisdição – sempre decorrente da lei, que delimita os poderes concedidos – pode advir de delegação do Poder Público ou da vontade das pessoas:

“Seja decorrente de uma delegação do poder público, seja em consequência de ato voluntário das pessoas, a jurisdição somente existe quando decorrente de preceitos de lei, que lhe assinalam ou determinam os limites dos poderes concedidos.43 Por seu lado, Athos Gusmão Carneiro explica as razões pelas quais considera equivocado o entendimento adotado por Teori Zavascki ao negar a natureza jurisdicional do processo arbitral:

“Se temos uma sentença arbitral, capaz de trânsito em julgado, a etapa antecedente à formação da sentença reveste-se de caráter jurisdicional: "Ora, não há processo administrativo que possa gerar um título executivo judicial como, no caso, a sentença condenatória arbitral; tampouco gerar sentenças declaratórias e constitutivas que adquirem qualidade de coisa julgada formal e material" (João Alberto de Almeida, Processo Arbitral, Del Rey, 2002, p. 141). Neste ponto, aliás, revela-se o equívoco de Teori Zavascki ao negar natureza jurisdicional ao processo arbitral, eis que a sentença arbitral não pode ser 'reformada' pela justiça estatal; se nula, será desconstituída para que nova sentença arbitral venha a ser proferida (Lei da Arbitragem, art. 33).

42

Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, 13a Edição, Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 176.

(32)

31

Podemos portanto concluir, com J. E. Carreira Alvim (de quem é recomendável a leitura da excelente exposição a respeito), que o atual sistema de arbitragem brasileiro, "por natureza e por definição, tem indiscutível caráter jurisdicional, não cabendo mais, depois da Lei 9.307/96, falar-se em contratualidade, salvo no que concerne à sua origem, por resultar da vontade das partes" (Direito Arbitral, Forense, 2ª

ed., 2004, p. 46).”44

João Otávio de Noronha, ao considerar o art. 4º da Lei 9.307/96, conclui que a convenção de arbitragem possui um caráter híbrido, pois nasce como obrigação contratual e possui o elemento jurisdicional, visto que as decisões do árbitro produzem os mesmos efeitos das sentenças proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário:

“Da definição do instituto, exsurge o caráter híbrido da convenção de arbitragem, na medida em que se reveste, a um só tempo, das características de obrigação contratual, representada por um compromisso livremente assumido pelas partes contratantes, e do elemento jurisdicional, consistente na eleição de um árbitro, juiz de fato e de direito, cuja decisão irá produzir os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário.”45

Joel Dias Figueira Júnior, afirma categoricamente que o juízo arbitral possui natureza jurisdicional. E explica os motivos:

“O juízo arbitral não exclui ou se sobrepõe ao Estado-juiz, figurando num amplo contexto sociopolítico e jurídico como mais uma forma diferenciada de prestação de tutela e desde que assim as partes litigantes convencionem livremente, ampliando o espectro do acesso à justiça, como expressão ontologicamente sinônima ao acesso à jurisdição. Outro, aliás, não é o sentido que merece ser atribuído ao princípio da inafastabilidade da jurisdição estatal, insculpido no art. 5.º, XXXV, da CF.

Segundo Gerard Cornu e Jean Foyer, a justiça estatal e a justiça arbitral são dois modos distintos de jurisdição e,

44 Athos Gusmão Carneiro,

Arbitragem. Cláusula Compromissória. Cognição e “Imperium”. Medidas Cautelares e Antecipatórias. “Civil Law” e Common Law”. Incompetência da Justiça Estatal.

45 Recurso Especial 612.439-RS (2003/0212460-3). Rel. Min. João Otávio de Noronha.

(33)

32

portanto, de composição dos conflitos. Magistrados e árbitros são todos os dois juízes; apenas um é um juiz público, nomeado pelo Estado, enquanto o outro um juiz privado, escolhido pelas partes. Idênticas as suas funções, sendo que a do árbitro decorre de investidura contratual. Justiça arbitral e justiça estatal distinguem-se apenas pelos órgãos que as exercem.

Podemos firmar então, categoricamente, que o juízo arbitral instituído pela Lei 9.307/96 apresenta natureza jurisdicional. Está-se, portanto, diante de verdadeira jurisdição de caráter privado. Aliás, o novo microssistema que contempla o juízo arbitral não permite, a nosso entender, outra conclusão.”46 Fátima Nancy Andrighi, após analisar argumentos pró e contra, conclui que não há motivos para que se afaste o caráter jurisdicional da arbitragem, pois os argumentos da doutrina favoráveis à jurisdicionalidade da arbitragem revestem-se de coerência e racionalidade:

“A crítica mais pungente, no entanto, é a de Luiz Guilherme Marinoni (Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006, p. 147 e seguintes), para quem arbitragem e jurisdição não se confundem pelos seguintes motivos, em linhas gerais: (i) a escolha, pelas partes, da solução do conflito por arbitragem implica renúncia à jurisdição; (ii) o exercício da jurisdição pressupõe investidura por concurso público; (iii) a arbitragem não observa o princípio do juiz natural; (iv) o árbitro não tem aptidão para executar suas decisões.

Todas essas críticas, contudo, foram adequadamente respondidas por Fredie Didier (Curso de Direito Processual Civil, Salvador: Ed. Jus Podivm, 11ª edição, 2009, p. 82 a 85). Em resumo, argumenta o professor baiano: (i) ao escolher a arbitragem o jurisdicionado não renuncia à jurisdição, mas à jurisdição prestada pelo Estado; (ii) a jurisdição, mesmo Estatal, não é exercida apenas por pessoas aprovadas em concurso público, do que seriam exemplos as vagas destinadas aos advogados pelos arts. 94, 104, 107, I, 111-A, I, 115, 118, II, 119, II, 120, §1º, III, e 123, parágrafo único, I, da CF; (iii) o princípio do juiz natural tem como principal elemento a garantia de julgamento por um órgão cuja competência tenha sido pré-estabelecida, de modo a assegurar a imparcialidade

46

(34)

33

do julgador. Os dois aspectos estão contemplados na arbitragem. A imparcialidade é prevista de maneira expressa pelo art. 21, § 2º da LArb. A prévia competência é fixada no momento em que firmada a convenção de arbitragem.

Assim, os argumentos da doutrina favoráveis à jurisdicionalidade do procedimento arbitral revestem-se de coerência e racionalidade. Não há motivos para que se afaste o

caráter jurisdicional dessa atividade.”47

Nelson Nery Junior também atribui natureza jurisdicional à arbitragem, por considerar o juízo arbitral uma exteriorização do poder jurisdicional, visto que a sentença arbitral decide a lide substituindo a vontade das partes, não está sujeita a recurso, nem necessita ser homologada pelo Judiciário e possui força de coisa julgada material:

“Instituído o juízo arbitral por convenção de arbitragem celebrada entre as partes, nele o árbitro é juiz de fato e de direito (Larb. 18), decide a lide substituindo a vontade das partes, e sua sentença não fica sujeita a recurso nem precisa ser homologada pelo Poder Judiciário, tendo força de coisa julgada material. Conquanto não seja juiz nomeado mediante

concurso de provas e títulos, exerce jurisdição”. 48

“Qual a diferença efetiva que existe entre a sentença judicial e

a arbitral? Ambas, a nosso ver, constituem exteriorização do poder jurisdicional. Apenas se distanciam quanto ao aspecto confiança, que preside o negócio jurídico de compromisso arbitral, estando ausente na jurisdição estatal, cujo órgão não pode ser escolhido pelas partes e cuja sentença é imposta coativamente aos litigantes. Enquanto no compromisso arbitral as partes convencionam acatar a decisão do árbitro, na jurisdição estatal o réu é compelido a responder ao processo, ainda que contra a sua vontade, sendo as partes obrigadas a obedecer o comando emergente da sentença. (...) A sentença arbitral como é aplicação do direito ao caso concreto por juiz não estatal, é manifestação de atividade jurisdicional. A consequência disso é que se reveste da autoridade da coisa

julgada.”49

47 Fátima Nancy Andrighi, Conflito de Competência nº 113260/SP - 2010/0139887-0.

48Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil Comentado e

Legislação extravagante, 10a edição, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 165.

49

(35)

34 “Com a celebração do compromisso, as partes não estão renunciando ao direito de ação nem ao juiz natural. Apenas estão transferindo, deslocando a jurisdição que, de ordinário, é exercida pelo órgão estatal, para um destinatário privado. Como o compromisso só pode versar sobre matéria de direito

disponível, é lícito às partes assim proceder”. 50

Carlos Alberto Carmona assevera que o legislador optou por adotar a tese da jurisdicionalidade da arbitragem, pondo fim à atividade homologatória do juiz estatal. E, após referir-se aos diferentes entendimentos acerca da natureza jurídica da arbitragem, conclui ser inegável que a arbitragem, contratual em sua origem, se desenvolve com a garantia do devido processo e termina com uma sentença que produz os mesmos efeitos da sentença judicial.

"O conceito de jurisdição, em crise já há muitos anos, deve receber novo enfoque, para adequar-se a técnica à realidade. É bem verdade que muitos estudiosos ainda continuam a debater a natureza jurídica da arbitragem, uns seguindo as velhas lições de Chiovenda para sustentar a idéia contratualista, outros, preferindo seguir idéias mais modernas, defendendo a ampliação do conceito de jurisdição, de forma a encampar também a atividade dos árbitros; outros, enfim tentam conciliar as duas correntes. (...) O fato que ninguém nega é que a arbitragem, embora tenha origem contratual, desenvolve-se com a garantia do devido processo e termina com ato que tende a assumir a mesma função da sentença

judicial”.51-52

50 Nelson Nery Junior, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, v. 1 p. 119-120.

51 Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e Processo, Ed. Atlas, 3ª Edição, 2009, pp. 26-27.

52

(36)

35 Por outro lado, Caio Cesar Vieira Rocha assinala que, independentemente de quaisquer considerações teóricas que se façam a respeito do tema, o fato concreto é que a Lei 9.307/96 conferiu à arbitragem uma indiscutível natureza jurisdicional, pois a sentença arbitral produz os mesmos efeitos da sentença do juiz togado, fazendo coisa julgada e constituindo um título executivo judicial:

“Abstraindo-se quaisquer considerações teóricas a respeito, a Lei de Arbitragem, declarada constitucional pelo STF, impõe à arbitragem natureza jurisdicional. É dizer: o ordenamento jurídico confere à arbitragem caráter jurisdicional.

De partida, a Lei atribuiu à sentença arbitral o mesmo efeito da sentença proferida pelos juízes estatais, possuindo ambas, quanto às consequências jurídicas que produzem, o mesmo alcance. Tal sucede por força do disposto no art. 31, cumulado com o que estabelece o art. 18, ambos da Lei de Arbitragem. A par disso, verifica-se que o art. 475-N, IV, do CPC (LGL\1973\5) incluiu a sentença arbitral como título executivo judicial, equiparando-a definitivamente à sentença judicial. Para todos os efeitos, por força da lei, a sentença arbitral é título executivo judicial, e, independente de tal inclusão estar certa ou errada na visão da doutrina, é realidade inarredável.

O legislador, ao fazer tal inclusão no rol de títulos executivos judiciais, estendeu à sentença arbitral os mesmos efeitos produzidos pelas sentenças judiciais, capaz, inclusive, de produzir coisa julgada, qualidade esta que só poderá ser afastada nas hipóteses previstas para a ação anulatória

inseridas no art. 32 da Lei de Arbitragem.”53-54

seu convencimento, propiciando as bases para a decisão da pretensão que lhes foi submetida (esta, aliás, a característica básica da atividade cognitiva). Por derradeiro, árbitro e Juiz ostentam poder: a decisão que proferem um e outro é obrigatória e vinculante para os contendentes”. (Carlos Alberto Carmona, Das boas relações entre árbitros e juízes, Revista de Processo | vol. 87 | p. 81 | Jul / 1997DTR\1997\298).

53

Caio Cesar Vieira Rocha, Conflito positivo de competência entre árbitro e magistrado, Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 34 | p. 263 | Jul / 2012DTR\2012\450623.

54 José Arnaldo da Fonseca, baseado na análise dos dispositivos da Lei de Arbitragem,

(37)

36 Pedro A. Batista Martins também resume as razões pelas quais deve-se entender que a Lei 9.307/96 adotou a teoria publicista (jurisdicional) da arbitragem:

“Não resta dúvida de que o legislador optou por conferir ao sistema legal brasileiro a natureza publicista da arbitragem. Essa assertiva podemos extrair de várias passagens da Lei n. 9307/96. Em conformidade com seus termos, a sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo (art. 30).

De forma didática, a lei brasileira de arbitragem adotou a

terminologia “sentença” em substituição a “laudo” e conferiu à

decisão proferida em sede arbitral as naturezas declaratória, constitutiva e condenatória.

Caso a decisão precise ser executada perante o Poder Judiciário, é ela título executivo judicial, o que restringe sobremaneira os argumentos de defesa da parte condenada ao cumprimento de uma obrigação (art. 41).

Essa equiparação dos efeitos da decisão arbitral àqueles produzidos pela sentença estatal conduz à sua qualidade de res judicata. Transita, pois, em julgado.

A solução do conflito por arbitragem é irrecorrível (art. 18), exceto nos restritos casos de nulidade elencados no artigo 32 da lei.

Foi suprimida, expressamente, a necessidade de homologação da decisão arbitral nacional (art. 18), bem como aquela emitida no exterior (art. 35), que fica a depender, neste último caso, do exequatur pelo Supremo Tribunal [atualmente, pelo STJ], em conformidade com a Constituição brasileira.

Por fim, caberá ao árbitro o exame e a decisão das necessárias medidas cautelares ou coercitivas (art. 22, § 4º). Caso a parte não as cumpra espontaneamente, deverá o juiz estatal determinar a imposição de tais provimentos.

título executivo'; art. 8.º, parágrafo único, e art. 20, os quais asseguram ao árbitro decidir, em primeiro lugar, sobre a existência e eficácia da cláusula compromissória arbitral, em corolário ao princípio da competência-competência ( Kompetenz-Kompetenz). Assim, o Tribunal Arbitral se reveste de natureza jurisdicional, como destaca a doutrina, à luz dos referidos dispositivos legais”.( José Arnaldo da Fonseca, Jurisdição estatal e jurisdição arbitral: conflito aparente,

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