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A ideia de que os latino-americanos preferem o autoritarismo à democracia à luz da reinterpretação dos critérios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

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A ideia de que os latino- americanos preferem o

autoritarismo à democracia à luz da reinterpretação dos critérios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

The idea that Latin Americans prefer authoritarianism to democracy in the light of the reinterpretation of the criteria of the United Nations Development Program

Gina Marcilio Pompeu Ana Araújo Ximenes Teixeira

(2)

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Danielle Cristina Lanius e Ivo Teixeira Gico Jr

(6)

doi: 10.5102/rdi.v14i2.4702

A ideia de que os latino-americanos

preferem o autoritarismo à democracia à luz da reinterpretação dos critérios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento*

The idea that Latin Americans prefer

authoritarianism to democracy in the light of the reinterpretation of the criteria of the United Nations Development Program

Gina Marcilio Pompeu**

Ana Araújo Ximenes Teixeira***

R

esumo

Mediante este artigo almeja-se aferir a correção da ideia de que os latino- -americanos preferem o autoritarismo à democracia, levantada pelo Com- pêndio Estatístico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimen- to – PNUD - de 2004. Trata-se de pesquisa bibliográfica e documental que utiliza o método hipotético-dedutivo na elaboração de uma reinterpretação dos critérios usados pelo PNUD. São apresentadas inicialmente as estatís- ticas nas quais embasa-se a conjectura a ser metodologicamente falseada.

Posteriormente, faz-se o cotejo da conjectura com outros dados empíricos, dentro de um roteiro de desvelamento crítico, em duas fases, sobre quem é o povo latino-americano e como são suas democracias. Na primeira fase, aborda-se o impacto da pobreza e da desigualdade sobre a construção da democracia na América Latina. Na segunda fase, faz-se uma análise da ideia enfocada perante fatores históricos e culturais advindos do corte epistemo- lógico nas realidades do Brasil e do México. Por fim, elabora-se a crítica acerca da viabilidade da refutação da conjectura, ocasião na qual conclui-se que a pretensa tendência dos cidadãos latino-americanos a preterirem a de- mocracia em prol do autoritarismo baseia-se numa interpretação elaborada sobre dados empíricos incompletos. A originalidade da pesquisa reside: na demonstração de que o descrédito da democracia verificado não recai sobre regimes que garantem acesso do povo ao poder político; na inferência de que, no caso do Brasil, o regime político cujo apoio tem diminuído sequer consiste numa democracia formal; e na verificação de que os critérios utili- zados pelo PNUD, sem uma reinterpretação que amplie da base de dados, são insuficientes.

Palavras-chave – Democracia. Autoritarismo. Democracia brasileira. De- mocracia mexicana. Democracia na América Latina.

* Recebido em 20/06/2017 Aprovado em 01/10/2017

** Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Federal do Ceará (1994) e Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004).

Coordenadora e Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Mestra- do e Doutorado. Consultora Jurídica da Assem- bléia Legislativa do Estado do Ceará. Email:

ginapompeu@unifor.br

*** Doutoranda em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de Fortaleza. Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Dire- ito do Consumidor. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará com Habilitação em Teoria do Estado.

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POMPEU, Gina Marcilio; TEIXEIRA, Ana Araújo Ximenes. A ideia de que os latino-americanos preferem o autoritarismo à democracia à luz da reinterpretação dos critérios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 2, 2017 p. 285-311

A

bstRAct

This paper seeks to correct the idea that Latin Ame- ricans prefer authoritarianism to democracy, as compi- led by the UNDP-UNDP Statistical Compendium of 2004. It is a bibliographical and documentary research that Uses the hypothetical-deductive method in the ela- boration of a reinterpretation of the criteria used by the UNDP. We present initially the statistics on which the conjecture is based to be methodologically distorted.

Subsequently, the conjecture is compared with other empirical data, within a critical unveiling script, in two phases, about who the Latin American people are and their democracies. The first phase addresses the impact of poverty and inequality on the construction of demo- cracy in Latin America. In the second phase, the idea is compared to historical and cultural factors arising from the epistemological cut in the realities of Brazil and Me- xico. Finally, the criticism is made about the feasibility of refuting the conjecture, at which time it is concluded that the alleged tendency of Latin American citizens to preach democracy in favor of authoritarianism is based on an interpretation of incomplete empirical data. The originality of the research lies in the demonstration that the discredit of the democracy verified does not fall on regimes that guarantee the people’s access to political power; In the case of Brazil, the political regime whose support has diminished does not even consist of a for- mal democracy; And in proving that the criteria used by UNDP, without a reinterpretation that broadens the database, are insufficient.

Keywords: Democracy. Authoritarianism. Brazilian democracy. Mexican democracy. Democracy in Latin America.

1. I

ntRodução

.

Os cidadãos latino-americanos preferem viver sob regimes políticos autoritários que em democracias li- berais? Tal questionamento paira sobre as mentes de políticos, sociólogos, juristas e historiadores desde a di- vulgação, em abril de 2004, do relatório ‘A Democracia na América Latina: rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos’ do Compêndio Estatístico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

Os resultados da aludida pesquisa surpreendem pela

adoção, por parte dos cidadãos latino-americanos, nas perguntas constantes dos questionários utilizados, de posições incompatíveis com postulados tradicionais da democracia liberal. No mesmo sentido, ao longo dos anos seguintes, institutos de pesquisa igualmente re- conhecidos pela comunidade mundial, a exemplo da Corporação Latinobarômetro, têm confirmado as con- clusões inicialmente propaladas pelo PNUD acerca do desprestígio da democracia na América Latina.

Ademais, a ascensão eleitoral de líderes carismáticos com mediação simbólica de partidos políticos, a im- posição da ideia de reeleições sucessivas do chefe do poder executivo, v.g., na Bolívia e na Venezuela, dentre outras bandeiras incongruentes com relação à democra- cia moderna contribuem para a sedimentação da ideia da preferência latino-americana pelo autoritarismo em detrimento da organização social democrática.

Por tais motivos, de um lado é possível afirmar pro- visoriamente que o exercício das liberdades políticas na América Latina, no mínimo, não tem resultado no de- senvolvimento de uma cultura de respeito às instituições democráticas consagradas pelo liberalismo político. E, de outro, existem dúvidas crescentes na comunidade científica e nos organismos internacionais sobre o com- promisso dos povos latino-americanos com a moderna ideia de democracia.

No estágio em que se apresenta a integração eco- nômica, cultural e política mundial, há vários atores distintos dos Estados Nacionais que contribuem para a construção do direito no âmbito de seus territórios.

Tais instituições influem na condução da política mun- dial e das políticas nacionais dentro do processo de in- ternacionalização do direito - por alguns denominado constitucionalização do direito internacional e pelos mais idealistas tratado como construção da democracia global ou república mundial.1

1 DELMAS-MARTY, Mireille. Por um direito comum.

Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo:

Martins Fontes, 2004, p. 87-89. Para uma visão abrangente e pro- funda do fenômeno da constitucionalização do direito internacional, ver também: VARELLA, Marcelo D. Internacionalização do di- reito: direito internacional, globalização e complexidade. 2012.

606f. Tese (Livre-Docência em Direito Internacional). Faculdade de Direito da USP. Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 567-575.

Sobre a interação dialética progressiva entre direito constitucional e direito internacional: CANOTILHO, J.J.Gomes. Brancosos e a interconstitucionaldade: itinerários dos discursos sobre a his- toricidade constitucional. 2 ed. Lisboa: Almedina, 2008, p. 285- 286. Ver também: BUSTOS GISBERT, Rafael. Diálogos jurisdiccion- ales en escenarios de pluralismo constitucional: la protección supranacional de

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POMPEU, Gina Marcilio; TEIXEIRA, Ana Araújo Ximenes. A ideia de que os latino-americanos preferem o autoritarismo à democracia à luz da reinterpretação dos critérios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 2, 2017 p. 285-311

Nessa ordem de ideias, verificar a exatidão da inter- pretação das estatísticas que concluem pela progressiva diminuição de adesão ou baixo suporte dos latino-ame- ricanos ao regime democrático é tarefa de importância evidente na conjuntura geopolítica da globalização, haja vista o risco que implica para a liberdade dos cidadãos latino-americanos a retirada de suporte à construção de democracias na América latina por parte de organismos internacionais, organizações não governamentais e de- mais instituições de governança global.

Realmente, a globalização tem conferido destaque a um fato descortinado há décadas por Bobbio: a existên- cia de diferentes tipos de sistemas jurídicos acima do Estado (supraestatal ou internacional), abaixo do Esta- do (ordenamentos infraestatais) e paralelos ao Estado (transnacionais, como o da Igreja Católica).2 Mas o im- pacto da integração mundial de mercados não se limita a evidenciar a coexistência desses sistemas e a influência recíproca que partilham.

Com efeito, se antes o reflexo do xadrez político- -econômico mundial sobre os Estados nacionais – e pois sobre as democracias existentes - era velado, devi- do à globalização as fronteiras do direito constitucional e do direito internacional têm tornado-se mais tênues a cada ano, movimento impulsionado em larga medida pelas interações desenvolvidas entre o subsistema do direito internacional voltado à proteção dos direitos hu- manos e o direito constitucional.3

los derechos em Europa. In: MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; LELO DE LARREA, Arturo Zaldívar (Coord.). La ciencia del derecho constitucional: estudios em homenaje a Héctor Fix-Zamudio em sus cincuenta años como investigador del derecho. México:

UNAM, 2008, p. 753 e segs.. NEVES, Marcelo. Transconstitu- cionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 100-127.

2 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico.

Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10 ed. Bra- sília: Editora UNB, 1999, p. 161- 173.

3 GOMES, Eduardo Biachi. Integração econômica no mercosul: opiniões consultivas e a democratização no acesso ao tribunal permanente de revisão.

Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 1, p. 128-136, número especial de Direito Internacional Econômico, 2013, p. 130.

Gomes – precisamente no sentido do presente artigo – situa o início do aumento da influência do direito internacional nas ordens jurídi- cas internas dos Estados no contexto do final da Segunda Guerra mundial, devido à luta pela universalização dos direitos humanos, e seu recrudescimento no contexto atual da globalização, o que po- tencializa a relevância da defesa da democracia, para manutenção da agenda do direito internacional no subsistema dos direitos humanos e nos demais subsistemas. Gomes também aponta como decorrên- cia da maior normatividade do direito internacional contemporâneo, diante da ausência de capacidade jurídica dos cidadãos para dele uti- lizarem-se, o surgimento do problema do deficit democrático mitigado

Eis porque, no âmbito do tradicional debate sobre a universalização dos direitos humanos, o subsistema do direito internacional referente a esses valores influiu de maneira decisiva na constitucionalização de direitos hu- manos e na adoção de regimes democráticos ao redor do mundo, dada a relação de implicação recíproca entre ambos os temas na qual a democracia é condição de possibilidade de concretização dos direitos humanos.

Ciente da interdependência entre democracia e pro- teção de direitos humanos, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD - realiza es- tudos simultâneos ou sucessivos nas duas áreas. Nesse diapasão, diante da relevância do respaldo internacional para a manutenção das jovens democracias latino-ame- ricanas é assaz pertinente problematizar a correção da ideia de que os cidadãos da América Latina rechaçam a democracia liberal.

Sob o prisma do subsistema da proteção dos direitos humanos, verifica-se que a submissão da ideia de que os latino-americanos preferem o autoritarismo à democra- cia ao crivo de uma investigação é indispensável, dentre outros fatores, também no que concerne à possibilidade de contribuição para o estabelecimento do que Marcelo Varella denomina uma gramática comum mundial, no caso, em tema de democracia.

Com efeito, Varella defende – como uma das fer- ramentas para edificação da república mundial ou de- mocracia global em oposição ao surgimento do impe- rialismo globalizado - a construção de uma gramática universal. Enquanto instrumento dessa gramática co- mum, o aprofundamento que a presente pesquisa em- preende acerca de conceitos utilizados pelo relatório do PNUD de 2004, é extremamente relevante para o direi- to internacional.4

Realmente, mediante este trabalho, o aclaramento de conceitos e o entendimento das diferenças históricas e cul- turais que porventura interfiram na construção e na com- preensão da democracia liberal na América Latina pode auxiliar na elaboração da gramática comum apta a ensejar, seja a tomada de providências para retomada do processo de democratização, seja a tolerância para com a rejeição latino-americana à implantação de democracias liberais.

desse ramo do direito.

4 VARELLA, Marcelo D. Internacionalização do direito: direi- to internacional, globalização e complexidade. 2012. 606f. Tese (Livre-Docência em Direito Internacional). Faculdade de Direito da USP. Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 558-575.

(9)

POMPEU, Gina Marcilio; TEIXEIRA, Ana Araújo Ximenes. A ideia de que os latino-americanos preferem o autoritarismo à democracia à luz da reinterpretação dos critérios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 2, 2017 p. 285-311

Assim, os resultados obtidos por esta investigação - se não estimularem o aprimoramento da elabora- ção e interpretação dos critérios utilizados para aferir a adesão à democracia, bem como uma reação eficaz da comunidade internacional a retrocessos autoritários - podem lastrear o reconhecimento da autonomia dos povos latino-americanos para conduzirem sua organi- zação política fora do modelo tradicional da democracia liberal, ante a constatação de que a evolução histórica e política latino-americana não permite edificar, com au- tenticidade, organizações sociais democráticas e liberais nos moldes europeu e norte-americano.

O presente artigo, por conseguinte, almeja aferir a correção da ideia de que os latino-americanos preferem o autoritarismo à democracia, levantada pelo Compên- dio Estatístico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD – de 2004, mediante pesquisa bibliográfica e documental que utiliza o mé- todo hipotético-dedutivo, onde a proposição amparada em dados estatísticos cuja cientificidade visa-se atestar desempenha o papel de conjectura a ser metodologi- camente falseada ou corroborada pelo confronto com outros dados empíricos e demais elementos que a infir- mem ou confirmem.

Nessa ordem de ideias, ao tentar falsear a retromen- cionada conjectura, torna-se inescapável empreender uma reinterpretação dos critérios adotados pelo PNUD no relatório ‘A Democracia na América Latina: rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos’, de modo que, por via de consequência, objetiva-se verificar igualmen- te a adequação dos critérios usados pelo citado relatório.

Para esse fim, apresenta-se, no primeiro tópico, jun- tamente com a ideia tratada metodologicamente como conjectura a ser falseada, dados extraídos do retromen- cionado relatório de 2004 do PNUD, assim como es- tatísticas sobre apoio à democracia na América Latina elaboradas em 2016 pelo Latinobarômetro (entidade parceira do PNUD na confecção do relatório de 2004).

Nos tópicos dois e três, faz-se o cotejo da conjectura com outros dados empíricos pertinentes, embora des- considerados pela pesquisa do PNUD, dentro de um roteiro de desvelamento crítico, em duas fases, sobre quem é o povo latino-americano e como são suas de- mocracias.

Assim, no tópico dois, aborda-se o impacto da po- breza e da desigualdade sobre a construção da democra- cia e da cidadania na América Latina, com fundamen-

to em dados estatísticos atualizados e elaborados pelas mesmas instituições cujas pesquisas são mencionadas no tópico um. Em seguida, no terceiro tópico, mediante o corte epistemológico materializado no enfoque das realidades do Brasil e do México, são analisadas todas as estatísticas mencionadas em confronto com fatores históricos e culturais pertinentes à democracia.

2. d

espRestígIodAdemocRAcIAlAtIno

-

AmeRIcAnAemnúmeRos

.

Antes de adentrar a investigação propriamente dita que consiste no objeto deste artigo, é importante frisar que a conclusão do relatório ‘A Democracia na América Latina: rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos’

do Compêndio Estatístico do Programa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD -, publicado em abril de 2004, assim como as de todos os seus demais estudos - por exemplo, aqueles sobre desenvolvimento humano -, não encerra afirmações ca- tegóricas sobre a natureza ou características intrínsecas de nenhum povo ou economia.

Foi o que o PNUD fez com o Índice de Desenvolvimento Humano e assim conseguiu que esse modo de avaliar, independente do parcial e insuficiente PIB, fosse assu- mido na sociedade.

Na mesma linha inovadora, hoje se pretende que a melhora democrática não seja simplesmente uma expressão retórica, sempre questioná- vel, mas sim uma realidade sobre a qual se atua, registrando avanços e retrocessos que possam ser vistos com objetividade. Esses avanços, essas buscas respondem à idéia de que democracia e desenvolvimento humano são apenas duas caras da mesma moeda.5

A afirmação cuja refutação é objetivada pelo presen- te artigo encontra-se, no segundo capítulo, da segunda seção do relatório cujo título é ‘Como os latino-america- nos vêm a sua democracia’ e que se desenvolve - median- te o emprego do índice de apoio à democracia (IAD) e de gráficos (p.139-157), assim como na nota explicativa acerca do IAD, (p. 220 – 237), e, ainda, sinteticamente, no resumo do relatório em epígrafe, segundo o qual:

5 ONU. Organização das Nações Unidas. Relatório do Compên- dio Estatístico do Programa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD - A Democracia na América Latina:

rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos. Publicado em abril de 2004, p.204. Disponível em < http:www.dominiopublico.gov.

br>. Acesso em 08/06/2017.

(10)

POMPEU, Gina Marcilio; TEIXEIRA, Ana Araújo Ximenes. A ideia de que os latino-americanos preferem o autoritarismo à democracia à luz da reinterpretação dos critérios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 2, 2017 p. 285-311 Os dados obtidos indicam que:

■ A preferência dos cidadãos pela democracia é relativamente baixa.

■ Grande parte das latino-americanas e dos latino- americanos dá mais valor ao desenvolvimento do que à democracia e, inclusive, retiraria seu apoio a um governo de- mocrático se ele fosse incapaz de resolver os seus problemas econômicos.

■ Os não-democratas pertencem, geralmente, a grupos com menor educação, cuja socialização ocorreu, fundamentalmente, em períodos autoritários, que têm baixas ex- pectativas de mobilidade social e uma grande desconfiança das instituições democráticas e dos políticos.6

Logo, não se objetiva neste trabalho falsear as afir- mações do relatório de 2004 do PNUD, que ao fim e ao cabo fomenta rico e necessário debate sobre democra- cia na América Latina, como aliás é o propósito decla- rado em suas conclusões. O foco consiste, isto sim, em refutar parcela do relatório que afirma que a preferência dos cidadãos pela democracia é relativamente baixa. Cumpre lembrar que o relatório adota os critérios do recém-cria- do IAD, e índices elaborados em parceria com o Lati- nobarômetro especificamente para o referido estudo de 2004. Verifica-se, pois, que se trata de uma ferramenta estatística testada sobre o tema da democracia na Amé- rica Latina e não de um índice seguidamente colocado à prova, ainda que em outras áreas.

Não se conhecem estudos prévios que tenham aplicado esta metodologia para estudar o respaldo dos cidadãos à democracia. A análise das tendências em relação à democracia não pode ser replicada na série de tempo do Latinobarômetro. Algumas das variáveis empregadas para a análise pertencem ao segmento regular do Latino- barômetro, mas não são incluidas todos os anos; outras perguntas foram elaboradas especificamente para o segmento proprietário do PNUD na pesquisa; por isso, não há observações prévias.7

6 ONU. Organização das Nações Unidas. Relatório do Compên- dio Estatístico do Programa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD - A Democracia na América Latina:

rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos. Publicado em abril de 2004, p.30. Disponível em < http:www.dominiopublico.gov.br>.

Acesso em 08/06/2017.

7 ONU. Organização das Nações Unidas. Relatório do Compên- dio Estatístico do Programa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD - A Democracia na América Latina:

rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos. Publicado em abril de 2004, p. 236. Disponível em < http:www.dominiopublico.gov.br>.

Acesso em 08/06/2017. Na mesma página o relatório consigna que algumas perguntas empregadas para as tendências têm limitações que influem na medição. As perguntas com escalas de resposta de duas ou três alternativas não se ajustam plenamente aos requisitos de uma análise de conglomerados. Além disso, nes- sas variáveis, o

Feitas essas considerações metodológicas, as quais são retomadas adiante, percebe-se que, no âmago desta inves- tigação reside a seguinte pergunta: há realmente uma pre- disposição do povo latino-americano a rejeitar a liberdade política granjeada pela democracia e escolher o autoritaris- mo? A resposta a essa questão demanda que sejam expos- tos primeiramente os dados empíricos que fundamentam a resposta afirmativa colocada. Requer a observação das assertivas que alternam, de modo velado e expresso, nos supramencionados trechos do relatório ‘A Democracia na América Latina: rumo a uma democracia de cidadãs e cida- dãos’ do Compêndio Estatístico do Programa do Progra- ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

Consoante o Relatório de Abril de 2004 do Com- pêndio Estatístico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD -, o Brasil alcançou em 1997 e o México em 2002 o índice máximo de de- mocracia eleitoral - IDE. Os países latino-americanos em geral apresentam IDE iguais ou superiores a 0,80 numa escala em que a ausência de democracia equivale a 0 e a máxima democracia corresponde a 1.

Fonte: Relatório do Compêndio Estatístico do Progra- ma do Programa das Nações Unidas para o Desenvol- vimento – PNUD - A Democracia na América Latina:

rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos. Publica- do em abril de 2004, p.42. Disponível em < http:www.

dominiopublico.gov.br >. Acesso em 08/06/2017.

desvio padrão foi superior ao das outras variáveis. Essas dificuldades são particularmente palpáveis no caso das perguntas da dimensão de apoio às instituições da democracia representativa, cujas escalas de resposta são binárias. Apesar dessas limitações, como foi explicado, os resultados obtidos foram sólidos.

(11)

POMPEU, Gina Marcilio; TEIXEIRA, Ana Araújo Ximenes. A ideia de que os latino-americanos preferem o autoritarismo à democracia à luz da reinterpretação dos critérios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 2, 2017 p. 285-311

Mediante convênio celebrado em 2002 entre o Pro- grama das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Latino Barômetro – uma organização não-governamen- tal sem fins lucrativos com sede em Santiago no Chile - é criado, a partir de uma fusão conceitual e metodoló- gica, e utilizado no âmbito do Relatório A Democracia na América Latina: rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos, o índice de apoio à democracia – IAD.8

Consoante as medições do IAD expostas no referi- do relatório, pessoas identificadas como apoiadoras da democracia – dentre outros fatores por haverem res- pondido afirmativamente à pergunta “A democracia é preferível a qualquer outra forma de governo”- sur- preendentemente foram responsáveis pela montagem da seguinte tabela:

Fonte: Relatório do Compêndio Estatístico do Progra- ma do Programa das Nações Unidas para o Desenvol- vimento – PNUD - A Democracia na América Latina:

rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos. Publica- do em abril de 2004, p.225. Disponível em < http:www.

dominiopublico.gov.br>. Acesso em 08/06/2017.

Os cidadãos adotam uma posição inicial em relação à ideia de viver numa democracia. Todavia, a resposta afirmativa à questão “A democracia é preferível a qual- quer outra forma de governo” não indica, de per si, uma adesão profunda ao ideário democrático liberal ou, con- forme aborda-se adiante, aos tipos de democracias libe- rais instaladas em seus países.

Realmente, quando cruzadas as respostas à pergun- ta-chave acima mencionada com outras que medem o apoio a instituições e tradições democráticas, surgem

8 ONU. Organização das Nações Unidas. Compêndio Estatístico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório A Democracia na América Latina: rumo a uma democracia de ci- dadãs e cidadãos, p.221-237. Disponível em < http:www.domini- opublico.gov.br >. Acesso em 08/06/2017.

resultados intrigantes pois uma expressiva parcela da- queles que dizem apoiar a democracia concordam igual- mente com posturas contrárias ao funcionamento de instituições democráticas essenciais – a exemplo do Congresso e dos partidos políticos.

Esse quadro harmoniza-se com outros dados que indicam existir uma grande desconfiança com relação à classe política na América Latina. Conforme enfatizam analistas do Instituto de Pesquisas Econômicas Apli- cadas – IPEA - acerca do Relatório A Democracia na América Latina: rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos - PNUD de 2004, apenas 2,3% dos cidadãos dos 18 países latino-americanos acredita que os políti- cos cumprem as promessas de campanha.9

Existe ainda o alarmante percentual daqueles que apoiam governantes que utilizem meios autoritários desde que aptos para resolver os problemas econômi- cos e sociais do país. O apoio declarado à democracia da pergunta-padrão “A democracia é preferível a qual- quer outra forma de governo” é desafiado novamente quando apresenta-se ao entrevistado a alternativa entre desenvolvimento sócioeconômico e democracia.

Fonte: Relatório do Compêndio Estatístico do Progra- ma do Programa das Nações Unidas para o Desenvol- vimento – PNUD - A Democracia na América Latina:

rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos. Publica- do em abril de 2004, p.226. Disponível em < http:www.

dominiopublico.gov.br>. Acesso em 08/06/2017.

O interesse pelas amostragens empíricas acerca da demo- cracia formal e substancial latino-americana marca a produ- ção acadêmica de juristas comprometidos com a efetivação da Constituição de 1988, o documento da redemocratização que encarta os mecanismos aptos à construção da cidada- nia liberal no Brasil. Nesse sentido, a análise crítica sobre o IDE e demais instrumentos do relatório do PNUD de abril

9 WOLFFENBÜTTEL, Andréa. Construindo a democracia na Améri- ca Latina. Revista do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplica- das – IPEA -, Seção Política, Ano 2 , edição 6, 1 de janeiro de 2005.

Disponível em <http:www.ipea.gov.br>. Acesso em 08/06/2017.

(12)

POMPEU, Gina Marcilio; TEIXEIRA, Ana Araújo Ximenes. A ideia de que os latino-americanos preferem o autoritarismo à democracia à luz da reinterpretação dos critérios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 2, 2017 p. 285-311

de 2004 vem sendo desenvolvida desde sua publicação por doutrinadores nas searas do direito e da ciência política, den- tre os quais destaca-se pela atualidade o posicionamento de que a satisfatória cidadania política medida pelo IDE nesse documento é contrabalançada pela pouca cidadania social, que é a causa dos resultados obtidos pelo IAD.10

Tendo em vista que desde 2004, o Programa das Na- ções Unidas para o Desenvolvimento – PNUD – não elabora um relatório geral sobre democracia na América Latina, procede-se à atualização dos dados mediante o Informe 2016 da Corporação Latinobarômetro, princi- palmente porque essa instituição foi parceira do PNUD na elaboração do multicitado relatório de 2004 e na cria- ção do índice de apoio à democracia (IAD).

Diferentemente do que ocorre no relatório de 2004 do PNUD, porém, inexiste no Informe 2016 do Latinobarô- metro uma relação e descrição minuciosa das perguntas utilizadas, metodologia, clusters, variáveis consideradas etc., o que impede a análise neste trabalho dos critérios usados nas perguntas do Informe 2016, as quais apenas introduzem indiretamente os gráficos apresentados.11

Consoante o Informe 2016 do Latinobarômetro, pelo quarto ano consecutivo, o apoio à democracia não tem me- lhorado, havendo sido registrada uma queda de dois pon- tos porcentuais no suporte ao regime democrático desde 2015, razão pela qual o percentual desce em 2016 a 54%.

Fonte: Informe 2016 da Corporação Latinobarômetro, p. 9. Disponível em: <http:www.latinobarometro.org> . Acesso em 08/06/2017.

10 POMPEU, Gina. Direito à educação: controle social e exigibilidade judicial. Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC editora, 2005, p. 235-236.

11 CORPORAÇÃO LATINO BARÔMETRO. Informe 2016.

Disponível em: <http:www.latinobarometro.org> . Acesso em 08/06/2017.

Conforme análise inserida no Informe 2016, depois de 21 anos de monitoramento do apoio à democracia, a América Latina encontra-se em situação pior do que no início. O suporte à democracia na América Latina tem três momentos baixos nestes 21 anos em que a Cor- poração Latinobarômetro tem medido esse indicador: a crise asiática em 2001, quando atingiu 48%, a crise das bolsas internacionais em 2007 e o ano de 2016, com a marca nestes últimos do percentual de 54% de apoio.

Cidadãos que se declaram indiferentes ao tipo de regime chegam ao percentual de 23%, o maior desde 1995. Os partidários do autoritarismo mantêm-se prati- camente estáveis com o percentual de 15% relativamen- te à posição de 1995. A adesão ao autoritarismo, toda- via, encontra-se em declínio quando analisado o gráfico acima a partir do ano de 2011.

Fonte: Informe 2016 da Corporação Latinobarômetro, p. 11. Disponível em: <http:www.latinobarometro.org>

. Acesso em 08/06/2017.

Na evolução individualizada de cada país, existem 5 países onde o apoio à democracia aumenta: Paraguai, Costa Rica, Panamá, Argentina e Honduras. No México não há variação.12

Em cinco países houve fortes quedas em apoio à de- mocracia entre 2015 e 2016. São eles: Brasil, que caiu 22 pontos percentuais, Chile (11 pontos), Uruguai (8 pontos) Venezuela e Nicarágua (7 pontos percentuais cada). No Uruguai – que atingiu o seu ponto mais baixo

12 Panamá aumenta em 11 pontos percentuais o apoio à democ- racia. Essa é a exceção de 2016. Costa Rica aumenta três pontos per- centuais com significância estatística, e os outros 3 sem significância estatística. Cf.: CORPORAÇÃO LATINOBARÔMETRO Informe 2016 da Corporação Latino Barômetro, p. 11. Disponível em:

<http:www.latinobarometro.org> . Acesso em 08/06/2017.

(13)

POMPEU, Gina Marcilio; TEIXEIRA, Ana Araújo Ximenes. A ideia de que os latino-americanos preferem o autoritarismo à democracia à luz da reinterpretação dos critérios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 2, 2017 p. 285-311

no suporte à democracia em 21 anos (o percentual de 68% de apoio) - a queda é significativa porque tem sido historicamente o país latino-americano onde o apoio à democracia é maior.13

Revela-se, portanto, um fenômeno estatisticamente comprovado de abalo de confiança dos cidadãos nas democracias latino-americanas. Realmente, com ênfase na abrupta perda percentual de suporte à democracia identificada em 2016 na América Latina, para a qual o Brasil contribui com a impressionante queda de 22% no total de cidadãos que apoiam a democracia, verifica-se mediante a análise dos dados o aumento na insatisfação dos latino-americanos com os regimes democráticos onde vivem, visto que menos pessoas passam a enten- der que a democracia é preferível a qualquer outra for- ma de governo.

O que precisa ser examinado, todavia, é se essa des- confiança ou desvalorização dirige-se às liberdades cívi- cas, ao direito de participação na formação da vontade governamental, ou seja, se tal comportamento decorre de uma predisposição latino-americana a viver sob regi- mes autoritários.

Logo, em ordem a aferir se o repúdio latino-ame- ricano dirige-se à democracia liberal é preciso delinear minimamente em que consiste esse tipo de democracia e, posteriormente, investigar se os regimes democráti- cos dos 18 países da América Lato correspondem, na concretude dos fatos, a democracias liberais.

Nessa ordem de ideias, não se adentra a complexa tarefa de fornecer um conceito perfeito e acabado para a democracia liberal. Aborda-se, contudo, o que existe de essencial na democracia moderna que possibilita a caracterização de monarquias parlamentaristas, repúbli- cas presidencialistas, federações e estados centralizados como democracias modernas consolidadas.

Assim, importa mencionar a lição de Sartori de que a palavra democracia possui inúmeras acepções con- forme se esteja abordando o sentido político, social, econômico (e como subespécie desta uma democracia

13 O Informe 2016 da Corporação Latinobarômetro atribui a queda de 22 pontos percentuais no apoio à democracia no Brasil à grave crise política que o país está atravessando, diretamente li- gada à luta contra a corrupção. Cf.: CORPORAÇÃO LATINO BAROMETRO. Informe 2016 da Corporação Latino Barômetro, p. 11. Disponível em: <http:www.latinobarometro.org> . Acesso em 08/06/2017.

industrial).14 A amplitude da ideia, o alcance do sentido do termo de democracia acarreta, inclusive, que ela con- sista em instituto tratado no âmbito do Direito Interna- cional Humanitário como um dos objetivos essenciais do denominado jus post bellum.15

Cumpre lembrar que Schumpeter define a demo- cracia como sistema de organização política no qual as elites disponíveis competem pelo governo, numa visão que presta-se a englobar as democracias meramente eleitorais mas que tem pouca conexão com as caracte- rísticas essenciais do governo do povo construídas pela clássica e pela moderna teoria da democracia.16

Robert Dahl aprofunda o tema da democracia, ou antes, da miríade de formas que pode assumir, ao elabo- rar – considerando a necessidade de responsividade do governo aos cidadãos, bem como vários níveis de par- ticipação política e evolução institucional - o conceito de quase poliarquia como estágio superior à oligarquia, o de poliarquia plena como fase de desenvolvimento político superior à quase poliarquia e a definição de de- mocratização da poliarquia, a qual é o ponto máximo da ordenação democrática da sociedade ainda não alcança- do na prática.17

Tendo em vista o objeto deste artigo, porém, faz-se necessário centrar a caracterização da democracia libe- ral em um ou alguns aspectos centrais sem os quais resta descaracterizado a ideia rousseauniana de governo do povo. Conforme sintética proposição de Friedrich Mül- ler há algo simples e essencial na ideia de democracia que permite seja identificada sua existência ainda que sob formatos diferentes. Realmente, consoante Müller,

“a ideia fundamental da democracia é a seguinte: determinação normativa do tipo de convívio de um povo pelo mesmo povo”.18

Marcelo Varella, ao expor a impossibilidade atual de criação de uma república mundial, igualmente segue

14 SARTORI, Giovanni. Democrazia: cosa é. Milano: RCS Libri S.p.A., 2000, p. 60.

15 ALVES, Lucas Garcia. A necessidade de regulamentação nos conflitos armados para restabelecimento da democracia. Revista de Direito Inter- nacional, Brasília, v. 9, n. 2, p. 45-67, jul./dez. 2012, p. 62.

16 SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e de- mocracia. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961, p. 321-325.

17 DAHL, Robert. Poliarquia, participação e oposição.

Tradução de Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Edusp, 1997, p.

189-210.

18 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo: a questão fundamen- tal da democracia. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. São Paulo:

Max Limonad, 2003, p. 57.

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