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Sumário. Texto Integral. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 858/05 7 TCGMRS.1

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 858/05 7 TCGMRS.1 Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS Sessão: 07 Julho 2009

Número: SJ

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA

Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DO AUTOR E NEGADA A REVISTA DA RÉ

ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO PATRIMONIAL

Sumário

1. A fixação dos factos baseados em meios de prova livremente apreciados pelo julgador está fora do âmbito do recurso de revista.

2. Só em casos excepcionais é que o Supremo Tribunal de Justiça conhece matéria de facto (artigos 26º da Lei nº 3/99 e 722º nº 2 e 729º nº 2 do Código de Processo Civil).

3. Na apreciação da culpa no acidente de viação o julgador deve considerar o condutor médio, com perícia e capacidade de previsão comuns, que não o motorista com capacidades, reflexos e tempo de reacção muito acima da média e que só alguns – designadamente os condutores de competição ou equivalentes – possuem.

4. A indemnização pelo dano patrimonial mediato – perda ou diminuição da capacidade de angariar rendimentos – deve ser calculada na ponderação de critérios financeiros, fórmulas matemáticas ou fiscais, mas apenas com os elementos de mera orientação geral, sempre tendo em conta que deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa) do lesado e susceptível de, durante esta, garantir prestações periódicas.

5. Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais há que, recorrendo à equidade e atendendo aos critérios do artigo 494.º do Código Civil,

encontrar um “quantum” que, de alguma forma, possa proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida.

Texto Integral

(2)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou acção, com processo ordinário, contra “BB – Companhia de

Seguros, S.A.” pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 165.810,00 euros pelos danos sofridos em acidente de viação, acrescida de juros; pediu ainda que seja indemnizado, em quantia ilíquida, pelos danos patrimoniais e morais que continua a sofrer e manterá no futuro.

Na 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães a acção foi julgada

parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar ao Autor, a título danos patrimoniais, a quantia de 27.350,00 euros, com juros, à taxa legal, desde a citação, à qual seriam deduzidos 3.500,00 euros e, a título de danos não patrimoniais, 6.000,00 euros com juros à taxa legal desde a sentença.

O Autor e a Ré apelaram, tendo a Relação de Guimarães julgado parcialmente procedentes os recursos de ambos.

Em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 23.564,90 euros, considerando a repartição de culpas que fixou em 20% para a Ré e 80%

para o Autor (sendo que para o total dos danos patrimoniais foram

computados 20.456,14 euros e o dano moral em 12.500,00 euros, o que daria o total de 32.956, 14 euros, ao qual se subtraiam 3.500,00 euros já prestados pela seguradora e os 20% resultantes da percentagem de culpa do Autor).

Inconformados, Autor e Ré pedem revista.

O Autor assim conclui a sua alegação:

- Relativamente à dinâmica do acidente, a decisão de 1ª Instância é

claramente mais consistente porque, desde logo, apoiada em depoimentos directos, presenciados/observados/ /valorizados pelo Meritíssimo Juiz e ainda porque este magistrado fez a inspecção ao local e visualizou “in loco” as características do mesmo.

- As suas respostas aos quesitos não padecem das incertezas/probabilidades/

falibilidades das respostas alteradas pelo Tribunal recorrido, onde podem ler- se expressões que contrariam as sagradas certeza e segurança do Direito.

- Com sublinhado nosso podemos ler «consta do croquis, que apesar de não ter sido elaborado à escala, não deixa de transmitir, de alguma forma “Daí que o rasto de travagem ilumine, de alguma forma, em que momento o autor

avistou o LL a efectuar a manobra de mudança de direcção... e a que velocidade circularia nesse momento, apenas nos podemos socorrer da travagem, que de alguma forma nos aponta urna determinada velocidade a que circularia o AD… a descida em si é um factor perturbador de dados ... o

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AD circularia a uma velocidade inferior e seria de 50 Km’s/hora,

- O Tribunal de 1ª Instância deu como” não provado” o quesito 53° da B. 1.

“Existência dum sinal vertical de proibição de exceder a velocidade de 40 Km’s/hora, que se encontrava a alguns metros antes do local onde viria a ocorrer o acidente.

- O Tribunal da Relação alterou para” Considerando o sentido de trânsito que o Autor levava, estava colocado a 112 metros antes do local onde viria a ocorrer o acidente, o sinal vertical de proibição de exceder a velocidade máxima de 40 Km’s/h”.

- Com todo o respeito, o facto de existir a 112 metros do local onde veio a ocorrer o acidente, uma placa proibindo velocidade máxima superior a 40 Km’s/hora, não significa, por si só, que no local onde ocorreu o acidente fosse essa a velocidade máxima permitida, que o veículo do Autor circulasse na estrada onde ocorreu o acidente, antes da existência dessa sinalização, que houvesse passado por aquele sinal, que o seu condutor tivesse obrigação de o ter visto, por causa de por ele ter passado ou de já conhecer o local por onde circulava e soubesse da sua existência.

- A fls. 25 do Acórdão recorrido declara-se e dá-se por assente que:

“No caso em apreço, o tripulante do ll não obedeceu ao sinal de stop, entrando na via a interceptar sem parar, e de forma oblíqua, face ao ponto de

intercepção.»

- Mesmo admitindo que o condutor do AD podia avistar o LL a 28 metros de distância, mesmo admitindo uma velocidade de 50 Km’s/hora, perante uma manobra como a efectuada pelo condutor do LL, nenhuma parte de

responsabilidade pode ser atribuída ao condutor do AD, porquanto nas circunstâncias concretas:

- A velocidade não é factor causal do acidente?

- Mesmo que circulasse a 40 Km’s/hora, o acidente sempre ocorreria.

- A manobra do condutor do LL – não obedece a um sinal de Stop, entra na via a interceptar sem parar, de forma oblíqua, não aproveitando a largura da embocadura, num local em que o ângulo é fechado – afronta, de forma grosseira, criminosa, as mais elementares regras estradais.

- Para efeitos do presente recurso, dão se por reproduzidas as alegações já feitas pelo Autor no recurso interposto da decisão de 1ª Instância, deixando ao critério deste Supremo Tribunal a decisão final sobre os valores já

peticionados.

- Ao Autor, devem ser atribuídas as seguintes indemnizações:

- 1.750,00 € – valor do automóvel sinistrado.

- 7.500,00 € – relativos a 6 meses de salários perdidos, na base da retribuição mensal de 1.250,00 €.

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- 75.000,00 euros – relativos ao dano patrimonial decorrente da redução da capacidade de trabalho e de ganho.

- 15.000,00 euros – relativos aos danos morais sofridos pelo Autor.

- A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 11º, 12º, 29º e 43º, do Código da Estrada, os artigos 483º, 563º, 566º do Cód., Civil e artºs 653º e 659º do Cód. Proc. Civil.

A Ré recorrente alegou na sua revista para concluir:

- O autor foi também responsável pela ocorrência no acidente, na proporção de 40%, por ter violado o disposto nos arts.24º, nº1, 25º, nº1, c) e f) do Cód.

da Estrada e no art. 24º, C13, do Regulamento de Sinalização do Trânsito aprovado pelo D. Reg. Nº 22-A/98, de 1 de Outubro.

- A indemnização resultante da IPP do autor (5% + 5%) não deve ser fixada em montante superior a 11.751,08€.

- Com efeito, não havendo dados concretos sobre o montante do seu

rendimento, para a sua fixação recorre-se ao salário mínimo nacional no ano do 20 acidente, 2004, que era de 365,60€ (D.L. 19/2004, de 20 de Janeiro).

- A compensação pelo dano moral estima-o a ré, atenta a factualidade provada sob as respostas dos nºs 22º, 23º, 24º e 27º, 25º, 26º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 48º, 51º e 52º da Base Instrutória, no montante de 5.000€.

- Fixada a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais há-de ter- se em conta a repartição da responsabilidade do autor e do segurado da ré no acidente e deduzir-se à que compete a esta pagar, a importância de 3.500€ já entregue ao autor no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória apenso.

- O douto acórdão recorrido, violou, quanto à BB, o disposto nos arts. 483º, 562º e 566º do Cód. Civil.

O Autor contra-alegou o recurso da Ré pugnando pelo seu não provimento.

A concluir a sua contra-alegação disse a Ré:

- O autor pugna pela fixação das mesmas importâncias indemnizatórias já alegadas na apelação.

- Todavia, o douto acórdão recorrido alterou as respostas dadas aos nºs 36° e 48° da Base Instrutória, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça proceder a reexame da matéria de facto como pretende o autor nas suas conclusões que o faça.

- Impugnam-se, assim, todas as conclusões da alegação do autor.

(5)

A Relação deu por assentes os seguintes factos:

- No dia 7-11-2004, pelas 14,30h, na Rua da ...., S. Torcato, da Comarca de Guimarães ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes:

a) ligeiro de passageiros, de matrícula 00-00-AD, propriedade e conduzido pelo A.

b) ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-LL, propriedade e conduzido por CC, segurado da requerida.(A e F)

- O A. circulava no sentido Norte-Sul, na direcção de Rendufe para S. Torcato.

(B).

- Na intercepção entre a Rua ... e a Rua da ... existe um sinal de Stop. (C).

- À data do acidente, o A. contava 20 anos de idade. (D).

- À data do acidente estava em vigor o contrato de seguro celebrado entre o proprietário do 00-00-LL, titulado pela apólice n.º 5070/8000000. (E)

- A Rua da ... insere-se no interior de localidade, com edifícios de ambos os lados e cujos limites estão assinalados com os sinais regulamentares, ou seja, os sinais N1a e N2a, do art.º 42º, 1, do Regulamento de Sinalização do

Trânsito. (G).

- A faixa de rodagem da Rua da ..., com a largura de 6 metros, tem pavimento em asfalto. (H).

- Não há na Rua da ..., sentido Rendufe/S. Torcato, nenhum sinal vertical com indicativo de entroncamento ou cruzamento com a Rua .... (I).

- Imediatamente antes do acidente, o veículo 00-00-LL circulava na Rua .., no sentido descendente. (J)

- O BN estava estacionado na baía ou zona de estacionamento contígua à faixa de rodagem da Rua da ..., pela direita, sentido S.Torcato/Rendufe. (L)

- No âmbito dos autos de procedimento cautelar que com o n.º

4452/05.4TBGMR correram termos pelo 3º Juízo Cível do Tribunal Comarca de Guimarães, na qual A. e R. chegaram a acordo, o A. recebeu, a titulo de

adiantamento por todos os danos por si sofridos em consequência do acidente, a quantia de 3.500,00 euros. (M).

- O local onde ocorreu o acidente é uma recta, com cerca de 143m de comprimento. (1º)

- Sendo a via em alcatrão, a descer, no sentido de marcha do A. (2º) - No local do acidente a via tem a largura de cerca de 6,50m. (3°)

- Para quem, como o A., circulava na dita via, existe, naquele local, do lado direito da via, atento o seu sentido de marcha, uma outra rua denominada ....

(4º)

- A qual, na intersecção/embocadura com a Rua da ... tem uma largura de 12,5

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metros (5.º).

- Permitindo a quem pretenda entrar na dita Rua da ..., como o fez o condutor do LL, a meio da embocadura de intercepção da Rua ..., avistá-la,

designadamente a faixa de rodagem da direita, atento o 30 sentido norte/sul, numa distância de 56,6 metros (6.º e 7.º).

- A intersecção entre a Rua ... com a entrada para a Rua da ... configura um ângulo fechado na parte norte/esquerda desta intersecção. (8.º)

- Na Rua ... no local embocadura, existe um sinal de Stop. (9.º)

- O condutor do LL que circulava na dita Rua ... e pretendia passar a circular na Rua da ..., no seu sentido ascendente, na direcção de Rendufe. (10.º)

- Quando o Autor circulava nas condições atrás referidas e se encontrava a 28 metros deste entroncamento, surgiu-lhe dessa Rua ..., da direita, atento o seu sentido de marcha, o veículo LL (11.º).

- O condutor do LL não parou em obediência ao sinal de Stop. (12.°) - Manobra que executou pelo lado esquerdo dessa rua. (13.º e 14.º).

- De forma enviesada para a esquerda. (15.º).

- Cortando a linha de marcha do Requerente (16.º) - Assim entrando, de imediato na Rua da .... (17º).

- Ao ver a sua linha de trânsito interrompida, o Requerente guinou o AD para a sua esquerda (18.º).

- Travando ao mesmo tempo. (19º)

- O embate viria, porém, a ocorrer, sensivelmente a meio da Rua da 1 ..., entre a parte direita da frente do AD e a parte lateral esquerda da frente do LL.

(20º)

- Em consequência directa, necessária e adequada do acidente deixado

descrito, o veículo do A. sofreu danos na sua parte da frente, cuja reparação é economicamente inviável, já que o veículo AD valia apenas 1.750,00 euros.

(21.º)

- O A. sofreu, em consequência do acidente fractura cominativa da rótula esquerda. Ferida lacero contusa no membro. Pequena distensão ligmentar do ligamento cruzado anterior, irregularidade da superfície articular ao nível da margem anterior côndilo femural interno. (22°).

- Após o acidente foi conduzido de ambulância para o Hospital de Guimarães, onde lhe foram prestados os primeiros socorros. (23.º).

- Ali ficando internado até 12-11-2004. (24º e 27º)

- Tempo durante o qual sofreu vários tratamentos, infecções, medicação, raios X. (25º)

- Tendo sofrido uma intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo, com extracção da rótula. (26.º).

- Dali regressou a casa, mantendo-se acamado e com a perna esquerda

(7)

engessada durante 60 dias. (28.º).

- Durante estes dois meses o A. tomava medicação diária. (29.º).

- No final deste período retirou o gesso da perna esquerda. (30.º).

- Passou então a fazer fisioterapia no Hospital desta cidade, em sessões diárias de uma hora, de 2ª a 6ª feira. (31.º).

- Tratamento que demorou mais dois meses e meio. (32.º).

- Ao mesmo tempo continuava com a medicação. (33.º).

- À data do acidente o A. trabalhava como electricista, por conta própria, trabalhos que fazia de 2ª feira a sábado inclusive. (35º).

- O A. tem um filho. (43.º).

- A quem tem de garantir o sustento. (44.º).

- O A. ficou a padecer de uma IPP de 5% à qual acresce a título de dano futuro mais 5%. (48.º).

- No momento do acidente o A. ao ver a eminência do embate pensou que ia morrer, passando por enorme medo, pânico e angústia. (51.º)

- O A. passou e passa por dor, angústia, sofrimento e desânimo. (52º).

E considerado o sentido de trânsito que o Autor levava, Rendufe/S.Torcato, estava colocado, a 112 metros antes do local onde viria a ocorrer o acidente, o sinal vertical de proibição de exceder a velocidade máxima de 40 Km por hora (53.º).

- O veículo AD embateu no veículo 00-00-RD que estava estacionado na baía de estacionamento. (64.º).

- O veículo AD deixou rastos de travagem no pavimento. (65°).

- Antes da travagem, o veículo AD circulava à velocidade de, pelo menos, 50 km/hora. (66.º)

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Matéria de facto 2- Dinâmica do evento 3- Indemnização

4- Conclusões

1- Matéria de facto

O recorrente Autor insurge-se contra a alteração à matéria de facto a que a Relação procedeu.

As razões que alinha não merecem acolhimento.

(8)

O Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, “ex vi” do

disposto no artigo 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).

A fixação dos factos materiais da causa, baseada na prova de livre apreciação do julgador, não cabe no âmbito do recurso de revista.

O Tribunal de revista limita-se a aplicar o regime jurídico adequado aos factos fixados pelo juízo “a quo” (n.º 1 do artigo 729.º do Código de Processo Civil).

As situações de excepção para conhecer o erro de apreciação das provas e a fixação dos factos pela Relação só é possível ocorrendo violação expressa de norma que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou de norma que estabeleça a força probatória de certo meio de prova, tal como resulta dos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 2 da lei adjectiva.

Assim, o Supremo Tribunal de Justiça só nesses casos pode conhecer do juízo de prova da Relação (quando tenha sido dado por assente um facto sem que tivesse sido produzida prova que a lei declare indispensável para a

demonstração da sua existência ou tiverem sido violados os preceitos reguladores da força probatória de alguns meios de prova).

Dos autos, e da alegação do recorrente, não resulta tal patologia, pelo que terá de quedar-se intocada a matéria de facto que a Relação fixou.

Dir-se-á, contudo, e “ex abundantia”, que, ao conhecer da apelação, a Relação foi exaustiva e escrupulosa na reapreciação dos factos materiais assentes.

Por isso, e de acordo com o n.º 2 do artigo 712.º, voltou a analisar as provas que motivaram as respostas em crise, ponderando o conteúdo das alegações da recorrente e atendendo aos elementos que teriam contribuído para a formação da convicção do julgador “a quo”.

Houve, pois, um verdadeiro segundo grau de jurisdição na apreciação da prova, com sistema de prova livre (artigo 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) com nova leitura, para formação de juízo conducente a infirmar certos pontos de facto julgados.

E, insiste-se, não cabe, agora, nos poderes deste Supremo Tribunal censurar o uso pela Relação da faculdade de alterar, ou modificar as respostas aos

quesitos, salvo se essa modificação tivesse sido feita ao arrepio de um preceito legal, “maxime” o n.º 1 do artigo 712.º da lei processual, o que não foi o caso.

(9)

Improcede, assim, o primeiro segmento das alegações do Autor.

2- Dinâmica do evento

Da análise dos factos provados pode visualizar-se, na parte que releva, a dinâmica do evento nos termos seguintes:

O veículo LL – tripulado pelo segurado da recorrente Ré – circulava pela Rua ... no sentido descendente em direcção ao entroncamento com a Rua da .... Por esta circulava o veículo do Autor apresentando-se-lhe a Rua ... à sua direita.

No entroncamento existe um sinal “stop” para quem pretende entrar na Rua da ..., sendo que o condutor do LL entrou sem deter a marcha naquele sinal cortando a linha de trânsito do veículo do Autor. Este, que seguia a pelo menos 50 km/hora, ainda guinou para a sua esquerda e travou mas deu-se o embate entre a sua parte da frente direita e a parte lateral esquerda do veículo LL.

Com este quadro fáctico, a Relação considerou existir concorrência de culpas.

Certo que por circular numa localidade, o Autor não devia imprimir ao veículo uma velocidade superior a 40 km/hora e, por outro lado, à aproximação do cruzamento a velocidade deve ser especialmente moderada.

Mas o segurado da Ré incumpriu as regras de prioridade, não cedendo passagem ao veículo do Autor.

Em termos de velocidade, o Autor violou as normas conjugadas dos artigos 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, alíneas c) e f) e 29.º, n.º 2 do Código da Estrada

(Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio) – sinal C13 previsto no artigo 24.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito – mas a conduta do segurado da Ré foi de muito maior gravidade.

Este violou uma sinalização imperativa destinada a proteger a segurança nos cruzamentos e entroncamentos obrigando o condutor a deter a marcha, reflectir e avaliar da possibilidade de entrar na outra via sem perigo para o trânsito que aí se processa, e para si mesmo.

A Relação considerou, contudo – e menos bem – que para o evento também contribuiu, para além da velocidade que o animava, a forma como o Autor reagiu ao surgimento do LL na via por onde seguia, já que foi também de

“alguma precipitação e imperícia na análise da manobra do LL” percentuando as culpas em 80 % para o LL e 20% para o Autor.

Não pode aceitar-se este entendimento.

(10)

Nada aponta para que a conduta do Autor, designadamente a velocidade que o animava tivesse contribuído, ou sido causal, do embate.

Circulava a uns escassos 10km/hora acima do limite máximo e não era

obrigado a contar com a conduta leviana, inconsiderada e violadora das regras estradais do outro utente da via que, repete-se, desrespeitou a regra de

prioridade que lhe era imposta por um sinal “stop”.

Perante tal comportamento, o Autor que, insiste-se, não tinha de prever, travou e guinou para a sua esquerda, numa tentativa de evitar o embate, por ter visto inesperadamente cortada a sua linha de marcha.

Na apreciação da culpa, no acidente de viação, o julgador deve considerar o condutor médio, com perícia e capacidade de previsão comuns, que não o motorista com capacidades, reflexos e tempo de reacção muito acima da média e que só alguns – designadamente os condutores de competição ou equivalente – possuem.

Daí que se entenda que a culpa exclusiva do evento é de imputar ao condutor do veículo 00-00-LL, segurado na Ré, assim aderindo ao julgado na 1.ª

Instância e divergindo da decisão recorrida.

Neste segmento procedem os argumentos do Autor improcedendo os da Ré.

3- Indemnização

Resta, finalmente, apurar os “quanta” indemnizatórios a atribuir ao Autor.

3.1- O dano patrimonial imediato é de 1750,00 euros pela perda do veículo sinistrado e de 1.706,14 euros, correspondente à perda de salário durante 140 dias que, por falta de outros elementos alegados, e tratando-se de electricista por conta própria, terá de calcular-se de forma a não exceder o então salário mínimo nacional (365,60 euros).

O dano patrimonial mediato correspondente a uma IPP de 5% à qual acresce, a título de dano futuro mas 5%, terá de calcular-se tendo em consideração o salário auferido, a idade da vítima aquando do evento (20 anos).

Como julgou o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 2002 – P.º 3985/01 – 2.ª – “na incapacidade funcional ou fisiológica

vulgarmente designada por handicap, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se precisamente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente

(11)

ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade.”

Tal vai traduzir-se na perda efectiva de rendimentos resultante na diminuição da capacidade para os angariar.

Esse corte no orçamento pessoal não pode transformar-se numa quantia correspondente à mensalmente perdida multiplicada pelo número de anos de vida (activa) do lesado.

Tal seria irrealista já que a quantia encontrada iria assegurar a percepção de um rendimento muitíssimo superior ao efectivamente perdido.

É muito diferente receber uma quantia mensal do que receber um “quantum”

total, pois este traduz-se numa antecipação de rendimentos que só seriam acumulados ao fim de anos.

Ora, somando o juro que seria susceptível de produzir, o capital poderia exceder em muito o dano efectivo.

A indemnização não deve representar mais do que um capital que se extinga ao fim da vida do lesado e susceptível de garantir prestações periódicas durante esta.

O apelo a critérios financeiros, fórmulas matemáticas ou fiscais deve constituir uma mera base de raciocínio, ponto de partida conducente a uma medida que traduza uma situação de equilíbrio patrimonial da lesada.

A Relação ponderou esses critérios.

E há que ficcionar uma esperança de vida a partir de juízos de prognose com base estatística (v.g. 73,68 anos para homens e 80,56 para mulheres – apud

“Women and Men in Portugal”, 2004, 15 – ou 73 e 80, respectivamente para homens e mulheres – in “World Statistics”, UN – New York, 2004) e atentar no período de vida laboral do lesado 65/70 anos, mais próximo dos 70, tratando- se de um electricista.

Tudo considerado – e temperado com critérios de equidade – a quantia

adequada, por não violadora dos critérios do artigo 566.º do Código Civil, será de 20.000,00 euros.

(12)

3.2- O dano não patrimonial a indemnizar na ponderação conjugada dos artigos 496.º, n.ºs 1 e 3 e 494.º do Código Civil, tem por objectivo compensar o lesado pelo desgosto, sofrimento físico e moral consequência das lesões, tratamentos, recuperação e sequelas afigura-se adequado.

Teve-se em vista que o fim deste segmento indemnizatório é proporcionar ao lesado meios para tentar esquecer a sua dor, buscando momentos de lazer, de vilegiatura recreativa que possam contribuir para, de algum modo, minorar o sofrimento.

A Relação, alterando o fixado na 1.ª Instância, utilizou um critério correcto, equilibrado e equitativo, pelo que é de manter a quantia encontrada de 12.500,00 euros.

3.3- À indemnização total há que subtrair os 3500,00 euros que a Ré já suportou, ficando assim condenada no pagamento de 32.456,14 euros.

4 – Conclusões

Pode concluir-se que:

a) A fixação dos factos baseados em meios de prova livremente apreciados pelo julgador está fora do âmbito do recurso de revista.

b) Só em casos excepcionais é que o Supremo Tribunal de Justiça conhece matéria de facto (artigos 26º da Lei nº 3/99 e 722º nº 2 e 729º nº 2 do Código de Processo Civil).

c) Na apreciação da culpa no acidente de viação o julgador deve considerar o condutor médio, com perícia e capacidade de previsão comuns, que não o motorista com capacidades, reflexos e tempo de reacção muito acima da média e que só alguns – designadamente os condutores de competição ou equivalentes – possuem.

d) A indemnização pelo dano patrimonial mediato – perda ou diminuição da capacidade de angariar rendimentos – deve ser calculada na ponderação de critérios financeiros, fórmulas matemáticas ou fiscais, mas apenas com os elementos de mera orientação geral, sempre tendo em conta que deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa) do lesado e susceptível de, durante esta, garantir prestações periódicas.

(13)

e) Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais há que, recorrendo à equidade e atendendo aos critérios do artigo 494.º do Código Civil,

encontrar um “quantum” que, de alguma forma, possa proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida.

Nos termos expostos acordam conceder parcialmente a revista do Autor e negar a revista da Ré.

Em consequência e, revogando parcialmente o acórdão recorrido, condenam a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização a quantia de 32.456,14 euros, mantendo-a quanto aos juros moratórios.

Custas a cargo do Autor e da Ré, em todas as instâncias, na proporção do vencido, sem prejuízo do apoio judiciário daquele.

Lisboa, 07 de Julho de 2009

Sebastião Póvoas (relator) Moreira Alves

Alves Velho

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precisamente quando ocorrem situações em que, existindo uma conduta objectiva desrespeitadora dos deveres de cuidado ( criança que, brincando num jardim junto à faixa de rodagem,

II. Incumprido definitiva e culposamente este contrato de compra e venda pelo autor comprador ao não pagar o preço em falta no prazo suplementar que nos termos do nº 1 do art. Civil,

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