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Sumário. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 07A4120

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 07A4120

Relator: JOÃO CAMILO Sessão: 13 Dezembro 2007 Número: SJ20071213041206 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA

CONTRATO-PROMESSA CONTRATO DE COMPRA E VENDA

INCUMPRIMENTO DEFINITIVO RESOLUÇÃO

INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL

Sumário

I. Apurando-se nos autos:

Ter havido um acordo negocial entre as partes, segundo o qual a ré, que exercia a actividade de vendedora de barcos, declarou vender e o autor declarou comprar um barco determinado, pelo preço que logo aí foi fixado, tendo o autor entregue como pagamento de parte daquele, um seu barco que foi avaliado em 8.000.000$00, e ainda tendo sido acordado que a entrega do barco referido pela ré ao autor se efectuaria aquando do pagamento por este do restante preço,

Tem de se concluir que o contrato celebrado foi um contrato definitivo de compra e venda e não um simples contrato promessa de compra e venda.

II. Incumprido definitiva e culposamente este contrato de compra e venda pelo autor comprador ao não pagar o preço em falta no prazo suplementar que nos termos do nº 1 do art. 808º do Cód. Civil, foi concedido pela ré vendedora, se esta resolver o contrato, tem o autor o direito a pedir a devolução do seu barco entregue – ou o respectivo valor, se aquele já não poder ser devolvido -, nos termos dos arts. 433º e 289º do Cód Civil.

III. O pedido do autor nesse sentido não envolve qualquer “venire contra factum proprium”, pois o autor apenas está a pedir o que prestou, no âmbito de um contrato que a parte contrária resolveu.

Assim, além de não ter havido propriamente um benefício para o autor com a

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devolução do barco entregue, a considerar tal como vantagem, esta não decorria directamente do acto do autor de incumprimento contratual, mas da manifestação da vontade do vendedor em resolver o contrato.

IV. Não tendo o autor cumprido definitiva e culposamente o contrato em causa, ao não se disponibilizar a pagar a parte do preço em falta, mesmo no prazo suplementar que a ré lhe fixou, nos termos do art. 808º, nº 1 citado, a declaração da ré constante da interpelação admonitória escrita enviada ao autor no sentido de que se este não cumprisse o contrato se consideraria este definitivamente incumprido com as legais consequências, designadamente, de a ré fazer sua a quantia entregue, não pode, sem mais, ser considerada como manifestação de vontade de resolver o contrato em causa.

Tendo o pedido o autor à devolução do barco - que entregara à ré como

pagamento parcial do barco comprado àquela -, como fundamento a resolução do contrato pela ré, ao abrigo do disposto nos arts. 433º e 289º mencionados, incumbia ao autor a alegação e prova da resolução do contrato pela ré, sem a qual o pedido tem de improceder

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA propôs, na 11ª Vara Cível de Lisboa, contra a sociedade BB, LDA., a

presente acção declarativa com processo ordinário, pedindo a condenação da ré na restituição do barco Chapparal 240 ao autor, com a respectiva

documentação e palamenta, ou se tal se mostrar impossível, a condenação da ré no pagamento do respectivo equivalente, ou seja o valor de Esc. 8.000.000

$00, acrescido de juros de mora vencidos desde 30-04-1998 até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, ter comprado à ré e esta lhe vendido um barco de marca Cranchi, modelo Zaffiro 34, 2xkAD43P/DP, tendo antes do contrato como antecipação do preço acordado de Esc. 29.499.999$00, entregue à ré, o barco objecto do pedido, a que foi dado o valor de Esc. 8.000.000$00 e ficando o pagamento do restante preço para a data da entrega na água do barco

vendido pela ré.

Como o autor não conseguiu o montante em falta, apesar de a ré lhe ter fixado prazo para o efeito, a ré considerou o contrato incumprido pelo autor e

declarou fazer seu o referido barco entregue pelo autor, que a ré alienou.

Contestou a ré alegando, em resumo, que o contrato que celebrou com o autor

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tinha natureza de contrato promessa que o autor incumpriu e, por isso, o barco entregue que tinha natureza de sinal, foi feito seu, além de ter alegado não ter resolvido o contrato celebrado.

Termina pedindo a sua absolvição do pedido.

Saneado o processo com elaboração da matéria assente e a base instrutória, realizou-se audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que julgou o pedido procedente.

Interposta pela ré a apelação, foi anulada a decisão recorrida para ampliação da matéria de facto quesitada.

Efectuada a ampliação daquela na base instrutória e realizada nova audiência de discussão e julgamento, foi decidida a matéria de facto e proferida nova sentença que absolveu a ré do pedido.

Inconformado o autor apelou daquela e foi esta apelação julgada procedente, tendo a ré sido condenada no pedido.

Desta vez inconformada a ré, interpôs a presente revista, em cujas alegações formulou conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.

O recorrido não apresentou contra-alegações.

Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.

Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

Das conclusões da aqui recorrente se vê que esta para conhecer neste recurso levanta as seguintes questões:

a) O contrato ajuizado tem natureza de contrato promessa e não de contrato definitivo ?

b) Mesmo que se considere que o contrato referido tem natureza de contrato definitivo, atento o não cumprimento daquele por parte do autor, não pode este aproveitar –se desse seu incumprimento ?

c) Não está provada a vontade da recorrente em resolver o contrato ajuizado

?

Antes de mais há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por provada e que atenta a não impugnação da mesma e a inexistência de necessidade de alterar aquela oficiosamente, nos termos do art. 713º, nº 6 do Cód. de Proc. Civil, se dá por reproduzida a especificação daquela feita na sentença de 1ª instância.

Vejamos agora cada uma das concretas questões levantadas pela recorrente.

a) Nesta primeira questão defende a recorrente a pretensão que vem já da sua contestação e que não viu ainda ser-lhe reconhecida nas instâncias, no sentido de que o contrato que celebrara com o autor era um contrato promessa e não

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um contrato definitivo.

Pensamos que em face da matéria de facto dada por provada não podem restar dúvidas de que o contrato celebrado era um contrato definitivo de compra e venda.

Com efeito, a figura jurídica do contrato promessa está prevista nos arts. 410º e segs. do Cód. Civil e consiste na “convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam a celebrar determinado contrato. Os

contraentes ( ambos ou um só ) obrigam-se assim a celebrar, oportunamente, o contrato que , de momento, não podem ou não querem celebrar.

Não se trata, porém, de uma proposta nem tão pouco de um vago projecto;

trata-se, antes, de um contrato, sim, de um contrato que cria a obrigação de contratar ou, mais concretamente, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido.

Estamos, assim, perante uma obrigação que tem por objecto uma prestação de facto positivo, um “facere”; duas pessoas obrigam-se a fazer, mais tarde, um certo contrato, diferindo, portanto, não já o cumprimento deste, mas a sua própria celebração” – Abel Pereira Delgado, in “Do Contrato–Promessa”, pág.

14 e 15 da 3ª ed.

E mais adiante acrescenta o mesmo autor, que o contrato promessa é um contrato, motivo por que não pode, de maneira alguma, prescindir do acordo bilateral dos contraentes e a sua função consiste em vincular as partes a uma prestação futura, isto é, em as obrigar à conclusão de um contrato futuro, que agora se não quer ou não pode realizar, sendo ainda que o seu objecto próprio não é o objecto do contrato a concluir, mas a conclusão dele, isto é, um

“facere” que consiste em assentir e prestar a tudo o mais necessário para dar vida ao contrato tido em vista.

Em contraposição o contrato definitivo consiste numa convenção em que as partes acordam em uma ou ambas as artes se obrigarem a uma ou mais obrigações, mas em que estas não consistam na celebração de um outro contrato, sendo já obrigações determinadas ou determináveis, cuja utilidade na economia do contrato, não esteja dependente da celebração de um novo contrato, celebração essa que seja também objecto daquele contrato.

Dos factos provados nos autos resulta, no que toca a este aspecto, a seguinte situação fáctica:

- A ré Ouraiates exerce a actividade comercial de compra e venda de barcos e o autor interessou-se pela aquisição à ré do barco da marca CRANCHI, modelo Zaffiro (…), no valor de 29.499.999$00.

- A ré, no exercício da actividade referida, declarou vender ao autor que lhe declarou comprar, o mencionado barco, pelo preço acima referido, tendo aquando deste acordo se registado a entrega pelo autor do barco deste,

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“Chaparral (…), que foi avaliado em 8.000.000$00 de forma que com esta entrega se inicia o pagamento do referido preço.

- Aquando da referida declaração de compra e venda o autor e a ré

combinaram diferir o pagamento da restante parte do preço no montante de 21.499.999$00 para o momento da entrega na água do barco referido.

- A ré fez seu o barco entregue pelo autor, alienando-o a terceiros, após o decurso do prazo referido no parágrafo seguinte.

- A ré, através do seu advogado, enviou ao autor a carta de fls. 12 em que intimou este a cumprir a parte do contrato em falta até ao fim do mês de Abril de 1998, sob pena de ser considerado definitivamente incumprido, com as legais consequências, em que se incluía o direito de a ré fazer sua a quantia entregue pelo autor.

- Este não pagou a referida parte do preço em falta até hoje.

Com estes factos facilmente se vê, como salientaram as instâncias, que o contrato que as partes celebraram foi um contrato definitivo de compra e venda versando o barco ali mencionado em cuja convenção foi acordado a venda pela ré, a correspectiva compra pelo autor, de um barco, o preço da mesma transacção, a forma de o efectuar, sendo parte através da entrega do barco do autor e a parte restante em dinheiro a efectuar aquando da entrega do barco adquirido.

A entrega do preço remanescente, não tendo sido acordado prazo temporal foi pela ré fixado através da intimação referida, em que se declara considerar o contrato definitivamente incumprido, se tal prazo não for cumprido, nos termos do art. 808º do Cód. Civil.

Da factualidade provada não resulta que as partes acordaram na celebração de qualquer outro contrato futuro, como o de compra e venda que fora já ali logo convencionado.

O mesmo contrato era definitivo no sentido de que as partes já tinham acordado nos pontos essenciais do contrato em causa, não carecendo a satisfação do interesse das partes da celebração de novo contrato cuja

obrigação de o celebrar não ficou a constar entre as obrigações acordadas no contrato em apreço.

Assim, o objecto do contrato celebrado foi a transferência da propriedade de um barco da ré para o autor mediante um preço que logo, em parte, foi pago – elementos essenciais do contrato de compra e venda, nos termos do art. 874º do Cód. Civil -, não constando da respectiva convenção a estipulação de

nenhuma prestação futura de “facere”, consistente na emissão de alguma declaração negocial futura.

Soçobra, assim, este fundamento do recurso.

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b) Nesta segunda questão defende a recorrente que mesmo que se aceite ter o contrato celebrado natureza de contrato definitivo de compra e venda, não poderia o autor que o incumpriu vir a beneficiar deste incumprimento.

Esta pretensão foi acolhida pela sentença de 1º instância que a Relação revogou.

E pensamos que a revogação, nessa parte, foi acertada.

Na regulamentação do contrato promessa o legislador foi sensível à premente necessidade de coagir, de forma eficaz, as partes à celebração do contrato prometido e, por isso, estabeleceu uma sanção pesada para o seu

incumprimento, consistente na perda do sinal prestado – se for o promitente comprador o inadimplente – ou a devolução o sinal em dobro – se for o

incumprimento do promitente vendedor – art. 442º do Cód. Civil.

Já para o caso do contrato definitivo, o legislador não achou necessidade de estabelecer sanção equivalente, nomeadamente por nesse tipo contratual não haver sinal, embora possa haver – embora menos frequentemente - um

princípio de pagamento, como no caso dos autos.

O incumprimento de um contrato definitivo tem as consequências legais de o contraente não incumpridor poder pedir a resolução do contrato – art. 801º do Cód. Civil -, poder pedir a indemnização decorrente do incumprimento,

indemnização pelo dano “in contractu” – interesse contratual negativo, nos termos do art. 798º do citado código -, além de poder pedir, nos termos do nº 2 do mesmo art. 801º, a restituição do que tiver prestado que não está aqui em causa.

Também pode pedir, mesmo em cumulação com o pedido de resolução do contrato, a indemnização prevista no nº 2 do art. 801º do Cód. Civil, pelo dano

“in contrahendo”, ou seja, a indemnização visando colocar o prejudicado na situação em que estaria se não tivesse outorgado o contrato.

Não pode é exigir conjuntamente com o pedido de resolução, o dano que o incumprimento lhe ocasionou, pois a isso se opõe a natureza da resolução do contrato que visa considerar o contrato como não celebrado

Além disso, pode ainda, o lesado coagir a outra parte a cumprir através da fixação de um cláusula penal que pode ser meramente moratória ou não.

Para além destes direitos, o contraente que não incumpriu o contrato, pedindo a resolução do contrato, terá de restituir ao contraente incumpridor o que este tenha prestado, nos termos gerais dos arts. 433º e 289º do Cód. Civil.

E nem se diga que o incumprimento do autor lhe veio a trazer benefícios, pois este apenas recebe o que havia prestado em face de um negócio que acabou por força da resolução do mesmo, resolução essa que é dependente da

iniciativa da parte contrária.

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Por isso, o autor não está a beneficiar de um acto seu, pois, por um lado, está a reclamar o que prestou no âmbito de um contrato que por iniciativa da parte contrária ficou sem efeito, não havendo assim nenhuma obtenção de um lucro ou vantagem.

Por outro lado, se a consequência legal da resolução consistente na devolução do barco entregue ou seu valor podesse ser considerada uma vantagem para o autor, tal vantagem não decorre do seu incumprimento, mas da resolução da parte contrária, pelo que nunca poderia dizer-se que haveria um abuso do direito na modalidade do venire contra factum proprium.

À parte não incumpridora cabe sempre a indemnização dos danos que a

celebração do contrato resolvido lhe ocasionou e que aqui não foi peticionada, não cabendo, em caso de resolução, o direito a ficar com a parte do preço da compra e venda já paga.

Naufraga, assim, este fundamento do recurso.

c) Finalmente resta apreciar a questão de não estar provada a verificação da vontade da recorrente em resolver o contrato ajuízado.

A ré na sua contestação já apontara este meio de defesa, quando depois de alegar ter sido um contrato promessa o negócio celebrado com o autor, referiu no art. 16º daquele articulado, que a resolução alegada pelo autor não

aconteceu.

A primeira instância depois de referir que o contrato celebrado tinha natureza de contrato definitivo de compra e venda, julgou improcedente o pedido do autor por, tendo sido este o incumpridor, o deferimento do pedido ir fazê-lo aproveitar de um acto para o qual contribuíra, o que importaria, na opinião daquela sentença num”venire contra factum proprium”.

Já a Relação na decisão da apelação do autor, mantendo o entendimento de que o contrato celebrado era de compra e venda, concluiu que houve

resolução do mesmo e como tal o autor teria direito à restituição do barco entregue ou do seu valor, nos termos dos arts. 433º e 289º do Cód. Civil.

Porém, não estamos certos que tenha existido a resolução alegada.

O autor em relação a essa resolução na sua petição inicial apenas alegou que a ré lhe enviou a carta de fls. 12 – art. 8º daquela peça processual.

Além disso na parte daquela petição inicial encimada pela epígrafe “Do Direito”, no art. 18º o autor conclui que a ré “resolveu o contrato”.

Por isso, termos de saber se o conteúdo da carta de fls. 12 se pode considerar manifestação de vontade da ré em resolver o contrato.

O instituto da resolução está previsto no capítulo sobre as fontes das obrigações e na secção dos contratos, nos arts. 432º e segs. do Cód. Civil.

Segundo estas disposições, a resolução consiste numa declaração dirigida à ré

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contrária no sentido de que o contrato se considera como não celebrado.

Isto acontece quando uma parte contratual viola o contrato e a outra decide rescindir o mesmo, ou seja, “fazê-lo desaparecer”, na linguagem expressiva de Abel P. Delgado na obra citada , pág. 266.

Exige-se, assim, que a parte que resolve não esteja em falta e que a outra parte seja incumpridora.

Esta forma de por fim a um contrato não tem formalismo especial – art. 219º do Cód. Civil -, mas requer a manifestação da vontade nesse sentido da parte não incumpridora levada ao conhecimento da outra parte.

Tal como já vimos a resolução consiste em fazer o contrato passar como não tendo sido celebrado, e na falta de estipulação especial - art. 433º do Cód.

Civil – tem os efeitos da nulidade, tudo se passando, em princípio, como se o contrato não tivesse sido celebrado.

Também já vimos que em caso de resolução do contrato, a parte que a

declarou não tem direito à indemnização decorrente da falta de cumprimento, pois se o contrato passa a ser considerado como não tendo sido celebrado, não faz sentido querer um dos efeitos do mesmo contrato.

Além isso, como já afloramos acima, o não cumprimento definitivo do contrato tem como efeito para a parte não incumpridora, além do mais, o direito a uma indemnização – arts. 798º e 801º do Cód. Civil. Neste caso, a obrigação não se extingue, mas apenas o seu objecto se modifica, mantendo-se o contrato válido com a mencionada modificação do objecto.

Também o incumprimento definitivo confere à parte que não incumpriu, o direito à resolução do contrato, nos termos dos arts. 801º, nº 2, 432º e segs.

do Cód. Civil.

Mas neste caso a obrigação extingue-se por ter o contrato passado a ser considerado como não celebrado, sem prejuízo do direito à indemnização “in contrahendo”, acima referida, que não tem em vista colocar a parte na

situação em que estaria se o contrato fosse cumprido, mas na posição em que estaria se o contrato não tivesse sido contraído.

Além disso, ainda pode a parte que não incumpriu o contrato exercer o direito ao cómodo de representação previsto no art. 803º do citado código que não tem interesse para o caso em apreço.

Ora tendo a recorrente feito chegar ao conhecimento do autor a carta de fls.

12, há que a interpretar para se saber o real sentido da mesma, ou seja, se a mesma declaração consubstancia uma declaração de resolução do contrato.

Para interpretar as declarações negociais há que recorrer ao disposto nos arts. 236º a 238º do Cód. Civil.

O art. 236º estipula que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir

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do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele. E continua aquele dispositivo que sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a

declaração emitida.

Por seu lado, tratando-se de negócio formal, o art. 238º do mesmo código estipula que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

Além disso, na interpretação daquela declaração há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do

declaratário efectivo, teria tomado em conta.

Ora na referida carta de fls. 12 cujo conteúdo foi dado por provado consta que em 14 de Abril de 1998, o advogado da ré, nessa qualidade, escreveu ao autor e referindo-se ao negócio de aquisição do barco em causa acordado entre as partes, disse ter o autor recusado a assinar a minuta do contrato que lhe fora enviada e, reafirmando a disposição da ré em dar cumprimento ao acordado, mas que o autor por razões a que a ré é inteiramente alheia e que desconhece, achou por bem não honrar, acrescentou que “vimos proceder à interpelação admonitória, conforme previsto no art. 808º do Código Civil, devendo o acordo ser cumprido até final do corrente mês de Abril, sem o que, o acordo será considerado definitivamente incumprido, com as legais consequências,

designadamente, o direito que a minha constituinte tem de fazer sua a quantia entregue.”

Em seguida, ainda refere o seguinte: “Aguardaremos, pois, nos seja comunicado o que tiver por conveniente.”

Daqui não se pode concluir que o declaratário normal colocado na posição do autor teria entendido a declaração em causa com o sentido de resolução do contrato que é, como dissemos, uma forma de considerar o contrato como não celebrado.

É que a ré estava a fazer valer um direito decorrente do contrato – segundo a sua interpretação do mesmo como contrato-promessa e não a tirar as

conclusões de que o contrato com o não cumprimento do autor se deveria considerar não celebrado.

Do teor da declaração, não resulta a vontade da ré de considerar o contrato como se não tivesse realizado, mas antes estava apenas a considerá-lo

definitivamente incumprido pelo autor, e estava a pretender um efeito do mesmo contrato – na interpretação da natureza daquele que fez, como contrato-promessa.

Por isso, reafirmamos que o declaratário normal colocado na real posição do

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autor não podia considerar que a ré estava com aquela declaração a pretender por o contrato como se nunca tivesse existido, mas apenas que aquele se

mantinha com outras consequências, como seja a pretendida apropriação da quantia recebida.

Como a resolução do contrato por parte da ré é um elemento constitutivo do direito do autor e se não apura ter aquela se efectivado, nos termos do art.

342º, nº 1 do Cód. Civil, tem o pedido do autor soçobrar, procedendo este fundamento do recurso.

Pelo exposto, concede-se a revista pedida e, por isso, se revoga o douto

acórdão recorrido, julgando-se improcedente a acção e absolvendo-se a ré do pedido.

Custas nas instâncias e na revista pelo autor recorrido.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2007

Moreira Camilo ( relator ) Fonseca Ramos

Rui Mauricio

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