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ENSINO DE BIOLOGIA E PERSPECTICA CRÍTICA: A TEORIA HISTÓRICO- CULTURAL

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ENSINO DE BIOLOGIA E PERSPECTICA CRÍTICA: A TEORIA HISTÓRICO- CULTURAL

Leandro Jorge Coelho (Faculdade de Ciências - UNESP) Carlos Henrique Palladino Cancellara (Faculdade de Ciências - UNESP)

Dianne Cassiano de Souza (Faculdade de Ciências - UNESP) Tiago Yamazaki Izumida Andrade (Faculdade de Ciências - UNESP) Thalita Quatrocchio Liporini (Faculdade de Ciências - UNESP) Luciana Maria Lunardi Campos (Instituto de Biociências de Botucatu - UNESP) Renato Eugênio da Silva Diniz (Instituto de Biociências de Botucatu - UNESP) Eixo temático: Processos de Ensino-Aprendizagem em Biologia

Resumo: Este trabalho teve por objetivo identificar e analisar a presença do referencial da teoria histórico-cultural em pesquisas da área de ensino de Biologia, divulgadas em eventos científicos. Caracterizada como uma pesquisa do tipo estado do conhecimento ou da arte, a coleta de dados foi realizada em anais de dois eventos científicos nacionais das áreas de ensino de Ciências e Biologia, sendo identificados vinte e três artigos e os dados obtidos foram organizados em seis eixos temáticos. Constatou-se que, dentre outros elementos, a maioria das citações concentram-se em Vigotski e poucos trabalhos fazem uma apropriação considerada como consistente da teoria.

Palavras-chave: teoria histórico–cultural, ensino de biologia, produção científica.

Introdução

Este texto faz parte de estudos realizados pelo Grupo de Pesquisa Formação e Ação de Professores de Ciências e Educadores Ambientais que visam identificar a aproximação entre a área de ensino de Ciências e perspectivas críticas de educação, em especial com a pedagogia histórico–crítica.

A pedagogia histórico-crítica é uma “concepção pedagógica transformadora, embasada no materialismo histórico–dialético” (BATISTA; LIMA, 2012, p. 1), que encontra na psicologia histórico-cultural fundamentos psicológicos coerentes e necessários.

A pedagogia histórico-crítica e a psicologia histórico-cultural aproximam-se pela fundamentação no materialismo histórico dialético, que traz, dentre outros elementos, uma concepção de indivíduo a partir do processo de humanização, sua historicidade e a relação entre materialidade e subjetividade (TOZONI-REIS; CAMPOS, 2014).

A teoria histórico-cultural é uma corrente psicológica que surgiu na Rússia no início do século XX e cujos principais representantes são Vigotski, Leontiev, Luria, Davidov, entre outros e que “nos apresenta uma nova forma de compreender o ser humano e a própria natureza”. Sua base é o materialismo histórico-dialético de Marx e os conceitos: “relação

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a formação do pensamento e linguagem como resultado social e a lógica dialética para ir à raiz da essência do objeto ou sujeito” são centrais para a teoria histórico cultural (GONZÁLEZ; MELLO, 2014, p. 33).

Lucci (2006) indica cinco questões básicas para a teoria vigotskiana:

a) a psicologia é uma ciência do homem histórico e não do homem abstrato e universal;

b) a origem e o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores é social;

c) há três classes de mediadores: signos e instrumentos; atividades individuais e relações interpessoais;

d) o desenvolvimento de habilidades e funções específicas, bem como a origem da sociedade, são resultantes do surgimento do trabalho - este entendido como ação/movimento de transformação - e também entendendo que é pelo trabalho que o homem, ao mesmo tempo, transforma a natureza para satisfazer as suas necessidades, e se transforma também;

e) existe uma unidade entre corpo e alma, ou seja, o homem é um ser total (LUCCI, 2006, p. 6).

Nessa perspectiva, o homem é um ser histórico-cultural; moldado pela cultura que ele próprio cria e determinado pelas relações com o outro, tendo a linguagem um papel central nesse processo.

A teoria histórico cultural chegou ao Brasil a partir da década de 1970 e foi mais difundida após a publicação de “A formação social da mente”, na década de 1980, tendo os estudos e pesquisas se intensificado na década de 1990 (LIBÂNEO; FREITAS, 2006; SILVA;

DAVIS, 2004).

Atualmente, Vigotski (e outros autores da teoria histórico–cultural) tem sido referência de muitos estudos na área de educação, com a utilização de conceitos como interação social, zona de desenvolvimento proximal, linguagem e formação de conceitos espontâneos e científicos.

No entanto, muitos estudos não apresentam aprofundamento teórico das definições vigotskianas, se distanciam do materialismo histórico-dialético e fazem uma aplicação descontextualizada da teoria, contribuindo para uma “vulgarização” da teoria ao retirar das

“obras de Vigotski a alma de seu trabalho” (SILVA; HAI, 2011, p. 20). Esse distanciamento, por exemplo, pode se dar pela aproximação da teoria vigotskiana com a teoria piagetiana e pela ênfase nas interações linguísticas intersubjetivas (DUARTE, 2004).

Duarte (2001) defende a necessidade do reconhecimento e assunção dos fundamentos marxistas da teoria histórico-cultural. Compartilhando da interpretação de González e Mello

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(2014, p. 33) de que “há uma fusão entre as duas teorias aplicadas nas práticas pedagógicas”

entende-se que a psicologia histórico-cultural “diferencia-se de outros sistemas científicos pela relação que mantém com a filosofia”, sendo que “a historicidade é o eixo que organiza e sustenta os pressupostos da psicologia soviética” (SILVA; HAI, 2011, p. 13).

Na área de educação em Ciências, a teoria histórico–cultural também tem referenciado inúmeros estudos no Brasil. Com mais de 40 anos de existência no país, essa área apresenta notável crescimento de sua produção acadêmica, com destaque para:

a consolidação da área como campo de investigação e de uma comunidade nacional de investigadores, articulados em grupos e linhas de pesquisa; a ampliação dos espaços de formação de novos pesquisadores, através da expansão da pós-graduação stricto sensu e, também, a criação de canais para a difusão da pesquisa, na forma de eventos e periódicos, intensificando o diálogo intra e interpares. (SLONGO, LORENZETTI e GARVÃO, 2015, p.

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Nesse contexto, a pesquisa no ensino de Biologia teve aumento significativo a partir da década de 1990, que também se caracteriza pela expansão, diversificação e consolidação desta área como campo de investigação, conforme discutem Teixeira (2015) e Dávila et al.

(2015).

Slongo e Delizoicov (2010, p. 292) analisaram as tendências da pesquisa no ensino de Biologia, no período de 1970 a 2000 e identificam dois estilos de pensamento, que “parecem estar norteando a pesquisa em Ensino de Biologia”. O primeiro reúne pesquisas que

“priorizam aspectos epistemológicos no processo investigativo, compartilhando os pressupostos que denominamos de não-empiristas. São estudos que focam principalmente o processo de aprendizagem” (SLONGO; DELIZOICOV, 2010, p. 292), mas tem relação restrita com a área de Educação de forma geral e o segundo reúne pesquisas que:

compartilham também de uma reflexão de cunho educacional mais amplo e que tem entre suas referências, educadores que analisam o ato educativo em suas várias facetas, incluindo, dentre outros, explicitamente elementos da Filosofia da Educação e da Sociologia da Educação, bem como, reflexões sobre os problemas enfrentados pela educação em países do terceiro mundo.

(SLONGO; DELIZOICOV, 2010, p. 292-293)

Com relação à teoria histórico-cultural, Gehlen, Schroeder e Delizoicov (2007) apresentam indicativos da difusão do pensamento de Vigotski na pesquisa em ensino de Ciências, identificando que este referencial sustenta estudos que focalizam, principalmente,

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métodos/ recursos didáticos e concepções alternativas, além de identificar que o interesse por esse referencial tem aumentado na área de ensino de Ciências, embora sejam identificadas distorções em sua utilização.

Neste contexto, a questão de pesquisa deste estudo foi: como se caracteriza a apropriação da teoria histórico-cultural por pesquisas em ensino de Biologia?

Assim, o objetivo deste estudo foi identificar e analisar a presença da teoria histórico- cultural em pesquisas da área de ensino de Biologia, divulgadas em eventos científicos da área.

Metodologia

O presente estudo pode ser caracterizado como “estado do conhecimento ou da arte”, pois envolveu a revisão de literatura e a análise comparativa de trabalhos, com o objetivo de mapear e discutir a produção científica em um campo específico de conhecimento (ANDRË et al., 1999).

Foram selecionados para análise dois eventos científicos brasileiros da área de Ensino de Ciências e Biologia, no período de 2011 a 2015. A escolha desses dois eventos se deu pela contribuição relevante e expressiva dos mesmos para as pesquisas na área de ensino de Biologia. Os eventos analisados estão listados abaixo:

Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC): é um evento bienal, promovido pela Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC), que tem como objetivo agrupar e permitir a interação entre os pesquisadores das áreas de Ensino de Biologia, Física, Química, Geociências, Ambiente, Saúde e áreas afins, por meio da apresentação e discussão de trabalhos científicos, além da realização de conferências e mesas redondas. Neste estudo foram analisados trabalhos publicados nas edições VIII, IX e X do evento, que aconteceram em 2011, 2013 e 2015, respectivamente.

Encontro Nacional de Ensino de Biologia (ENEBIO): também é um evento realizado a cada dois anos, promovido pela Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBenBio), e tem como objetivo reunir professores, educadores, pesquisadores e estudantes que trabalham e atuam com o ensino de Ciências e/ou Biologia. Neste estudo foram analisados trabalhos apresentados nas edições IV e V do evento, realizadas nos anos de 2012 e 2014, respectivamente.

Para tornar possível a realização desta pesquisa, tendo em vista o grande número de trabalhos apresentados em cada edição dos eventos, optou-se por analisar apenas os artigos

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apresentados nos eixos temáticos relacionados a situações de ensino de ambos eventos, sendo eles chamados: ‘Ensino e aprendizagem de conceitos científicos’ (ENPEC) e ‘Processos de ensino-aprendizagem em Biologia’ (ENEBIO).

Os trabalhos apresentados nos eixos temáticos dos respectivos eventos foram analisados um a um, tendo-se por primeiro critério a presença do termo ‘Ensino de Biologia’

no título, resumo ou palavras chave ou pela vinculação a um conteúdo ou tema da Biologia.

Em seguida, buscou-se identificar nas referências bibliográficas dos trabalhos selecionados, aqueles que faziam referência a algum dos principais autores da teoria histórico-cultural:

Vigotski, Leontiev, Luria, Davidov e Elkonin.

Os trabalhos selecionados foram lidos na íntegra e os dados obtidos organizados em seis eixos de análise: temáticas dos estudos, temas da Biologia, obras da teoria histórico- cultural citadas, conceitos utilizados, articulação com outros autores, momento do texto em que houve referência à teoria histórico–cultural e caracterização de como o referencial foi articulado ao texto.

Resultados e discussão

Os trabalhos encontrados que utilizam a teoria histórico-cultural no ensino de Biologia foram identificados de acordo com a seguinte legenda T1, T2, T3 e assim sucessivamente.

De um total de 894 trabalhos apresentados nos eixos temáticos sobre ensino e aprendizagem dos dois eventos analisados, somente 23 citaram a psicologia histórico-cultural para discutir o ensino de Biologia, conforme mostra a Tabela 1.

Tabela 1 – Distribuição dos trabalhos conforme o evento e ano de publicação

Evento/Ano Total de trabalhos

Total de trabalhos na área de “Ensino e Aprendizagem”

Número de trabalhos que articulam teoria

histórico-cultural e Ensino de Biologia

%

ENPEC 2011 1235 278 5 1,80%

ENPEC 2013 1060 165 6 3,64%

ENPEC 2015 1107 200 3 1,5%

ENEBIO 2012 331 94 5 5,32%

ENEBIO 2014 568 157 4 2,55%

TOTAL 4301 894 23 2,57%

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A primeira consideração a se fazer é com relação ao pequeno percentual de trabalhos identificados, ou seja, 2,57% de um total de 894. Evidencia-se que, tomando as pesquisas relacionadas aos eixos ligados à área de “Ensino e Aprendizagem” dos eventos analisados, o embasamento na psicologia histórico-cultural é ainda pouco expressivo.

Percebe-se que, dos 23 trabalhos identificados, mais da metade (quatorze) foram apresentados em edições do ENPEC. Vale ressaltar, no entanto, que essa diferença pode ser devido ao maior número de estudos apresentados no evento (total de 643 trabalhos no eixo analisado) quando comparado ao ENEBIO (um total de 251 trabalhos no eixo em questão), além do fato de que, no período selecionado para a busca (2011 a 2015), foram realizadas três edições do ENEPC e duas do ENEBIO.

Embora a maioria dos trabalhos selecionados possua como temática central processos de ensino e aprendizagem de conceitos (18), cinco deles abordam outras temáticas, conforme a Tabela 2. Observou-se que os trabalhos classificados na categoria “análise de livros didáticos” (T12 e T23) são dos mesmos autores e configuram-se como relatos de uma mesma pesquisa, submetida primeiramente ao ENEBIO de 2014 e posteriormente ao ENPEC de 2015. A categoria “metodologias e recursos didáticos” possui dois trabalhos que tratam de recursos didáticos específicos.

Tabela 2 – Temáticas dos trabalhos analisados

Tema Trabalhos Total

Ensino-aprendizagem de conceitos

T1, T2, T3, T4, T5, T6, T7, T8, T9, T10, T11, T13, T14,

T15 T18, T20, T21, T22

18 Metodologias e recursos didáticos T17, T19 2

Análise de livros didáticos T12, T23 2

Formação inicial T16 1

Na Tabela 3 apresenta-se os temas ou conteúdos da Biologia articulados com as obras da teoria histórico-cultural nos trabalhos encontrados. O tema mais recorrente nos textos selecionados foi Genética, considerado um dos temas centrais da Biologia. Todos os trabalhos focalizavam processos de ensino-aprendizagem de conceitos de genética. Reis et al. (2014) indicam a importância dessa área para a compreensão da estrutura conceitual da Biologia, bem como suas implicações educacionais, sociais e tecnológicas.

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Tabela 3 – Tema/conteúdo das Ciências Biológicas abordado no trabalho Tema/conteúdo Trabalhos Total

Genética T4, T8, T9, T15, T21 5 Botânica T16, T19, T20 3 Evolução T1, T13, T22 3 Ecologia T6, T11, T14 3

Bioquímica T3, T10 2

Fisiologia T18, T5 2

Interdisciplinar T12, T23 2

Biologia Celular T17 1

Saúde T7 1

Biodiversidade T2 1

Nos trabalhos que articulam a psicologia histórico-cultural com o ensino de Biologia, o autor mas citado é Vigotski, não sendo encontradas citações à Elkonin ou Davidov. A Tabela 4 indica as obras citadas nos trabalhos analisados.

Tabela 4 - Obras de autores da teoria histórico-cultural citadas nos trabalhos

Autor-Obra citada Trabalhos Total

Vigotski - A Construção do Pensamento e da Linguagem

T9, T15, T12, T13, T14, T16, T17, T18, T19, T20, T21, T22, T23 13 Vigotski - Pensamento e Linguagem T1, T3, T5, T14, T6, T7, T10, T11, T20 9 Vigotski - A Formação Social da Mente T4, T8, T9, T11, T14, T15, T20 7

Leontiev, Luria e Vigotski - Psicologia e Pedagogia T4 1

Vigotski - História da Pedagogia T2 1

Vigotski - O desenvolvimento psicológico na infância T10 1

Identifica-se como as obras mais citadas aquelas com grande reconhecimento no campo acadêmico científico. Entre elas estão “A Construção do Pensamento e da Linguagem” e “Pensamento e Linguagem”. Como destaca Duarte (2001), embora as duas obras mais citadas sejam traduções de uma mesma produção de Vigotski, a última constitui-se numa versão resumida, com cortes em dois terços do texto, especialmente das reflexões marxistas do autor. Dessa forma, a utilização do primeiro livro pela maioria dos trabalhos analisados é um indicador positivo, já que as ideias de Vigotski podem ser melhor interpretadas e apropriadas com a adoção do mesmo.

Destaca-se também que somente seis trabalhos analisados (T4, T9, T10, T11, T15 e T20) referenciam mais de uma obra de autores da teoria histórico-cultural.

Quanto aos conceitos da teoria histórico-cultural que foram utilizados pelos trabalhos, destaca-se a “formação de conceitos”, abordado em dezessete trabalhos - e o conceito de

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“interação social”, utilizado em nove trabalhos. Na tabela 5 é possível verificar a distribuição desses trabalhos de acordo com os conceitos abordados.

Tabela 5 – Conceitos da teoria histórico-cultural utilizados nos trabalhos

Conceitos Trabalhos Total

Formação de conceitos T1, T2, T3, T4, T5, T10, T11, T12, T13, T14, T15, T17, T18, T19, T20, T22, T23 17 Interação social T1, T4, T6, T8, T9, T11, T20, T21, T23 9 Apropriação da linguagem

(instrumentos e signos) T1, T4, T10, T13, T14, T20, T22 7

Significado T10, T16, T19 3

Mediação T4, T20 2

Zona de Desenvolvimento

Proximal (ZPD) T8 1

Zona de Desenvolvimento Real T4 1

Dada a importância da formação de conceitos para o desenvolvimento psíquico (MARTINS, 2013), o número expressivo de trabalhos que abordam essa temática, principalmente na construção de seus referenciais teóricos, configura-se como um dado positivo. Em T5, percebe-se, no entanto, a articulação entre as ideias de Vigotski de formação de conceitos e as concepções teóricas do construtivismo. Como indica a Tabela 6, dez trabalhos apresentam articulações entre a teoria histórico-cultural e outros autores.

Tabela 6 – Autores que aparecem articulados com a teoria histórico-cultural Autores Trabalhos Total

Zabala T6, T8, T20 3

Mortimer T1, T5 2

Marília; Neto T21 1

Lemke T22 1

Carvalho; Gil-Pérez T23 1

Bachelard T23 1

Moreira T23 1

Spiro T4 1

Bertalanffy T14 1

Piaget T5 1

Destaca-se o trabalho T5, no qual há associação direta com Piaget, sendo a teoria de Vigotski classificada como sócio-interacionista. Além de denominações como essa não aparecerem em nenhuma obra da teoria histórico-cultural, é um equívoco conceber esta teoria como interacionista ou construtivista, já que esse fato indica uma contraposição aos princípios pedagógicos dessa escola, além de um distanciamento dos fundamentos marxistas que embasam a teoria histórico-cultural (DUARTE, 2001).

Como argumenta Duarte (2001), a difusão da Escola de Vigotski se deu por sua definição no modelo interacionista-construtivista, sob a ideia de se incorporar o “social” a

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essa concepção. Assim, uma das apropriações da teoria histórico-cultural no ensino de Ciências ocorre na noção de perfil conceitual de Mortimer (1996), que a utiliza para complementar, no âmbito da perspectiva de aprendizagem, os limites do referencial piagetiano (SPOSITO, 2007).

No intuito de analisar como os referenciais da teoria histórico-cultural foram utilizados nos trabalhos analisados, verifica-se em que momentos dos textos esse referencial teórico era citado (Tabela 7).

Tabela 7 – Local em que a teoria histórico-cultural é citada no texto

Local no texto Trabalhos Total

Introdução T1, T2, T3, T4, T5, T7, T8, T9,

T10, T11, T13, T14, T20, T22, T23 14 Metodologia T4, T6, T9, T13, T20, T21, T22 7 Análise e discussão

dos dados

T4, T5, T8, T10, T11, T12, T14,

T15, T16, T17, T19, T20 12 Considerações finais T4, T14, T18, T22 4

Percebe-se que a maioria dos trabalhos utiliza a teoria histórico-cultural na introdução e/ou análise e discussão dos dados. No entanto, nem todos os trabalhos que utilizam a perspectiva para a análise e discussão dos dados fizeram referência na introdução, durante a construção do referencial teórico, o que pode indicar um reducionismo da utilização desse referencial nestes trabalhos.

Neste sentido, a partir das análises realizadas sobre os trabalhos encontrados, buscou- se caracterizar a articulação com o referencial da teoria histórico-cultural em cada um dos estudos, classificando-os em três categorias, formadas de acordo com o número de citações feitas à teoria e também considerando a forma como as ideias do referencial teórico eram articuladas ao texto, de acordo com a Tabela 8:

Tabela 8 – Articulação com o referencial da teoria histórico-cultural

Categoria Trabalhos Total

Articulação pontual T1, T2, T3, T6, T7, T12, T15,

T16, T17, T18, T19, T21 12 Articulação parcial T5, T8, T9, T10, T11, T13, T20 7 Articulação consistente T4, T9, T10, T11, T14, T22 6

A categoria intitulada “articulação pontual” diz respeito aos trabalhos que citam poucos referenciais da teoria histórico-cultural, de maneira superficial e pouco articulada com no decorrer de todo o texto. Já a categoria “articulação parcial” faz menção aos trabalhos que

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apresentam a teoria histórico-cultural em mais de uma seção do texto, porém não de maneira contínua e coerente no texto como um todo. Por sua vez, na categoria denominada

“articulação consistente” estão os trabalhos em que a teoria histórico-cultural aparece praticamente em todas as seções do artigo de modo explícito e coerente com os pressupostos do referencial.

Considerações finais

Este estudo permitiu identificar que um número pouco expressivo de trabalhos apresentados nos eventos científicos brasileiros da área de Ensino de Ciências e Biologia (ENEBIO e ENPEC) apresentam como referência a teoria histórico-cultural. Dentre os estudos identificados, poucos fazem uma apropriação considerada consistente da teoria e a maioria deles concentram as citações e referências em Vigotski.

As análises feitas por Zilli et al. (2015) para a baixa inserção da pedagogia histórico- crítica (PHC) no ensino de Ciências auxiliam a refletir sobre a aproximação entre ensino de Biologia e teoria histórico-cultural, considerando-se a unidade filosófica entre essa teoria e a mencionada pedagogia. Segundo os autores, essa baixa frequência de trabalhos pode estar relacionada, entre outros motivos, “à intensa filiação das pesquisas em educação em ciência a pressupostos construtivistas, que marcaram o surgimento da área e que se opõem diretamente a PHC e, também, ao fato de que a PHC é uma teoria baseada em pressupostos marxistas”

(ZILLI et al., 2015, p. 8).

As apropriações indevidas desta teoria, como afirma Duarte (2001, 2004) podem indicar uma negligência do projeto político dos teóricos dessa escola, resultando numa concepção distorcida da educação escolar sob a perspectiva da teoria histórico-cultural.

Para a concretização de uma perspectiva crítica no ensino de Ciências e Biologia que tenha como fundamento a psicologia histórico-cultural é preciso se apropriar de uma proposta pedagógica alinhada ao materialismo histórico-dialético, como a pedagogia histórico-crítica.

Para a concretização de uma perspectiva crítica no ensino de Ciências e Biologia que tenha como fundamento a pedagogia histórico-crítico é preciso se apropriar de uma teoria psicológica que também seja alinhada ao materialismo histórico-dialético, como a psicologia histórico cultural.

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Referências

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