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CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA SINAL MORA

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 06A3613

Relator: MOREIRA CAMILO Sessão: 14 Novembro 2006 Número: SJ2006111436131 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA

CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA SINAL MORA

INCUMPRIMENTO DEFINITIVO FALÊNCIA

PERDA DE INTERESSE DO CREDOR

Sumário

I - Faltando a Ré/promitente-vendedora à outorga da escritura marcada pelo Autor/promitentecomprador findo o prazo acordado, e tendo deixado de exercer qualquer actividade comercial, ficando o local da sua sede social completamente abandonado, com os seus legais representantes

foragidos (logo, incontactáveis), nada mais se podia exigir ao Autor para converter a mora da Ré em incumprimento definitivo.

II - Face a isto, e atendendo a que a Ré não conseguiria retirar, como lhe incumbia, os ónus que incidiam sobre a fracção prometida vender, tendo mesmo sido declarada falida na pendência da presente acção, é de concluir que se verificou o incumprimento definitivo do contratopromessa

por parte da Ré, assistindo ao Autor o direito à resolução do contrato e a receber o dobro do sinal, com juros legais desde a citação (arts. 432.º, n.º 1, 442.º, n.º 2, 805.º, n.º 1, e 806.º, n.ºs 1 e 2, do CC), embora apenas até à data da declaração de falência da Ré (art. 151.º, n.º 2, do CPEREF), bem como o direito de retenção sobre a fracção prometida vender como

forma de garantir a satisfação integral do seu crédito (art. 755.º, n.º 1, al. f), do CC).

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Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Nos Juízos Cíveis da Comarca do Barreiro, AA e mulher BB, em acção com processo ordinário, intentada contra CC – Sociedade de Construção Civil e Obras Públicas, Limitada, pediram que, com a procedência da acção:

a) Seja reconhecido e declarado o incumprimento do contrato-promessa “sub judicie” pela sociedade Ré;

b) Seja reconhecido que os Autores são titulares de um crédito perante a sociedade Ré, pelo não cumprimento do contrato-promessa, tudo nos termos do artigo 442º do Código Civil, condenando-se a Ré a pagar aos Autores o dobro do que prestou a título de sinal e princípio de pagamento, ou seja, a importância de € 130.000,00, quantia esta que deve ser acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, a contabilizar desde a data da citação da Ré, até integral e efectivo pagamento aos Autores;

c) Seja reconhecido a posse dos Autores sobre a fracção “M”, identificada na petição, desde 20.06.2002;

d) Seja declarado o direito de retenção dos Autores sobre a fracção designada pela letra “M”, correspondente ao 3º andar esquerdo do prédio urbano

localizado na Rua ..., nº 0, e Praceta ...., nº 0, freguesia do...., concelho do Barreiro, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o número 00000 e inscrito no 2º Serviço de Finanças do Barreiro com o artigo...

, da qual são legítimos possuidores, como forma de garantir a satisfação do crédito de indemnização do qual os Autores são titulares pelo incumprimento do contrato-promessa por parte da sociedade Ré, promitente vendedora, no valor de € 130.000,00, acrescido de juros de mora vincendos, à taxa legal, a contabilizar desde a data da citação da Ré, até integral e efectivo pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alegam, em síntese, o seguinte:

Celebraram um contrato-promessa de compra e venda com a Ré em

20.06.2002, referente à fracção “M” acima identificada, tendo, nessa data, liquidado à Ré a quantia de € 65.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento, e sendo que o preço acordado foi de € 119.711,50.

Apesar de notificada da data e do local da outorga da escritura de compra e venda, a Ré não compareceu.

Aquando da celebração do contrato-promessa, a sociedade Ré entregou aos

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Autores as chaves da fracção, tendo estes, desde essa data, passado a fruir dela.

Não foi apresentada qualquer contestação.

Foi dado cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 484º do Código de Processo Civil (CPC), tendo a Ré, atento o facto de ter sido declarada falida, sido notificada na pessoa do seu liquidatário judicial.

Os Autores apresentaram alegações.

Foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada improcedente, por não provada.

Após apelação dos Autores, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão, a julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, a revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou a acção improcedente, decidindo-se julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, reconhecer que os Autores são titulares do direito de crédito correspondente ao dobro do sinal entregue (€ 130.000,00) sobre a massa falida, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até à data da sentença falimentar (13.11.2003; por lapso, escreveu-se 13.11.2203), e que têm a posse sobre a dita fracção “M”.

Ainda inconformados, os Autores interpuseram o presente recurso de revista, o qual foi admitido.

Os recorrentes apresentaram alegações e respectivas conclusões.

Tendo os recorrentes referenciado diversos erros de escrita, relacionados com datas (não todos), no acórdão, foi proferido novo acórdão, onde,

incompreensivelmente, os Senhores Desembargadores se limitaram a corrigir apenas dois dos quatro lapsos indicados.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1. A Ré é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais sob o nº 000, e tem por objecto “construção civil e obras públicas, construção de prédios para venda e empreitada, compra e venda de propriedades, revenda dos adquiridos e urbanizações”, conforme resulta do teor do documento de fls. 18 a 21 dos autos.

2. A Ré é dona do 3º andar esquerdo, fracção “M”, do prédio urbano, sito na Rua ...., nº 0, e Praceta ..., nº 0, Lavradio, inscrito na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o número 000000 (corrige-se manifesto lapso das instâncias) e inscrito no 1º Serviço de Finanças do Concelho do Barreiro sob o nº 0000, conforme resulta do teor de certidão da Conservatória do Registo

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Predial do Barreiro, constante de fls. 25 a 47, e certidão do 1º Serviço de Finanças do Concelho de Barreiro, constante de fls. 48 a 52 dos autos.

3. Em 20 de Junho de 2002, a Ré (na qualidade de promitente vendedora) e o Autor AA (na qualidade de promitente comprador) acordaram a primeira

“prometer vender...” a este “ou a quem ele indicar, e este comprar àquele, a fracção autónoma que corresponde à fracção “M”, livre de quaisquer ónus, encargos ou outras responsabilidades, devoluto de pessoas ou bens, pelo preço de 119.711,50 Euros (cento e dezanove mil setecentos e onze euros e cinquenta cêntimos)” (,,,) “A quantia de 65.000,00 Euros (sessenta e cinco mil euros) é paga no acto da assinatura do presente contrato promessa, a título de sinal e princípio de pagamento (...), a quantia de 54,711,50 Euros (cinquenta e quatro mil setecentos onze euros e cinquenta cêntimos) será paga no acto da outorga da escritura (...), conforme resulta do teor de cópia certificada de fls.

52 a 55 dos autos.

4. Declararam ainda que “Na data da escritura do presente contrato promessa de compra e venda ...” a Ré “... entrega ...” ao Autor “... as chaves da fracção

“M”, objecto deste contrato, pelo que ...” o Autor “... a poderá ocupar desde já, ficando deste modo autorizado a realizar quaisquer obras, benfeitorias ou beneficiações na aludida fracção” “(...)”, conforme resulta do teor de cópia certificada de fls. 52 a 55 dos autos.

5. Acordaram ainda que “A escritura notarial será outorgada livre de quaisquer ónus ou encargos e logo que obtida a documentação necessária para o efeito, o que não poderá ultrapassar os 90 dias a contar da data deste contrato promessa “, conforme resulta do teor de cópia certificada de fls. 52 a 55 dos autos.

6. Acordaram, por fim, que a escritura será marcada pela Ré ou pelo Autor

“que notificarão a outra parte do local e data da realização da mesma, por carta registada com aviso de recepção, expedida com a antecedência mínima de dez dias”, conforme resulta do teor de cópia certificada de fls. 52 a 55 dos autos.

7. Decorridos 90 dias desde a data da celebração do acordo referido nos pontos anteriores, a sociedade Ré não procedeu à marcação da escritura.

8. O Autor agendou a outorga da escritura para o dia 27.05.2003, junto do 4º Cartório Notarial de Lisboa, conforme resulta do teor de certidão emitida pelo 4º Cartório Notarial de Lisboa, constante de fls. 65 dos autos.

9. O Autor enviou cartas registadas com aviso de recepção dirigidas à sede da Ré e para o domicílio dos seus sócios gerentes, bem como entregou

pessoalmente à gerência da Ré uma carta a informá-la da data e local da outorga da escritura e para que procedesse à entrega dos documentos da sua responsabilidade para a outorga da mesma, conforme resulta do teor de

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documentos de fls. 56 a 63 e 64 dos autos.

10. No dia e hora agendados para a outorga da escritura, esta não foi

outorgada “(...) por falta de comparência da parte vendedora, (...)”, conforme resulta do teor de certidão emitida pelo 4º Cartório Notarial de Lisboa,

constante de fls. 65 dos autos.

11. Até à data da propositura da acção (7 de Agosto de 2003), os Autores não lograram conseguir outorgar a aludida escritura.

12. Desde 20 de Junho de 2002, os Autores têm utilizado a fracção dos autos, encontrando-se a mobilá-la para que possa ser usada pela sua filha e neto.

13. Os Autores encontram-se a diligenciar o pagamento de prestações de

condomínio em atraso, referentes à aludida fracção, junto da administração do prédio.

14. Por decisão datada de 13 de Novembro de 2003, proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, a sociedade Ré foi declarada falida, conforme resulta do teor de cópia certificada de fls. 106 a 112 dos autos.

III – 1. Na presente revista, os recorrentes insistem com a inclusão nos factos provados da materialidade constante dos nºs 21º, 22º, 27º, 28º, 29º e 31º da sua petição inicial.

Para indeferir esta pretensão, o acórdão recorrido, a dado passo, refere:

“Ora se já está declarada a falência, e esse facto já consta da matéria de facto provada, tudo aquilo que os autores querem reproduzir como factos provados valem zero, nada, coisa nenhuma, como decorre do exposto, visto que a

declaração de falência tornou impossível a celebração do contrato definitivo, por causa não imputável à ré promitente vendedora. Mas mais, nos termos do artigo 164º-A, Nº 1 do C.P.E.R.E.F., o contrato-promessa sem eficácia real que se encontre por cumprir à data da declaração de falência extingue-se com esta, com a perda do sinal recebido ou com a restituição em dobro do sinal recebido como dívida da massa falida, consoante os casos; ressalva-se a possibilidade de o liquidatário judicial, ouvida a comissão de credores, optar pela conclusão do contrato prometido ou requerer a execução específica se o contrato o permitir. E no caso dos autos, o liquidatário judicial não optou por este cumprimento, uma vez que não notificou o autor marido para o efeito, antes do prazo fixado para a reclamação de créditos (que a sentença fixou em 30 dias – cfr. fls. 111). E era assim que deveria proceder, depois de

previamente ouvir a comissão de credores, a fim de que estes pudessem reclamar dentro daquele prazo o seu crédito relativo ao dobro do sinal. Não o tendo feito, tem de se entender que perdeu aquela faculdade.

Donde, no caso sub judice, tem de se ter o contrato-promessa como extinto”.

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2. Afigura-se-nos que a solução encontrada pela Relação não parece ser a mais correcta.

Na verdade, independentemente da posição a tomar no tocante à ocorrência ou não de incumprimento definitivo do contrato-promessa – as instâncias consideraram estar-se perante simples mora –, a verdade é que a matéria de facto deve ser seleccionada pela relevância que possa ter segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (cfr., quanto à elaboração da base instrutória, o artigo 511º do Código de Processo Civil (CPC)).

Assim, e não tendo a acção sido objecto de contestação, terão de considerar-se confessados os factos articulados pelos Autores, nos termos do nº 1 do artigo 484º do CPC.

Por outro lado, na elaboração da sentença, deve o juiz discriminar os factos que considera provados e, na fundamentação da sentença, tomar em

consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (cfr. artigo 659º, nºs 2 e 3, do mesmo diploma).

Acresce ainda que a presente acção, onde os Autores imputam à Ré a culpa do incumprimento do contrato, foi intentada em 07.08.2003 e a falência da Ré foi decretada por sentença de 13.11.2003.

3. No nº 21º, os Autores alegam que nem se presume que o venha a fazer (reportam-se à outorga da escritura de compra e venda), pois a sociedade Ré deixou de exercer qualquer actividade comercial e o local da sua sede social está completamente abandonado.

Acresce referir – acrescentam no nº 22º - que, presentemente, os Autores não conseguem contactar com os representantes da sociedade Ré, pois, segundo lograram apurar, os representantes da Ré estão foragidos.

Retirando a presunção acima referida, tudo o resto é matéria de facto admitida por acordo, a considerar no elenco dos factos provados.

No nº 27º, alegam que a Ré, conforme resulta da certidão predial acima junta como documento nº 2, mantém a fracção “M” onerada com uma hipoteca no valor de € 219.773,43 e um arresto no valor de € 11.423.145,98, enquanto que, no nº 28º, referem “Pelo que os montantes necessários para expurgar a

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hipoteca e levantar o aludido arresto são muito elevados e manifestamente superiores ao valor real da fracção “in casu”, pois ascendem a valor superior a Eur: 11.642.919,41 €”.

A matéria do nº 27º decorre da certidão de fls. 23 a 47, emanada da

Conservatória do Registo Predial do Barreiro, pelo que, tratando-se de um documento autêntico, faz prova plena de tais factos (cfr. artigos 369º e 371º, nº 1, do Código Civil), devendo, pois, ser considerado.

Já a matéria do nº 28º, por se tratar de matéria conclusiva, não pode fazer parte da factualidade a dar como provada.

No nº 29º, os Autores alegam que é do conhecimento dos Autores que a Ré não tem, nem pode vir a ter, condições ou meios para desonerar a fracção prometida vender aos Autores, enquanto que, no nº 31º, referem que também por estes factos (falta de condições ou meios e impossibilidade de contacto com os legais representantes da Ré) a sociedade Ré não pode cumprir o contrato celebrado com os Autores, ou seja, vender-lhes a fracção dos autos, livre de quaisquer ónus, encargos ou outras responsabilidades.

Também aqui estamos perante matéria a retirar de outros factos, ou seja, matéria conclusiva, pelo que também não será considerada no elenco de factos provados.

Posto isto, e dando parcial razão aos recorrentes, acrescentamos ao acervo de factos já enunciados em II -, a seguinte factualidade:

15. A Ré deixou de exercer qualquer actividade comercial e o local da sua sede social está completamente abandonado.

16. Os Autores não conseguem contactar com os representantes da Ré, pois estes estão foragidos.

17. A Ré mantém a fracção “M” onerada com uma hipoteca no valor de € 219.773,43 e um arresto no valor de € 11.423.145,98.

IV – 1. A questão agora em causa no presente recurso prende-se com o reconhecimento ou não do direito de retenção por parte dos Autores.

Efectivamente, foi já reconhecido que têm direito a receber o dobro do sinal, embora ao abrigo do disposto no artigo 164º-A, nº 1, do CPEREF, em crédito sobre a massa falida.

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Segundo a alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil, goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição do direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º.

Pode ler-se no acórdão recorrido:

“Tendo o autor marcado a escritura à ré para o dia 27-05-2003, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, para as 10H00 (...) e não tendo a ré comparecido, a ré caiu em mora, e tornou-se responsável por todos os prejuízos causados ao autor (artºs 804º e 805º, nº 1, do Cód. Civil). No entanto, não são os danos

moratórios que aqui estão em causa, mas sim o incumprimento definitivo do contrato-promessa pela ré.

Esta notificação feita pelo autor marido à ré para a outorga da escritura do contrato definitivo no dia 27-05-2003 não consubstancia qualquer interpelação admonitória, nos termos do artº 808º, nº 1, do Cód. Civil, porque esta consiste na intimação formal do credor ao devedor moroso, para que cumpra a

obrigação dentro do prazo determinado que o credor lhe fixar, sob pena de se considerar o seu não cumprimento definitivo. Ora na notificação feita pelo autor marido à ré falta a explícita cominação de que, se a ré faltasse, a obrigação da ré se tinha por definitivamente incumprida. E na interpelação admonitória é imprescindível a intimação nestes termos. É imprescindível que fique bem claro à contraparte que se não cumprir no prazo estipulado se considera o contrato como definitivamente incumprido.

Donde, e pelo exposto, não se pode considerar que tenha ocorrido a

interpelação admonitória, nos termos e para os efeitos do artº 808º, mº 1, do Cód. Civil.

Logo está justificada a asserção inicial de que a ré apenas se encontrava em mora, em relação à obrigação de contratar com o autor, e não em

incumprimento definitivo, à data da sua declaração de falência. E o regime do sinal (artº 442º, nº 2, do Cód. Civil) é inaplicável à mora, segundo a doutrina e a jurisprudência maioritária, que também seguimos.

Portanto, não era com base na mora que os autores tinham direito à devolução do duplum do sinal.

A declaração de falência da ré tornou objectivamente impossível a celebração do contrato definitivo. Uma impossibilidade subjectiva legal superveniente não imputável à ré, como se deixou supra exposto (...).

(...).

Por conseguinte, tem-se por definitivamente não cumprida a obrigação de

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contratar por causa não imputável à ré.

E assim sendo, não tem o autor marido beneficiário da promessa direito de retenção sobre a fracção “M” prometida vender, porque o incumprimento do contrato-promessa não é imputável à ré, mas à declaração de falência (...).

Direito de retenção que existiria, se o incumprimento definitivo do contrato- promessa fosse imputável à ré, mesmo que, entretanto, tivesse havido entrega da dita fracção “M” ao liquidatário judicial, na sequência da apreensão de todos os bens do falido ordenada na sentença falimentar [artº 128º, nº 1 al. c) do C.P.E.R.E.F.], pois essa entrega, porque não foi uma entrega voluntária dos autores, não poderia funcionar como renúncia tácita ao direito de retenção”.

2. Mostra-se provado que, no contrato-promessa em causa nos autos, celebrado em 20.06.2002, ficou acordado que “a escritura notarial será outorgada livre de quaisquer ónus ou encargos e logo que obtida a

documentação necessária para o efeito, o que não poderá ultrapassar os 90 dias a contar da data deste contrato promessa”.

Ficou ainda estabelecido que a escritura seria marcada pela Ré ou pelo Autor.

Não tendo a Ré procedido à marcação da escritura no prazo convencionado, o Autor agendou a outorga da escritura para o dia 27.05.2003, junto do 4º

Cartório Notarial de Lisboa, enviando cartas registadas com aviso de recepção dirigidas à sede da Ré e para o domicílio dos seus sócios gerentes, bem como entregando pessoalmente à gerência da Ré uma carta a informá-la da data e do local da outorga da escritura e para que procedesse à entrega dos

documentos da sua responsabilidade para a outorga da mesma.

A escritura não foi outorgada por falta de comparência da parte vendedora.

Mostra-se também provado que, até à data da propositura da acção (07.08.2003), os Autores não lograram conseguir outorgar a escritura.

A isto, há a acrescentar a factualidade aditada agora por este STJ.

Assim, está provado (alegação feita na petição inicial, antes da declaração de falência, portanto) que a Ré deixou de exercer qualquer actividade comercial e o local da sua sede social está completamente abandonado, bem como que, presentemente, os Autores não conseguem contactar com os representantes da Ré, pois estão foragidos.

Por outro lado, a Ré mantém a fracção “M” onerada com uma hipoteca no valor de € 219.773,43 e um arresto no valor de € 11.423.145,98.

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Perante todo este quadro fáctico, ter-se-á de concluir que, faltando a Ré à outorga da escritura marcada pelo Autor já após o decurso do prazo de 90 dias previsto no contrato e deixando de exercer qualquer actividade comercial e com o local da sua sede social completamente abandonado, com os seus representantes legais foragidos (logo, incontactáveis), nada mais se podia exigir aos Autores, tanto mais que também está provado, como vimos, que estes, até à propositura da acção, não lograram conseguir outorgar a escritura.

Face a isto, e atendendo a que a Ré não conseguiria retirar os ónus que incidiam sobre a fracção prometida vender, é manifesto que estamos

objectivamente perante um incumprimento definitivo do contrato por parte da Ré, sendo patente que os Autores não poderiam manter indefinidamente o interesse na prestação, ou seja, no cumprimento do contrato.

Podemos mesmo dizer que os Autores ficaram impossibilitados de obter a realização da escritura.

Como refere o nº 1 do artigo 808º do Código Civil, “Se o credor, em

consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor,

considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.

“A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente” – nº 2 do mesmo artigo.

3. Entendeu-se no acórdão deste STJ de 08.03.2005(CJ/STJ, Ano XIII, Tomo I, 2005, pág. 120), citado pelos recorrentes nas suas alegações, que o regime regra da conversão da mora em não cumprimento definitivo, consagrado no artigo 808º do Código Civil, sofre alteração tratando-se de contrato-promessa com entrega de sinal e que, neste caso, a simples mora do devedor permite ao credor desencadear automaticamente a resolução do contrato.

Seguiu-se a orientação do Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, I, 10ª ed., págs. 350 e seguintes (cfr. também acórdão deste STJ de

21.01.2003, in CJ/STJ, Ano XI, Tomo I, 2003, pág. 44).

Sabendo-se que tal orientação não tem tido muitos adeptos, a verdade é que, face aos factos apurados nos presentes autos, designadamente aquando da marcação da escritura e da falta de comparência da Ré e posteriormente, teremos de concluir que estamos perante um incumprimento definitivo por parte da Ré e não perante a extinção do contrato por falência daquela, pelo

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que assiste aos Autores o direito à resolução do contrato por facto imputável à Ré, pelo que têm os Autores o direito a receber o dobro do sinal, com juros legais desde a citação (cfr. artigos 432º, nº 1, 442º, nº 2, 805º, nº 1, e 806º, nºs 1 e 2, do Código Civil), embora apenas até à data da declaração de falência da Ré, atento o disposto no artigo 151º, nº 2, do CPEREF.

4. Como corolário do que vai decidido no tangente à responsabilidade pelo incumprimento do contrato, temos que ocorre a situação prevista no já citado artigo 755º, nº 1, f), do Código Civil (cfr. artigo anterior), pelo que tem de ser reconhecido aos Autores o direito de retenção.

5. Resulta, assim, do exposto que colhem as conclusões dos recorrentes, tendentes ao provimento do recurso.

V – Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, revogando-se o acórdão recorrido, na parte respeitante à decisão quanto ao incumprimento do contrato e ao direito de retenção, decide-se julgar a acção totalmente procedente, por provada, reconhecendo-se aos Autores os direitos constantes dos pedidos formulados na sua petição inicial, com a limitação acima assinalada no tocante à data do termo dos juros.

Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da massa falida da Ré.

Lisboa, 14 de Novembro de 2006

Moreira Camilo (Relator) Urbano Dias

Paulo Sá

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