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CULTURA MATERI AL, A I MAGEM E O DI SCURSO DE MODA

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Academic year: 2021

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CULTURA M ATERI AL, 

A I M AGEM  E O DI SCURSO DE M ODA 

Objetivo 

Analisar  de que maneira  a Cultura Material pode  ser construída pelas imagens. 

Tópicos 

1| Construção da Material  2| Roupa Fala? 

1 | Construção da Material 

O  uso de objetos como fonte de pesquisa é atividade  conhecida e praticada por museus e instituições afins 

desde a Antiguidade (Veja  no Glossário), como vimos na aula anterior. Nesses espaços encontramos o  colecionismo sistematizado de objetos curiosos, importantes, únicos, emblemáticos depositados em local  atribuído  para armazenagem e exibição de conhecimento. 

No  século XIX, a arqueologia se apressou em desvendar culturas desconhecidas à Velha Europa  e, através de  grandes e pequenas expedições dispendiosas, grupos de homens associados a Museus enciclopédicos da França e  da Inglaterra encontram, resgatam, catalogam, estudam, exibem e publicam seus achados numa sistemática  bastante iluminista e nem sempre satisfatoriamente cartesiana da herança romântica oitocentista (Veja  no  Glossário).  As expedições arqueológicas do século XIX  geraram uma massa de trabalhos museais (ligados a museus) que  dariam conta  da catalogação e posterior estudo de objetos que refletiam, de acordo com os interesses das  ciências humanas, culturas, suas formas de produção e diferenciação identitária por comparação a outras  culturas. Esses trabalhos realizados em museus possibilitaram a elaboração de fichas de identificação  e sistemas  de observação de objetos que permitiriam seu reconhecimento visual, através da descrição  de suas 

características físicas, de sua articulação  (quando possível) e de um breve histórico sobre  a origem geográfico­  cultural da peça.

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A sistematização das referências ligadas aos objetos em museus  permitiu ainda a construção de um saber baseado neste tipo de fonte,  porém, de forma  a insistir nas suas características visuais e materiais  como prova ilustrativa do que fontes mais tradicionais, como a própria  narrativa de expedicionários, transformariam em história. Isso 

significa  dizer que o  objeto de museu do século XIX até meados do XX  tinha seu uso majoritariamente restrito  a estudos visuais e de 

produção ligados à cultura de determinado povo, mas apenas em  medida suficiente a refletir  e concordar  com fontes escritas ou orais,  como vimos na aula passada.  Nos anos de 1970, as relações de ensino­aprendizagem  engendradas  nos e pelos museus europeus e norte­americanos passou por um  processo de repensar o papel social, cultural e institucional desses  espaços de armazenagem e exibição de história. A Nova Museologia  não tendia apenas a questionamentos sobre o papel do museu  enquanto  agente de fomentação cultural e guardião do patrimônio histórico, mas principalmente às questões de  nacionalidade, ética  e práticas museais especificamente apropriadas às suas realidades. A partir deste período, ‘a  organização  museal é questionada em  sua forma  e estrutura, em  sua  filosofia  e ação prática; ao mesmo tempo  em  que a interdisciplinaridade  se afirma como urgência seja para o museu, seja para a Ciência Museológica, seja  para o exercício e a formação  profissionais, cada vez mais se torna patente a profissionalização como uma  necessidade que, entretanto, não encontra reconhecimento em  muitos países, sobretudo nos chamados  periféricos’ (Guarnieri 1989: 10). 

O  repensar a museologia acompanhou movimentos semelhantes de questionamentos e discussões sobre  práticas  de trabalho em  outras áreas. Na década anterior, especialmente no pós­maio de 1968 francês, havia uma  preocupação na vanguarda  intelectual com  a continuidade irrepreensível  de análises generalistas e enrijecidas  pelo  costume iluminista e cartesiano de métodos empregados pelas ciências no mundo moderno. Novas teorias da  linguagem  e cultura eram  desenvolvidas para analisar  várias formas de discurso e cultura. Saussure, Foucault,  Barthes, Henry Lefebvre, Lévi­Strauss, Baudrillard, entre muitos outros, buscaram na fusão de aspectos da crítica  ao pensamento marxista a estudos sobre  o consumo, a mídia, a sensualidade e a moda, novas formas de pensar  o  fazer e o consumir (Kellner 1989:2­3). Coisas e palavras passaram  a fazer parte constante nas análises sobre o  mundo pós­guerra. 

Estudos elaborados a partir da cultura material sentiram  reverberar as novas teorias. A batalha contra a corrente  principal das ciências sociais nos anos de 1970 e 80 em que a cultura material era ainda insistentemente  observada em sua  importância enquanto  forma  material será questionada exatamente por permitir que, em  sendo trivializado, o objeto é capaz  de absorver mecanismos de reprodução social e ideológica dominantes (Miller  1998: 3). De acordo  com Daniel  Miller, editor fundador da revista acadêmica The Journal of Material Culture, o  desenvolvimento  de estudos em  cultura material é um processo que passou por duas fases. 

A primeira, representada em  trabalhos publicados no final da década de 1970 e 1980 (Bourdieu 1977; Miller  1987; Appadurai 1986), representa  a etapa em  que foi preciso discutir que as coisas têm importância no mundo  acadêmico e que o foco no mundo material não torna os objetos fetiche, uma vez que eles são  uma 

superestrutura  separada dos mundos sociais (Miller 1998: 3). Esta primeira fase originou abordagens a questões  ligadas à materialidade variando entre a cultura material análoga ao texto  e como suas aplicações à modelos  sócio­psicológicos (Miller  1998: 3). 

A segunda fase, tratada  por Miller em Material Cultures –  why some things matter (1998), lida com o 

pressuposto de que a importância das coisas já tenha sido explorada e exposta na primeira fase. Esse segundo  momento dos estudos em cultura material experimentado atualmente está centrado na questão  da diversidade da  materialidade das coisas e de seus mundos em  contextos distintos e, portanto, propõe  que estes estudos não

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sejam reduzidos à modelos do mundo social pré­existente  ou a preocupações restritas a subdisciplinas como o  estudo da arquitetura  ou o  estudo dos tecidos (Miller 1998: 3). Miller defende a idéia de que é exatamente na  especificidade do estudo de determinada  coisa, de sua  materialidade específica que podemos ter acesso a  processos culturais em  que disciplinas e fontes mais tradicionais tenderam  a negligenciar. Por manter­se  indisciplinar, tais estudos, porém, não se concentram em  uma área restrita do saber e nem fazem parte de uma  determinada  disciplina ou reunião de disciplinas, o  que dificulta a produção numerosa de trabalhos cuja 

preocupação central seja  a materialidade (Miller 1998: 4­5). 

Estudos que consideraram  temas bastante específicos dentro da perspectiva de cultura material, foram  feitos  paralelamente a estudos históricos, especialmente na Europa, levando em  conta questões regionais (espaciais) e  temporais. 

De  acordo com Miller, algumas das produções mais influentes vieram da Antropologia e se preocupavam  sobretudo com  a natureza das mercadorias e com  o consumo. Exemplo destes trabalhos é o  de Appadurai  (1986). Houve ainda contribuições da área  de estudos sobre a mídia e, mais recentemente, de estudos ligados à  museus, particularmente aqueles ligados ao colecionismo como atividade exercida em  sociedades industrializadas  (Miller 1998: 4). 

Dependendo da perspectiva em  que analisamos o que seja  cultura material, poderemos incluir desde estudos  mais tradicionais existentes em  campos como a etnologia, antropologia  e sociologia, até estudos marginais, como  aqueles em design, arquitetura  e Moda. Em muitos casos, portanto, a Cultura Material é melhor identificável  como um meio e não um fim. Miller a chama  de tecnologia de investigação  (Miller 1998:5). Uma das razões pelas  quais a Cultura  Material não se desenvolveu como um foco prioritário de estudo deve­se a ser acusada de  fetichismo. Assumiu­se que os ideais das análises culturais seriam usurpadas pela proeminência dada ao objeto, o  que resultaria em  distorção ou mesmo negligência da vida cultural em estudo. 

Para não fetichizar os estudos que envolvam  pesquisa baseada em  objetos, porém, é recomendável observar  características das ferramentas e fontes usadas nesta atividade. É primordial, por exemplo, diferenciar a cultura  material (o objeto), da lingüística (Miller 1998: 5). Miller acredita que a lingüística lida com  fontes 

estruturalmente semelhantes. Os domínios da lingüística, ele  afirma, são  relativamente  específicos, o que inclui a  mundo escrito, o discurso e a gramática (Miller  1998: 5). Em comparação, o  universo da cultura material é  infinitamente mais diversificado e, apesar de ser possível  estabelecer estruturas de estudo para as coisas como é  feito para as palavras, esta atividade  seria improdutiva , possivelmente, desnecessária, visto que cada objeto tem  sua  biografia, sua  especificidade material. Miller diz: 

Diferentemente  da linguagem, não podemos esperar poder enumerar os tipos e variedades dentro dos  quais o  mundo material possa ser categorizado e, nós estaremos rapidamente  conscientes de que  qualquer tentativa de o  fazer  impõe várias classificações arbitrárias sobre o que é, na verdade, um  mundo infinitamente criativo e híbrido (Miller 1998: 6). 

Essa questão  da diversidade talvez seja um dos grandes bloqueios para a reunião de uma massa crítica de  trabalhos que representem a Cultura  Material em  oposição à lingüística, por exemplo. Porém, é exatamente na  diversidade que podemos propor novas formas de análises sociais e culturais e, é provavelmente esse  ponto que  torne a Cultura  Material tão significante para o estudo de questões culturais. Isso significa  dizer também que, ao  tentarmos construir uma teoria da cultura material, ou métodos e formas de análises de objetos, não podemos  perder de vista a importância de considerarmos em primeiro  plano as especificidades do nosso objeto de estudo.  Uma  das críticas mais ferrenhas feitas por Daniel  Miller sobre a produção acadêmica ligada à Cultura Material é  que os autores tendem a se reunir em  divisões axiomáticas, ou seja, sobre  o guarda­chuva  de áreas como  Estudos Museais, Estudos de arquitetura  e, por que não?, dizer estudos da Moda. Miller acredita que, com esta  divisão explicitada na produção de periódicos para essas áreas de estudo, não contribui para a formação  de  pensamento crítico  sobre a importância da cultura material para a compreensão mais ampla de formas e  atividades culturais humanas. 

No  universo das análises resultantes de estudos em  cultura material, o  objeto é o ponto de partida na pesquisa, e  não o  resultado ou a ilustração dela.

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Os novos trabalhos em cultura material retomaram  a máxima de que nós somos, vivemos e reagimos à matéria,  às coisas. 

1.1 Glossário 

Desde a Antiguidade 

De  acordo com Waldisa  Rússio Guarnieri, ‘desde  o desastre de Alexandria (século I a.C.), até a abertura  do  Louvre (século XVIII), o termo museu fica oficialmente congelado: fala­se, então, em  tesouros, penetralia,  gabinetes de raridades e de curiosidades, em galerias... mas em  museus, jamais!’ (GUARNIERI 1989: 8). 

Herança  romântica oitocentista 

Classificado  como o segundo momento do desenvolvimento  dos museus, o século XIX  ‘marca a passagem  do  Museu do Iluminismo para o Museu do Romantismo, cujos modelos podem  ser tomados no Louvre, Museu do  Prado e Museu Britânico (este, já prenunciando o movimento do pensamento que seria  o Romantismo). Neste  momento, temos a reabilitação e consagração  definitiva do termo museu, um aclaramento  das reflexões sobre a  organização  dos museus que ainda se manisfestam como organismos ecléticos, porém já com  a preocupação de  maior  abertura (...). A burguesia triunfante leva para as organizações museais seus padrões estéticos, 

organizacionais e políticos; os museus refletem  a classe e seus “conservadores” são ungidos com  a qualificação  de “notório saber”, cuja respeitabilidade está na razão direta de seu reconhecimento pela classe dominante e de  acordo com  os seus critérios’ (GUARNIERI 1989: 9). 

2 | Roupa Fala? 

Ao menos uma coisa é certa: nós podemos usar a roupa para falarmos alguma coisa sobre nós ou sobre um  assunto  que nos interessa. É importante frisar  aqui o  PODEMOS. Isso quer dizer que esta possibilidade  existe, ela  nos é acessível, mesmo considerando as extensões e os limites dessa acessibilidade. 

Talvez um exemplo bastante óbvio dessa possibilidade sejam as camisetas com fotografias de pessoas conhecidas  nossas. Assim, é possível  estampar o  rostinho do filho recém­nascido  e sair num domingo  de manhã para um  passeio no parque, em  família. Desnecessário escrever na camiseta, se bem que ainda assim possível, os dizeres  ‘meu amor’ ou ‘mamãe te  ama’. O  sorriso do bebê estampado no peito da mãe combinado com  o ar de satisfação  e prazer dessa mulher é que vão nos transmitir o clima de maternidade  bem sucedida. É uma situação 

absolutamente plausível, eu acredito  que vocês concordariam comigo. 

A predominância das imagens em  nosso mundo encobre questões vitais do processo de produção e difunde a  idéia de que o que é material é chato e difícil enquanto  que o  que é imagem é fantástico e facilmente  assimilado.  Nesta aula, trataremos da indiscutível  supremacia da massificação da aparência, mas traremos perspectivas de  um lugar para as sensibilidades individuais existirem dentro de processo  industrial de Moda. 

Vamos refletir  aqui  sobre como nosso gosto  por coisas bem resolvidas, limpas e de aparência perfeita,  controlada, nos desviou da nossa relação mais sensível com as coisas que usamos inclusive roupas e sapatos.  Mesmo quando pensamos na desconstrução e no pauperismo com  estilos rasgados e do tipo mendigo sendo  vendidos por grifes consagradas, não nos enganemos, os materiais usados são  de alta tecnologia, bem como as  técnicas de produção e as estratégias de divulgação e marketing. O  que parece desleixado e fora de controle está  bem da verdade na ponta do lápis de grandes grupos que controlam as marcas.  Quando Winona Ryder foi presa em  dezembro de 2001, acusada de cleptomania por ter roubado algumas peças  de roupa em Beverly Hills, falsificado  receitas médicas para comprar drogas e depois, em 2002, por roubar  roupas de grife na loja  de departamentos Saks na 5a Avenida em  Nova York, o mundo da Moda em breve se  renderia àquilo que já vinha  acontecendo há tempos, mas que não havia tomado as proporções que tomaria

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neste caso. As imagens e a idéia de uma cleptomaníaca que, não se importando com os perigos a sua  volta como  câmeras de segurança ou mesmo o  reconhecimento de sua  fama, avança  avidamente sobre artigos de luxo que  ela  poderia bem comprar mas que prefere roubar, poderia ter sido apenas mais uma pequena manchete  em  jornais de grandes cidades não fosse essa mulher uma atriz globalmente reconhecida e associada ao glamour e ao  espírito  da doce  beleza americana. 

Não demoraria  em que esta imagem fosse reproduzida  em  uma campanha publicitária do estilista  Marc Jacobs,  que usou a própria Winona em  cenas fotográficas decadentes onde  está implícito o vexame  extensamente  explorado pela mídia internacional. Vergonha  transformada em aura e mote  publicitário que ajudou a criar uma  distinção  da coleção primavera/verão de 2003 de Marc Jacobs como algo raro, subversivo e luxuoso, afinal, não é  todo cleptomaníaco que poderia ter tamanho assédio e mídia espontânea como teve Winona. Transformar o  evento em  instrumento de glamourização da Moda foi apenas uma rápida  sacada do estilista e sua  equipe que  encontraram uma boa receptividade entre os leitores de Vogue, Harper´s Bazar  e outras revistas de Moda que  veicularam a campanha.  Não houve, porém, nenhuma insinuação de que os produtos veiculados naquela campanha fossem inovadores ou  criativos. Nenhuma atenção  foi dada pela imprensa ao que realmente encontraremos à venda nas lojas: as  roupas, os acessórios e os perfumes. É como se a materialidade desses produtos fosse de tal forma inundado  pela representação da cena pecaminosa  de Winona, que os atributos físicos desses objetos fossem infinitamente  menos importantes do que a aura subversiva atribuída a eles através de imagens representadas nas revistas.  Este  é apenas um dos muitos exemplos que podemos encontrar na Moda nos últimos anos em  que vemos o  mundo material a que estamos sujeitos na produção dos objetos ser mascarado  pelas visualidades da Moda. Ou  seja, a imagem, as representações e as idéias atribuídas maciçamente pelos shows e difundidos globalmente  pelas mídias tornaram­se o grande foco das indústrias e consumidores de Moda.  Os objetos que compramos e que fazem parte do nosso dia­a­dia precisam ter uma aura que não será identificado  por nós através de nossos sentidos táteis, olfativos, etc, mas sim  por uma idéia previamente veiculada em  grandes redes de comunicação. Por de trás desta rede de representações está um mundo subterrâneo  e pouco  conhecido de relações sórdidas de trabalho, cópias, pirataria e distinção social a que o jornalista  americano  Nicholas Coleridge  chamou de “Fashion Cosnpiracy”, a conspiração da Moda e que o dineasta brasileiro Marcelo  Masagão representou em  seu filme 1,99: o  supermercado que vende palavras (2003). 

Parece haver, portanto, um confronto constante entre materialidade e discursos ou realidade e representação. Por  isso, escolhi a palavra ROUPA ao em vez de MODA  quando perguntei: ROUPA FALA? Num mundo pós­moderno ou  hiper­moderno onde a ´Sede não é nada e a imagem é tudo´ (trocadilho com a recente campanha publicitária do  refrigerante Sprite), a moda é conceitual, fantasiosa e alimenta­se da imagem. Já  a roupa é a constatação  material dessa moda. É exatamente este antagonismo que fez  surgir junto com  os novos usos da cultura material  uma crítica aos estudos semióticos da moda. Uma  dessas linhas teóricas, impulsionada  pelo inglês Daniel Miller,  observa que a leitura da imagem de moda como linguagem  pode  levar à formulação distorcida de algumas  realidades (vou recordá­los da nossa  camiseta com  a fotografia do bebê e das várias estórias que ela  pode  desencadear). Vamos então refletir:

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A roupa fala  ou nos serve de suporte  para o  nosso próprio discurso? 

Se existe essa fala, ela é autônoma ou ela acontece em conjunto com o  seu principal suporte, o corpo?  A roupa sem o  suporte corpo, se cala quando está esvaziada e inanimada no armário, na vitrine, no  museu, na galeria de arte ou na passarela  de um desfile  como o de Ronaldo Fraga (‘Corpo Cru’)?  No  estudo da semiótica de moda, a pesquisadora italiana Patrizia Calefato é uma das mais publicadas. O  seu  trabalho é um exemplo daquilo que é o alvo de crítica de autores cujos trabalhos sejam centrados em  cultura  material, uma vez que é baseado no pensamento de que: 

'A linguagem é articulada pela sintaxe, um sistema de regras que garante a ela  suas conexões  internas, possibilitando a sua  expressão. A moda (DRESS)  é articulada por um tipo de sintaxe  socio­cultural, que poderia ser chamado de "costume" no contexto de sociedades tradicionais ou  de funções ritualísticas, ou "moda" no contexto da modernidade e de funções estéticas.´ 

Patrizia Calefato, Fashion and Worldliness: Language and Imagery of the Clothed Body in Fashion Theory, Volume 1,  Issue 1, 1997, pp.69­90, p. 70. 

Ela continua seu discurso colocando as implicações desse sistema de linguagem  no contexto social: 

'do ponto de vista do sujeito que cria  a moda, a coleção dos elementos que formam essa  sintaxe  se apresenta como um sistema organizado com  relação ao mundo; na verdade, como uma  linguagem, ou, para usar uma outra expressão, como um sistema de signos, a moda é um  pedaço da sociedade materializado em  objetos, estilos, ritos e modos de embelezamento  corporal.´  'Se o  vestir é uma linguagem, então, moda é um sistema de sinais verbais e não verbais através  do qual essa  linguagem se expressa no contexto da modernidade.´  Patrizia Calefato, Fashion and Worldliness: Language and Imagery of the Clothed Body in Fashion Theory, Volume 1,  Issue 1, 1997, pp.69­90, p. 70.  Um dos aspectos centrais no trabalho da Patrizia Calefato é a idéia de que a moda faz  parte da "nova mídia",  mesmo sendo esse  um jargão usado para indicar simplesmente a mídia digital, ao passo  que a moda enquanto  sistema de signos tenha existido em períodos anteriores à produção em massa. 

Outra questão  relevante colocada por Patrícia  é a de que esse  sistema de signos na moda, inevitavelmente inclui  o  corpo. Nesse  sentido, o corpo é uma performance, uma construção da identidade material, a dimensão  mundana da subjetividade. É ele  que dá vida à roupa. 

A crítica feita  a essa teoria por pesquisadores cujos estudos são  baseados na análise de objetos é que existem  instâncias e esferas inerentes à moda que não podem ser vistas na superfície  da imagem. Existem 

desdobramentos da moda que não querem se revelar através da fala, seja ela  uma linguagem  verbal ou não  verbal. No  capítulo do livro Cultura e Consumo de 1990 chamado: ´O  vestir como linguagem  ­ a contribuição do  objeto nas propriedades expressivas da Cultura  Material´, o pesquisador  americano Grant McCracken desabafa:

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´Diferentemente  da linguagem, nós (pesquisadores em  cultura material) não podemos esperar  enumerar os tipos e as variedades dentro dos quais o  mundo do objeto possa ser categorizado  e, logo nos conscientizamos de que qualquer tentativa neste sentido impõem várias  classificações arbitrárias sobre o que na realidade um mundo infinitamente criativo e híbrido´.  Daniel Miller (ed), Material Cultures. Why Some Things Matter (London: University College London, 1998), p.6.  Miller sugere que a generalização da materialidade, ou seja, qualquer tentativa no sentido de construir teorias  gerais sobre as qualidades materiais dos artefatos e do commodities, deve  ser complementada por outra  estratégia que aborde a especificidade do domínio material em que a forma  do objeto em si é empregada dentro  da nossa  cultura. De  acordo com essa  linha de raciocínio proposta por Miller, a Cultura  Material seria mais um  veículo do que um resultado alcançado. Ela é uma tecnologia da investigação  que concentra uma diversidade de  habilidades que se unem de acordo com o objeto em  estudo. Assim, diferentemente da semiótica, a Cultura  Material não clama  um posto, um status de cadeira acadêmica. 

Na moda contemporânea, a predileção pela leitura da moda como linguagem, têm apresentado  seus reflexos nas  criações nacionais. Essa problemática está formada  em primeiro lugar pela tentativa perpetuada pela história  da  moda em  se datar estilos e nomear períodos rigidamente delimitados, procurando, desta forma, gerar uma lógica  linear de transformações estéticas da moda, guiadas por sua  vez, por mudanças sociais. Portanto, o  aprendizado  do passado da moda já é feito através da imagem, ou seja, primeiro a saia era em  A, depois em  H e S. 

Infelizmente, a relação íntima, individual e única da pessoa com sua  roupa perdeu­se com  o tempo. 

A outra questão é a de que a roupa só fala  através do corpo. É disso, na verdade, de que se alimenta a ´New  Media´  comentada  por Patrizia Calefato. Ora, uma vez sem corpo, a roupa perde  sua  validade e só vai readiquirí­  la com a moda vintage ou de brechó. Esse foi um outro limite histórico  imposto aos infinitos jogos que existem  e  sempre  existiram entre a nossa cultura material e nossos hábitos sociais. O  consumo da roupa não termina no ato  da compra, mas ele se estende na transformação dessa roupa numa nova peça, ou quando ela transforma­se em  herança para a filha mais magra ou quando ela  vira objeto de estudo em museu. Em cada uma dessas esferas  distintas, a roupa nos diz algo. Não por causa  de seus sinais verbais e não verbais, mas pela intenção  e reação  das pessoas com relação àquele  objeto. 

Acredito que através da revalorização do objeto em  detrimento da mídia geradora de imagens é que a criação em  moda vai nos sacudir a todos novamente. Enquanto isso não acontecer, as esferas criativas em moda estarão  restritas à Marca (território da leitura planejada), aos Desfiles  (território da legitimização da leitura planejada,  através dos corpos) e da vanguardista Wearable Art  (território do exercício da criatividade que alia  a fantasia à  realização). 

3 | Saiba Mais 

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4 | Bibliografia 

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