CULTURA M ATERI AL,
A I M AGEM E O DI SCURSO DE M ODA
Objetivo
Analisar de que maneira a Cultura Material pode ser construída pelas imagens.
Tópicos
1| Construção da Material 2| Roupa Fala?
1 | Construção da Material
O uso de objetos como fonte de pesquisa é atividade conhecida e praticada por museus e instituições afins
desde a Antiguidade (Veja no Glossário), como vimos na aula anterior. Nesses espaços encontramos o colecionismo sistematizado de objetos curiosos, importantes, únicos, emblemáticos depositados em local atribuído para armazenagem e exibição de conhecimento.
No século XIX, a arqueologia se apressou em desvendar culturas desconhecidas à Velha Europa e, através de grandes e pequenas expedições dispendiosas, grupos de homens associados a Museus enciclopédicos da França e da Inglaterra encontram, resgatam, catalogam, estudam, exibem e publicam seus achados numa sistemática bastante iluminista e nem sempre satisfatoriamente cartesiana da herança romântica oitocentista (Veja no Glossário). As expedições arqueológicas do século XIX geraram uma massa de trabalhos museais (ligados a museus) que dariam conta da catalogação e posterior estudo de objetos que refletiam, de acordo com os interesses das ciências humanas, culturas, suas formas de produção e diferenciação identitária por comparação a outras culturas. Esses trabalhos realizados em museus possibilitaram a elaboração de fichas de identificação e sistemas de observação de objetos que permitiriam seu reconhecimento visual, através da descrição de suas
características físicas, de sua articulação (quando possível) e de um breve histórico sobre a origem geográfico cultural da peça.
A sistematização das referências ligadas aos objetos em museus permitiu ainda a construção de um saber baseado neste tipo de fonte, porém, de forma a insistir nas suas características visuais e materiais como prova ilustrativa do que fontes mais tradicionais, como a própria narrativa de expedicionários, transformariam em história. Isso
significa dizer que o objeto de museu do século XIX até meados do XX tinha seu uso majoritariamente restrito a estudos visuais e de
produção ligados à cultura de determinado povo, mas apenas em medida suficiente a refletir e concordar com fontes escritas ou orais, como vimos na aula passada. Nos anos de 1970, as relações de ensinoaprendizagem engendradas nos e pelos museus europeus e norteamericanos passou por um processo de repensar o papel social, cultural e institucional desses espaços de armazenagem e exibição de história. A Nova Museologia não tendia apenas a questionamentos sobre o papel do museu enquanto agente de fomentação cultural e guardião do patrimônio histórico, mas principalmente às questões de nacionalidade, ética e práticas museais especificamente apropriadas às suas realidades. A partir deste período, ‘a organização museal é questionada em sua forma e estrutura, em sua filosofia e ação prática; ao mesmo tempo em que a interdisciplinaridade se afirma como urgência seja para o museu, seja para a Ciência Museológica, seja para o exercício e a formação profissionais, cada vez mais se torna patente a profissionalização como uma necessidade que, entretanto, não encontra reconhecimento em muitos países, sobretudo nos chamados periféricos’ (Guarnieri 1989: 10).
O repensar a museologia acompanhou movimentos semelhantes de questionamentos e discussões sobre práticas de trabalho em outras áreas. Na década anterior, especialmente no pósmaio de 1968 francês, havia uma preocupação na vanguarda intelectual com a continuidade irrepreensível de análises generalistas e enrijecidas pelo costume iluminista e cartesiano de métodos empregados pelas ciências no mundo moderno. Novas teorias da linguagem e cultura eram desenvolvidas para analisar várias formas de discurso e cultura. Saussure, Foucault, Barthes, Henry Lefebvre, LéviStrauss, Baudrillard, entre muitos outros, buscaram na fusão de aspectos da crítica ao pensamento marxista a estudos sobre o consumo, a mídia, a sensualidade e a moda, novas formas de pensar o fazer e o consumir (Kellner 1989:23). Coisas e palavras passaram a fazer parte constante nas análises sobre o mundo pósguerra.
Estudos elaborados a partir da cultura material sentiram reverberar as novas teorias. A batalha contra a corrente principal das ciências sociais nos anos de 1970 e 80 em que a cultura material era ainda insistentemente observada em sua importância enquanto forma material será questionada exatamente por permitir que, em sendo trivializado, o objeto é capaz de absorver mecanismos de reprodução social e ideológica dominantes (Miller 1998: 3). De acordo com Daniel Miller, editor fundador da revista acadêmica The Journal of Material Culture, o desenvolvimento de estudos em cultura material é um processo que passou por duas fases.
A primeira, representada em trabalhos publicados no final da década de 1970 e 1980 (Bourdieu 1977; Miller 1987; Appadurai 1986), representa a etapa em que foi preciso discutir que as coisas têm importância no mundo acadêmico e que o foco no mundo material não torna os objetos fetiche, uma vez que eles são uma
superestrutura separada dos mundos sociais (Miller 1998: 3). Esta primeira fase originou abordagens a questões ligadas à materialidade variando entre a cultura material análoga ao texto e como suas aplicações à modelos sóciopsicológicos (Miller 1998: 3).
A segunda fase, tratada por Miller em Material Cultures – why some things matter (1998), lida com o
pressuposto de que a importância das coisas já tenha sido explorada e exposta na primeira fase. Esse segundo momento dos estudos em cultura material experimentado atualmente está centrado na questão da diversidade da materialidade das coisas e de seus mundos em contextos distintos e, portanto, propõe que estes estudos não
sejam reduzidos à modelos do mundo social préexistente ou a preocupações restritas a subdisciplinas como o estudo da arquitetura ou o estudo dos tecidos (Miller 1998: 3). Miller defende a idéia de que é exatamente na especificidade do estudo de determinada coisa, de sua materialidade específica que podemos ter acesso a processos culturais em que disciplinas e fontes mais tradicionais tenderam a negligenciar. Por manterse indisciplinar, tais estudos, porém, não se concentram em uma área restrita do saber e nem fazem parte de uma determinada disciplina ou reunião de disciplinas, o que dificulta a produção numerosa de trabalhos cuja
preocupação central seja a materialidade (Miller 1998: 45).
Estudos que consideraram temas bastante específicos dentro da perspectiva de cultura material, foram feitos paralelamente a estudos históricos, especialmente na Europa, levando em conta questões regionais (espaciais) e temporais.
De acordo com Miller, algumas das produções mais influentes vieram da Antropologia e se preocupavam sobretudo com a natureza das mercadorias e com o consumo. Exemplo destes trabalhos é o de Appadurai (1986). Houve ainda contribuições da área de estudos sobre a mídia e, mais recentemente, de estudos ligados à museus, particularmente aqueles ligados ao colecionismo como atividade exercida em sociedades industrializadas (Miller 1998: 4).
Dependendo da perspectiva em que analisamos o que seja cultura material, poderemos incluir desde estudos mais tradicionais existentes em campos como a etnologia, antropologia e sociologia, até estudos marginais, como aqueles em design, arquitetura e Moda. Em muitos casos, portanto, a Cultura Material é melhor identificável como um meio e não um fim. Miller a chama de tecnologia de investigação (Miller 1998:5). Uma das razões pelas quais a Cultura Material não se desenvolveu como um foco prioritário de estudo devese a ser acusada de fetichismo. Assumiuse que os ideais das análises culturais seriam usurpadas pela proeminência dada ao objeto, o que resultaria em distorção ou mesmo negligência da vida cultural em estudo.
Para não fetichizar os estudos que envolvam pesquisa baseada em objetos, porém, é recomendável observar características das ferramentas e fontes usadas nesta atividade. É primordial, por exemplo, diferenciar a cultura material (o objeto), da lingüística (Miller 1998: 5). Miller acredita que a lingüística lida com fontes
estruturalmente semelhantes. Os domínios da lingüística, ele afirma, são relativamente específicos, o que inclui a mundo escrito, o discurso e a gramática (Miller 1998: 5). Em comparação, o universo da cultura material é infinitamente mais diversificado e, apesar de ser possível estabelecer estruturas de estudo para as coisas como é feito para as palavras, esta atividade seria improdutiva , possivelmente, desnecessária, visto que cada objeto tem sua biografia, sua especificidade material. Miller diz:
Diferentemente da linguagem, não podemos esperar poder enumerar os tipos e variedades dentro dos quais o mundo material possa ser categorizado e, nós estaremos rapidamente conscientes de que qualquer tentativa de o fazer impõe várias classificações arbitrárias sobre o que é, na verdade, um mundo infinitamente criativo e híbrido (Miller 1998: 6).
Essa questão da diversidade talvez seja um dos grandes bloqueios para a reunião de uma massa crítica de trabalhos que representem a Cultura Material em oposição à lingüística, por exemplo. Porém, é exatamente na diversidade que podemos propor novas formas de análises sociais e culturais e, é provavelmente esse ponto que torne a Cultura Material tão significante para o estudo de questões culturais. Isso significa dizer também que, ao tentarmos construir uma teoria da cultura material, ou métodos e formas de análises de objetos, não podemos perder de vista a importância de considerarmos em primeiro plano as especificidades do nosso objeto de estudo. Uma das críticas mais ferrenhas feitas por Daniel Miller sobre a produção acadêmica ligada à Cultura Material é que os autores tendem a se reunir em divisões axiomáticas, ou seja, sobre o guardachuva de áreas como Estudos Museais, Estudos de arquitetura e, por que não?, dizer estudos da Moda. Miller acredita que, com esta divisão explicitada na produção de periódicos para essas áreas de estudo, não contribui para a formação de pensamento crítico sobre a importância da cultura material para a compreensão mais ampla de formas e atividades culturais humanas.
No universo das análises resultantes de estudos em cultura material, o objeto é o ponto de partida na pesquisa, e não o resultado ou a ilustração dela.
Os novos trabalhos em cultura material retomaram a máxima de que nós somos, vivemos e reagimos à matéria, às coisas.
1.1 Glossário
Desde a Antiguidade
De acordo com Waldisa Rússio Guarnieri, ‘desde o desastre de Alexandria (século I a.C.), até a abertura do Louvre (século XVIII), o termo museu fica oficialmente congelado: falase, então, em tesouros, penetralia, gabinetes de raridades e de curiosidades, em galerias... mas em museus, jamais!’ (GUARNIERI 1989: 8).
Herança romântica oitocentista
Classificado como o segundo momento do desenvolvimento dos museus, o século XIX ‘marca a passagem do Museu do Iluminismo para o Museu do Romantismo, cujos modelos podem ser tomados no Louvre, Museu do Prado e Museu Britânico (este, já prenunciando o movimento do pensamento que seria o Romantismo). Neste momento, temos a reabilitação e consagração definitiva do termo museu, um aclaramento das reflexões sobre a organização dos museus que ainda se manisfestam como organismos ecléticos, porém já com a preocupação de maior abertura (...). A burguesia triunfante leva para as organizações museais seus padrões estéticos,
organizacionais e políticos; os museus refletem a classe e seus “conservadores” são ungidos com a qualificação de “notório saber”, cuja respeitabilidade está na razão direta de seu reconhecimento pela classe dominante e de acordo com os seus critérios’ (GUARNIERI 1989: 9).
2 | Roupa Fala?
Ao menos uma coisa é certa: nós podemos usar a roupa para falarmos alguma coisa sobre nós ou sobre um assunto que nos interessa. É importante frisar aqui o PODEMOS. Isso quer dizer que esta possibilidade existe, ela nos é acessível, mesmo considerando as extensões e os limites dessa acessibilidade.
Talvez um exemplo bastante óbvio dessa possibilidade sejam as camisetas com fotografias de pessoas conhecidas nossas. Assim, é possível estampar o rostinho do filho recémnascido e sair num domingo de manhã para um passeio no parque, em família. Desnecessário escrever na camiseta, se bem que ainda assim possível, os dizeres ‘meu amor’ ou ‘mamãe te ama’. O sorriso do bebê estampado no peito da mãe combinado com o ar de satisfação e prazer dessa mulher é que vão nos transmitir o clima de maternidade bem sucedida. É uma situação
absolutamente plausível, eu acredito que vocês concordariam comigo.
A predominância das imagens em nosso mundo encobre questões vitais do processo de produção e difunde a idéia de que o que é material é chato e difícil enquanto que o que é imagem é fantástico e facilmente assimilado. Nesta aula, trataremos da indiscutível supremacia da massificação da aparência, mas traremos perspectivas de um lugar para as sensibilidades individuais existirem dentro de processo industrial de Moda.
Vamos refletir aqui sobre como nosso gosto por coisas bem resolvidas, limpas e de aparência perfeita, controlada, nos desviou da nossa relação mais sensível com as coisas que usamos inclusive roupas e sapatos. Mesmo quando pensamos na desconstrução e no pauperismo com estilos rasgados e do tipo mendigo sendo vendidos por grifes consagradas, não nos enganemos, os materiais usados são de alta tecnologia, bem como as técnicas de produção e as estratégias de divulgação e marketing. O que parece desleixado e fora de controle está bem da verdade na ponta do lápis de grandes grupos que controlam as marcas. Quando Winona Ryder foi presa em dezembro de 2001, acusada de cleptomania por ter roubado algumas peças de roupa em Beverly Hills, falsificado receitas médicas para comprar drogas e depois, em 2002, por roubar roupas de grife na loja de departamentos Saks na 5a Avenida em Nova York, o mundo da Moda em breve se renderia àquilo que já vinha acontecendo há tempos, mas que não havia tomado as proporções que tomaria
neste caso. As imagens e a idéia de uma cleptomaníaca que, não se importando com os perigos a sua volta como câmeras de segurança ou mesmo o reconhecimento de sua fama, avança avidamente sobre artigos de luxo que ela poderia bem comprar mas que prefere roubar, poderia ter sido apenas mais uma pequena manchete em jornais de grandes cidades não fosse essa mulher uma atriz globalmente reconhecida e associada ao glamour e ao espírito da doce beleza americana.
Não demoraria em que esta imagem fosse reproduzida em uma campanha publicitária do estilista Marc Jacobs, que usou a própria Winona em cenas fotográficas decadentes onde está implícito o vexame extensamente explorado pela mídia internacional. Vergonha transformada em aura e mote publicitário que ajudou a criar uma distinção da coleção primavera/verão de 2003 de Marc Jacobs como algo raro, subversivo e luxuoso, afinal, não é todo cleptomaníaco que poderia ter tamanho assédio e mídia espontânea como teve Winona. Transformar o evento em instrumento de glamourização da Moda foi apenas uma rápida sacada do estilista e sua equipe que encontraram uma boa receptividade entre os leitores de Vogue, Harper´s Bazar e outras revistas de Moda que veicularam a campanha. Não houve, porém, nenhuma insinuação de que os produtos veiculados naquela campanha fossem inovadores ou criativos. Nenhuma atenção foi dada pela imprensa ao que realmente encontraremos à venda nas lojas: as roupas, os acessórios e os perfumes. É como se a materialidade desses produtos fosse de tal forma inundado pela representação da cena pecaminosa de Winona, que os atributos físicos desses objetos fossem infinitamente menos importantes do que a aura subversiva atribuída a eles através de imagens representadas nas revistas. Este é apenas um dos muitos exemplos que podemos encontrar na Moda nos últimos anos em que vemos o mundo material a que estamos sujeitos na produção dos objetos ser mascarado pelas visualidades da Moda. Ou seja, a imagem, as representações e as idéias atribuídas maciçamente pelos shows e difundidos globalmente pelas mídias tornaramse o grande foco das indústrias e consumidores de Moda. Os objetos que compramos e que fazem parte do nosso diaadia precisam ter uma aura que não será identificado por nós através de nossos sentidos táteis, olfativos, etc, mas sim por uma idéia previamente veiculada em grandes redes de comunicação. Por de trás desta rede de representações está um mundo subterrâneo e pouco conhecido de relações sórdidas de trabalho, cópias, pirataria e distinção social a que o jornalista americano Nicholas Coleridge chamou de “Fashion Cosnpiracy”, a conspiração da Moda e que o dineasta brasileiro Marcelo Masagão representou em seu filme 1,99: o supermercado que vende palavras (2003).
Parece haver, portanto, um confronto constante entre materialidade e discursos ou realidade e representação. Por isso, escolhi a palavra ROUPA ao em vez de MODA quando perguntei: ROUPA FALA? Num mundo pósmoderno ou hipermoderno onde a ´Sede não é nada e a imagem é tudo´ (trocadilho com a recente campanha publicitária do refrigerante Sprite), a moda é conceitual, fantasiosa e alimentase da imagem. Já a roupa é a constatação material dessa moda. É exatamente este antagonismo que fez surgir junto com os novos usos da cultura material uma crítica aos estudos semióticos da moda. Uma dessas linhas teóricas, impulsionada pelo inglês Daniel Miller, observa que a leitura da imagem de moda como linguagem pode levar à formulação distorcida de algumas realidades (vou recordálos da nossa camiseta com a fotografia do bebê e das várias estórias que ela pode desencadear). Vamos então refletir:
A roupa fala ou nos serve de suporte para o nosso próprio discurso?
Se existe essa fala, ela é autônoma ou ela acontece em conjunto com o seu principal suporte, o corpo? A roupa sem o suporte corpo, se cala quando está esvaziada e inanimada no armário, na vitrine, no museu, na galeria de arte ou na passarela de um desfile como o de Ronaldo Fraga (‘Corpo Cru’)? No estudo da semiótica de moda, a pesquisadora italiana Patrizia Calefato é uma das mais publicadas. O seu trabalho é um exemplo daquilo que é o alvo de crítica de autores cujos trabalhos sejam centrados em cultura material, uma vez que é baseado no pensamento de que:
'A linguagem é articulada pela sintaxe, um sistema de regras que garante a ela suas conexões internas, possibilitando a sua expressão. A moda (DRESS) é articulada por um tipo de sintaxe sociocultural, que poderia ser chamado de "costume" no contexto de sociedades tradicionais ou de funções ritualísticas, ou "moda" no contexto da modernidade e de funções estéticas.´
Patrizia Calefato, Fashion and Worldliness: Language and Imagery of the Clothed Body in Fashion Theory, Volume 1, Issue 1, 1997, pp.6990, p. 70.
Ela continua seu discurso colocando as implicações desse sistema de linguagem no contexto social:
'do ponto de vista do sujeito que cria a moda, a coleção dos elementos que formam essa sintaxe se apresenta como um sistema organizado com relação ao mundo; na verdade, como uma linguagem, ou, para usar uma outra expressão, como um sistema de signos, a moda é um pedaço da sociedade materializado em objetos, estilos, ritos e modos de embelezamento corporal.´ 'Se o vestir é uma linguagem, então, moda é um sistema de sinais verbais e não verbais através do qual essa linguagem se expressa no contexto da modernidade.´ Patrizia Calefato, Fashion and Worldliness: Language and Imagery of the Clothed Body in Fashion Theory, Volume 1, Issue 1, 1997, pp.6990, p. 70. Um dos aspectos centrais no trabalho da Patrizia Calefato é a idéia de que a moda faz parte da "nova mídia", mesmo sendo esse um jargão usado para indicar simplesmente a mídia digital, ao passo que a moda enquanto sistema de signos tenha existido em períodos anteriores à produção em massa.
Outra questão relevante colocada por Patrícia é a de que esse sistema de signos na moda, inevitavelmente inclui o corpo. Nesse sentido, o corpo é uma performance, uma construção da identidade material, a dimensão mundana da subjetividade. É ele que dá vida à roupa.
A crítica feita a essa teoria por pesquisadores cujos estudos são baseados na análise de objetos é que existem instâncias e esferas inerentes à moda que não podem ser vistas na superfície da imagem. Existem
desdobramentos da moda que não querem se revelar através da fala, seja ela uma linguagem verbal ou não verbal. No capítulo do livro Cultura e Consumo de 1990 chamado: ´O vestir como linguagem a contribuição do objeto nas propriedades expressivas da Cultura Material´, o pesquisador americano Grant McCracken desabafa:
´Diferentemente da linguagem, nós (pesquisadores em cultura material) não podemos esperar enumerar os tipos e as variedades dentro dos quais o mundo do objeto possa ser categorizado e, logo nos conscientizamos de que qualquer tentativa neste sentido impõem várias classificações arbitrárias sobre o que na realidade um mundo infinitamente criativo e híbrido´. Daniel Miller (ed), Material Cultures. Why Some Things Matter (London: University College London, 1998), p.6. Miller sugere que a generalização da materialidade, ou seja, qualquer tentativa no sentido de construir teorias gerais sobre as qualidades materiais dos artefatos e do commodities, deve ser complementada por outra estratégia que aborde a especificidade do domínio material em que a forma do objeto em si é empregada dentro da nossa cultura. De acordo com essa linha de raciocínio proposta por Miller, a Cultura Material seria mais um veículo do que um resultado alcançado. Ela é uma tecnologia da investigação que concentra uma diversidade de habilidades que se unem de acordo com o objeto em estudo. Assim, diferentemente da semiótica, a Cultura Material não clama um posto, um status de cadeira acadêmica.
Na moda contemporânea, a predileção pela leitura da moda como linguagem, têm apresentado seus reflexos nas criações nacionais. Essa problemática está formada em primeiro lugar pela tentativa perpetuada pela história da moda em se datar estilos e nomear períodos rigidamente delimitados, procurando, desta forma, gerar uma lógica linear de transformações estéticas da moda, guiadas por sua vez, por mudanças sociais. Portanto, o aprendizado do passado da moda já é feito através da imagem, ou seja, primeiro a saia era em A, depois em H e S.
Infelizmente, a relação íntima, individual e única da pessoa com sua roupa perdeuse com o tempo.
A outra questão é a de que a roupa só fala através do corpo. É disso, na verdade, de que se alimenta a ´New Media´ comentada por Patrizia Calefato. Ora, uma vez sem corpo, a roupa perde sua validade e só vai readiquirí la com a moda vintage ou de brechó. Esse foi um outro limite histórico imposto aos infinitos jogos que existem e sempre existiram entre a nossa cultura material e nossos hábitos sociais. O consumo da roupa não termina no ato da compra, mas ele se estende na transformação dessa roupa numa nova peça, ou quando ela transformase em herança para a filha mais magra ou quando ela vira objeto de estudo em museu. Em cada uma dessas esferas distintas, a roupa nos diz algo. Não por causa de seus sinais verbais e não verbais, mas pela intenção e reação das pessoas com relação àquele objeto.
Acredito que através da revalorização do objeto em detrimento da mídia geradora de imagens é que a criação em moda vai nos sacudir a todos novamente. Enquanto isso não acontecer, as esferas criativas em moda estarão restritas à Marca (território da leitura planejada), aos Desfiles (território da legitimização da leitura planejada, através dos corpos) e da vanguardista Wearable Art (território do exercício da criatividade que alia a fantasia à realização).
3 | Saiba Mais
Para saber mais sobre a campanha ‘Free Winona’ , visite o site www.freewinona.com.
4 | Bibliografia
ANDRADE, Rita. “A Roupa como documento histórico – uma nova abordagem em estudos sobre Moda” in Espaço Crítico (www.modabrasil.com.br), abril de 2001.
APPADURAI, Arjun (ed.). The Social Life of Things. Commodities in cultural perspective. Cambridge University Press, 1986. ATTFIELD, Judy. Wild Things. The material culture of everyday life. Berg, 2000. BOUCHER, François. Histoire du Costume. Paris: Flammarion, 1996. BURKE, Peter. A Escola dos Annales 19291989. A revolução francesa da historiografia. São Paulo: Unesp, 1997. CALEFATO, Patrizia. “Fashion and Worldliness: Language and Imagery of the Clothed Body” in Fashion Theory, Volume 1, Issue 1, 1997, p.6990. CEVASCO, Maria Elisa. Dez Lições sobre Estudos Culturais. São Paulo: Boitempo, 2003. DURAND, José Carlos. “Moda, luxo e economia. Editora Babel Cultural, 1988.” Fashion Theory – a revista da moda, corpo e cultura. GUARNIERI, Waldisa Rússio. “Museu, Museologia, Museólogos e Formação” in Revista de Museologia. São Paulo, Instituto de Museologia de São Paulo, 1989, v.1, n.1, pp.711. HALL, Stuart et alli. Culture, Media, Language. Londres: Hutchinson, 1980. HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence. A invenção das tradições. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. HOGGARTH, Richard. As utilizações da cultura. Trad. M.C. Cary. Lisboa: Presença, 1973.
HORTA, Maria de Lourdes Parreiras (et al). Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999. KELLNER, Douglas. Jean Baudrillard. From Marxism to Postmodernism and Beyond. Stanford: Stanford University Press, 1989. LAVER, James. A Roupa e a Moda. São Paulo: Cia das Letras, 1996. MAROTTA, Cláudia Otoni de Almeida. O que é História das Mentalidades (Coleção Primeiros Passos). São Paulo: Brasiliense, 1991. McCRACKEN, Grant. Culture and Consumption. Indiana University Press, 1990.
MILLER, Daniel (ed.). Material Cultures. Why some things matter. Londres: University College London, 1998.
PALMER, Alexandra. “New Directions: Fashion History Studies and Research in North America and England” in Fashion Theory. Berg: 1997, volume 1, issue 3, pp. 297312.
PASTOUREAU, Michel. O pano do diabo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.
PROWN, Jules. “Mind in matter: an introduction to material culture theory and method” in PEARCE, Susan M. (ed.) Interpreting Objects and Collections. Londres: Routledge, 1994, p. 133138.
RIBEIRO, Berta G. “Cultura Material: objetos e símbolos” in Ciência em Museus. Volume 2, outubro/1990, pp.1726.
ROCHE, Daniel. História das Coisas Banais. Nascimento do consumo séc. XVIIXIX. Trad. Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
ROCHE, Daniel. The Culture of Clothing. Dress and Fashion in the Ancien Regime. Cambridge University Press, 1994 (1a ed. francesa 1989). STALLYBRASS, Peter. O casaco de Marx. Roupas, memória, dor. Trad.Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. STEELE, Valerie. “A Museum of Fashion Is More Than a ClothesBag” in Fashion Theory. Berg: 1998, volume 2, issue 4, pp. 327336. SUANO, Marlene. O Que é Museu. (Coleção Primeiros Passos). São Paulo: Brasiliense, 1986, p.3549. TAYLOR, Lou. The Study of Dress History. Manchester University Press, 2002. WILLIAMS, Raymond. Cultura e Sociedade, 17801950. Trad. Leonidas H.B. Hegenberg. São Paulo: Nacional, 1969.