• Nenhum resultado encontrado

A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO TOCANTE AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO TOCANTE AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS"

Copied!
18
0
0

Texto

(1)

A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO TOCANTE AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS

THE JUDICIALIZATION OF THE RIGHT TO HEALTH WITH REGARD TO THE SUPPLY OF MEDICINES

Gracielly Vieira Ribeiro Fernandes1; Wagner Ferreira da Silva2; Leonardo Ricardo Araújo Alves3

RESUMO

A assistência à saúde é um dos institutos protegidos pela legislação brasileira. Uma das garantias oriundas do direito em questão é a concessão de fármacos por parte do poder executivo. Lado outro, o fornecimento em questão encontra barreiras em razão da falta de infraestrutura suficiente ao atendimento de todos. Desse modo, muitas pessoas ajuízam ações objetivando terem o direito à saúde resguardado, restando ao poder judiciário o dever de buscar equilibrar o direito pleiteado pela parte com as políticas públicas instituídas pelos entes do poder executivo.

Palavras-chave: Judicialização do direito à saúde; divisão de competências; RENAME.

ABSTRACT

Health care is one of the institutes protected by Brazilian law. One of the guarantees arising from the right in question is the granting of drugs by the executive branch. On the other hand, the supply in question encounters barriers due to the lack of sufficient infrastructure to serve everyone. In this way, many people interpose actions aiming to have the right to health protected, leaving the judiciary the duty to seek to balance the right claimed by the party with the public policies instituted by the entities of the executive branch.

Key words: Judicialization of the right to health; division of competences; RENAME.

____________________

1 Acadêmica do 9º período do curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni/MG, e- mail: graciellyribeiro17@hotmail.com;

² Acadêmico do 9ºperíodo do curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni/MG, e- mail: wagnertrabalho2010@hotmail.com;

³ Procurador Federal e professor do curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni/MG, e-mail: falecomleonardo@gmail.com.

(2)

1. INTRODUÇÃO

A Constituição da República trouxe uma série de inovações ao ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no que tange aos direitos humanos. Dentre tais novidades, foi apresentada a ideia de universalização daqueles, dentre os quais se encontra o direito à vida, o qual pressupõe não somente a garantia de se permanecer vivo, mas também viver com dignidade.

Desse modo, o texto constitucional trouxe a noção de que o Estado deveria, a qualquer custo, proteger a vida da população, não podendo agir de modo a desrespeitar a tal garantia e, também, devendo agir sempre que esta se encontrasse em situação de risco, haja vista a indisponibilidade e essenciabilidade de tal direito.

Lado outro, em que pese a clarividência do dever estatal em assegurar o direito à vida na área da saúde, proporcionando os tratamentos e medicamentos imprescindíveis às diversas enfermidades para aqueles que necessitem, é sabido que o Estado brasileiro passa por dificuldades financeiras, havendo grandes problemas de infraestrutura na área da saúde, o que acaba por inviabilizar de certo modo o atendimento a todos de modo integral, como exposto pela Constituição Federal.

Sendo assim, por diversas vezes pessoas precisam recorrer ao poder judiciário a fim de terem resguardado o direito à saúde e, consequentemente, o direito à vida. Desse modo, este trabalho visa analisar o labor do poder judiciário nas decisões afetas à resolução de enfermidades inicialmente não solucionadas pelo poder público na via extrajudicial.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, considerada por muitos a maior catástrofe causada pelo ser humano, boa parte das nações estavam preocupadas em evitar que as atrocidades ocorridas no período da guerra, tais como milhões de mortes, envio de pessoas a

(3)

campos de concentração, utilização de armas nucleares e extermínio de determinados grupos raciais, ocorressem novamente.

Nesse cenário, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada em dezembro de 1948. Tal documento é visto como um divisor de águas em relação às garantias básicas dadas ao povo. Digo isso porque, ainda que existam documentos anteriores àquela, tais como a Magna Carta Inglesa de 1915 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual foi assinada no Estado Francês em 1789, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi responsável por fortalecer o conceito de universalização e indivisibilidade dos direitos humanísticos.

Em relação à dita indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos, seguem palavras da ilustre jurista Flávia Piovesan:

Em face da indivisibilidade dos direitos humanos, há de ser definitivamente afastada a equivocada noção de que uma classe de direitos (a dos direitos civis e políticos) merece inteiro reconhecimento e respeito, enquanto outra classe de direitos (a dos direitos sociais, econômicos e culturais), ao revés, não merece qualquer observância. Sob a ótica normativa internacional, está definitivamente superada a concepção de que os direitos sociais, econômicos e culturais não são direitos legais. A ideia da não acionabilidade dos direitos sociais é meramente ideológica e não científica. São eles autênticos e verdadeiros direitos fundamentais, acionáveis, exigíveis e demandam séria e responsável observância. Por isso, devem ser reivindicados como direitos e não como caridade ou generosidade.

[...]

O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção destes direitos. Este sistema é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em que invocam o consenso internacional acerca de temas centrais aos direitos humanos.

Ante o exposto, verifica-se que os institutos da universalização, bem como da indivisibilidade dos direitos humanos, pressupõem que estes são inerentes à condição de ser humano, pelo que qualquer pessoa deve tê-los assegurados independentemente de quaisquer condições ou características pessoais, não sendo possível ainda que os agentes, por sua mera vontade, abram mão de ter tais garantias.

No Brasil, a Carta de 1988 representou um marco no que tange à institucionalização dos direitos e garantias fundamentais, haja vista se tratar de um documento amplamente avançado em relação à matéria, sendo considerada como uma das constituições mais

(4)

inovadoras do mundo em relação aos direitos humanísticos, tendo sido influenciada pelas constituições alemã de 1949, portuguesa de 1976 e espanhola de 1978.

Segundo o entendimento do douto jurista José Afonso da Silva:

É a primeira vez que uma constituição assinala, especificamente, objetivos do estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e entre eles, uns que valem como base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana.

Logo no início do texto da Carta Maior brasileira (mais precisamente artigo 1º, inciso III), tem-se a dignidade da pessoa humana como fundamento constitucional, pelo que se verifica a intenção do poder constituinte em posicionar tal princípio como norteador da lei maior brasileira, fazendo com que tal postulado básico sempre deva ser respeitado nas mais variadas esferas da legislação pátria.

Ademais, ainda no início do texto constitucional (artigo 5º, caput), encontra-se exposto o direito à vida, o qual, além de possuir estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, foi posicionado dentre os direitos e garantias fundamentais, fazendo parte do seleto grupo de garantias mínimas a serem resguardadas a todo e qualquer ser humano independentemente de quaisquer condições que este ostente ou situação em que se encontre.

3. O DIREITO À SAÚDE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

É imperioso dissertar acerca da relação entre o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana. Isso porque, o direito à vida pressupõe, além da garantia de permanecer vivo, o direito à vida digna, sendo esta compreendida como uma existência subsidiada pelo suprimento de todas as necessidades humanas básicas, tais como saúde, educação, trabalho, alimentação, dentre outras.

Entrelaçado às garantias acima mencionadas, têm-se o direito à saúde, o qual, além de estar implícito no direito à vida e no princípio da dignidade da pessoa humana, encontra-se exposto nos artigos 6º e 196 da Constituição da República:

(5)

Art. 6° São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

...

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Ante todo o exposto, verifica-se a importância dada ao direito à saúde na legislação pátria, sendo tal garantida implantada como um dever do Estado e, ainda, de maneira universal, em caráter preventivo e corretivo, ou seja, além de ter sido conferido ao ente estatal a responsabilidade de manter uma infraestrutura capaz de atender a quaisquer pessoas que necessitem do sistema de saúde pública, o Estado ainda tem a atribuição de promover políticas públicas a fim de fomentar uma redução dos riscos de adoecimento da população.

Nesse contexto, torna-se imperiosa a análise do art. 198 da Carta Maior:

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

Através da leitura das disposições invocadas, é possível verificar a intenção do legislador em criar um sistema de saúde unificado, com divisão de atribuições entre as esferas do poder executivo e atendimento integral, aplicando a ideia de universalização do atendimento à população.

Sob tal prisma foi instituído o Sistema Único de Saúde. Por meio das inúmeras inovações que nortearam o programa, este foi considerado como um dos melhores sistemas de saúde do mundo, haja vista a amplitude de suas competências e a pormenorizada divisão de tarefas entre as esferas governamentais, o que faz com que o programa, embora almeje um atendimento integral, possua uma divisão de competências a fim de facilitar o seu implemento, haja vista que a responsabilidade por sua efetivação é dividida entre as esferas do poder executivo.

(6)

O Sistema Único de Saúde foi instaurado por meio da lei nº 8.080/1990. A assistência à saúde instituída pelo SUS foi regulamentada no capítulo IV do Decreto 7508/2011, o qual trouxe dois importantíssimos instrumentos para a concretização da assistência à saúde pública, quais sejam, a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES) e a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).

A RENASES foi implementada no intuito de sistematizar os mais diversos tipos de ações necessárias ao atendimento da saúde pública, permitindo que as esferas de governo se organizassem no sentido de definir as competências da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Lado outro, a RENAME foi criada a fim de promover a sistematização do fornecimento de medicamentos na área da saúde pública, por meio da padronização dos medicamentos e da divisão de competências em relação ao fornecimento daqueles entre as esferas do poder executivo.

Ademais, tanto a RENAME quanto a RENASES trouxeram a possibilidade de os Estados, Distrito Federal e Municípios criarem relações específicas e complementares de ações em prol da saúde e medicamentos.

4. A EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA EM RELAÇÃO AOS PROCESSOS ENVOLVENDO PROVIMENTO DE MEDICAMENTOS

Pois bem. É sabido que o sistema público de saúde não vem obtendo êxito em promover adequadamente o atendimento a todos que dele necessitem do modo exposto na constituição federal. Tornou-se comum a veiculação de notícias informando que determinados hospitais ou secretarias de saúde não possuem os insumos necessários para atender a população.

Desse modo, aqueles que não são atendidos pela rede pública e não detêm condições financeiras para efetivar os tratamentos na rede de saúde privada, têm no poder judiciário a única chance de verem seu direito à vida digna devidamente respeitado.

Um estudo promovido pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) a pedido do Conselho Nacional de Justiça indicou que o número de ações judiciais relacionadas à saúde

(7)

cresceu 130% entre os anos de 2008 a 2017, o que demonstra a importância do trabalho do poder judiciário na efetivação do direito à saúde.

Desse modo, o maior desafio atribuído ao poder judiciário é promover uma compatibilização entre os interesses e necessidades básicas dos pacientes sem, no entanto, onerar demasiadamente os custos para o Estado, haja vista que este já se encontra com problemas financeiros e de infraestrutura.

Todos os dias os tribunais de justiça estaduais e federais recebem centenas de demandas envolvendo o direito à saúde e muitas das vezes os casos envolvem emergências, como nos casos em que a parte depende de um medicamento com urgência a fim de resguardar sua vida ou necessita de uma vaga em uma UTI.

Durante muito tempo a jurisprudência brasileira entendeu que a obrigação dos entes estatais em relação ao fornecimento de medicamentos era solidária e que, por tal razão, o cidadão poderia pleitear judicialmente que determinado Município, Estado ou a União lhe fornecesse o medicamento ou procedimento médico necessitado.

Nesse sentido invoco precedente do Supremo Tribunal Federal publicado em agosto de 2013:

EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL. SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS.

PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 13.8.2008. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da responsabilidade solidária dos entes federativos quanto ao fornecimento de medicamentos pelo Estado, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um deles – União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Agravo regimental conhecido e não provido. (ARE 738729 AgR, Rel.

Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 25.6.2013, DJE de 15.8.2013).

O entendimento exposto pelo precedente invocado certamente buscava resguardar o direito à saúde do cidadão, ao facilitar o acesso deste ao fármaco ou procedimento solicitado, vez que a solicitação poderia ser promovida em face de qualquer dos entes do poder executivo.

Lado outro, o referido posicionamento acabava por não observar as políticas públicas já existentes, de modo a possibilitar uma oneração excessiva dos entes públicos, vez que algum destes pode ser condenado a fornecer um medicamento ou serviço de saúde que não seria de sua competência e, portanto, não teria recursos suficientes para tanto, o que poderia

(8)

agravar ainda mais a situação financeira do ente em questão, a qual já se encontraria em uma situação delicada.

Com o passar do tempo o entendimento dos tribunais pátrios foi evoluindo em relação ao tema. Nesse sentido foram editados os enunciados da I e II Jornada de Direito à saúde promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça:

“CNJ – I Jornada de Direito da Saúde – Enunciado n° 08 – Nas condenações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas, quando possível, as regras administrativas de repartição de competência entre os gestores”.

[... ]

“CNJ – II Jornada de Direito da Saúde – Enunciado n° 60 - A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento”.

Analisando as disposições colacionadas é possível verificar a evolução no entendimento do poder judiciário no sentido de tentar respeitar as divisões de competência entre os entes a fim de compatibilizar o direito à saúde pública às políticas já existentes.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal julgou, em sede de repercussão geral, os Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 855.178:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO,

CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO

PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA

NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE.

DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. 2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. 3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.

4. Embargos de declaração desprovidos. (ED no RE nº 855178/SE, rel. min. LUIZ FUX, relator p/ acórdão: ministro EDSON FACHIN, DJe de 15.4.2020).

(9)

Observando o posicionamento da Corte Superior, percebe-se claramente que foi mantido o entendimento de que os entes de qualquer esfera de governo (Municipal, Estadual ou Federal) podem ser acionados judicialmente de modo isolado ou conjunto nas demandas que envolvem o direito à saúde.

Lado outro, o precedente em questão firmou que compete à autoridade judicial observar as regras de repartição de competências e direcionar o cumprimento da decisão ao ente responsável ou ressarcir aquele que suportou ônus financeiro que não era de sua responsabilidade.

Ante o exposto, verifica-se grande evolução em decisões relacionadas ao direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro, no sentido de buscar efetivar o direito à saúde em consonância com as políticas públicas já existentes.

Sendo assim, nasce para o Judiciário o dever de verificar em cada caso qual seria o órgão competente para fornecer o medicamento ou procedimento de que a parte necessita. A fim de promover tal análise em relação a medicamentos, inicialmente o julgador precisa verificar se o fármaco pleiteado se encontra registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, bem como se aquele é padronizado pelo SUS e, em caso positivo, quem são os responsáveis pelo fornecimento.

5. ENTENDIMENTO DO STF EM RELAÇÃO AOS PEDIDOS DE MEDICAMENTOS QUE NÃO DETÉM REGISTRO NA ANVISA

Em relação aos medicamentos não registrados na ANVISA, o Supremo Tribunal Federal decidiu tal questão no julgamento do tema nº 500 da Repercussão Geral. O entendimento firmado dispõe que, via de regra, o Estado não poderá ser obrigado a fornecer fármacos não registrados no órgão competente, sob pena de se prejudicar o próprio direito à saúde, haja vista que um medicamento que não tenha sido devidamente testado e aprovado pode ser muito prejudicial ao usuário, em razão da inexistência de comprovação de eficácia, qualidade e segurança do produto.

Ademais, consoante disposição do artigo 12, da Lei nº 6.360/1976, a qual dispõe acerca da vigilância sanitária de medicamentos, “Nenhum dos produtos de que trata esta Lei,

(10)

inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”.

Assim, a decisão do tema em questão foi a seguinte:

Decisão: O Tribunal, apreciando o tema 500 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator) e Dias Toffoli (Presidente). Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: "1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União”, vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 22.05.2019.

Em que pese a regra geral fixada no sentido da impossibilidade de concessão de medicamentos não registrados na ANVISA, nota-se na decisão exposta que o plenário do STF permitiu a concessão de fármacos não registrados no órgão competente de maneira excepcional, desde que atendidas as condições acima descritas.

Desse modo, percebe-se claramente a preocupação dos Ministros do STF em resguardar o direito à saúde, permitindo que em casos específicos seja afastada a imprescindibilidade do registro na agência competente a fim de promover o atendimento de que a parte necessite.

É imperioso observar ainda que nesses casos a ação deverá, necessariamente, ser ajuizada em face da União, haja vista que é desta a atribuição de promover o registro e análise dos medicamentos através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

6. ENTENDIMENTO DO STJ EM RELAÇÃO AOS MEDICAMENTOS REGISTRADOS NA ANVISA E NÃO PADRONIZADOS PELO SUS

(11)

Por outro lado, caso a medicação pleiteada seja registrada na ANVISA e não se encontre padronizada pelo SUS, a concessão é possível, desde que observados alguns requisitos, consoante entendimento firmado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do tema nº 106:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.

1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos. 2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados. 3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106). Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas. 4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. 5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015. (REsp 1657156/RJ, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Seção, DJe de 4.5.2018).

Analisando o teor do precedente invocado é possível notar que a concessão de fármacos registrados pela vigilância sanitária e não padronizados pelo SUS é possível desde que: Seja comprovado, via laudo médico fundamentado e circunstanciado da imprescindibilidade do medicamento, prévio registro do fármaco na ANVISA e, ainda, que seja comprovada a incapacidade financeira de a parte adquirir aquele por suas expensas.

Em relação ao último quesito citado fica evidenciada a preocupação com a oneração excessiva do Estado, vez que a concessão somente será devida se houver a impossibilidade financeira de o próprio reclamante adquirir o produto, vez que, em se tratando de

(12)

medicamento não padronizado, a concessão desenfreada poderia provocar sérios prejuízos financeiros ao Estado, haja vista que o produto não se encontraria inserido dentre as políticas públicas desenvolvidas e, portanto, não estaria dentro do planejamento orçamentário promovido pelo ente a que fosse atribuída a responsabilidade pela concessão.

Faz-se mister observar que, o fato de que um dos critérios de concessão de medicamentos não padronizados pelo SUS seja a incapacidade financeira da parte em adquirir o fármaco na rede privada, não fere o princípio constitucional da igualdade. Isso porque, o postulado exposto na Carta Maior preconiza a igualdade material, a qual visa nivelar as diferenças existentes entre as pessoas, tratando de maneira diferente aqueles que se encontram em situações distintas.

Desse modo, embora a saúde seja direito de todos, tratando-se de medicamento não incluído dentre as políticas públicas existentes, não há óbice em o Estado não conceder aquele à parte que possui condições de adquiri-lo enquanto concede o mesmo produto à parte que não pode compra-lo por conta própria, haja vista que tal medida busca um equilíbrio a fim de que todos tenham acesso aos insumos necessários à sua saúde sem, no entanto, onerar demasiadamente o Estado.

7. DIRECIONAMENTO DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS PADRONIZADOS

No que tange aos medicamentos padronizados pelo SUS, o magistrado deve se atentar para verificar o responsável pela concessão a fim de promover o correto direcionamento da decisão.

Para tanto, deve-se recorrer às listas de medicamentos padronizados pelo SUS. A principal ferramenta nesse sentido é a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais.

Em razão de se tratar de um documento extenso, a RENAME é subdividida em seções e anexos, a fim de facilitar a busca pelos medicamentos. Desse modo, após promovida a localização do fármaco, faz-se necessário verificar qual é o órgão competente para fornecer o insumo pleiteado.

(13)

A título de exemplo, o anexo I da seção A da RENAME trata do componente básico da assistência farmacêutica, sendo este compreendido como a parte responsável pela assistência à saúde primária, cuja responsabilidade pelo fornecimento dos medicamentos é, via de regra,do ente municipal.

Ademais, consoante disposição do art. 24 do Decreto nº 7508/2011:

O Estado, o Distrito Federal e o Município poderão adotar relações específicas e complementares de medicamentos, em consonância com a RENAME, respeitadas as responsabilidades dos entes pelo financiamento de medicamentos, de acordo com o pactuado nas Comissões Intergestores.

Desse modo, quando o julgador não encontrar o medicamento solicitado na RENAME, este deverá analisar as listas complementares a fim de verificar se o medicamento foi ou não padronizado nestas.

Nesse sentido, também a título de exemplificação, no Estado de Minas Gerais existe a REMEMG - Relação de Medicamentos do Estado de Minas Gerais e no município de Teófilo Otoni há a REMUME – Relação Municipal de Medicamentos Essenciais.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao receber tais demandas, o julgador deve promover a compatibilização do direito à saúde com as políticas públicas instituídas pelos entes do poder executivo, de modo a efetivar o atendimento daquele que necessite por meio das políticas públicas já instituídas.

Isso porque, em que pese o direito à saúde estar diretamente vinculado ao direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo uma garantia integral e universal de todos, faz-se imperioso respeitar as normas existentes em relação à repartição de competências no que tange ao fornecimento de medicamentos.

Tal compatibilização ganha destaque e equivale a respeito às normas já instituídas em relação ao tema e permitem que a responsabilização de determinado ente estatal esteja o mais próximo possível de seu planejamento em relação à assistência à saúde e de acordo com o orçamento recebido para tal fim.

(14)

Todo este trabalho atribuído ao poder judiciário ganha ainda mais importância em momentos em que o Estado, como um todo, passa por dificuldades financeiras, onde é cada vez mais preciso administrar a escassez, de modo a buscar atender devidamente a todos que necessitem do sistema público de saúde do modo menos prejudicial às finanças do Estado.

Ao promover o equilíbrio nas decisões afetas ao direito à saúde resguardando o direito da parte sem sobrecarregar o planejamento orçamentário estatal, os órgãos do poder judiciário assumem importante papel social, haja vista que, desse modo, aumenta significativamente o número de pessoas que poderão ser devidamente atendidas pelo Estado em relação à assistência pública, fazendo assim a melhor distribuição possível dos recursos finitos existentes, de modo a almejar a efeticação do princípio da universalidade do atendimento à saúde pública.

(15)

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PIOVESAN, Flávia. Leituras complementares de Direito Constitucional, 3ª Edição.

Salvador: Editora JusPodivm, 2008. p 43,45.

AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed., São Paulo:

Malheiros Editores Ltda., 1998. p. 109-110.

BRASIL. Decreto nº 7508, de 28 de junho de 2008. Disponível em :<

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7508.htm>. Acesso em 03 de jul. de 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: :<

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 02 de jul. de 2020.

BRASIL. Lei 8080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em:<

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em 03 de jul. de 2020.

BRASIL. Lei 6.360, de 23 se setembro de 1976. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6360.htm >. Acesso em 03 de jul. de 2020.

RENAME. Disponível em <https://saude.gov.br/saude-de-a-z/rename>. Acesso em 30 de jun.

2020.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Demandas judiciais relativas à saúde crescem 130% em dez anos. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/demandas-judiciais-relativas-a- saude-crescem-130-em-dez-anos/>. Acesso em 02 de jul. de 2020.

CONJUR. Em tempos de pandemia, a judicialização da saúde precisa ser racionalizada.

Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mai-18/renzzo-ronchi-judicializacao- saude-durante-pandemia>. Acesso em 02 de jul. de 2020.

CONJUR. O direito à saúde e os parâmetros traçados pelas decisões dos tribunais.

Disponível em:<https://www.conjur.com.br/2019-jan-17/sergio-freitas-direito-saude- parametros-tribunais >. Acesso em 30 de jun. de 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARE 738729 AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 25.6.2013. Disponível em: <

(16)

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000189304&base=baseA cordaos> . Acesso em 29 de jun. de 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ED no RE nº 855178/SE, rel. min. LUIZ FUX, relator p/ acórdão: ministro EDSON FACHIN, DJe de 15.4.2020 Disponível em:<http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15342892719&ext=.pdf>. Acesso em 02 de jul. de 2020.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1657156/RJ, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Seção, DJe de 4.5.2018. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pes quisa=T&cod_tema_inicial=106&cod_tema_final=106 >. Acesso em 02 de jul. de 2020.

(17)
(18)

Referências

Documentos relacionados

O Documento Orientador da CGEB de 2014 ressalta a importância do Professor Coordenador e sua atuação como forma- dor dos professores e que, para isso, o tempo e

Desta forma, foram criadas as seguintes hipóteses de investigação: H1 – O compromisso organizacional e o engagement são diferentes para as categorias dos militares dos

Os principais objectivos definidos foram a observação e realização dos procedimentos nas diferentes vertentes de atividade do cirurgião, aplicação correta da terminologia cirúrgica,

The challenges of aging societies and the need to create strong and effective bonds of solidarity between generations lead us to develop an intergenerational

psicológicos, sociais e ambientais. Assim podemos observar que é de extrema importância a QV e a PS andarem juntas, pois não adianta ter uma meta de promoção de saúde se

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento

Muito embora, no que diz respeito à visão global da evasão do sistema de ensino superior, o reingresso dos evadidos do BACH em graduações, dentro e fora da

Estamos realizando uma pesquisa sobre o Ensino de Biologia na Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Sistema Prisional de Cajazeiras-PB, que faz parte da construção de dados