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Violência conjugal nas perspectivas sistêmica e de gênero

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Academic year: 2017

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu

em Psicologia

Dissertação de Mestrado

VIOLÊNCIA CONJUGAL NAS PERSPECTIVAS SISTÊMICA E DE

GÊNERO

Autora

: Tatiana Camargo de Sant’Anna

Orientadora: Prof.

a

Dr.

a

Maria Aparecida Penso

(2)

TATIANA CAMARGO DE SANT’ANNA

VIOLÊNCIA CONJUGAL NA PERSPECTIVA SISTÊMICA E DE GÊNERO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Saúde e Desenvolvimento Humano.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Penso

Brasília 2013

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Dissertação de autoria de Tatiana Camargo de Sant’Anna, intitulada VIOLÊNCIA CONJUGAL NA PERSPECTIVA SISTÊMICA E DE GÊNERO, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 10 de junho de 2013, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

__________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Penso

Orientadora

Programa de Pós-graduação em Psicologia - UCB

__________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Alexina Ribeiro

Membro

Programa de Pós-graduação em Psicologia - UCB

__________________________________ Drª. Ivonete Araújo Carvalho Lima Granjeiro

Membro Externo

__________________________________ Prof.ª Dr.ª Sandra Eni Fernandes Nunes Pereira

Suplente

Curso de Psicologia - UCB

(4)

12,5 cm

7,5 cm 7,5cm

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB 02/07/2013

S232v Santa’anna, Tatiana Camargo de

Violência conjugal na perspectiva sistêmica e de gênero. / Tatiana Camargo de Sant’anna – 2013.

139f: il ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2013. Orientação: Profa. Dra. Maria Aparecida Penso.

1. Violência conjugal. 2. Terapia familiar. 3. Conflito (Psicologia). 4. Relações humanas. I. Penso, Maria Aparecida, orient. II. Título.

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A todos que participaram e vivenciaram da minha agonia e desespero no decorrer da construção desta dissertação, mas, também, do aprendizado, do crescimento, do alívio e da alegria ao finalizar a mesma. Ao meu marido querido, meu companheiro para toda a vida. Aos meus pais e irmã por sempre me apoiarem. Ao meu sobrinho João, por seu sorriso cativante. E, principalmente ao meu

padrinho, pelo apoio durante “as madrugadas” e à minha querida amiga e

comparsa Vivi Ferro pelo apoio, incentivo

e por ter aceitado ser ‘importada’.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que, de alguma forma, me apoiaram no decorrer desta caminhada que considero ser uma das grandes etapas da minha vida.

Aos meus queridos pais por sempre estarem comigo, mesmo contrariados com minhas decisões. Em todos os momentos em que precisei, eles sempre me ampararam.

Ao meu marido querido por ser tão compreensivo, lindo, maravilhoso e por ter me auxiliado e apoiado neste processo.

Aos meus familiares (avós, tios e primos) que entenderam, mesmo depois

de “duras penas”, aos meus não comparecimentos que, neste final, se

transformaram em totais desaparecimentos.

Ao meu padrinho que apesar de distante é sempre um modelo a ser seguido enquanto pessoa e profissional

Aos meus amigos que foram tão renegados durante este período, mas que compreenderam minha ausência e me incentivaram sempre: Belle e Lu, Li e Fabinho, Carol Martineli, Pati Santana, Tati Augusto, Luciene Pires, Thereza Dantas, Cynthia Bizinoto, Mari Theophilo, Beth Oliveira, Alberto Júnior, Vivi Fonseca e Ângela Tiberyan.

À Vivi Ferro pela disponibilidade de me escutar quando eu entrava em desespero.

À minha orientadora, Maria Aparecida Penso, pela sua atenção e disponibilidade sempre e pelos “puxões de orelha” que não foram poucos, mas que

me ensinaram a focar os meus objetivos como mestranda. Obrigada pelo apoio e incentivo!

Aos membros da banca, Dr.ª Ivonete Araújo Carvalho Lima Granjeiro, Prof.ª Dr.ª Sandra Eni Fernandes Nunes Pereira e, em especial, à Prof.ª Dr.ª Maria Alexina Ribeiro que esteve comigo, enquanto educadora, desde a época da graduação e pela qual tenho uma grande admiração como profissional.

E, por fim, aos colegas de jornada de mestrado aos quais tive a imensa oportunidade de conhecer e compartilhar saberes e opiniões sempre muito enriquecedoras. Alguns destes transformaram-se em amigos queridos: Luísa Soares, Juliana Alencar e Rubens Mota.

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RESUMO

SANT’ANNA, Tatiana Camargo. Violência conjugal na perspectiva sistêmica e de gênero. 2013. 141 folhas. Mestrado em Psicologia. Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2013.

A violência conjugal é um fenômeno complexo considerado pela Organização Mundial de Saúde como um problema de saúde pública. Para tanto, faz-se necessário promover ações articuladas de estudo, prevenção e tratamento devido à importância do tema. Esta dissertação trata de um estudo de caso de um casal e tem como objetivo investigar a violência conjugal ocorrida em um casal que participou de um grupo de acompanhamento psicossocial em razão da aplicação da Lei Maria da Penha. A fim de compreender a dinâmica do relacionamento amoroso do casal, foram realizadas entrevistas semiestruturadas sobre o relacionamento conjugal atual; entrevista do Ciclo de Vida Familiar e; a confecção do Genograma. Para tanto, utilizamos como perspectiva teórica, a Teoria Familiar Sistêmica, com foco na Terapia Feminista da Família em consonância com as questões de gênero, pois entendemos que o fenômeno da violência conjugal é multideterminado e, por este fator são englobados aspectos da dinâmica conjugal, da transmissão geracional da violência e da naturalização dos papéis estereotipados de gênero. Privilegiou-se o referencial da pesquisa qualitativa, tendo como base, a análise construtivo-interpretativa das Zonas de Sentido proposta por González-Rey (2005). Os resultados mostraram a existência de padrões relacionais violentos no casal estudado, semelhantes aos vivenciados pelos cônjuges em suas famílias de origem e nos relacionamentos amorosos anteriores. Outro ponto identificado, foi a existência de uma dificuldade de negociação entre os membros do casal, o que prejudicou a relação, proporcionando uma competitividade na interação em que a conduta de um companheiro reflete no comportamento do outro, gerando um aumento gradual nos conflitos, até atingir o máximo da violência que, no caso aqui estudado, proporcionou que a esposa recorresse à Justiça, para que esta atuasse como intermediadora, com o objetivo de cessar a dinâmica da violência conjugal.

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ABSTRACT

Marital violence is a complex phenomenon and of extremely importance in the public and private, and is considered by the World Health Organization as a public health problem. Therefore, it is necessary to promote coordinated actions of the study, prevention and treatment due to the relevance of the topic. This dissertation is a case study related to a and the objective was to investigate the marital violence occurred on a couple who participated in the group psychosocial support through the application of the Maria da Penha Law. In order to understand the dynamics of the love relationship of the couple, semi-structured interviews were conducted on the current marital relationship in order to obtain information about the dynamics and marital violence; interview Lifecycle Family and, the making of which focused genogram information. In order to understand violence in the couple studied, we used as reference theoretical Theory Systemic Family, focusing on Feminist Family Therapy. We also discuss gender issues, because we believe that the phenomenon of marital violence is multidetermined and therefore encompass aspects of the dynamics of the couple, of generational transmission of violence and naturalization of stereotypical gender roles. We focused on qualitative research based on the constructive-interpretative analysis proposed by González-Rey (2005). The results showed that there is a generational transmission on stereotyped roles for men and women and performed by individual rules that directly influence marital dynamics. Furthermore, we identified relational patterns in violent couple that are similar to those present in the families of origin and in romantic relationships earlier each. Another issue identified was the existence of a difficulty of negotiation between the spouses which hurt the relationship, providing a competitive interaction in which the conduct of a fellow reflected in the behavior of the other, causing a gradual increase in conflicts, even achieve maximum violence, which in the case studied here, provided that the wife had recourse to justice, so that it acted as a mediator in order to cease the dynamics of marital violence.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 18

2.1 A FORMAÇÃO DO CASAL NA PERSPECTIVA DA TEORIA SISTÊMICA ... 18

2.2 GÊNERO, FEMINISMO, PATRIARCADO E TERAPIA FAMILIAR FEMINISTA ... 23

2.3 VIOLÊNCIA CONJUGAL: GÊNERO E TERAPIA FAMILIAR ... 29

2.4 HISTÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ... 35

3 MÉTODO ... 43

3.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA ... 43

3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA ... 44

3.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA ... 46

3.4 INSTRUMENTOS UTILIZADOS ... 47

3.5 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS ... 48

3.6 ANÁLISE DOS DADOS ... 50

4 APRESENTAÇÃO DOS PARTICIPANTES ... 52

4.1 BRUNA ... 52

4.1.1 Bruna e sua família de origem ... 52

4.1.2 O primeiro casamento de Bruna ... 53

4.2JORGE ... 58

4.2.1 Jorge e sua família de origem ... 58

4.2.2 O primeiro casamento de Jorge ... 59

4.3 A história de Jorge e Bruna ... 61

4.4 Inserção dos filhos na relação ... 62

4.5 Filhos adolescentes ... 63

4.6 Momento atual ... 65

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 67

(11)

5.1.1 O modelo de relacionamento conjugal da família de origem de Bruna e

Jorge ... 67

5.1.2 O relacionamento conjugal violento e os filhos ... 72

5.2 A HERANÇA FAMILIAR E A RELAÇÃO CONJUGAL: BUSCAS AMOROSAS E ENCONTROS COM A VIOLÊNCIA ... 80

5.2.1 O primeiro casamento de Bruna: a tentativa de se libertar da violência da família de origem ... 80

5.2.2 O primeiro casamento de Jorge: a busca de uma segurança familiar... 84

5.2.3 Jorge e Bruna: o encontro ... 87

5.3 O ÁPICE DA VIOLÊNCIA E O LIMITE POR INTERMÉDIO DA JUSTIÇA ... 99

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 113

REFERÊNCIAS ... 119

APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA SOBRE O RELACIONAMENTO CONJUGAL ... 130

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA DO CICLO DE VIDA FAMILIAR DO CASAL ATUAL ... 131

APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA DO CICLO DE VIDA FAMILIAR DO CASAL ATUAL ... 133

ANEXO A – CERTIFICADO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP... 134

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem como foco a violência conjugal, tema escolhido a partir de minha formação e experiência profissional, o que possibilitou o surgimento de questionamentos e a busca pelo aprofundamento sobre essa questão.

Durante a graduação, participei de estágios supervisionados e pesquisas ligadas a diferentes tipos de grupos. Estes estavam sempre vinculados à temática social, incluindo a violência conjugal, com o viés de duas teorias que foram fundamentais para minha formação profissional: a) Teoria Familiar Sistêmica e; b) Teoria Socionômica, mais conhecida como Psicodrama.

Iniciei a especialização na Teoria Socionômica em 2004 que me possibilitou um aprofundamento teórico e prático em atendimentos psicoterápicos com indivíduos, grupos e casais. A especialização em questão foi composta de disciplinas teórico-práticas, psicoterapia, supervisão e o estágio clínico sob a ótica psicodramática, totalizando 580 (quinhentos e oitenta) horas.

A Associação de Psicodrama onde me titulei, é uma entidade sem fins lucrativos que, além de cursos sobre esta teoria, oferece atendimentos psicológicos à população e a clientes encaminhados por alguns órgãos governamentais, como as Secretarias de Saúde e de Educação do Distrito Federal e, também, o Ministério Público. Os referidos atendimentos são realizados por profissionais psicodramatistas e por aqueles que estão em processo de formação na associação.

Embora tivesse concluído a parte teórica do curso, em 2008, eu continuava realizando atendimentos clínicos no local, onde acompanhava, individualmente, homens encaminhados pela Justiça por terem cometido violência contra suas esposas/companheiras e, por isso, respondiam à Lei no 11.340/06, mais conhecida como a Lei Maria da Penha.

O resultado desta experiência foi a minha contratação, no segundo semestre de 2010, por uma faculdade particular de Brasília para supervisionar alunos do curso de Psicologia que prestavam atendimento a grupos de casais encaminhados pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e que respondiam a processo(s) referente(s) à Lei Maria da Penha.

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e experienciadas por eles em suas relações com seus pares, seus familiares e com o mundo. Sendo assim, compreendo que o grupo propicia uma condição e local para que seus integrantes ressignifiquem seus conflitos conjugais.

Por ser psicodramatista, e por haver a demanda do trabalho com casais encaminhados pela Justiça, foi possível iniciar um grupo de atendimento a estes casais vítimas de violência, naquela faculdade. Este grupo funcionava em regime aberto, composto, em média, por quatro ou cinco casais em cada encontro. Essa experiência resultou na realização de oito encontros tendo sempre como referência as teorias já mencionadas. O grupo também se caracterizava como um grupo socioeducativo tendo em vista que seus membros se tornavam geradores de seu desenvolvimento a partir de uma ação-reflexão (MARRA; FLEURY, 2008).

Embora tenha sido convidada pela faculdade apenas para supervisionar os estagiários do curso de Psicologia, foi necessário que eu conduzisse os encontros em razão da pouca experiência dos alunos. Respeitando os preceitos psicodramatistas, tive como ego auxiliar, uma colega de profissão com uma formação semelhante à minha e como observadores, os alunos que estavam cursando Psicologia. Esse formato possibilitou a reflexão sobre os casos que chegavam até nós, propiciando traçar formas de intervenção que auxiliassem na busca de uma readaptação no estilo de vida e nas relações interpessoais dos participantes.

Por se tratar de um grupo cuja característica comum era a violência dirigida às mulheres por seus maridos, foram trabalhadas questões como as alternativas de resolução de conflitos que não incluísse a violência.

Ao entrar em contato com esta clientela, percebi a importância e a necessidade de ampliar meu olhar sobre as questões sociais e de gênero em minha prática profissional. Com o objetivo de atualizar meus conhecimentos e angariar novas informações para aperfeiçoar minha prática enquanto psicoterapeuta, busquei novas referências e discussões sobre a violência conjugal, as questões de gênero, o movimento feminista e a Terapia Familiar Feminista.

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Nos estudos preliminares, observei que os conceitos de violência na relação conjugal se apresentam a partir de diferentes expressões, tais como, violência de gênero, violência familiar, violência intrafamiliar e violência doméstica.

Saffioti (1999) e Araújo (2002) discorrem sobre estes conceitos de forma clara e objetiva, o que me auxiliou e muito, enquanto leitora, a compreendê-los e a escolher um conceito que melhor se adequasse a este trabalho. Portanto, vejo como algo fundamental, retomar, mesmo de forma breve, as definições para as diferentes expressões mencionadas.

Para Saffioti (1999), a violência de gênero se refere às relações de violência entre homem e mulher, mas também, entre dois homens ou até entre duas mulheres. Ainda, de acordo com a autora, o termo violência familiar, por sua vez, considera os laços consanguíneos e as afinidades, ou seja, se refere aos indivíduos de uma mesma família, seja ela extensa ou nuclear, cuja violência ocorre no interior do domicílio familiar ou fora dele. A violência intrafamiliar vai além dos limites domiciliares e envolve parentes que vivem ou não sob o mesmo teto. O termo violência doméstica se refere aos membros (familiares ou não) que convivem no mesmo espaço doméstico. Por fim, a violência conjugal é aquela que é cometida contra a mulher por seu parceiro no contexto em que existe, entre o casal, um relacionamento afetivo ou sexual independente deste ser legalizado ou não. Ela pode ocorrer tanto no espaço doméstico quanto urbano e abarca todas as formas de violência, seja ela física, moral, sexual ou psicológica (SAFFIOTI, 1999; NARVAZ; KOLLER, 2006a).

Neste trabalho, utilizarei o termo ‘violência conjugal’, devido a alguns fatores: primeiro por ela ser uma expressão de uso comum na sociedade e na academia; segundo por acreditarmos que o seu significado é o que mais se adequa à pesquisa aqui apresentada e; terceiro pelo fato de seu significado estar tipificado na Lei Maria da Penha e na Convenção de Belém do Pará que, em seu artigo 2º, alínea “a”,

discorre sobre a definição de violência contra a mulher como sendo aquela “[...] que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica [...] em que o autor conviva

ou tenha convivido no domicílio doméstico” (AGENDE, 2004).

(15)

devendo ser interpretada sob a perspectiva de outros pressupostos teóricos diferentes dos que eram adotados anteriormente a esta lei (CAMPOS, 2010).

Anterior à Lei Maria da Penha, a Lei no 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e tem como principal característica tratar dos delitos avaliados como sendo de menor potencial ofensivo, além de estimular, entre as partes envolvidas, mecanismos que possibilitem a obtenção de acordos. Com relação à violência conjugal, a Lei no 9.099/95 passou a ser aplicada, pelos Juizados Especiais Criminais, nos casos de violência contra a mulher, uma vez que havia uma falta de legislação específica sobre essa questão (BANDEIRA, 2009). Atualmente, fica evidente, com os avanços legislativos, que a violência conjugal passou a ser reconhecida como uma violação aos direitos humanos e como tal deve ser vista e tratada, resguardando sua real gravidade (CAMPOS, 2010).

Hoje, portanto, a violência contra a mulher é vista como um crime de maior potencial ofensivo, uma vez que ocorre em âmbito familiar, local que deve ser assegurado e protegido pelo Estado, conforme descreve o artigo 226 da Constituição Federal. Ressalta-se que no parágrafo 8º deste mesmo artigo, é estabelecido ao Estado assegurar a assistência à família e aos seus membros, criando mecanismos que coíbam a violência pautada em suas relações (BRASIL, 1988).

Corrobora com esta questão o art. 8o da Lei no 11.340/06 pois prevê, a

promoção de “[...] estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com perspectiva de gênero, raça e etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência desse problema” (BRASIL, 2006). Em termos de sua incidência, os dados mostram que a violência contra a mulher tem sido cada dia mais comum.

Em termos estatísticos, uma das pesquisas pioneiras realizadas sobre o tema em âmbito nacional foi apresentada, em 1980, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ao mostrar que 63% das agressões cometidas contra as mulheres ocorreram no âmbito das relações domésticas (FONTANA; SANTOS, 2001).

(16)

realizada com 2.502 mulheres com idade superior a 15 anos, 20% afirmaram ter sofrido algum tipo de violência conjugal. O percentual chega a 43% quando se leva em consideração aquelas cometidas dentro e fora do domicílio.

Em pesquisa realizada em 2011, com 1.352, em 119 municípios brasileiros, pela DataSenado (2011), sobre a violência conjugal e familiar contra a mulher, alguns dados são dignos de nota: 36% das pessoas entrevistadas acreditam que a mulher é menos respeitada em sua própria família; 66% acreditam que a violência doméstica e familiar aumentou nos últimos anos e que 63% acreditam que, mesmo com as novas legislações, as mulheres que sofrem agressão não denunciam o fato às autoridades. Desse total, 68% acreditam que a denúncia não é feita por medo do agressor.

Ainda, segundo a pesquisa da DataSenado (2011), 57% das pessoas entrevistadas conhecem alguma mulher que já sofreu algum tipo de violência conjugal ou familiar, em que o maior percentual se destina à violência física (78%), violência moral (28%) e violência psicológica (27%). No universo da pesquisa apresentada, 19% das mulheres confirmaram terem sofrido algum tipo de violência, sendo 65% violência física, 38% violência psicológica e 32% violência moral, em seus maiores percentuais. Do total de mulheres que confirmou ter sofrido violência, 66% indicam o marido ou companheiro como o agressor, 32% ainda convivem com os mesmos, 18% continuam sofrendo algum tipo de violência e, na maioria dos casos, não denunciam os maridos ou companheiros por preocupação com os filhos (31%) e ou por medo de vingança do companheiro (20%).

Em 2012 foi divulgado o Mapa da Violência 2012: Homicídios de Mulheres no Brasil (WAISELFISZ, 2012) que apresentou, dentre outros dados, o histórico de assassinatos de mulheres entre os anos de 1980 a 2010. As informações mostram que nas quatro décadas de pesquisa, 92 mil mulheres foram assassinadas no Brasil. Deste total, 43,7 mil dos casos registrados ocorreram entre 1990 e 2010, passando de 1.353 para 4.465 assassinatos o que representa um aumento de 230% de mulheres assassinadas no país.

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registro diminuiu. Contudo, este número voltou a crescer até o ano de 2010, período em que foi registrado 4.465 mulheres vítimas de assassinato no país.

Com referência às estatísticas mundiais, o Mapa da Violência exibe os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), entre os anos de 2006 a 2010. Segundo os dados, durante este período o Brasil se apresentou como sendo um dos países com elevados níveis de homicídio de mulheres, ocupando a 7ª colocação mundial, com uma taxa de 4,4 homicídios para cada 100 mil mulheres. Quanto aos tipos de violência sofridos pelas mulheres, temos um maior percentual da violência física (44,2%), seguida da violência psicológica (acima de 20%) e da violência sexual (12,2%) (WALSELFIS, 2012).

Dessa forma, é relevante estudar a violência conjugal por ser um tema complexo que, a cada dia, ganha maior visibilidade social, política e cultural tornando-se pauta para as pesquisas acadêmicas e estatísticas.

A partir das reflexões apresentadas anteriormente e da minha prática profissional, foram construídas as seguintes questões de pesquisa: a) Em que momento da história conjugal a violência se instaurou?; b) Como se constituiu a história conjugal destes casais ao longo de seu Ciclo de Vida Familiar, no que diz respeito aos papéis, às regras, à comunicação e à vivência dos processos emocionais que precisaram ser resolvidos em cada uma das fases do seu Ciclo de Vida Familiar?; c) Como foram as histórias dos relacionamentos amorosos nas famílias de origem de cada membro do casal?; d) A violência esteve presente em relacionamentos amorosos anteriores vividos pelos membros do casal?; e) Caso tenha existido violência no sistema conjugal das famílias de origem, como esta influenciou os filhos e suas escolhas amorosas?

Tais questões são discutidas nesta dissertação à luz da Teoria Familiar Sistêmica, com foco na Terapia Feminista da Família. Além disso, buscamos respaldo na teoria de gênero, a fim de elucidar as contingências da violência conjugal de um casal que participou do grupo de acompanhamento psicossocial mencionado anteriormente.

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Isso significa que a Teoria Sistêmica traz um novo paradigma que avança do modelo linear de causa e efeito para um modelo circular de padrão interacional. Ela considera o indivíduo como um ser social que influencia o contexto em que se encontra inserido, ao mesmo tempo em que é influenciado pelo mesmo (MINUCHIN, 1982; MINUCHIN; LEE; SIMON, 2008).

A teoria de gênero por sua vez, pontua sobre a importância de haver respeito e condições igualitárias sociais e políticas entre homens e mulheres, pois entende que ambos são sujeitos ativos e participantes no processo de desenvolvimento independentemente de seus papéis sexuais (SAFFIOTI, 1999; BANDEIRA, 2008).

As duas bases teóricas podem parecer, à primeira vista, dicotômicas. Por diversas vezes algumas críticas feministas foram feitas à Terapia Familiar Sistêmica, principalmente por esta última considerar a família como um todo orgânico em busca da homeostase, valorizando a complementaridade de papéis e a circularidade como pressupostos para o entendimento do funcionamento familiar (WALTERS, 1994).

Esta forma de perceber o grupo familiar desconsiderava as diferenças de poder existentes no seio familiar, segundo as feministas. Assim, uma vertente feminista da Terapia Familiar, descontente com as negligências da terapia familiar tradicional a respeito das questões de gênero, iniciou grupos de discussão que culminaram na Terapia Feminista Familiar cujo olhar busca uma compreensão das relações familiares de forma mais igualitária e justa, mas sem abrir mão dos pressupostos sistêmicos (GOODRICH et al., 1990; NARVAZ; KOLLER, 2007).

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A FORMAÇÃO DO CASAL NA PERSPECTIVA DA TEORIA SISTÊMICA

O pensamento sistêmico contribuiu para a fundamentação e o surgimento da terapia familiar que tem, como foco de intervenção, a família que é compreendida como um sistema de interação. Isto significa dizer que dentro deste sistema familiar existe uma ou mais unidades (subsistemas), que se interligam e têm como foco de estudo, as relações e os acontecimentos que permeiam estas unidades (ANDOLFI, 1981; MINUCHIN; LEE; SIMON, 2008).

Considerado um subsistema de um supra sistema social ao qual influencia e é influenciada diretamente, a família se caracteriza por ser um grupo que desenvolve padrões de interação que governa o funcionamento de seus membros e delineia seus comportamentos (MINUCHIN, 1982; MINUCHIN; FISHMAN, 1990). Assim, como coloca Costa e Penso (2005):

Como grupo primário, a família é o grupo de origem de todos os outros, de todas as instituições. É o primeiro grupo a que cada pessoa pertence. O sentimento de pertencer a uma família traz para o indivíduo: proteção, segurança, bem estar e conforto (p. 5).

Para Féres-Carneiro (2003), por ser o grupo de origem de cada indivíduo, a família influenciará nas decisões e escolhas amorosas de seus futuros membros, pois essas escolhas encontram-se diretamente fundamentadas em uma representação simbólica, construída pela família, bem como pelo contexto sociocultural em que se encontra inserido. Segundo a autora a noção de sentimento de família, que se estrutura em uma representação sociocultural, pressupõe a interiorização de vivências, percepções e valores que serão repassados nas demais relações, sejam elas de qual tipo forem.

Segundo a teoria sistêmica, o casal é um subsistema do sistema familiar composto por dois sujeitos que se encontram unidos em um modelo adulto de intimidade e sendo composto por três partes: dois sujeitos e uma relação - eu, tu, nós (SATIR, 1995).

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história de vida do que vem a ser uma relação (FÉRES-CARNEIRO, 2003). Encontram-se imersos nesses significados, modelos da sua família de origem e de outros modelos matrimoniais, como o do relacionamento conjugal que o indivíduo teve como experiência em sua vida e que influenciará em suas escolhas amorosas (ÂNGELO, 1995; WHITAKER, 1995; WALSH, 2002).

Isso significa dizer que o casal compõe um subsistema complexo em que os membros se comprometem a viver uma história em comum. Cada parceiro carrega consigo mensagens simbólicas que estão impregnadas de crenças, valores e expectativas culturais e sociais, bem como de modelos de relacionamento conjugal apresentados pela família de origem como, por exemplo, as regras que definem a rotina do casal, as tarefas e os papéis desempenhados por cada parceiro, dentre outros (ÂNGELO, 1995; WILLI, 1995; MELO, 2001).

Segundo Ângelo (1995), a escolha amorosa pode ser entendida como o fruto da transmissão de uma estrutura composta de mitos, padrões e valores que o indivíduo teve do modelo apresentados pelos pais em uma trama definida ao longo do tempo na relação. O autor pontua que a influência da família, mesmo que de forma indireta e por intermédio dos processos de socialização de valores tradicionais, é um fato a ser discutido quando estudamos a temática da escolha conjugal. O autor afirma, também, que as necessidades sociais e relacionais encontram-se dentro de um contexto sócio-histórico que transformam a maneira como os relacionamentos conjugais irão se estabelecer.

De acordo com Neuburger (1999) e Miermont et al. (1994), é por meio da transmissão dos mitos familiares que a família delega, a cada membro, seus papéis e suas obrigações que serão transmitidas de geração a geração, que proporcionará um direcionamento e uma significação para cada indivíduo que se encontra inserido no sistema familiar.

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linear e determinista, pois as gerações futuras podem não apenas repetir modelos, mas também transformá-los (PENSO; COSTA; RIBEIRO, 2008).

Féres-Carneiro (2009) descreve que a influência de crenças e valores, que cada indivíduo traz da sua história pessoal, permite que cada um projete no outro suas demandas e expectativas sobre a relação. Em contrapartida, cada um espera que o outro atenda tais demandas e expectativas e preenchendo suas carências. Sendo assim, as demandas, os valores, os mitos e as expectativas que cada indivíduo traz, a partir de sua história individual, terá como fundamento a construção de uma realidade que vai ser modelada ou modificada pelo casal ao longo da relação conforme suas experiências individuais.

A partir dessas informações, percebe-se que:

A construção de uma realidade compartilhada é necessária, já que os membros do casal levam consigo um sistema de crenças baseado em valores, regras e mitos de suas famílias de origem. Esse sistema de crenças precisa ser remodelado aos poucos para que se forme a identidade conjugal do novo casal (FÉRES-CARNEIRO, 2009, p. 85).

Podemos afirmar que o resultado dessa realidade compartilhada é imprevisível, podendo surgir arranjos conjugais extremamente construtivos ou destrutivos, pois ao se unir a outra pessoa, o indivíduo permanece em constante dicotomia: se por um lado tem a necessidade de vivenciar a conjugalidade, trazendo suas questões, carências, sistemas familiares, realidades comum ao casal, desejos e projetos, por outro lado, tem os ideais individualistas que sustentam o crescimento e o desenvolvimento de cada um (WILLI, 1995).

O fato do indivíduo ter que ajustar seus ideais pessoais e sua conjugalidade é caracterizado por um período de transição do desenvolvimento humano, que modifica sua realidade e a de sua família de origem, por ser esse período relacionado não só ao Ciclo de Vida Individual, mas, também, ao Ciclo de Vida Familiar (CARTER; MCGOLDRICK, 1995).

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Dentre os estudos sobre o Ciclo de Vida Familiar, temos o modelo proposto por Carter e McGoldrick (1995), que o divide em seis estágios, sendo que em cada estágio tem como objetivo proporcionar uma mudança no status familiar. São eles: 1) Saindo de casa: jovens solteiros; 2) A união de famílias no casamento: o novo casal; 3) Famílias com filhos pequenos; 4) Famílias com adolescentes; 5) Lançando os filhos e seguindo em frente e; 6) Famílias no estágio tardio da vida. Cada estágio é composto por papéis a serem desempenhados distintamente pelos membros da família, por tarefas a serem cumpridas e por processos emocionais a serem resolvidos. Segundo as autoras, são mudanças que ocorrem no status familiar, necessárias para que possa prosseguir desenvolvimentalmente.

O primeiro estágio, ‘Saindo de casa: jovens solteiros’, em que os jovens

saem de casa, neste período, é necessário que a família aceite a responsabilidade

emocional e financeira do ‘eu’ do jovem. Isso envolve as tarefas de diferenciação do ‘eu’ do jovem em relação à família de origem, o estabelecimento do ‘eu’ com o seu

trabalho e com sua independência econômica e possibilitar o desenvolvimento de relacionamentos íntimos do jovem com adultos iguais.

O segundo, ‘A união de famílias no casamento: o novo casal’, tem como

característica o surgimento do novo casal no sistema familiar, fazendo-se necessário que a família cumpra algumas tarefas a fim de se ajustar a este novo panorama. São elas: a formação do sistema marital e o realinhamento dos relacionamentos com as famílias ampliadas.

‘Famílias com filhos pequenos’ é o terceiro estágio e implica em uma

mudança significativa para o casal, pois, agora, existem novos membros no sistema familiar e para que estes sejam aceitos é necessário que o casal ajuste seu sistema conjugal e proporcione espaço para a/o(s) filho/a(s), una-se nas atividades que dizem respeito à educação dos filhos, e realinhe seus relacionamentos com as famílias ampliadas, a fim de incluir os papéis de pais e avós.

O quarto estágio, ‘Famílias com adolescentes’, tem como processo

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profissionais no meio da vida e iniciar uma mudança voltada para o cuidado da geração mais idosa.

O quinto estágio ‘Lançando os filhos e seguindo em frente’ tem como processo emocional, acolher as diversas saídas e entradas no sistema familiar. Para que isso ocorra, é necessário que algumas tarefas sejam desenvolvidas como a renegociação entre a díade casal para que o sistema conjugal seja renegociado; proporcionar o desenvolvimento do relacionamento de adulto para adulto dos pais com os filhos crescidos; realinhar os relacionamentos com o objetivo de incluir parentes por afinidade e netos e; possibilitar o desenvolvimento para que os filhos possam lidar com suas incapacidades e com a morte dos entes mais velhos (pais).

Para discussão deste estudo escolhemos, entre os seis estágios descritos por Carter e McGoldrick (1995), o estágio dois, ou seja, a união do casal. Neste sentido, Carter e McGoldrick (1995), pontuam que, dentre diversas questões sobre o Ciclo de Vida Familiar, a transição para o estado conjugal pode ser complexo, pois atualmente existem ambivalências a respeito do papel do casal e sua influência nos relacionamentos amorosos.

Para as autoras citadas a cima, as vivências ao longo do Ciclo de Vida Familiar, possibilitam que algumas transformações, no decorrer da vivência da relação conjugal, modifiquem a maneira como um membro do casal age com o outro, e vice-versa, proporcionando mudanças no comportamento de ambos de forma a acomodar as interações familiares, sejam elas saudáveis ou não (CARTER; MCGOLDRICK, 1995; FALCKE; FÉRES-CARNEIRO, 2011). Corroborando com este pensamento, podemos inferir que, em uma família que se caracteriza pelas relações de autoritarismo e rigidez, seus membros, possivelmente buscarão resolver seus problemas e estabelecer suas relações de forma semelhante ao que foi vivenciado e internalizado no seio familiar como, por exemplo, as relações em que se imprime a violência.

Portanto, é importante considerar os pressupostos da Teoria Familiar Sistêmica nos estudos e análises dos casos de violência conjugal, uma vez que ela prioriza as diferentes interrelações dos subsistemas, reconhece as relações de complementaridade e considerar a família como um espaço privilegiado de proteção (RIBEIRO; ALBUQUERQUE, 2008).

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‘caracterizada’ por sua fragilidade, emocionalidade e um histórico de submissão, se torna vítima frequente da opressão e discriminação (LIMA; BUCHELE; CLÍMACO, 2008).

Para que se tenha um entendimento mais adequado sobre as desigualdades entre homens e mulheres, suas implicações na vida conjugal e sua relação com a história familiar, faz-se necessário uma breve apresentação sobre as questões de gênero, o feminismo, o patriarcado e, também, sobre a Terapia Familiar Feminista.

2.2 GÊNERO, FEMINISMO, PATRIARCADO E TERAPIA FAMILIAR FEMINISTA

O significado de gênero passou por diversas transformações no decorrer da história da humanidade. Inicialmente, o termo gênero era vinculado à variável sexo (masculino ou feminino), passando, posteriormente, a ser compreendido como uma categoria teórica relacional e contextual que corresponde a um conjunto de símbolos, normas, valores sociais e atributos que cada sociedade constrói a partir das diferenças anatômicas sexuais e que dão sentido aos comportamentos do homem e da mulher (DINIZ; ALMEIDA, 2012).

Portanto, uma definição de gênero dada por Scott (1995) é:

Gênero é uma categoria social, imposta sobre o corpo sexuado. O gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos (p. 14).

Gênero deve ser visto a partir do conceito de sexo social e não biológico. É subjetivo e usado em oposição ao termo sexo, com o intuito de criar um espaço em que as diferenças, entre homens e mulheres, possam ser pesquisadas independentemente das diferenças biológicas. Assim, masculinidade e feminilidade são modos de agir socialmente denominadas de gênero (MACEDO, 2009; DINIZ; ALMEIDA, 2012).

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Escrever sobre o feminismo contemporâneo torna-se tarefa árdua por este se configurar em um discurso múltiplo com tendências variadas. Devido a este fator, serão apresentadas aqui somente algumas ideias que servirão como auxílio para compreender o fenômeno da violência conjugal.

O movimento feminista apresenta análises revisadas sobre as questões que envolvem a violência contra a mulher, problematizando, polemizando e debatendo o tema de forma incansável. Tal movimento tem promovido mudanças sociais para as mulheres e mostrado, à sociedade, fatos reais que precisam ser reconhecidos. (NARVAZ; KOLLER, 2007; MELO, 2008).

Bandeira (2008) pontua que o movimento feminista elucida sobre como, em nossa sociedade, as práticas discriminatórias de etnia, gênero, religião e classe social perpassaram a história da humanidade, tendo a experiência masculina sido sempre privilegiada e a feminina oprimida. E é justamente sobre este sistema de dominação masculina que as feministas se opõem, provocando reflexões sobre a concepção da humanidade, da ética e das relações sociais (NARVAZ; KOLLER, 2006b).

Por ser um campo que proporciona reflexões, discussões e debates, o feminismo vem passando por transformações desde o discurso feminista original. De acordo com Scott (2005), o feminismo original focalizava a diferença sexual entre homens e mulheres a fim de explicar a origem da opressão feminina. Tinha como objetivo lutar pela garantia de direitos, incluindo o direito ao voto, e a eliminação da diferença sexual na política. Isso ocorreu porque, naquela época, para que um indivíduo fosse considerado cidadão era necessário que este fosse homem, branco, com poderio político, educativo e civil. Este ‘cidadão’ por sua vez, oprimia e discriminava os ditos ‘incapazes’ que eram os escravos (propriedades dos outros),

os pobres (ausentes de propriedade) e as mulheres (deveres domésticos e cuidados com as crianças) (MARIANO, 2005; SCOTT, 2005). Deste modo, para Scott (2002):

O feminismo era um projeto contra a exclusão política da mulher: seu

objetivo era eliminar as “diferenças sexuais” na política, mas a

reinvindicação tinha de ser feita em nome das “mulheres” - um produto do próprio discurso da “diferença sexual” (p. 27).

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pelas próprias feministas no decorrer dos tempos. A diferenciação do sexo e os questionamentos sobre as mulheres que outrora possibilitou o surgimento do feminismo, foram se modificando até a atualidade.

Bandeira (2008) e Saffioti (1999) discorrem que o conceito de gênero se refere a uma categoria de análise histórica, tendo sua concepção diversificada sobre várias esferas onde cada feminista enfatiza determinados aspectos. Porém, todas entram em consenso ao definir gênero como sendo uma construção social do masculino e do feminino, além da existência de uma primazia masculina denominada: patriarcado.

De acordo com Saffioti (2004), o patriarcado diz respeito a um contrato entre homens, tendo como objeto as mulheres. Neste contrato, a diferença sexual se transforma em uma diferença política, em que um poder político é exercido pelos homens sobre as mulheres pelo simples fato de serem homens. Com isso, o patriarcado se configura como sendo uma hierarquia de relação civil oferecendo, aos homens, direitos sobre as mulheres (inclusive os sexuais), sem qualquer restrição, além de representar uma estrutura de poder ideológico e violento.

Segundo Medrado e Lyra (2003), observa-se, em nossa sociedade, papéis estereotipados por uma cultura patriarcal. Os homens são educados e incentivados a exercerem a masculinidade estando esta diretamente relacionada ao significado

de ‘ser homem’. As brincadeiras desenvolvidas com tons de agressividade, a maneira de responder pró-ativamente às demandas, a forma de ser viril e provedor são aceitas e estimuladas pelo social, podendo ser facilitadores de posteriores atos violentos (LIMA; BUCHELE; CLÍMACO, 2008).

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Nesse sentido, Walters (1994), Burck e Daniel (1994) relatam que, as mulheres, por serem garantidoras da continuidade familiar, são estimuladas a serem mais expressivas emocionalmente, se preocupando mais com os sentimentos de terceiros, em especial os dos familiares, pois cabe a elas a responsabilidade pelo bem estar geral de seus membros.

Segundo Saffioti (2001) os meios de comunicação, as escolas e as religiões reproduzem e intensificam, de maneira constante, o estereótipo masculino de organização hierárquica e autoritária. A função patriarcal do homem ser socialmente aceita e autorizada, possibilitando a punição daquilo que é determinado como desvio. Esses fatores hierárquicos de poderes são fortemente vistos, pela família violentada e pela sociedade, como situações naturais e justificáveis, pois “[...] os

homens estão autorizados a realizar seu projeto de dominação-exploração das mulheres, mesmo que, para isso, precisem utilizar-se de sua força física” (SAFFIOTI,

2001, p. 121)

O movimento feminista critica o sistema patriarcal dominante e propõe a busca de um novo olhar para transformá-lo em um sistema em que todos, homens e mulheres, possam expressar suas semelhanças e diferenças. Ou seja, em uma cultura que aceite as diferenças, sem transformá-las em estruturas hierarquizadas

onde um ‘manda’ e o outro ‘obedece’, sendo que aquele que ‘manda’ tem como

características ser autoritário e dominador, e o que obedece ser oprimido e subjugado. A filosofia do movimento feminista reconhece as experiências diferentes que homens e mulheres têm no decorrer de suas vidas sendo ambos tratados com respeito e justiça (JONES, 1994; SWAIN, 2010).

Com seus questionamentos e reflexões a respeito das desigualdades de gênero, o movimento feminista contribuiu para uma revisão dos pressupostos da terapia familiar, introduzindo novas informações, o que possibilitou no desenvolvimento de uma nova abordagem no campo das terapias de família, a Terapia Familiar Feminista (GOLDNER et al., 1988).

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2008). Portanto, em uma perspectiva sistêmica “[...] o indivíduo pode ser encarado como um subsistema ou como parte do sistema, mas o todo deve ser levado em

conta” (MINUCHIN, 1982, p. 18).

De acordo com a teoria sistêmica, a família é compreendida como um grupo que desenvolve padrões de interação que governam o funcionamento dos membros da família e delineiam seus comportamentos (MINUCHIN; FISHMAN, 1990). Além disso, a família é o sistema que mais influencia os indivíduos, sendo que as suas interações e as relações entre seus membros tendem a ser recíprocas, padronizadas e repetitivas, pois o funcionamento físico e emocional dos membros da família é interdependente (MCGOLDRICK; GERSON; PETRY, 2012).

Diversas são as abordagens no campo da Terapia Familiar. Para Minuchin (2008), a terapia familiar possibilita que terapeutas revisem seus pressupostos e introduzam partes de vários enfoques, para que se encaixem no estilo peculiar e particular de cada um e na estrutura de sua prática. Segundo o autor, a disseminação dos pressupostos sobre a terapia familiar permite o enriquecimento da área, pois à medida em que isso ocorre, ideias que estavam sendo consideradas defasadas frequentemente são revividas. Essa abertura permite o desenvolvimento de novas abordagens no campo das terapias de família como, por exemplo, a Terapia Familiar Feminista.

O feminismo traz, para o pensamentos sistêmico, novas informações e críticas sobre as convicções dos terapeutas familiares a respeito de sua teoria frente a uma sociedade patriarcal. Sugere que estes reflitam sobre seus princípios e práticas, trazendo à tona a discussão sobre a necessidade da terapia familiar incluir, em sua compreensão sobre a dinâmica familiar, o fato de que, apesar de mudanças terem ocorrido no decorrer da história, o patriarcado ainda continua latente assim como a subordinação e desvalorização da mulher (GOODRICH et al., 1990; NARVAZ; KOLLER, 2007). Deste modo o feminismo no campo das relações familiares, agrega às experiências das mulheres na compreensão da dinâmica familiar.

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Outro conceito questionado pelas feministas é o de neutralidade, que sugere a contribuição igualitária de todos os membros do sistema familiar para seus problemas (WALTERS, 1994). Tais considerações ignoram as influências culturais externas sofridas pela família e as interações de seus membros da família ao sistema social mais amplo; as diferenças de poder e sua influência no sistema familiar; a opressão masculina que sempre permeou a vida das mulheres na sociedade, aceitando um modelo de família nos padrões tradicionais que sempre as oprimiu (GOODRICH et al., 1990; NICHOLS; SCHWARTZ, 2007).

Diante desse panorama, o movimento da Terapia Familiar Feminista surge no final da década de 70 quando terapeutas familiares como Peggy Papp, Olga Silverstein, Marianne Walters e Betty Carter, descontentes com a negligência dos aspectos de gênero da terapia familiar, se unem e formam grupos para discutir as questões femininas a partir de casos atendidos por elas. Fundaram então, o “The

Women’s Institute for Life Studies”, um instituto que oferecia cursos nesta área e promovia discussões sobre diversos assuntos feministas (GOODRICH et al., 1990; NICHOLS; SCHWARTZ, 2007).

Dessa forma, entende-se que a Terapia Feminista da Família se consolida como uma ramificação da Terapia Familiar Sistêmica e, assim sendo, tem seu objeto de estudo o indivíduo inserido em um sistema. O diferencial é que a Terapia Feminista da Família insere pressupostos do movimento feminista em sua prática, tendo como cuidado, não negligenciar aspectos de gênero em sua teoria, pois entendem que, mesmo em um sistema composto por subsistemas que interagem, não podemos negar as questões relacionadas à diferença de poder existente em nossa sociedade entre homens e mulheres (GOLDNER et al., 1988; NARVAZ; KOLLER, 2007).

Ao incorporar pressupostos feministas em seu campo de atuação, a Terapia Feminista da Família apresenta uma nova forma de conceituar e praticar a terapia de família. Sobre esta abordagem, Minuchin (2008) esclarece:

[...] a essência do trabalho clínico feminista encontra-se na atitude dos terapeutas em relação ao gênero e na sensibilidade ao impacto diferencial que as intervenções têm sobre homens e mulheres (p. 81-82).

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gênero e os papéis sociais e sexuais de homem e mulher afetam o contexto familiar; reconhece as desigualdades e as opressões que o sistema patriarcal proporciona na sociedade e que influencia diretamente nas famílias; questiona as tradicionais concepções de família existente na sociedade, levando em consideração a existência de estereótipos genéricos e as relações de poder existente na sociedade e, muitas vezes, autorizada por esta (GOODRICH et al., 1990; URRY, 1994).

Portanto, a Terapia Feminista da Família, ao inserir pressupostos do movimento feminista em sua prática e considerar fatores como a desigualdade e a opressão como originários de algumas dificuldades individuais e familiares confronta os papéis estereotipados pela sociedade. Ela amplia a teoria da família incluindo a questão de gênero como importante fator na construção das estruturas e das relações familiares (GOLDNER et al., 1988; WALTERS, 1994).

2.3 VIOLÊNCIA CONJUGAL: GÊNERO E TERAPIA FAMILIAR

A violência é um tema bastante estudado e pode ser compreendido de várias formas. A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2005), por exemplo, define a violência como sendo o uso intencional de força física, de poder ou de ameaça contra si e contra o outro, podendo ser dirigida a uma pessoa, a um grupo ou a uma comunidade, resultando em algum dano como lesão, morte, privação ou dano psicológico (KRUG, 2002). Neste estudo, discutiremos o fenômeno da violência relacionada à violência conjugal.

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normal sendo que a preservação dos valores são colocados acima do respeito à vida.

Como afirma Chauí (2000, p. 432):

Fundamentalmente, a violência é percebida como exercício da força física e da coação psíquica para obrigar alguém a fazer alguma coisa contrária a si, contrária aos seus interesses e desejos, contrária ao seu corpo e à sua consciência, causando-lhe danos profundos e irreparáveis, como a morte, a loucura, a auto-agressão ou a agressão aos outros.

Para Chauí (2000), a violência é considerada como uma forma de privação de algo de nossas vidas que leva o ser humano ao desrespeito para com seus semelhantes, retirando-lhes seu direito, despojando-os de uma vida e os reduzindo a uma condição de objeto.

Essa observação se encontra qualificada tanto no âmbito social quanto no familiar, pois a violência sempre esteve associada a relações de dominação e poder. (RIFIOTIS, 2006). A opressão é feita pelas classes dominantes, detentoras de regalias e privilégios sobre uma classe dominada e repreendida que possui determinadas obrigações (BUCHER-MALUSCHKE, 2004).

Cabe lembrar que, muitas vezes, a opressão e o desrespeito não estão somente no ato explícito, mas, também, no implícito, através de suas sutilezas convenientes que são compostas de regras e normas de condutas sociais e culturais (BANDEIRA, 2009).

Para Saffioti (2004) e Narvaz e Koller (2006b), é importante voltar o olhar para alguns atos violentos que estão sob um âmbito maior que vão além da violência física, que são aqueles relacionados à violência social. Para as autoras, antes de o marido agredir sua esposa, do pai espancar o filho ou do trabalhador ter sua imagem denegrida pelo chefe diante dos colegas, existe uma violência que é apresentada e justificada como sendo condição necessária para manter a estrutura de uma sociedade. Trata-se, portanto, de uma violência que tem como característica a negação do viver do indivíduo em sociedade, pois desrespeita e denigre a pessoa humana, sendo esta expressa, dentre outras formas, a partir das discriminações raciais, das diferenças entre as classes sociais e da separação sexual e de gênero (ODALIA, 2004).

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no contrato conjugal e na vida social em geral. Segundo a autora, esses fatos são mais que uma simples transgressão de normas e regras com fins de dominação e opressão. A violência contra a mulher, acrescenta a autora, atinge a sua integridade, causando dor, sofrimento e medo que, muitas vezes, são irreparáveis.

Miller (1999) acentua que a dominação do homem sobre a mulher pode ser manifestada de diferentes formas, incluindo o espancamento, as opressões verbais e até formas sutis e elaboradas de desqualificação e anulação. Com relação a isso, a autora elucida:

O abuso emocional assume muitas formas diferentes no caminho para o objetivo do poder e todos eles destroem aos poucos o auto-respeito e a auto-estima da mulher. Um homem pode começar com uma reclamação e deslizar para as críticas constantes e xingamentos antes mesmo de ela perceber a existência de um problema. Ele pode envergonhá-la em público, gritando ou humilhando-a. Pode acusa-la de ter amantes e começar a vigiar cada movimento seu, seguindo-a quando ela encontrar um amigo (MILLER, 1999, p. 34).

Na perspectiva feminista, a violência conjugal é entendida como uma desigualdade social onde a valorização diferenciada dos papéis masculino e feminino ainda é encontrada, legitimada e mantida como um fenômeno que atinge as mulheres, independente de cor, idade ou classe social (BRAUNER; CARLOS, 2004; DINIZ, 2011).

A partir disso, Saffioti (2004) acredita que a violência conjugal é vista como um fator que se encontra diretamente relacionado com o poder dado ao homem e a submissão da mulher construída no decorrer da história das civilizações. Para a autora, existe uma pressuposição social e cultural de que o homem deve usar a agressão para ter o domínio sobre a mulher e esta, por sua vez, deve suportar tais agressões por este ser o seu destino.

Portanto, a violência é o assujeitamento da mulher ao homem, tendo autoridade e direito sobre ela e seus filhos. A incorporação desta lógica patriarcal é caracterizada como uma violência simbólica, pois proporciona aval para a dominação masculina na medida que prevê a adequação da mulher às normas impostas pelo discurso masculino (SAFFIOTI, 2004).

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desempenha um papel de submissão, no intuito de evitar conflitos e preservar o relacionamento, fica presa aos padrões culturais (uma vez que se sente como a responsável pela manutenção do casamento), o que alimenta e favorece a sua vulnerabilidade e, consequentemente, a violência (DINIZ; PONDAAG, 2004; FALCKE et al., 2009).

Goldner et al. (1988) ao discorrerem sobre a violência conjugal na perspectiva da Terapia Feminista da Família, consideram que aspectos familiares, culturais, políticos e sociais fazem parte da ocorrência de tal violência entendendo que esta pode ser explicável, mas não é desculpável, pois se trata de um ato criminoso e, como tal, deve ser tratado com sanções judiciais. Portanto, para as autoras, a desigualdade de gênero é uma realidade social existente e devendo ser considerada ao se tratar sobre a violência conjugal.

De acordo com Goldner et al. (1988) na relação de um casal que tem a violência em sua dinâmica conjugal, observa-se nos comportamentos dos cônjuges, reciprocidades e padrões complementares presentes no ciclo de violência. Portanto, para as autoras, as diversas formas de violência contra o gênero feminino têm implicações nas relações de poder, devido à formação discursiva patriarcal, que infelizmente regula e normatiza, ainda hoje, os lugares e as relações de gênero no social (URRY, 1994; NARVAZ; KOLLER, 2007).

Para Goldner et al. (1998), a violência masculina pode ser descrita a partir de dois níveis considerados simultâneos: o instrumental e o ato expressivo. O primeiro é caracterizado por ser um poderoso método de controle social. Um homem, por exemplo, pode impor sua vontade no relacionamento, utilizando-se da alteração de sua voz ou de violência, seja ela física e/ou moral. Ao utilizar da violência como uma forma de intimidação a serviço da dominação masculina, ele escolhe, conscientemente, uma estratégia para conseguir aquilo que se deseja. No segundo a violência é caracterizada como sendo um impulso do homem, uma resposta, a um sentimento desesperador de perda relacionada ao poder ou a uma pessoa com quem se relaciona, normalmente, sua esposa e/ou companheira (GOLDNER et al., 1988).

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emergir quando o homem se sente privado de afeto quando ou as sensações de desvalorização passam existir.

É importante ressaltar que, para a Terapia Feminista da Família, além de se apropriar dos pressupostos sobre as questões de gênero, valida e coaduna com concepções sistêmicas consideradas importantes para se entender a violência conjugal, tais como: a dinâmica do relacionamento do casal; as relações dos cônjuges com as famílias extensas de cada um; as redes sociais do casal e do cônjuge e a manutenção do sistema (GOLDNER et al., 1988).

Deste modo, a Terapia Familiar Feminista utiliza os conceitos sistêmicos para compreender as relações entre os membros do casal, sem perder de vista a influência dos fatores relacionados à desigualdade de gênero existente em nossa sociedade. A Terapia Feminista da Família tem como objetivo auxiliar as mulheres em seu empoderamento; favorecer que elas identifiquem suas capacidades e competências a fim de se posicionarem diante das violências sofridas de forma mais fortalecida e; orientá-las sobre seus direitos políticos e sociais (GOLDNER et al., 1988; WALTERS, 1994).

Portanto, torna-se claro que a perspectiva patriarcal violenta, que foi, ao longo dos séculos, incentivada e mantida pela sociedade influenciou e influencia, diretamente, as relações familiares, devido ao fato de a família ser um sistema aberto em constantes trocas com o meio social (MINUCHIN, 1982). Ou seja, os valores socioculturais, os significados dos papéis de homem e mulher vão sendo transmitidos e atualizados em um processo definido na Terapia Familiar como transmissão multigeracional (BOWEN, 1978).

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esclarece que ao presenciar a violência em família de origem, o indivíduo poderá repetir este padrão de comportamento e levar, em suas relações futuras, seja com amigos ou com companheiros amorosos, sentimentos agressivos que poderão culminar em atos violentos (BUCHER-MALUSCHKE, 2003a).

A respeito da questão conjugal, Falcke e Féres-Carneiro (2011) discorrem que a história conjugal de cada indivíduo é complementada por aquelas que foram traçadas pelas gerações anteriores. Segundo as autoras:

[...] a transmissão psíquica da violência conjugal através das gerações ocorre, pois a trajetória da família de origem constitui-se um legado que a pessoa recebe ao inserir-se na história de um determinado grupo familiar (FALCKE; FÉRES-CARNEIRO, 2011, p. 80).

Os filhos ao presenciarem a forma como os pais se relacionam, os papéis desempenhados por cada um e a forma como eles estabeleceram o vínculo entre si, servirão como modelo nos relacionamentos futuros de seus filhos. Dessa forma, se um indivíduo presenciou, quando criança, pais que tiveram um relacionamento conjugal marcado pela violência, esta vivência repercutirá em sua vida em suas escolhas conjugais, além de poder ser transmitida nas gerações seguintes (FALCKE; FÉRES-CARNEIRO, 2011).

Tendo em vista o explicitado, algumas autoras como Diniz (2011) e Falcke, Rosa e Madalena (2012) associam os aspectos sobre a transgeracionalidade da violência conjugal com as questões de gênero, pois estas demarcam a maneira como as dinâmicas das relações se estruturam e como são vivenciadas pelos membros do sistema familiar. Como citado anteriormente, os valores socioculturais interferem no sistema familiar e nos relacionamentos de seus membros influenciando na formação do indivíduo e nos aprendizados que lhe foram transmitidos sobre os papéis de homem e de mulher e seus significados. Estes ditos sobre o que é ser homem e ser mulher encontram-se atrelados ao que é permitido ou proibido socialmente sobre a forma como cada papel deve desempenhar a fim de cumprir as tarefas que foram pré-estabelecidas. Este raciocínio pode ser aplicado na compreensão da violência conjugal, pois o relacionamento do casal sofre influência das questões de gênero.

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acreditamos ser importante discorrer sobre as medidas sociais e jurídicas do Estado que foram adotadas no decorrer da história até chegar a aprovação da Lei no 11.340/06, a Lei Maria da Penha.

2.4 HISTÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Discutir a violência, mais especificamente a violência conjugal, nos permite compreender que o termo, além de estar diretamente relacionado ao poder e privação em âmbito social, está, também, ligado ao âmbito jurídico e às políticas públicas.

Uma política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um determinado problema público podendo se utilizar de instrumentos diversos para sua efetivação, contanto que as orientações determinadas sejam devidamente seguidas e transformadas em ações como projetos, leis, esclarecimentos públicos, campanhas, decisões judiciais e outros (SECCHI, 2011). Sob esta perspectiva e em consonância com a pesquisa aqui apresentada, focaremos nas políticas públicas relacionadas às ações voltadas para a violência conjugal.

Em uma perspectiva de gênero, as políticas públicas, tendem a proporcionar uma melhor qualidade de vida para homens e mulheres, por intermédio do exercício pleno de sua cidadania, devendo a mulher, por ser minoria, ter direitos especiais e participar da comunidade política (BANDEIRA; ALMEIDA; CAMPELO, 2006).

Para Medrado e Lyra (2003), faz-se necessário entender que as questões relacionadas à violência conjugal são fenômenos sociais, e como tais, devem ser enfrentados com um conjunto de estratégias políticas e de intervenção social direta com o intuito de atuar em diferentes áreas, como educação, saúde, justiça, segurança pública e direitos humanos.

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de atuar na prevenção e; 4) Possibilitar a formação profissional com métodos, técnicas e habilidades de atendimento a população.

Inserido neste panorama de políticas públicas e em áreas que lidam com aspectos sobre a violência conjugal, está a Justiça, instância que tem como papel proporcionar a resolução de conflitos. Seu objetivo principal é preservar a igualdade de todos os cidadãos perante as leis, independente de crença, raça, sexo, classe social, situação econômica, política ou religiosa. Nesse sentido, cabe ao judiciário apurar as responsabilidades daquilo que é ilícito, aplicar as leis de maneira uniforme aos que a transgridem, tendo como finalidade, a adequação de uma melhor qualidade de vida para todos (IZUMINO, 2004).

No Brasil, temos a Constituição Federal como carta magna superior, que descreve a dignidade da pessoa humana e reconhece os tratados e convenções internacionais e as cortes internacionais de justiça como Declaração Universal dos Direitos Humanos (BRASIL, 1988). O § 8º do artigo 226 da Constituição Federal coloca a família como base da sociedade e, como tal, deve ser protegida de forma especial pelo Estado, pois ele “[...] assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (BRASIL, 1988).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) caracteriza a violência conjugal como sendo uma forma de violação dos direitos humanos. De acordo com

o artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), “Todos os seres

humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de

consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. O

artigo III, desta mesma declaração, dispõe que “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, o que significa que a dignidade da pessoa

humana deve ser respeitada e resguardada, ficando ela protegida de qualquer ato que viole sua segurança e seu direito de ir e vir.

No Brasil, a Lei Maria da Penha, surge como tentativa de coibir a violência conjugal contra a mulher, sendo resultado de um processo amplo de discussão política e social, que teve como principais atores sociais, o movimento feminista, os setores governamentais e os setores do direito. (BANDEIRA, 2008).

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sociedade a respeito dos direitos igualitários entre mulheres e homens. Sua finalidade, então, é erradicar a violência contra a mulher por meio de medidas de proteção às mesmas em situação de violência doméstica familiar e punir o agressor. Para melhor entender como, no decorrer da história, foram construídas concepções e esclarecimentos sociais que viabilizaram a estruturação das políticas sobre as mulheres, faremos um histórico dos principais registros das políticas internacionais e nacionais sobre a temática.

Iniciaremos nos reportando à I Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) que foi realizada, em 1945, na cidade de São Francisco (EUA). Nesta ocasião, o Conselho Econômico e Social constituiu uma Subcomissão para tratar da Condição da Mulher, o que acarretou em destaque à temática da igualdade de gênero na agenda internacional (CAMPOS, 2010).

Em 1948, a Assembleia Geral da ONU aprovou, em Paris, na França, a Declaração dos Direitos Humanos, que assegura um padrão igualitário de vida a todas as pessoas, como o bem-estar, a saúde e a segurança. Consta em seu art. 2º que todas as pessoas são detentoras de liberdade e devem usufruir de seus direitos, sem distinção de espécie, raça, sexo, língua, opinião política e crença. No entanto, apesar de fazer referência à igualdade de direitos entre homens e mulheres, este documento não tratou especificamente sobre a violação dos direitos humanos das mulheres (BARSTED, 2001; CAMPOS, 2010).

No ano de 1975, ocorreu a I Conferência Mundial da Mulher, patrocinada pela ONU e realizada na Cidade do México. Esta Conferência foi o primeiro instrumento internacional de Direitos Humanos voltado para a proteção das mulheres.

Em 1979, a ONU aprovou um dos principais documentos globais de proteção dos direitos das mulheres: A Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), também descrita como uma Carta Internacional de Direitos da Mulher. Porém, apesar de aprovado desde 1979, este documento entrou em vigor apenas em 1981.

Imagem

Figura 1  –  Genograma de Bruna
Figura 2: Genograma de Jorge

Referências

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