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A inclusão/exclusão escolar : concepções de pais e jovens alunos com deficiência intelectual

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FABÍOLA RIBEIRO DE SOUZA

A INCLUSÃO/EXCLUSÃO ESCOLAR: CONCEPÇÕES DE

PAIS E DE JOVENS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA

INTELECTUAL

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação da Universidade Católica de

Brasília, como requisito parcial para

obtenção do Título de Mestre em

Educação.

Orientadora: Prof. Dra. Sandra

Francesca Conte de Almeida

Brasília

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, porque sem Ele, como ouvi de Leonardo Boff, a ética se faz vazia.

Ao meu esposo, Flavinho, melhor amigo, presente em tudo e sempre, minha metade, meu amor.

À minha mãe, Da. Rita, maior exemplo de bondade e dedicação ao próximo.

Aos meus irmãos, Hugo e Flávia, e aos meus sobrinhos, Luana, João Pedro e Mateus, os quais tanto amo.

Às gestoras, Sílvia, por fomentar em mim a adormecida escrita, e à Cláudia, por sua compreensão e visão ampliada acerca da formação continuada de professores.

À querida orientadora, Dra. Sandra Francesca Conte de Almeida, por me ouvir, pela parceria, pela humildade, humanidade e paciência, sem precedentes.

À Dra. Erenice Carvalho, pelas contribuições teóricas, pela atenção dedicada e pelas importantes ressalvas.

À Dra. Cristina Coelho, por participar da Banca e também por suas contribuições científicas voltadas para a educação especial.

À Dra. Nara Liana Pereira, pelas observações feitas na qualificação do projeto.

A Vigotsky que, mesmo enfermo, conseguiu, antes de sua morte, deixar registradas as suas contribuições teóricas tão importantes para a promoção da pessoa com deficiência intelectual. À Yá, Paulis, Chris, Saori, Érika, Polly, Karla, Nini, pelos laços sempre mantidos.

Ao meu amigo Irlandês Colin, pela prestimosa revisão no texto em inglês.

A todas minhas amigas e amigos, de hoje e sempre, aqui e no mundo, por tornarem minha vida uma alegre aventura, um bênção.

Às professoras Arlene e Tânia, pelos trabalhos e sonhos partilhados a fim de alcançar uma escola que abrace a diversidade e seja promotora, antes de tudo, da humanidade.

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“O temor do Senhor é o princípio do saber”. Provérbios 1: 7

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SOUZA, Fabíola Ribeiro.A INCLUSÃO/EXCLUSÃO ESCOLAR: Concepções de Pais e de Jovens alunos com Deficiência Intelectual. 2010. 160f. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Católica de Brasília, 2010.

RESUMO

Esta dissertação investigou as concepções de pais e de adolescentes e/ou jovens alunos com Deficiência Intelectual - D.I -, matriculados em Centros de Ensino ou classes especiais do Distrito Federal, em regime de educação especial substituta da regular, sobre os motivos que levavam os estudantes a estar à parte da inclusão escolar. O referencial teórico utilizado foi a perspectiva da psicologia sócio- histórica, iniciada por Vigotsky. A pesquisa foi de natureza qualitativa e como instrumento para coleta de dados optou-se pela entrevista semi-estruturada, por constituir-se em um poderoso recurso de acesso aos processos psíquicos dos sujeitos. As respostas foram analisadas estabelecendo-se categorias temáticas por meio da análise dos núcleos de significação e sentidos, conforme Aguiar e Ozella (2006), Fonseca (2009) e Pereira (2009). Participaram da pesquisa 22 pessoas, sendo 10 alunos e 12 responsáveis: 11 mães e 01 avó. Os núcleos de significação foram delimitados e nomeados a partir dos seguintes temas: conhecimentos acerca do diagnóstico de D.I.; justificativas da escolarização apenas no ensino especial; potencialidades e dificuldades dos alunos; avaliação de pais e alunos acerca da educação especial; concepções acerca da inclusão escolar; concepções frente ao desempenho escolar dos alunos e, ainda, expectativas presentes e futuras com relação à vida dos estudantes. Os resultados apontaram que a maioria dos estudantes encontrava-se à parte da inclusão escolar por decisão de seus responsáveis, apesar do desejo da maioria de participar da educação regular, justificado pela vontade de estar com colegas de sua geração, pelo constrangimento ou por maiores expectativas de aprendizagem. Também foram percebidos fatores subjetivos e externos aos sujeitos, que podem ter influenciado nas atitudes das mães/avó entrevistadas, tais como equivocadas concepções acerca da D.I e da inclusão escolar. As mães/avó justificaram a escolarização apenas no ensino especial pelas razões principais: idade avançada dos filhos; insuficientes aquisições acadêmicas dos mesmos; por não saberem ler ou escrever; por recusa das escolas regulares em acolhê-los ou das escolas especiais de liberá-los; e, ainda, pelo conformismo de alguns pais, aliado ao sentimento de super-proteção dos filhos. Apesar da maioria dos entrevistados terem relatado gostar das escolas que os assistiam, os pais queixaram-se que poucos investimentos eram feitos na aprendizagem formal dos alunos, em especial nos Centros de Ensino. Alguns dos entrevistados, em especial os pais, disseram nutrir sentimentos negativos acerca do fracasso escolar. Com relação às expectativas e projetos futuros de vida, a maioria dos alunos projetava grandes realizações de cunho profissional e pessoal, enquanto a maioria dos pais esperava que os filhos executassem trabalhos braçais ou temia pelo futuro dos filhos ao fim da escolarização especial. Dar voz aos pais e alunos com D.I foi de suma importância porque demonstrou, de modo inequívoco, o não empoderamento dos alunos em relação ao seu processo de escolarização e que as decisões sobre a não-inclusão escolar podem estar sendo influenciadas por concepções equivocadas, tanto dos alunos como das pessoas que os assistem, pais, médicos e professores, acerca da D.I bem como dos direitos concernentes à inclusão escolar. Assim, este estudo apontou para a necessidade de se buscar alternativas para a inclusão escolar de alunos com D.I em idades mais avançadas e que ainda não foram alfabetizados, bem como de um redirecionamento das práticas pedagógicas oferecidas pelas unidades de ensino especial, que devem visar à inclusão escolar destes alunos, promovendo seu desenvolvimento e aprendizagem, por meio das interações sociais e mediações pedagógicas ofertadas em uma educação especial de qualidade, a qual supõe, necessariamente, investimentos na aprendizagem formal dos alunos. Oportunizar a escuta dos alunos com D.I foi relevante porque raramente lhes é dada a palavra, de modo que este estudo situou-os como pessoas que sentem , desejam e esperam mais de suas vidas e escolarização.

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SOUZA, Fabíola Ribeiro. THE SCHOOL INCLUSION/EXCLUSION: Conceptions of Parents and Teenagers/Youth Students with Intellectual Disabilities. 2010. 159 p. Thesis (Master in Education) - Brasilia Catholic University, 2010.

Abstract

This dissertation investigated the conceptions of parents and teenagers/youth students with Intellectual disability – ID enrolled in Special Education classes or schools in the Federal District- Brazil under special education as a substitute of the regular, regarding the reasons that led them to be apart from the inclusive education. The theoretical reference used was the socio-historic psychology perspective started by Vigotsky. The nature of the research was qualitative and as instrument to data collection was used the semi-structured questionnaire, because it turns to be a powerful resource which gives insight into the psychological processes of the subjects. The answers were analyzed establishing thematic categories by the observation of the meaning and senses nuclei, according to Aguiar and Ozella (2006), Fonseca (2009) and Pereira (2009). The research had 22 participants, 10 being students and 12 were guardians: 11 mothers and 1 grandmother. The meaning nuclei were delimitated and named according to the following themes: knowledge about the I.D diagnosis; justifications for the schooling only in the special education; student’s potentialities and difficulties; special education evaluation from parents and students; conceptions of inclusive education ; conceptions related to the student’s performance in school and, also, future and present’s expectation related to the students life. The results showed that despite the students’ desire to participate in the regular classes, justified by their willingness to be with colleagues from their same generation, and taking into account the feeling of embarrassment or even high expectations regarding learning, most of them were apart from inclusive schools because of their guardians’ decisions. Also, it was observed that factors of subjective and external matters had an influence on the interviewed parents, such as wrong conceptions about I.D and inclusive education. The mothers/grandmother justified schooling their sons only in the special education by these main reasons: the advanced age of the students; insufficient academics acquisitions; for they don’t know how to read or write; by the regular school refusing to welcome them and for the special schools to release them, and, also, by the conformism of some parents, allied to the super protection feeling regarding their sons. Despite that the large majority of those interviewed had reported that they liked the school that assisted them, the parents complained that few investments were being done in the formal learning of the students, mainly in special schools. Some of the interviewed, especially the parents, said that they bear bad feelings towards the student’s failure in the school. In relation to the student’s life expectations and future projects, most of the students were projecting great achievements regarding their personal and professional life, while on the other hand, most of the parents expected that their sons would execute only menial tasks or feared for their son’s future at the end of the special schooling. Giving voice to the students with I.D. was of great importance because it has shown, in an unequivocal way, the students disempowerment related to their schooling process, and that the non-school inclusion of these students can be influenced by wrong conceptions, either the students as for the people who assist them, parents, doctors and professors, related to the I.D as the legal rights concerned to the school inclusion. Like this, this study has pointed to the real need to look for alternatives regarding the inclusion of students with I.D, in advanced ages, who still are not literate, as well to a redirection in the pedagogical practices offered by the special education unities, that must aim towards the social inclusion of these students, promoting their development and learning, through the social interactions and pedagogical mediations offered in a qualified special education, that supposes, absolutely, investments in the formal learning of the students. Affording an opportunity for the students to be heard was relevant because the Word is rarely given to them, so that this study has positioned them as people that feel, desire and expect more from their lives and schooling.

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SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DE PESQUISA ...10

CAPÍTULO 1 – DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: DIFERENTES CONCEPÇÕES E TRATAMENTOS AO LONGO DA HISTÓRIA ...19

1.1 Período pré-científico: mítico / teológico ... 19

1.2 Período científico: idiotas e cretinos ... 21

1.3 A hegemonia médica: idiotas, retardados e deficientes mentais ... 23

1.4 O poder pedagógico: escolas e classes especiais para os deficientes mentais / intelectuais ... 26

1.5 Conceitos contemporâneos: a D.I segundo a AAIDD e estudos atuais ... 27

1.6 Testes de Q.I: origem, controvérsias e repercussões na atualidade ... 32

CAPÍTULO 2 - VIGOTSKY E A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO: ALGUNS CONCEITOS IMPORTANTES...38

2.1 A formação superior do homem: funções elementares e superiores ... 39

2.2 A mediação instrumental e semiótica ... 41

2.3 A importância da aprendizagem para o desenvolvimento e a Zona de Desenvolvimento Proximal- ZDP ... 44

2.4 A deficiência intelectual, segundo Vigotsky ... 52

CAPÍTULO 3 - INCLUSÃO ESCOLAR: CONTEXTO HISTÓRICO E REPERSCUSSÕES NACIONAIS ...59

3.1 A educação especial e os aspectos legais de apoio à inclusão escolar no Brasil ... 63

3.2 Orientações pedagógicas fornecidas pelo MEC de subsídio à inclusão ... 67

3.3 Questões e controvérsias ... 70

3.3.1 Justificativas à inclusão imediata de pessoas com D.I nas salas de aula regulares ...70

3.3.2 Ressalvas ao movimento de inclusão ...73

CAPÍTULO 4 – O MÉTODO ...79

4.1 Objetivo Geral ... 82

4.2 Objetivos Específicos ... 82

4.3 A Abordagem aos alunos e seus responsáveis e o local das entrevistas ... 82

4.4 Os participantes ... 83

4.5 A construção dos dados: a entrevista ... 85

4.6 Procedimentos para a construção e análise dos dados da pesquisa ... 86

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5.1 NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS RESPONSÁVEIS

PELOS ALUNOS ... 90

5.1.1 Primeiro núcleo: O diagnóstico ...91

5.1.2. Segundo núcleo: A educação especial: motivos e justificativas ...96

5.1.3. Terceiro núcleo: As potencialidades e dificuldades dos alunos ...103

5.1.4. Quarto núcleo: A educação especial: avaliação de pais e alunos. ...110

5.1.5. Quinto Núcleo: Inclusão escolar: de direito, mas não de fato. ...117

5.1.6. Sexto núcleo: concepções acerca do desempenho escolar ...130

5.1.7. Sétimo núcleo: Expectativas presentes e futuras. ...132

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...136

REFERÊNCIAS ...146

ANEXO 1- Termo de consentimento ...155

ANEXO 2- Roteiro de entrevista ...158

ANEXO 3 – Tabelas do Censo Escolar ...161  

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INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DE PESQUISA

Quando se fala em deficiência, talvez nenhuma traga tanta inquietude quanto a intelectual. Isto pode ser percebido na nomenclatura, que já passou por várias alterações ao longo da história. Enquanto defeitos como surdez, cegueira, deficiência física permanecem inalterados, pessoas com deficiência intelectual foram chamadas de idiotas, débeis, retardados para, finalmente, chegar ao termo atual, considerado menos ofensivo.

 

Essas mudanças não se deram por acaso. Cada nome reporta a diferentes períodos históricos que remetem a tratamentos nada agradáveis dispensados aos que eram assim denominados. Por exemplo, no período medieval, muitos “idiotas” foram queimados na crença de sua maldição. Já os nomes posteriores, deficiência e retardo mental, assumiram na pré- modernidade e modernidade um sinônimo de confinação e separação da sociedade na crença do perigo e da incapacidade destas pessoas (REZENDE, 2006; GOULD, 2003). 

Em resumo, o “tratamento” dispensado às pessoas com este diagnóstico foi pautado, historicamente, mais em pressupostos preconceituosos do que em ciência. Como conseqüência, a sociedade constituiu crenças infundadas (GOULD, 2003). Felizmente, estudos posteriores, oriundos do início do século XX, começaram por redirecionar este olhar, ao comprovarem as inúmeras possibilidades de desenvolvimento dessas pessoas. Dentre estes, destacam-se as contribuições de Vigotsky que afirmava, já em 1929, que indivíduos com Deficiência Intelectual podem se desenvolver como as demais, desde que o ambiente social as estimule. 

Assim, na expectativa de corrigir ações discriminatórias pautadas no preconceito, o movimento de inclusão se fortalece em proporções mundiais. Encabeçado por cientistas, intelectuais e familiares de pessoas com deficiência, este novo paradigma começou em meados do século passado, atingindo seu ápice no momento presente, por assumir uma roupagem de respeito aos direitos humanos (PRESTES, 2009).  

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O Brasil acompanhou as orientações mundiais de incentivo à inclusão, pelo menos no que se refere às políticas públicas. Um resumo da trajetória das mudanças com relações às leis de acessibilidade à educação está explicitado no documento de Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 05 de Junho de 2008. O documento define que crianças com D.I têm direito de freqüentar as escolas regulares e que a educação especial deve ser oferecida em turno contrário às aulas regulares, mediante o Atendimento Educacional Especializado (BRASIL, 2008). 

  Segundo a resolução do Ministério da Educação- MEC, CNE/CEB Nº. 2 , artigo 3º de 11 de setembro de 2001, entende-se a Educação Especial como uma modalidade da educação básica, compreendida como um processo educacional norteado por uma proposta pedagógica a fim de assegurar serviços e recursos educacionais especiais, organizados a fim de “apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos , substituir os serviços educacionais comuns de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais” (BRASIL, 2001).

Já o Atendimento Educacional Especializado- AEE é compreendido como uma modalidade da educação especial, segundo a resolução Nº 4, de 2 de outubro de 2009, instituindo que os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficiência nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado - AEE, que pode ser ofertado em salas de recursos multifuncionais, mas também em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos. O AEE deve complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, apoios e estratégias a fim de que sejam eliminadas as barreiras no desenvolvimento de sua aprendizagem e que venha a ter plena participação na sociedade da qual faz parte (BRASIL, 2009).

Assim, as pessoas com D.I saem de um contexto de segregação educacional, já que frequentavam as classes regulares apenas se conseguissem acompanhar o ritmo dos demais alunos, para um contexto em que suas particularidades devem ser contempladas pela educação formal.  

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que, historicamente, exclui não só os deficientes, mas qualquer aluno que fuja aos padrões propostos de transmissão e assimilação de conhecimento. 

Na expectativa de subsidiar os professores, no que concernem as práticas pedagógicas tanto em sala de aula regular como no atendimento educacional especializado, ou seja, na educação especial na perspectiva da inclusão, O MEC disponibiliza orientações pedagógicas pela internet e também em cursos de formação como, por exemplo, os da plataforma Pro-info (GOMES et al., 2007) 

O poder público também tomou medidas para garantir a inclusão. O Ministério Público da União /Ministério Público Federal, disponibiliza pela internet e também nas escolas uma cartilha de nome “O Acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular”, dedicando um capítulo inteiro às pessoas com D.I, na expectativa de alertar a comunidade escolar com relação aos seus direitos. 

Assim, orienta os responsáveis a matricular os alunos nas classes regulares, e que estes não têm obrigação de acompanhar as aulas no ritmo dos demais alunos. Reza ainda que é direito dos alunos com D.I serem avaliados de acordo com seus avanços pessoais e não em comparação às outras pessoas. Ainda, alerta que é crime impedir esses alunos de frequentar as classes regulares por motivo da deficiência, esclarecendo que a educação básica é um direito insubstituível e indelegável e que a educação especial deve ser interpretada a partir de um novo conceito, não como substituta da educação regular, mas ofertada em turno contrário, por meio do AEE (BRASIL, 2004, p.10).

Na realidade local do Distrito Federal - DF, o movimento de inclusão também vem se consolidando. Segundo o censo 2009, existem mais de 3000 alunos com possível diagnóstico de D.I participando das salas de aulas regulares. Esse número, se comparado com os censos anteriores, vem crescendo, ano a ano, consideravelmente (BRASÍLIA, 2008; 2009). 

Apesar dessa positiva mudança, ainda se registra um número significativo de alunos, possivelmente com D.I, matriculados apenas na educação especial. Seria difícil precisar o número exato destes estudantes, a partir dos documentos referentes ao censo escolar, fornecidos pela Secretaria de Estado de Educação- SEE-DF, visto que eram usadas outras terminologias, que não deficiência intelectual, para nominar os diagnósticos dos alunos.

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nomenclaturas, com exceção da classificação transtornos globais do desenvolvimento, que foi substituída por condutas típicas (BRASÍLIA, 2008; 2009). 

Para melhor entendimento dos dados, adaptamos dois quadros, a partir das informações coletadas dos censos 2008/2009, conservando as nomenclaturas usadas pela SEE-DF, no momento da pesquisa, para ilustrar o panorama da educação especial, com as terminologias que podem se aplicar a alunos com possível deficiência intelectual.

Primeiro, apresentaremos o quadro de alunos com necessidades especiais (QUADRO I) matriculados nos Centros de Ensino Especial - CEE e, posteriormente, nas classes especiais (QUADRO II). Lembramos, ainda, que Centros de ensino, normalmente, são escolas onde estudam apenas alunos deficientes e classes especiais são salas de aula que, apesar de inseridas dentro de escolas regulares, comportam apenas alunos com deficiência. Ambos os regimes denotam educação especial como substituta da regular.

QUADRO I.

Educação especial- Instituições especializadas: (Centros de Ensino Especial- CEE). 

Total de alunos com necessidades educacionais especiais matriculados na instituição, com atendimento exclusivo, por ano de nascimento.

Necessidades Educacionais Especiais

Ano de nascimento Total

Após 2005

2005 a 2004

2003 a 1995

1994 a 1992

1991 a 1988

Antes de 1988

Deficiência Mental - 4 118 150 193 524 989

Condutas típicas - 16 123 59 57 45 300

Síndrome de Down _ 4 11 16 15 34 80

*Educação precoce  1060 173 - - - 1.233

Deficiência múltipla

- 83 456 107 95 234 975

Fonte: Dados retirados do censo escolar do DF 2009. SEE-DF (anexo 3)1 

O quadro II refere-se aos alunos matriculados nas classes especiais. O senso 2009, no momento da pesquisa, apresentava apenas o número geral, de 1819 alunos, mas sem especificar a deficiência ou ano de nascimento. Por este motivo, utilizaremos o quadro do senso de 2008, visto que o numero total de alunos, em comparação com o de 2009, não apresentou mudanças significativas em

      

1 Chamamos atenção para o fato de que as crianças com data de nascimento após 2005 encontravam-se na

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termos numéricos. Como pode ser visto, no quadro abaixo, mais da metade do quantitativo geral destes alunos estava classificada como deficiente mental.  

QUADRO II. 

Censo Escolar 2008 – Rede Pública Educação especial- Classe especial

Número de alunos em Classe especial por ano de nascimento e necessidade especial. 

Necessidades Educacionais Especiais

Linha

Ano de nascimento Total

Após 2004

De 2004 a 2003

De 2002 a 1994

De 1993 a 1991

De 1990 a 1987

Antes de 1987

Cegueira 1 - - 9 2 1 18 30

Baixa visão 2 - - 2 - - - 2

Surdez 3 - - - 3 1 8 12

Deficiência Auditiva

4 - 5 196 53 31 48 333

Deficiência Mental 5 10 9 580 306 186 111 1.202

Transt. Globais do desenvolvimento

6 92 21 122 23 11 3 272

Síndrome de Down 7 18 13 24 14 9 4 82

Deficiência múltipla

8 7 9 54 17 6 29 122

Total 127 57 987 418 245 221 2.055

Fonte: Dados retirados do censo escolar do DF 2008. SEE-DF (anexo 3)

Como dito anteriormente, seria necessária outra pesquisa para realmente investigar quantos alunos, classificados pela SEE-DF com outros problemas, tais como deficiência múltipla, transtornos globais do desenvolvimento, condutas típicas e alunos matriculados na educação precoce, também apresentariam deficiência intelectual. Assim, podemos apenas deduzir que, alguns alunos incluídos em outras nomenclaturas poderiam também apresentar deficiência intelectual, que pode vir acompanhada de outras síndromes ou limitações. 

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Já em relação aos alunos estudantes de classe especial, em regime de integração escolar, este número era ainda mais significativo. Segundo o senso 2008, existiam 1284 alunos classificados pela SEE-DF como deficientes mentais e 82 alunos tidos como síndrome de Down. Destes, 599 alunos, diagnosticados como DM’s, estão em idade regular obrigatória, juntamente com mais 37 alunos tidos como síndrome de Down. 

Lembramos, mais uma vez, que este número poderia vir a aumentar se investigados os casos de alunos classificados, segundo a SEE-DF, com transtornos globais do desenvolvimento, condutas típicas e deficiência múltipla. Mas, de qualquer forma, estes alunos também fariam jus ao direito de inclusão escolar, sendo que muitos dos mesmos também se encontravam em idade escolar básica e obrigatória (BRASIÍLIA, 2008). 

A realidade educacional dos estudantes com D.I, do D.F, não foge às pesquisas nacionais como as de Bairros (2008), que demonstram que, no Brasil, alunos com D.I somam quase que 50% do quantitativo de estudantes com deficiência. Esta afirmação baseia-se no fato de que nos Centros de ensino do D.F, dos 3.640 alunos diagnosticados com alguma deficiência, mais de 1060 apresentam diagnóstico compatível com a deficiência intelectual, desconsiderando as outras nomenclaturas que, também, poderiam incorrer no mesmo problema (BRASÍLIA, 2009). Já nas classes especiais, dos 2055 alunos, mais da metade, ou seja, no total de 1202 alunos, estava classificada como deficiente mental ou síndrome de Down (BRASÍLIA, 2008). Deste modo, podemos inferir que pessoas com D.I, em regime de educação especial substituta da regular, constituem-se maioria absoluta, sendo que

muitos destes alunos não são incapazes ou representam riscos a si ou à sociedade (BRASÍLIA,

2008, 2009).  

A inclusão desses alunos gera sentimentos antagônicos entre estudiosos no assunto e mesmo na comunidade escolar que, como veremos, ora defendem ora criticam a manutenção do ensino em separado das salas regulares. Entretanto, será que já foi perguntado àqueles sobre quem se discute, a saber, os alunos, sobre sua situação escolar? O que pensam do fato de ainda estarem estudando em um ambiente à parte do ensino regular, sendo que a educação especial pode ser oferecida em turno contrário às aulas? 

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Em agosto de 2005 foi disponibilizado, no site BENGALALEGAL (2009), 2o

depoimento de um jovem estrangeiro com Deficiência Intelectual argüindo o seu direito de participar das decisões tomadas em seu favor: 

Tenho pensado com freqüência sobre quem tomou meu poder. Por que eu não era como os outros? O que era tão diferente em minha vida? Acredito que foram exatamente as pessoas que mais alegavam importarem-se comigo quem tomou muito do meu poder. Eram profissionais, professores e funcionários que escolheram controlar minha vida(BENGALALEGAL, 2009). 

Outro caso que ilustraria o motivo da indignação do jovem acima aconteceu no D.F. sendo amplamente divulgado pela mídia. Um dentista arrancou todos os dentes de um adolescente com D.I, sem sequer consultar a família, acreditando ser esse o correto procedimento para pessoas com esse diagnóstico. Quando execrado pela mídia, um dos colegas do profissional saiu em sua defesa alegando que esta conduta já fora recomendada como medida preventiva e de segurança para que pacientes com D.I não viessem a agredir as pessoas (RECORD, 2009; VARANDAS, 2009). 

      Na tentativa de evitar que práticas como essa, comuns também em outros países, continuassem a ser tidas como aceitáveis, foi realizada no Canadá, em 2004, a convenção de Montreal, a qual o Brasil foi consignatário. Nessa conferência, ficou decidido que as pessoas com deficiência intelectual têm os mesmos direitos que outras pessoas de tomar decisões e que essas só poderiam ser delegadas a outrem em casos extremos, porém apenas por um período, e com supervisão de outras instâncias. Esta orientação foi ratificada pela Organização das Nações Unidas- ONU, na convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, realizada em 13 de dezembro de 2006. No artigo 3, dos princípios gerais, esta convenção conferiu às pessoas com deficiência “sua autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer suas próprias escolhas”, ficando decidido que os Estados Partes deveriam tomar providências legais e jurídicas para que o direito destas pessoas fosse respeitado. Esta convenção entrou em vigência no Brasil em 3 de maio de 2008 (BRASIL, 2008).

Nessa perspectiva, será que os alunos com D.I matriculados nos centros de ensino e/ classes especiais, partilham do mesmo problema vivido pelo jovem acima, com relação à sua escolarização? Em resposta a esse questionamento, a pesquisa vai em busca de alguns alunos

      

2 O site BENGALALEGAL foi criado por Marco Antonio Queiroz, deficiente visual, que disponibiliza variadas

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com D.I e de seus pais e/ou responsáveis para apreender as concepções que permeiam a suposta opção de ficarem fora da inclusão escolar. 

Segundo Ponte (1992) e Diazgranados (2008), concepções poderiam ser entendidas como um material cognitivo indispensável para a formação de conceitos. Em complemento, Ponte (1999) afirma que a nomenclatura “concepções” tem sido adotada na expectativa de se desvincular o estudo das crenças a questões religiosas, porém estudiosos consideram que são formadas não só pelas crenças, mas também por posicionamentos, regras e inclusive estudos científicos, denotando assim seu caráter abrangente. 

Concepções são organizações psíquicas que envolvem toda a estrutura mental dos indivíduos constituindo-se como representações pessoais, enraizadas na construção cognitiva dos mesmos. Originam-se a partir das experiências vividas, ou seja, da realidade prática em contraponto com conhecimentos adquiridos e representações, sobre o que se tenta conceituar, das pessoas formadoras do grupo dominante a qual esse mesmo indivíduo faz parte (Ponte, 1992). 

Consequentemente,concepções têm a ver com a forma com que as pessoas concebem o mundo, já que assumem uma representação de, como bem conceitua Ponte (1999, p.2), “filosofia pessoal” sobre certos assuntos, organizando o sentido das coisas. Como alega Ponte (1992), pesquisar sobre concepções é como estudar antropologia na própria cultura. 

Assim, são importantes porque permitem a ação dos indivíduos quando confrontados com situações as quais não podem ser elaboradas dentro do pensamento racional, porém, nem sempre as intervenções oriundas de concepções são as mais adequadas, bem como podem atuar como limitadoras para a compreensão de novas realidades. 

Estudos sobre concepções são pertinentes porque buscam compreender o comportamento das pessoas (DIAZGRANADOS et al., 2008). Segundo Ponte (1999; 1992) concepções podem influenciar tanto a ação como o pensamento dos indivíduos. Desse modo, será que as concepções que permeiam a atual escolarização dos alunos em questão são coerentes com estudos que denotam suas possibilidades de desenvolvimento? Qual o sentido que esboçam quando confrontados com o direito de inclusão escolar? 

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encontrados estudos que tenham buscado dos sujeitos com Deficiência Intelectual, que se encontram à parte da inclusão escolar, as concepções que têm acerca de sua escolarização. 

Da mesma forma, prevendo a hipótese de que os pais possam estar influenciando na suposta decisão de deixar os filhos à parte das classes regulares, os mesmos devem ser ouvidos para buscar a compreensão de quais as concepções que permeiam essa postura. Quais as preocupações, os medos e mesmo as expectativas que fazem dos filhos e da escola? Como veremos a seguir, mesmo cientificamente falando, ter D.I era sinônimo de incapacidade. Será que as concepções dos responsáveis desses alunos continuam arraigadas a estudos equivocados, ou será que eles também têm suas concepções influenciadas pelo grupo dominante que os assistem, no caso professores, médicos, psicólogos, etc. 

Ao tentar responder a essas perguntas, esse estudo pretende contribuir para a efetividade da educação inclusiva, que deve levar em conta as reais necessidades dos alunos com D.I e também as preocupações de seus familiares. Outro aspecto importante, levantado por Cavalcanti (2007) é que existem poucos estudos sobre a inclusão de alunos com D.I que não se enquadram mais na educação infantil, sendo que a inserção desses alunos nas classes regulares, a partir das séries finais, ainda é vista como utópica. 

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CAPÍTULO 1 – DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: DIFERENTES

CONCEPÇÕES E TRATAMENTOS AO LONGO DA HISTÓRIA

Antes de adentrarmos na controversa questão sobre a legitimidade do direito de inclusão de pessoas com D.I, é importante conhecer os significados atribuídos a essa nomenclatura de acordo com os registros históricos encontrados. De época em época esses significados variavam, emergindo de acordo com as concepções / crenças que as pessoas faziam da deficiência intelectual. Como nos lembra Balduíno (2006), significados são culturalmente formados e por isso estão em constante transformação. Do mesmo modo, as concepções que as pessoas fazem do outro e de si mesmas andam de mãos dadas com as transformações sociais e culturais. 

Como não podia ser diferente, a partir das concepções que as pessoas faziam sobre a deficiência intelectual, o tratamento dado a essas pessoas, que desde a antiguidade já podia ser tido como especializado, por ser diferente, variava. Talvez a leitura dessa pequena revisão ajude o leitor a descobrir em que momentos históricos situam-se as próprias crenças do que é a deficiência intelectual bem como sobre aqueles que assim são diagnosticados. 

De acordo com a organização histórica proposta por Balduíno (2006), o entendimento sobre D.I poderia ser dividido entre o antes e o depois do período científico. Anterior ao período atual, os significados sobre a D.I e as concepções sobre essas pessoas emergiam do poder mítico e teológico para, após o científico, serem delegadas ao poder médico e pedagógico, culminando na inclusão de hoje. Apesar desses diferentes momentos uma coisa ainda é comum: pessoas com D.I sempre tiveram suas vidas delegadas a outrem, sendo privadas mesmo das mínimas decisões, como veremos a seguir. 

1.1Período pré-científico: mítico / teológico

 

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BALDUÍNO, 2006). Platão foi um dos primeiros a aconselhar tais práticas ao deixar registrado em seus escritos filosóficos que crianças defeituosas deveriam ser mortas ao nascer (PEREIRA, 2009). 

Segundo Cavalcanti (2007), a morte de pessoas com D.I também se justificava pela cultura ocidental dominante que, por ver na guerra a forma de conquistar outros povos, valorizava o modelo atlético e forte dos homens para que servissem aos conflitos armados da época. Assim, crianças que não se adequavam ao padrão exigido não tinham razão de ser. 

Apesar do extermínio legalizado, há registro de pessoas que fugiam à regra, como nos informa Bairros (2008), ao citar o caso de Efesto, deficiente físico, que se mostra digno da convivência com os demais por ser considerado um exímio escultor. A pesquisadora relata a incessante tentativa da personagem em superar-se, por meio de seus trabalhos, para que sua condição de convivência social fosse mantida. 

Esses acontecimentos são retratados pelo cinema atual, como, por exemplo, no filme 300 (Trezentos) dirigido por Zack Snyder que, em suas primeiras cenas, retrata crianças defeituosas sendo separadas para a morte por destoarem dos padrões exigidos pelos perfeccionistas gregos espartanos. Em outra cena, um deficiente físico implorava ao bravo Leônidas que o deixasse participar do exército, confessando ao guerreiro que seus pais, por pena, pouparam-no da morte. O sentimento de compaixão não foi compartilhado pelo atlético guerreiro porque não via serventia naquela pessoa que, a despeito do corpo disforme, salvara sua vida. Interessante observar que os relatos de vida encontrados na revisão pesquisada, restringem-se apenas a pessoas com deficiência física, o que nos leva a pensar no fatal destino reservado à pessoas com D.I durante este período. 

Com o passar dos anos, os deuses foram perdendo espaço para a cultura monoteísta com o advento do cristianismo. Para aqueles que acreditam que a igreja cristã é o motivo de todos os males, para pessoas com Deficiência Intelectual, lhes concedeu o direito à vida. No período teológico, que compreendeu a idade média, a concepção vigente sobre pessoas com D.I era que por possuírem alma não poderiam ser exterminadas, mas sim cuidadas (SOUZA, 2009; BALDUÍNO, 2006). 

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Entretanto, apesar da dúbia caridade, se a conduta dessas pessoas destoasse da esperada, ou se tivessem algum tipo de ataque violento, eram castigadas, sendo isoladas, espancadas e, no pior dos casos, condenadas à morte, na crença de que estavam possuídas pelo demônio. Assim, no período medieval, o tratamento dado a pessoas com D.I era reconhecido como contraditório, pois os tratamentos sofridos ora primavam pela caridade, ora pelo castigo (BALDUÍNO, 2006). 

O filme O Nome da Rosa, adaptação do romance de Roberto Eco (O NOME..., 1986) ilustra a penalidade máxima para os deficientes intelectuais que não conseguiam comportar-se da forma requerida pela sociedade medieval. Em uma de suas cenas principais, um jovem corcunda, com indícios de D.I, é queimado vivo pela inquisição, como herege, sendo visto como responsável pelos acontecimentos bizarros de sua comunidade. Além do defeito, a personagem Salvatore apoiava uma ordem religiosa que defendia a pobreza e criticava o luxo clerical. Também Victor Hugo, em sua obra literária “O Corcunda de Notre Dame”- 1831, denuncia como eram assistidas pessoas com D.I nas instituições caridosas, relatando a forma desumana que o padre tratava a personagem principal, Claude Frollo, em especial quando este começa a se mostrar contrário à conduta nada santa do sacerdotal.

1.2Período científico: idiotas e cretinos

   

A idade moderna é denotada pela tentativa de se desvincular, totalmente, a ciência da religião. Esse paradigma também repercute na forma de se entender a Deficiência Intelectual, sendo o cientista Paracelso pioneiro nessa questão ao lançar, no século XV, a obra denominada “Sobre as doenças que privam os homens da razão”. Assim, pela primeira vez, se pensa na D.I como um mal decorrente de material biológico ou de traumas, ao invés de problemas espirituais e morais (CAVALCANTI, 2007; ESCÓRCIO, 2008). Dessa forma, pouco a pouco, a visão mística sobre a D.I vai perdendo espaço para outra crença, tão absoluta para alguns como a idéia da existência de Deus para outros: a ciência. 

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Willis, a D.I encontrava-se no cérebro e suas causas eram hereditárias. Apesar de importante por dar os primeiros passos para que a D.I fosse estudada ao invés de compreendida no âmbito sobrenatural, ele encerra o problema em aspectos “biologizantes”, premissa essa que persiste inclusive no âmbito acadêmico, até início do século XX, como veremos a seguir (BALDUÍNO, 2006). 

Contrário a Willis, John Lock (1632-1704) traz inovadoras contribuições porque também, pela primeira vez, formula a visão naturalista da D.I alegando que as operações mentais resultam de experiências sensoriais. Em outras palavras, esse cientista chamava a atenção para que o problema da D.I era determinado pelo meio, ou seja, pelo ambiente do qual essas pessoas faziam parte, e não por meras questões biológicas e/ou hereditárias (ESCÓRCIO, 2008; BALDUÍNO, 2006). 

Apesar das inovadoras considerações de Lock, a maioria de seus contemporâneos desconsiderou seus estudos, tendendo às idéias iniciais de Willis. Nesse aspecto, destacam-se teorias como as de Foderé (1764-1835) e Pinel (1745-1826), que nominavam a D.I como

cretinismo, definindo o defeito como mal endêmico, incurável e hereditário que se associava ao bócio em algumas regiões, cujos sinais eram percebidos na primeira infância. Para esses cientistas, os idiotas seriam os mesmos por toda a vida não havendo a mínima possibilidade de alteração no seu estado (BALDUÍNO, 2006). 

Contrário a essas afirmações e partindo das considerações de Lock, o cientista Condilack (1715-1780) orientou uma teoria sensorial do conhecimento para estudo da aprendizagem. Mais tarde, Jean Marc Itard (1774-1883), considerado o pai da Educação especial, utiliza a pedagogia de Condilac para tentar educar o famoso caso do Selvagem de Aveyron, demonstrando que a teoria de Lock, sobre a influência do meio como determinante do produto humano, poderia ser aplicada na educação dos deficientes, sendo esse um dos primeiros registros de educação especial cientificamente sistematizada (BALDUÍNO, 2006; ESCÓRCIO, 2008).

Itard destacou-se por ser pioneiro na idéia de que a D.I não era irreversível, sugerindo exercícios intelectuais como métodos para melhoria da anomalia. Esses exercícios são explicitados abaixo, nas palavras do próprio cientista ao diagnosticar o famoso caso do garoto selvagem, deficiente intelectual por ter convivido apenas com animais, como bem registra Escórcio:

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ordenação da experiência que se encontra a “curabilidade” do retardo”(ITARD apud ESCÓRCIO, 2008, p.20) . 

Posteriormente, os trabalhos de Itard continuaram a ser desenvolvidos por seu discípulo, Edouard Seguin (1812-1880) que, em 1846, sistematiza um método para educação especial que valorizava a iniciativa, o impulso interno e a ligação entre a escola e a vida como promotores da educação em pessoas com D.I. 

Infelizmente, tanto Seguin como Itard falecem e muitos de seus predecessores retornam ao velho paradigma defendido por Foderé e Pinel sobre a impossibilidade de alteração no quadro de pessoas com D.I e sua hereditariedade (ESCÓSSIO, 2008; GOULD, 2003). 

1.3A hegemonia médica: idiotas, retardados e deficientes mentais

 

Cientistas modernos como Morel (1857), Baillager e Krinshcber (1879); Goddard (1866-1957) e a maioria de seus contemporâneos disseminavam a idéia de que pessoas com D.I incorriam em uma degradação humana, alertando para os perigos da procriação dos mesmos. Assim, utilizando-se do prestígio acadêmico, sugerem que o melhor tratamento a essas pessoas era o confinamento em instituições médicas. Esse paradigma foi amplamente defendido e abraçado pela maioria dos prestigiosos doutores da época, sendo denominados por autores como Bairros (2008), Balduíno (2006) e Gould (2003) como o período da hegemonia médica para pessoas com D.I. , o qual perdurou por toda a Idade Moderna até meados do século XX. 

Segundo Bairros (2008), esse período foi assim chamado porque seus defensores apregoavam que o melhor tratamento para pessoas com D.I era o confinamento em instituições. Entretanto, o que na verdade acontecia era que essas pessoas eram privadas também do convívio familiar e dos poucos seguimentos sociais a que tinham acesso. Assim, os conventos que assistiam a essas pessoas na Idade Média, foram substituídos por manicômios e/ou casas de repousos e os castigos infligidos, eram vistos como um avanço da medicina, denominados como tratamentos.

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de pessoas com deficiência ecoou pelos séculos, influenciando o pensamento das gerações acadêmicas que se seguiram. Assim, o período historicamente conclamado como o “das luzes”, na verdade foi bem sombrio para pessoas com D.I. A crença cega na ciência mostrou-se até mais perigosa do que a mística. 

Nessa perspectiva, segundo Gould (2003), no início do século XX, os debates sobre o conceito de deficiência intelectual limitavam-se à sua classificação organicista, referendada pela concepção psicométrica. Assim, eram consideradas como “idiotas” aquelas pessoas que, nos testes de Q.I, largamente difundidos na época como absolutos, apresentassem idade mental abaixo de 03 anos, sendo que os imbecis eram identificados por não conseguirem alfabetizar-se plenamente. 

Porém, a preocupação de alguns cientistas, em 1929, era com os denominados débeis mentais, conhecidos como aquelas pessoas que se encontravam em um estado intermediário entre a normalidade e a doença, podendo exercer certos papéis sociais. O medo era que por essa capacidade limitada, essas pessoas podiam misturar-se à sociedade tida como normal, representando uma ameaça para a hegemonia humana. 

Assim, a idéia de institucionalizar, inclusive casos não tão graves de pessoas com D.I, foi também apoiada pela maioria dos cientistas proeminentes da época, em especial nos Estados Unidos que, munidos de seus conceitos fortemente arraigados sobre a inteligência, afirmavam ser este o único caminho e meio para beneficiar essas pessoas (GOULD, 2003; RESENDE, 2006). Desse modo, a forma de se enviar ou não pessoas para asilos dependia da classificação atribuída pelos testes de Q.I, aplicados também por psicólogos que, segundo Balduíno (2006), se unem ao tratamento médico na expectativa de completar o diagnóstico e o entendimento da D.I. 

Como afirma Rezende (2006), a trajetória da deficiência intelectual, que começou nos primeiros registros da antiguidade perdurando até meados do século passado, pode ser simplificada em dois aspectos: morte ou separação da sociedade considerada normal. Essa segunda realidade, imposta às pessoas com D.I, bem como aos seus familiares, persiste até meados do século XX como absoluta. 

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Em meio a esse modo factível de se entender a D.I, o século XX também se destaca pelo fortalecimento das teorias práticas relacionadas às ciências humanas. Apesar da minoria, alguns cientistas ousaram contrariar o paradigma dominante sobre a D.I, tanto no que concerne ao seu entendimento como na avaliação diagnóstica. Dentre essas contribuições destaca-se a proposta sócio-cultural de Vigotsky, principal teórico dessa pesquisa (CAVALCANTI, 2007). 

Ainda em 1929, Vigotsky tentava chamar a atenção para o caráter complexo da mente humana, rejeitando o paradigma da imutabilidade do quadro de pessoas com D.I. Ao contrário, ele defendia a mobilidade das funções mentais, denotada pela plasticidade neural que é a capacidade de adequação da mente humana rumo ao seu desenvolvimento. Vigotsky também se opunha aos testes de Q.I, alegando que esses instrumentos em nada auxiliavam os alunos (CAVALCANTI, 2007). 

Apesar destes estudos, o paradigma médico só começa a perder força na década de 60. Isso ocorre não tanto pelas pesquisas de Vigotsky, mas pelo ativismo com relação aos direitos das minorias, difundido em grande parte dos seguimentos sociais, buscando eliminar práticas justificadas pelo preconceito. Neste mesmo período, Martin Luther king começa o movimento contra a segregação racial nos Estados Unidos, culminando com a mudança de várias leis favoráveis aos negros americanos. Também, nessa mesma época, os jovens foram às ruas protestar contra a guerra do Vietnam e, em 1962, Eving Goffman denuncia o tratamento manicomial ao escrever o livro Asylus (BAIRROS, 2008; MENDES, 2006). 

Esta obra foi importante porque lançava dúvidas sobre a real valia de se institucionalizar pessoas, tornando notórios estudos, de diversos países, que denunciavam o tratamento em manicômios como fracassado por trazer piora ao quadro de pessoas com D.I (BAIRROS, 2008).

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1.4O poder pedagógico: escolas e classes especiais para os deficientes mentais / intelectuais

 

Após a quebra do paradigma da institucionalização, segundo Mendes (2006) e Bairros (2008), a partir da segunda metade do século XX, esses indivíduos começam a ser encaminhados, em sua maioria, para escolas especiais. Antes da obrigatoriedade da educação especial, esta já era oferecida, desde o século XVI, apenas por instituições filantrópicas. Essas organizações, apesar de defenderem a possibilidade de educabilidade de pessoas com D.I, consideravam que a oferta educacional deveria acontecer sempre em separado da parcela tida como normal da sociedade. A crença se justificava não apenas pela dificuldade apresentada na aprendizagem face à maioria das pessoas, mas também pelo medo e certeza de que essas pessoas sofreriam maus tratos (MENDES, 2006).

Assim, em um sentido similar, a educação especial passa a ser ofertada de forma obrigatória e gratuita pelo estado em centros de ensino especializados, exclusivos para pessoas com deficiência e, posteriormente, em classes especiais. Segundo Escórcio (2008) essa prática foi adotada mundialmente, inclusive no Brasil, a fim de proporcionar escolarização a crianças que, por suas anomalias, não acompanhavam o ensino regular. 

Essa ação tornou-se paradigma dominante no sentido de que pessoas com D.I deveriam freqüentar escolas e/ou classes especiais e sua anuência à classe comum só aconteceria quando demonstrassem condições de acompanhar as pessoas tidas como normais. Assim, esses alunos deveriam ser testados por psicólogos e /ou pedagogos que deveriam avaliar em que estado ou idade mental essas crianças se encontravam para avançar nas séries, sendo que o teste de QI deveria estabelecer um corte abaixo de 70 na aferição da inteligência. 

Durante esse período, que perdura absoluto dos anos 70 até final dos 80, pessoas com D.I eram reconhecidas como aquelas que apresentavam significativas limitações no funcionamento intelectual e também nas habilidades realizadas na vida diária. Ainda dentro do modelo organicista, eram classificadas de acordo com a gravidade do “retardo” em deficientes mentais limítrofes (os que aprendiam de forma lenta), os leves, moderados ou severos profundos, conforme a AAMR (2002). 

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Esta associação internacional, conhecida até 2007 como a Associação Americana de Retardo Mental – AAMR, visa promover políticas progressivas, pesquisas, práticas e o respeito aos direitos humanos das pessoas com deficiência intelectual, publicando periodicamente estudos, difundindo assim informações concernentes ao diagnóstico e etiologia desse problema (SOUZA, 2009). 

Por ser reconhecida mundialmente como referência no campo da D.I, esse estudo apresentará a definição atual da Deficiência intelectual na perspectiva dessa entidade, complementada por contribuições de pesquisadores contemporâneos. 

1.5Conceitos contemporâneos: a D.I segundo a AAIDD e estudos atuais

 

Fundada em 1876, essa organização social vem, desde então, disponibilizando informações sobre o conceito de deficiência intelectual. Além das publicações que alegam serem importantes para a promoção da pessoa com deficiência, ainda realiza encontros e seminários periodicamente, reunindo vários seguimentos interessados na promoção da pessoa com D.I (AAMR, 2002). 

Devido sua representatividade mundial, o entendimento dessa instituição sobre a D.I se torna de grande importância para pessoas assim diagnosticadas. Por esse motivo, ressaltaremos alguns conceitos atribuídos pela AAIDD à D.I, ao longo do século passado até o presente momento, de acordo com a última edição lançada em 2010 e outras fontes mais recentes. 

Como não podia ser diferente, a AAIDD, cuja fundação data de mais de um século, acompanhou as concepções majoritárias sobre o que seria a D.I. Suas primeiras publicações, datadas do início até meados do século XX, também reiteravam a certeza da incapacidade destas pessoas participarem ativamente na sociedade, mesmo em questões simples e cotidianas (SOUZA, 2009; AAMR, 2002). Sua primeira edição, em 1921, difundia o seguinte conceito: 

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A ênfase dada à incurabilidade e à certeza de que a anomalia centrava-se no cérebro persiste até meados do século XX. A certeza da impossibilidade de melhora de uma pessoa diagnosticada como deficiente mental era tão absoluta que na edição de 1941, a então AAMR alertava que caso a pessoa apresentasse algum progresso no seu quadro, o diagnóstico psicológico deveria ser contestado (AAMR, 2002). Esta observação deve ter tirado o sono de muitos psicólogos na época e talvez tenha até emperrado o investimento na promoção da pessoa com deficiência por aqueles que os assistiam. 

Apenas em 1959, na edição lançada por Heber , a AAMR recomenda que os testes de Q.I deveriam considerar a cultura e também o ambiente do indivíduo e, pela primeira vez, que também deveria ser avaliado o comportamento adaptativo, ou seja, a capacidade da pessoa em enfrentar as demandas da vida diária .A partir deste período, até o presente momento, as alterações com relação ao conceito do que seria a D.I são constantes, ocorrendo paulatinamente a partir do consenso entre os cientistas de que a D.I é um problema complexo que abrange aspectos psicológicos, sociais e emocionais (ESCÓRCIO, 2008).

Desse modo, a D.I passa a ser difundida pela instituição, não mais como um defeito único, de simples diagnóstico, mas como uma série de questões que desembocam na insuficiência intelectual, variando de acordo com a singularidade de cada indivíduo. Nessa perspectiva, alterações significativas começam a ocorrer na edição de 1992, orientada por Luckasson, a fim de evitar que pessoas continuassem a ser tidas como deficientes mentais apenas por suas dificuldades nos testes psicométricos. 

Na edição supracitada, instituem que uma pessoa só poderia ser diagnosticada se apresentasse também desempenho abaixo da média em pelo menos dois seguimentos das áreas do comportamento adaptativo de acordo com sua idade e cultura. As ressalvas com relação à observação desse comportamento já existiam desde a edição de 1959, porém, apenas na edição de 1992 foram especificadas em 10 áreas: comunicação, autocuidado, vida doméstica, habilidades sociais, uso da comunidade, autodirecionamento, aprendizagem funcional, lazer e trabalho. Também recomenda que não sejam aceitos diagnósticos oriundos de apenas um profissional, médico ou psicólogo, mas por uma junta (AAMR, 2002). 

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Apesar das mudanças, Segundo Souza (2009) a visão centrada no problema da D.I, ou seja, nas suas dificuldades e impedimentos, perdura até o ano de 2002 , quando a AAMR, considera com mais veemência as possibilidades de desenvolvimento destas pessoas. Assim, finalmente são considerados estudos que reiteram a total possibilidade da promoção de pessoa com deficiência intelectual. Este fato evidencia-se na etiologia que enfatiza os apoios necessários para a participação ativa dessas pessoas na sociedade.  

Acompanhando o paradigma da inclusão, é lançada a primeira publicação do século XXI, trazendo significativas mudanças com relação ao diagnóstico de pessoas com D.I bem como à sua promoção. Após sucessivas edições, as diferenças de conceituação são consideráveis com relação à publicação datada do inicio do século XX, em 1908: 

O retardo mental é uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo, está expresso nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Esta incapacidade tem início antes dos 18 anos de idade (AAMR, 2002. p.33). 

Essa nova edição chama atenção para o fato de que um diagnóstico só pode ser preciso se na aferição do funcionamento intelectual abaixo da média, for levado em conta contextos ambientais do indivíduo considerando sua idade, diversidade cultural e lingüística, sendo respeitadas diferenças de comunicação e comportamento. Ainda, enfatiza que as limitações intelectuais sempre coexistem com habilidades que devem ser citadas com a mesma veemência que são descritas as dificuldades. 

A definição enfatiza que, concomitantemente com o diagnóstico, os apoios necessários devem ser descritos porque, com o uso de recursos, uma pessoa com D.I melhora o seu estado geral, extirpando-se a idéia de incurabilidade. Outra importante inovação é que recomenda que o corte dos testes de Q.I considerem erros padrões de mensuração, observando que esses instrumentos avaliativos não são exatos e possuem limitações. 

Do mesmo modo, a etiologia da D.I, a partir de então, passa a ser apresentada em uma perspectiva multifatorial, renegando a compreensão oriunda do contexto histórico anterior de que as causas da D.I partiam, de forma abrangente, apenas de fatores biológicos ou psicossociais. Nessa perspectiva, reitera que as causas da D.I fazem parte de um construto múltiplo, relacionados entre si e organizados em duas linhas causais: tipos de fatores e momento de ocorrência. 

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que tem a ver com a estimulação da criança e a resposta que recebe dos pais; os comportamentais, que se associam a atividades perigosas praticada pelos pais, como o uso de drogas; e, ainda, os fatores educacionais, caracterizados por diagnósticos tardios ou por uma educação especial ineficiente, capaz de agravar o quadro da pessoa com D.I. Importante ressaltar que a causas da D.I são vistas em uma perspectiva múltipla e incidem umas nas outras. 

A segunda linha de orientação busca compreender o momento dos fatores de causa quando estes afetam tanto a pessoa com D.I como a família, contribuindo para que o problema seja passado de geração a geração. Esse aspecto causal, de nome geracional, nada tem a ver com as idéias ultrapassadas pelos defensores da eugenia, de que pessoas com D.I deveriam ser esterilizadas a fim de evitar sua perpetuação. Ao contrário, esse novo conceito busca identificar ambientes adversos, entendidos como reversíveis, na expectativa de se compreender os efeitos oriundos dos mesmos, a fim de orientar tanto a prevenção como a reversibilidade da D.I no delineamento dos apoios necessários. 

Apesar das mudanças em relação à forma de se entender e classificar a D.I, a então AAMR, em sua edição de 2002, reconhece a necessidade de se encontrar um termo que substitua a nomenclatura retardo mental. Cinco anos depois, em Montreal, no Canadá, finalmente a Associação e seus colaboradores chegam a um consenso, conceituando o problema como deficiência intelectual. Assim, após mais de um século, a AAMR muda o seu nome para AAIDD. Concomitantemente com a nova definição, chega-se a outro entendimento, reconhecendo que o problema está em parte do intelecto e não na mente como um todo. 

Após a Convenção de Montreal, o conceito mais atual de D.I, segundo a AAIDD, está disponível no site oficial da instituição, que divulga a 11ª edição lançada em 2010. Assim definem que a deficiência intelectual é diagnosticada de acordo com três critérios: “Significantes limitações tanto no funcionamento intelectual quanto adaptativo que se expressam em dificuldades conceituais, sociais e habilidades adaptativas básicas, evidenciando-se antes dos dezoito anos de idade” (AAIDD, 2009). 

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exemplo, um suporte pode ser um aparelho digital que mostre à pessoa os passos a seguir na execução de um trabalho, ou mesmo um motorista que a avise sobre o local que deve descer dentro de um ônibus. 

Atualmente, as mudanças em relação ao conceito atribuído pela AAIDD são visíveis. Também é notória a preocupação da entidade com relação a diagnósticos equivocados. Ser diagnosticado deficiente, por acontecer em tenra idade, pode incorrer também em uma educação especial ineficiente. Isso porque estudos alertam que muitos profissionais, envolvidos diretamente com essas pessoas, ainda acreditam que a D.I é uma anomalia incurável e por isso pouco podem fazer pelos que atendem (ESCÓRCIO, 2008). 

Outro aspecto preocupante, segundo Bairros (2008), é que há casos de pessoas que são diagnosticadas erroneamente apenas por suas dificuldades físicas e/ou condições econômicas desfavoráveis. Nesse aspecto, alunos que careciam de outras intervenções são enviados para a educação especial, muitas vezes em regime de classes e/ou centros especiais, ainda vigentes no Brasil, sendo privados do convívio com os colegas da educação regular, o que pode agravar o quadro da pessoa. Assim, a questão do diagnóstico preocupa porque a pessoa diagnosticada pode sofrer conseqüências, tanto pelas concepções de quem a assiste, como por uma avaliação equivocada. 

Estudos atuais sobre a D.I denotam que as pessoas afetadas apresentam dificuldade em se valer das próprias capacidades cognitivas como o uso da memória, percepção, motricidade, elementos esses muito requisitados para a aprendizagem escolar. Conseqüentemente, as experiências de fracasso por não responder às demandas sociais e escolares contribuem para que muitos desses indivíduos vivam em um estado de ansiedade, denotado por comportamentos instáveis. Muitas pessoas com D.I escondem-se atrás desses comportamentos para evitar novas estratégias para sua promoção (ESCÓRCIO, 2008).

Segundo Cavalcanti (2007) a sociedade capitalista, que tem suas relações ditadas mais pela produtividade e lucro, tende a classificar o deficiente intelectual como desviante por não corresponder a este jogo relacional. Daí a necessidade de não se ter um diagnóstico pautado apenas pelo desempenho escolar do aluno em testes de inteligência. 

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A AAIDD, apesar de apresentar uma definição coerente com estudos que denotam a capacidade de promoção e participação da pessoa com deficiência intelectual na sociedade, ainda recomenda testes padronizados para aferição do funcionamento intelectual. Visto que a própria instituição adotou a partir desta década uma forma mais heurística de ver a deficiência, é importante conhecer a origem e natureza dos testes de inteligência. 

O estudo destes instrumentos se faz relevante, principalmente pelo fato de que todos os alunos pesquisados, em algum momento de suas vidas, foram submetidos a algum tipo de teste que os diagnosticaram deficientes. 

1.6Testes de Q.I: origem, controvérsias e repercussões na atualidade

O Quoeficiente Intelectual - Q.I - de uma pessoa é definido pela divisão da idade mental pela cronológica, sendo que esse valor deve ser multiplicado por 100. O resultado dessa aritmética define se uma pessoa é deficiente intelectual ou não (ESCÓRCIO, 2008). 

Gould (2003) pesquisou sobre a gênese desses testes, disponibilizando em sua publicação “A falsa medida do homem”, vários documentos que remontam ao início de sua utilização, incluindo o contexto histórico. Já nas primeiras páginas, o autor faz uma dedicatória: “À memória de Grammy e Papa Joe que vieram, lutaram e prosperaram, apesar de Mr. Goddard”. Para entender o porquê da dedicatória de Gould (2003, grifo nosso), é necessário compreender as concepções científicas dos precursores dos testes de Q.I, como foram empregados, e seus efeitos para pessoas consideradas deficientes. A criação dos testes de Q.I pode ser um ótimo exemplo para referendar as palavras de Morin (2005) sobre a complexidade de propostas historicamente criadas para um fim proveitoso, e que depois rumam para o oposto de crença original.  

Segundo Gould (2003), a primeira versão dos testes foi produzida por Alfred Binet (1957-1911), que iniciou seus estudos sobre inteligência na defesa de que quanto maior a cabeça do indivíduo maior sua inteligência: 

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Ao perceber a inconsistência dessa teoria, abandona-a, continuando a se dedicar aos estudos da inteligência e trazendo consideráveis contribuições teóricas, inclusive usadas por Vigotsky como a da substituição das funções psicológicas superiores, que veremos no próximo capítulo (VIGOTSKY, 1997). Porém, em 1904, Binet, a pedido do governo Francês, cria uma escala para selecionar crianças com dificuldades para que fossem ajudadas. 

Ao aceitar a tarefa, Binet muda os rumos de sua projeção no meio acadêmico, destaque que, segundo Gould, jamais almejou alcançar. Binet não ficará famoso por ter seus estudos citados por Vigotsky, mas , ao contrário , por ser o inventor dos testes que posteriormente ficaram conhecidos como Quoeficiente de Inteligência- QI, ou escala de Stanford-Binet.

A primeira versão dos testes foi publicada em 1905, com tarefas que iam de fáceis a difíceis, considerando também o tempo levado na solução dos problemas, sendo que as respostas esperadas centravam-se no conteúdo escolar dos alunos. Se os testes denotassem idade mental abaixo da média esperada a criança iria para a educação especial (Delou, 2001). 

  Segundo Delou (2001), essa foi a primeira justificativa científica para a aglutinação de alunos com dificuldades em classes especiais, sem se investigar se esses impedimentos eram causadas por questões culturais ou por conhecimentos prévios adquiridos. Esta prática baseava-se na crença de que nem os professores regulares ou o ambiente escolar com as outras crianças poderia ajudá-las.  

Apesar de seus temores, de que os alunos fossem discriminados e rotulados, o cientista falece precocemente e suas observações não são levadas em conta. Pesquisadores posteriores a ele em especial H. Goddard (1866-1957) e Lewis. M. Terman (1877-1956) se apropriaram de sua escala dando aos testes uma nuance de fundamentação a teorias às quais Binet mais temia: o hereditarismo baseado na reificação e gradação.

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O primeiro cientista a fazer uso indevido da escala de Binet foi H.H Goddard, doutor da universidade de New Jersey, nos Estados Unidos, responsável pela educação para pessoas com D.I. A adoção dos testes por este pesquisador, que aconteceu a partir na segunda década do século XX, tinha como objetivo a seleção e classificação dessas pessoas em níveis de imbecis, idiotas e débeis mentais na expectativa de separá-los do resto da sociedade para privar-lhes da procriação: 

Se ambos os pais são débeis mentais, todos os filhos serão débeis mentais. É evidente que se deve impedir este tipo de acasalamento. É perfeitamente claro que se deve impedir que uma pessoa débil mental se case ou tenha filhos. Sem dúvida, para que esta regra seja cumprida, ela deve ser imposta pela parte inteligente da sociedade (GODDARD apud GOULD, 2003, p.56, grifo nosso). 

Para Goddard, não só crianças, mas todos que tivessem idade mental entre 8 e 12 anos eram deficientes mentais e, independente das razões, deveriam ficar confinados em instituições. Apesar de sua posterior retratação, já que ao fim da vida admite que seus pressupostos eram descabidos, prejudicou uma série de pessoas, tendo inclusive forjado documentos, dados e até fotografias para sustentar suas teorias (GOULD, 2003). 

Enquanto Goddard usava os testes para selecionar e confinar pessoas tidas como Deficientes Intelectuais, Lewis M. Terman (1887-1956), famoso professor da universidade de Stanford, em 1916 os popularizou por acreditar que estes podiam prever o futuro profissional e acadêmico das pessoas. Assim, o cientista amplia a escala e a nomeia como Stanford-Binet (DELOU, 2001). Segundo Gould, esta nomenclatura tornou-se ponto de partida para a adaptação da maioria dos testes utilizados no século passado, consolidando assim a psicometria, ou seja, a premissa de se definir a inteligência humana por modelos estatísticos. 

Termam defendia que todas as crianças deveriam ser testadas para precocemente serem encaminhadas às funções coerentes com suas aptidões e capacidades. Segundo Gould (2003), ele se vangloriava da capacidade de, em pouco mais de meia hora, definir o destino de uma criança. A escala Standford – Binet desmantela a proposta de Binet por não ter o intuito de ajudar crianças com dificuldade, mas o contrário: 

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Seduzida pela expectativa das certezas absolutas no que concernem as aptidões profissionais das pessoas, a sociedade da época comercializa os testes Stanford-Binet, convertendo-os em lucros milionários a seus inventores. Além de serem usados para aferição da D.I, também serviram para admissão nas faculdades americanas, recrutamento de pessoas para o campo de batalha no exército, entre outras atividades. Também impediram que pessoas com Q.I abaixo de 75 assumissem qualquer posição social de prestígio nos Estados Unidos, já que para Terman, essas funções eram reservadas para indivíduos com Q.I acima de 110. A publicidade em torno dos testes de Q.I repercutiu inclusive no Brasil que os utilizou em Recife para a seleção de alunos tidos como superdotados (DELOU, 2001). 

Segundo Gould, os testes de QI foram abraçados pela maioria de seus contemporâneos, mas sofreram forte oposição dos cientistas ambientalistas, que defendiam a idéia de que os resultados dos testes não tinham a ver com a genética, mas com questões ambientais, visto que as respostas esperadas eram atreladas somente ao conteúdo escolar (DELOU, 2001). 

Além dos ambientalistas, segundo Cavalcanti (2007), era consenso entre pesquisadores como Vigotsky (1929), Leontiev (1978) e Inhelder (1971) que testes de Q.I em nada ajudavam as pessoas por darem a pretensa idéia de que os resultados obtidos representavam uma realidade estável e definitiva, ao invés de algo dinâmico. Segundo Vigotsky (1984), quando os testes de inteligência detectavam a dificuldade das crianças, os professores tendiam a eliminar delas todas as atividades mais complexas, pela crença de que o resultado era permanente. Ao contrário, segundo Vigotsky, no caso de crianças com D.I, os professores não deveriam considerar o resultado dos mesmos como indicadores do potencial máximo dos pupilos, mas sim lhes estimular o desenvolvimento, insistindo na resolução dos problemas escolares. 

Somente em 1937, Terman reescreve sua teoria e, como uma retratação, afirma que os resultados dos testes não podem fornecer subsídios para previsões futuras sobre os indivíduos. Entretanto, a teoria não acompanha a prática com relação à metodologia e à aplicação dos mesmos (GOULD, 2003). 

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Apesar das novas edições de testes de inteligência e das ressalvas com relação ao seu uso, ainda há pouco consenso entre as organizações profissionais em como validar o déficit no comportamento adaptativo, como recomenda a AAIDD (2009). A dificuldade é que esta avaliação precisa ser feita de forma múltipla e contextualizada. Infelizmente, estudos atuais apontam que nem sempre é o que acontece.  

Bergeron et al. (2008) realizaram uma pesquisa compreendendo todos os estados americanos, na expectativa de investigar como eram encaminhados os testes de Q.I no país. Assim, examinaram as orientações legais concernentes à definição da DI, o seu nível de classificação, as notas atribuídas nos testes para aferição do déficit, e as considerações para se averiguar a dificuldade no comportamento adaptativo feitas por cada estado. Ainda, com relação aos testes de inteligência, o estudo buscou examinar se eram disponibilizadas informações sobre a fiabilidade dos mesmos, ou seja, a possibilidade de erros de medida. 

O estudo demonstrou que a maioria dos estados ainda se utiliza das versões antigas, que não fazem menção aos possíveis erros de interpretação. Também, muitos omitiram quais seriam as notas requeridas para se denotar déficit no comportamento adaptativo, bem como qual o critério a ser utilizado. Ainda foi observado que na maioria dos estados era necessária a atestação da deficiência em apenas uma modalidade do comportamento adaptativo para que a criança fosse encaminhada para a educação especial. As disparidades entre os estados variavam desde o termo utilizado para descrever a deficiência, os critérios usados para a identificação do déficit bem como a pontuação necessária para averiguar comportamentos adaptativos deficientes.

A pesquisa também revelou que a maioria dos psicólogos e profissionais envolvidos na assessoria e aplicação dos testes não estava bem informada sobre os critérios legais bem como sobre as práticas mais adequadas para o uso e interpretação dos mesmos, principalmente no que concerne ao comportamento adaptativo. Apesar do que é sabido sobre inconsistências em medições de modelos estatísticos e apesar dessa recomendação ser feita pela AAIDD, quando ainda AAMR, desde 2002, os psicólogos preocupavam-se em ressaltar a confiabilidade dos testes que aplicavam, mas menos de um quarto disponibilizava recomendações sobre a sua fiabilidade, esclarecendo esse fato aos envolvidos. 

Referências

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