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Sertão: as representações e os personagens de José de Alencar em O Sertanejo (1875)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DOS SERTÕES

BRENA DA SILVA DANTAS

SERTÃO: AS REPRESENTAÇÕES E OS PERSONAGENS DE JOSÉ DE ALENCAR EM O SERTANEJO (1875)

CAICÓ 2018

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2 BRENA DA SILVA DANTAS

SERTÃO: AS REPRESENTAÇÕES E OS PERSONAGENS DE JOSÉ DE ALENCAR EM O SERTANEJO (1875)

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em História dos Sertões pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientadora: Profa. Dra. Paula Rejane Fernandes

CAICÓ 2018

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3 BRENA DA SILVA DANTAS

SERTÃO: AS REPRESENTAÇÕES E OS PERSONAGENS DE JOSÉ DE ALENCAR EM O SERTANEJO (1875)

Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção de título de Especialista em História dos Sertões.

Defendida e Aprovada em ____ de ___________ de 2018.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Profa. Dra. Paula Rejane Fernandes

(Orientadora - Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

__________________________________________ Prof. Dr. Helder Alexandre Medeiros de Macedo

(1º Examinador - Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

__________________________________________ Profa. Dra. Juciene Batista Félix de Andrade

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4 DANTAS, Brena da Silva. Sertão: as representações e os personagens de José de Alencar em O Sertanejo (1875). 2018. 56f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em História dos Sertões) – Departamento de História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caicó, 2018.

RESUMO

O objetivo dessa pesquisa é analisar os diferentes sertões representados no romance O Sertanejo (1875) de José de Alencar, além da natureza são analisados os personagens da narrativa e como tais elementos trazem discursos já conhecidos ou não sobre sertão e os sujeitos que vivem nesse ambiente. A obra se passa no interior do estado do Ceará. A metodologia utilizada é a análise do discurso, além da obra são analisadas sua autobiografia intitulada Como e porque sou romancista (1893) e também algumas passagens do periódico Correio Mercantil (1854) em que Alencar foi folhetinista por alguns anos no Rio de Janeiro. Ao fim das análises iremos perceber o quão encantador é o sertão de José de Alencar e destoante em certa medida dos discursos de seca que perpassam não só os sertões como também o Nordeste.

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5 AGRADECIMENTOS

Quero deixar registrada minha gratidão a todos que me apoiaram e cuidaram de mim durante essa caminhada de aprendizado, em especial meus pais. Fico feliz por conseguir concluí-la e dela ter participado.

Agradeço também a minha orientadora professora Dra. Paula Rejane por todo direcionamento e esforço em me ajudar, inclusive pelo incentivo.

Desejo que os sertões e seus sujeitos narrem muitas histórias para torná-los conhecidos e conhecedores.

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6 SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 7

2. DE ONDE PARTE A ESCRITA ALENCARIANA? ... 14

3. O SERTÃO DO SERTANEJO E SEUS PERSONAGENS ... 29

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 51

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7 INTRODUÇÃO

A Literatura, assim como as Artes Cênicas e o Cinema, é considerada uma das sete artes (CANUDO, 1923). Ao longo do tempo, os críticos e estudiosos da Literatura a dividiram em vários gêneros literários. Os diversos estilos da Literatura constroem representações a respeito do passado e da realidade. Literatura, assim como a História, conta narrativas, nos permite entender como as pessoas de determinado período pensavam e agiam, como produziam representações a respeito de si mesmas e do mundo.

A literatura se caracteriza também por ser um discurso que tem interesses próprios aos discursos literários e atende às necessidades dos sujeitos que a escrevem e leem. Relacioná-la com a História torna-se importante para entender de diferentes ângulos fatos que se conectam historicamente como escreve Nicolau Sevcenko (2003, p. 28) “[...] tornou-se hoje em dia quase que um truísmo a afirmação da interdependência estreita existente entre os estudos literários e as ciências sociais”. Em relação aos discursos interessados, compartilhamos o pensamento de Eni Orlandi (2007):

Saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos [...] Não temos como não interpretar. Isso, que é contribuição da análise de discurso, nos coloca em estado de reflexão e, sem cairmos na ilusão de sermos conscientes de tudo, permite-nos ao menos sermos capazes de uma relação menos ingênua com a linguagem (ORLANDI, 2007, p. 9). O discurso da literatura influencia no modo de pensar das pessoas, pois é produzido a partir do próprio imaginário e é em si uma forma singular de ver o mundo, seja através de um romance, conto, crônica, peça de teatro, entre outros tipos, que narram histórias fictícias, vividas – ou não – e contadas em determinado período, com intenções específicas.

Ao longo da nossa pesquisa procuramos analisar o discurso literário de José de Alencar, enquanto escritor e romancista do século XIX, em sua obra O sertanejo, publicada em 1875. A partir de sua escrita analisamos como é representado o espaço dos sertões na narrativa e como ele constrói os sujeitos sertanejos. Somando à análise dessa obra estão os fatores externos e internos da vida de Alencar, de suas experiências pessoais e profissionais.

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8 Trabalhos que utilizam a literatura como fonte de pesquisa não são novidades, porém as fontes estudadas e a forma como são utilizadas, podem mostrar vieses novos de uma história já conhecida. No caso desse trabalho um dos focos é perceber: como os sertões são representados. Qual é esse sertão de José de Alencar? Como ele se constrói na narrativa? Além desse aspecto, outra representação faz parte do nosso objeto de pesquisa, o ser sertanejo. Tanto o lugar, como os sujeitos são importantes fatores para se construir uma história, e esses dois elementos analisados são significativos ao serem pensados de maneira distinta aos discursos tradicionais.

Como exemplo de pesquisas que se assemelham em alguns aspectos a essa, encontramos artigos, teses, entra outras produções que fazem análises literárias. Entre elas a tese de Mirhiane Mendes de Abreu (2002) intitulada Ao pé da página: a dupla narrativa em José de Alencar, que examina as notas das obras O Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874), analisando como José de Alencar seleciona, interpreta e insere a historiografia no enredo. Outro trabalho que também segue essa linha é o artigo de Amael Oliveira (2009) intitulado Nação e natureza em Ubirajara, de José de Alencar que analisa as imagens da natureza e do índio brasileiro no romance Ubirajara (1874).

As pesquisas acerca dos espaços também não são novidade na historiografia brasileira. Pensar os sertões como objeto de estudo já rendeu algumas análises significativas sobre espaços sociais, imaginários, simbólicos e construídos. Permitir-se refletir sobre espaços muitas vezes marginalizados e discursos tão enraizados e propensos, traz à tona novas considerações e produções sobre determinados objetos, dessa vez a partir da ótica da literatura.

A escrita literária deve ser percebida em todos os aspectos de sua construção, desde a sua criação. No caso de José de Alencar, é preciso entender o seu lugar de autor, sua criação, o cenário político e econômico do período no mundo, mais especificamente no Brasil e no sertão da Província do Ceará, quais as influências desses fatores na escrita, perceber a relação do que foi narrado com os acontecimentos históricos do período, tanto da publicação, quanto da narrativa.

No caso da narrativa alencariana iremos pensar acerca dos sertões, como José de Alencar vai descrever o “seu” sertão e como é importante compreender a perspectiva histórica da obra. Como Gustavo Barroso afirma “nenhuma palavra é mais

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9 ligada à história do Brasil e sobretudo à do Nordeste do que esta palavra SERTÂO” (BARROSO, 1962, p. 9-17).

Considerando o conceito de representações como norteador da pesquisa, foi pensado no historiador Roger Chartier como expoente desse entendimento. Segundo Chartier (1990), o conceito de representação é um instrumento utilizado coletivamente ou individualmente para produzir sentindo/significado ao mundo, a sociedade. Indo mais longe, o historiador sugere uma nova “História Cultural do Social” que tem o intuito de refletir sobre a construção de sentidos/fundamentos feitas pelos grupos sociais e os indivíduos. Sugerindo também o fato dessas representações serem frutos de interesses:

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem a universalização de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam [...] as percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) [...] (CHARTIER, 1990, p. 17).

Refletindo sobre a citação, Chartier (1990) deixa claro o fato da não neutralidade dos discursos, ou seja, não é possível que, na escrita, o autor se exima de imprimir traços de influências sofridas na sua vida pessoal, acadêmica e profissional. Pensando através dessa escrita de Chartier, fica clara a importância nesta pesquisa de se conhecer o autor da obra analisada José Martiniano de Alencar de forma mais significativa:

Desta forma, pode pensar-se uma história cultural do social que tome por objecto a compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras palavras, das representações do mundo social – que, à revelia dos actores sociais, traduzem as suas posições e interesses objectivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse (CHARTIER, 1990, p. 19).

Por meio da História Cultural iremos aproximar a escrita alencariana dos discursos da historiografia tradicional, confrontando-os entre aproximações e distanciamentos, assim como também com as mudanças ocorridas na escrita historiográfica com o surgimento da Escola dos Annales que Peter Burke (1997) escreve de acordo com sua visão o que foi esse movimento em seu livro A Escola dos

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10 Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia analisado por Casimiro e Oliveira (2007):

[...] os Annales foi um movimento dividido em três fases: a primeira apresenta a guerra radical contra a história tradicional, a história política e a história dos eventos; na segunda, o movimento aproxima-se verdadeiramente de uma “escola”, com conceitos (estrutura e conjuntura) e novos métodos (história serial das mudanças na longa duração) dominada, prevalentemente, pela presença de Fernand Braudel (46-69); a terceira, traz uma fase marcada pela fragmentação e por exercer grande influência sobre a historiografia e sobre o público leitor, em abordagens que comumente chamamos de Nova História ou História Cultural (CASIMIRO; OLIVEIRA, 2007, p. 268).

As abordagens da História vêm sendo modificadas ao longo dos anos, principalmente em finais do século XX e início do XXI, onde novos personagens e sujeitos da história, antes negligenciados, silenciados e “apagados” dos discursos, agora tomam lugares de protagonistas das novas histórias e narrativas sociais do passado. Estão, entre eles, os indígenas, os negros, as mulheres, os sertanejos, as pessoas que não tinham vozes nos espaços de poder. A literatura é um dos locais em que esses sujeitos aparecem a partir da relação entre História e Literatura, vemos como Valdeci Rezende Borges (2010) escreve:

[...] a expressão literária pode ser tomada como uma forma de representação social e histórica, sendo testemunha excepcional de uma época, pois um produto sociocultural, um fato estético e histórico, que representa as experiências humanas, os hábitos, as atitudes, os sentimentos, as criações, os pensamentos, as práticas, as inquietações, as expectativas, as esperanças, os sonhos e as questões diversas que movimentam e circulam em cada sociedade e tempo histórico (BORGES, 2010, p. 10).

Vemos nesse trecho como essa relação se estreita e como os dois campos de escritas, História e literatura, podem se aproximar a partir de seu estudo e pesquisa. Borges escreve ainda sobre âmbito em que essa relação está inserida:

Uma das vertentes da história cultural que tem recebido grande atenção no momento atual é aquela que se debruça sobre os diversos tipos de textos para pensar sua escrita, linguagem e leitura Para Duby, a história cultural [...] enfoca os mecanismos de produção dos objetos culturais, como suas intencionalidades, a dimensão estética, a questão da intertextualidade ou do diálogo que um texto estabelece com outro, dentre aspectos diversos, como seus mecanismos de

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11 recepção, a qual pode ser pensada como uma forma de produção de sentidos (BORGES, 2010, p. 1).

Nesse trabalho será usado como fonte para pesquisa o livro O Sertanejo de José de Alencar. Trata-se de romance regionalista publicado em 1875. Nele o autor, retrata o sertão brasileiro, as pessoas que á habitavam e os seus costumes, ressaltando aspectos rurais da realidade brasileira. Escritor detalhista, Alencar descreve a paisagem sertaneja de forma simbólica. Sua fauna e flora e o romance se passa entre os anos de 1764 e 1765 na região entre Aracati e Icó, no Vale do Jaguaribe, no Ceará. Os personagens principais são Dona Flor e Arnaldo, que possuem uma ligação desde pequenos. Arnaldo, representado ao longo da narrativa como herói, nutre uma forte admiração por Dona Flor.

No tocante às fases da escrita literária no Brasil temos o Barroco, nos dois primeiros séculos de colonização. Na era barroca podemos considerar o seguinte “A literatura que lhe corresponde é, por isso, de natureza parcialmente superlativa. Seu protótipo é a carta célebre de Pero Vaz de Caminha” (MERQUIOR, 1996, p. 13), tal carta é um dos primeiros documentos que faz menção ao sertão na América portuguesa e traz a versão da terra como natureza paradisíaca (OLIVEIRA, 1998, p. 196). Depois desses escritos ditos “documentais” manifesta-se com a vinda dos jesuítas a literatura voltada para a catequese e um de seus precursores foi José de Anchieta (1534-1597).

Essa fase encerra-se com o Barroco propriamente dito e o estilo Rococó, um dos grandes escritores desse período foi Gregório de Matos (1636-1696) com suas poesias.

De acordo com José Guilherme Merquior (1996, p. 40), “Entre 1760 e a época da Regência (1831-40), a literatura brasileira, evadindo-se da esfera barroca, obedece ao estilo neoclássico”. Em seguida a fase que desponta é a do Romantismo, fase na qual O Sertanejo foi escrito. O Romantismo realiza-se em meio a momentos de mudanças no Brasil Império, que se tornava independente da metrópole e buscava essa autonomia também na literatura. Ao mesmo tempo em que buscava-se construir uma literatura parecida com as dos países europeus:

[...] o mesmo romantismo se empenhou em conferir um conteúdo nacional à estética romântica, sendo nisso estimulado pela própria natureza do estilo que se tratava de assimilar. Se o neoclassicismo

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12 fora a primeira fase ideologicamente articulada das letras brasileiras, o romantismo foi a sua primeira articulação nacional: o nosso primeiro sistema literário não só dotado de consciência ideológica, como de uma consciência programática da sua brasilidade (MERQUIOR, 1996, p. 78).

A análise do discurso será a metodologia aplicada para se compreender as representações que José de Alencar faz em sua obra O Sertanejo acerca do sertão, do sertanejo e do sujeito indígena. Refletindo acerca dessa estrutura com a autora e professora Eni de Lourdes Puccinelli Orlandi:

A Análise do Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando. Na análise do discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história (ORLANDI, 2007, p. 15). Essa metodologia nos permite e se faz necessário conhecer um pouco além da história que está escrita, é preciso observar nas entrelinhas do texto e tentar perceber detalhes que falam. A autora escreve que o discurso é uma mediação entre o homem e a realidade vivida e mais ainda “Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e continuidade quanto o deslocamento e transformação do homem e da realidade em que ele vive” (ORLANDI, 2007, p. 15).

A escolha da obra se dá primeiramente pelo próprio título “O Sertanejo”, que em si já carrega uma simbologia e significado importante ao se pensar o sujeito que vive no sertão. A partir daí iremos pensar os sertões e porque não pensar também o sertanejo? Qual o sentindo do título do livro? Seria apenas pelo fato de ser uma narrativa vivenciada no espaço sertanejo? Outros fatores que especificam a escolha da obra são as próprias narrativas, que dão ênfase a aspectos da paisagem do sertão e caracterizam um grupo indígena da região.

Nesse cenário surgem os índios Jucás e a figura do chefe Anahmun que tem uma ligação com Arnaldo e que são parte muito significativa dessa trama, pois será através da investigação literária desse romance que se pensa a problemática e utilizando os conceitos de representação e apropriação que “tem por objetivo uma história social das interpretações, remetidas para as suas determinações

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13 fundamentais (que são sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem” (CHARTIER, 1990, p. 26) para pensar o ambiente e os sujeitos:

[...] esta história deve ser entendida como o estudo dos processos com os quais se constrói um sentido. Rompendo com a antiga ideia que dotava os textos e as obras de um sentido intrínseco, absoluto, único – o qual a crítica tinha a obrigação de identificar –, dirige-se às práticas que, pluralmente, contraditoriamente, dão significado ao mundo (CHARTIER, 1990, p. 27).

Refletindo a partir destes conceitos, de representação do espaço sertanejo e dos personagens da obra de Alencar, apropriação do autor para construir significados e símbolos e a circulação dessas ideias pela sociedade e leitores sobre quem seriam esses sujeitos do sertão, esses lugares em que o romance se passa e até que ponto o discurso é destoante e similar aos tantos outros discursos sobre sertões.

A estrutura do trabalho é constituída por dois capítulos: o primeiro capítulo irá pensar o lugar de fala de José de Alencar, descrevendo a respeito de sua vida pessoal, cotidiano, sua carreira, o lugar onde nasceu e como viveu, entre outros aspectos importantes para que se conheça um pouco de quem era o escritor por trás das narrativas literárias e qual a ligação entre esses aspectos e sua escrita.

O segundo capítulo irá analisar o livro O Sertanejo obra publicada em 1875 de José de Alencar e como o autor representa os sertões na sua narrativa. Como ele está delineado de acordo com o autor que é também sujeito do espaço narrado, tendo em vista sua vivência neste lugar. Analisando também como Alencar representa alguns dos personagens do romance e suas simbologias. Entre estes estão os indígenas que fazem parte da trajetória literária do autor e de seu projeto de construção da identidade nacional, através da literatura e da valorização dos personagens e da natureza típica do Brasil.

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DE ONDE PARTE A ESCRITA ALENCARIANA?

[...] há na existência dos escritores fatos comuns, do viver quotidiano, que todavia exercem uma influência notável em seu futuro e imprimem em suas obras o cunho individual.

José de Alencar – Como e porque sou romancista1

José Martiniano de Alencar nasceu em 1° de maio de 1829, na vila de Messejana na província do Ceará2. Província na qual a narrativa de O Sertanejo foi ambientada. Alencar foi casado com Georgiana Augusta Cochrane3. Pouco se encontra sobre a vida de sua esposa e sobre sua vida de casado. Em sua autobiografia é possível ler:

Pouco depois (20 de junho de 1864) deixei a existência descuidosa e solteira para entrar na vida da família onde o homem se completa. Como a literatura nunca fora para mim uma Boêmia, e somente um modesto Tibur para o espírito arredio, este sempre grande acontecimento da história individual não marca época na minha crônica literária (ALENCAR, 1893, p. 17).

Como foi já dito pouco se tem escrito sobre o casamento do romancista. Em contrapartida sobre suas obras literárias existem algumas produções, interpretações e homenagens. Em sua terra natal no Ceará, existem algumas referências ao escritor no bairro de Messejana que antes era vila e depois foi integrada a capital Fortaleza. Entre elas estão a estátua (FOTOGRAFIA 01) representando a personagem de seu romance Iracema4 na Lagoa de Messejana, a casa (FOTOGRAFIA 02 e 03) onde ele nasceu e que após a sua morte tornou-se museu e na cidade de Fortaleza o Theatro José de Alencar (FOTOGRAFIA 04), como podemos observar nas fotografias abaixo:

1 Autobiografia escrita em forma de carta por José de Alencar em 1873, mas só foi publicado em 1893

pela Tipografia Leuzinger, tendo passado por algumas reedições, sendo esta utilizada na pesquisa atualizada a ortografia, porém mantendo a pontuação original.

2 No período em que Alencar nasceu Messejana era uma vila separada de Fortaleza, porém em 1921

perdeu a categoria de vila e foi incorporada a cidade de Fortaleza tornando-se um bairro.

3 Georgiana Augusta da Gama Cochrane (1846-1913), nascida e falecida no Rio de Janeiro, filha

de Thomas Cochrane e Helena Augusta Velasco Nogueira da Gama.

4 Iracema é um romance brasileiro escrito por José de Alencar, publicado em 1865, faz parte da trilogia

de romances indianistas do escritor, que se complementam com O Guarani e Ubirajara. Narra a história da índia Iracema a “virgem dos lábios de mel”, que tem uma relação com o colonizador português Martim e dessa relação nasce Moacir, que representa o primeiro cearense que nasce da relação das duas etnias, dando início a miscigenação que marca a formação do povo brasileiro. O romance é narrado por duas temporalidades, o tempo da natureza vivido por Iracema e o tempo cronológico vivido por Martim que representa a “civilização” (ALENCAR, 2006). [1865]

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15 FOTOGRAFIA 01 – ESTÁTUA DE IRACEMA LOCALIZADA NA LAGOA DE MESSEJANA

FONTE: <

https://www.apontador.com.br/local/ce/fortaleza/hospedagem_e_turismo/C41876802C432N432B/lago a_de_messejana.html >. (Acesso em 05 de setembro de 2018).

FOTOGRAFIA 02 – CASA E MUSEU DE JOSÉ DE ALENCAR

FONTE: < http://www.praiasdefortaleza.net/casa-de-jose-de-alencar/ >. (Acesso em 05 de setembro de 2018).

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FONTE: Kátia Rodrigues

FOTOGRAFIA 04 – THEATRO JOSÉ DE ALENCAR

FONTE: < https://viagemeturismo.abril.com.br/atracao/theatro-jose-de-alencar/ >. (Acesso em 05 de setembro de 2018).

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17 Além dessas representações da importância do escritor para sua terra de origem, existem outras referências também na cidade do Rio de Janeiro, onde morou e passou boa parte de sua vida. Tendo relatos de sua vida de estudante já no Rio de Janeiro, em que lembra de forma saudosa:

Toda a minha vida colegial se desenha no espírito com tão vivas cores, que parecem frescas de ontem, e todavia mais de trinta anos já lhes pairaram sobre. Vejo o enxame dos meninos, alvoriçando na loja, que servia de saguão; assisto aos manejos da cabala para a próxima eleição do monitor geral; ouço o tropel do bando que sobe as escadas, e se dispersa no vasto salão, onde cada um busca o seu banco numerado (ALENCAR, 1893, p. 3).

Em sua autobiografia intelectual intitulada Como e Porque Sou Romancista Alencar descreve muitos momentos de sua vida, desde a infância, o período do colegial, momentos em família e em Olinda quando estudou lá, que ajudam a pensar o seu lugar de escrita. Falando um pouco sobre seus conhecimentos ainda jovem, Alencar escreve “Sabíamos pouco; mas esse pouco sabíamos bem. Aos onze anos não conhecia uma só palavra de língua estrangeira, nem aprendera mais do que as chamadas primeiras letras” (ALENCAR, 1893, p.5).

Descrevendo um pouco do seu cotidiano em família, disserta “Era eu quem lia para minha boa mãe não somente as cartas e os jornais, como os volumes de uma diminuta livraria romântica formada ao gosto do tempo” (ALENCAR, 1893, p.5) fato esse que fora um dos muitos contribuintes para seu gosto por romances e mais tarde pela escrita destes:

[...] a necessidade de reler uma e muitas vezes o mesmo romance, quiçá contribuiu para mais gravar em meu espírito os moldes dessa estrutura literária, que mais tarde deviam servir aos informes esboços do novel escritor [...] Se a novela foi a minha primeira lição de literatura, não foi ela que me estreou na carreira de escritor (ALENCAR, 1893, p. 7).

Além desses momentos em família em que lia para sua mãe, tia e amigas, Alencar tinha já um gosto pela leitura. Escrevia alguns versos em seus cadernos que eram o seu dito “tesouro literário” o que demonstra já um valor simbólico que a escrita tinha para ele. Já morando em São Paulo, terminando os preparatórios para ingressar no curso de Direito, Alencar fala sobre sua experiência com novas leituras:

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18 Naquele tempo o comércio dos livros era, como ainda hoje, artigo de luxo; todavia, apesar de mais baratas, as obras literárias tinham menor circulação. Provinha isso da escassez das comunicações com a Europa, e da maior raridade de livrarias e gabinetes de leitura (ALENCAR, 1893, p. 9).

Com essas novas experiências e contatos literários Alencar conhece o estilo de muitos escritores importantes para sua trajetória. Entre eles estão Chateaubriand, Victor Hugo e Balzac, embora o mesmo não soubesse ainda ler muito bem os textos em língua estrangeira como relata: “Todavia achava eu um prazer singular em percorrer aquelas páginas, e pôr um ou outro fragmento de idéia que podia colher nas frases indecifráveis, imaginava os tesouros que ali estavam defesos à minha ignorância” (ALENCAR, 1893, p.9). Ainda nessa fase inicial de sua vida acadêmica ele escreve intimamente sobre sua vivência:

Os dois primeiros anos que passei em São Paulo. Foram para mim de contemplação e recolhimento de espírito. Assistia arredio ao bulício acadêmico e familiariza-me de parte com esse viver original, inteiramente desconhecido para mim, que nunca fora pensionista de colégio, nem havia até então deixado o regaço da família (ALENCAR, 1893, p.10).

José de Alencar como ficou mais conhecido, era formado em Direito, foi escritor e político brasileiro, escrevia romances de caráter nacionalista e foi um dos pioneiros nesse tipo de escrita, que tinha o intuito de construir uma identidade nacional, exaltando características culturais brasileiras e fortalecendo o sentimento patriótico na sociedade. Em sua autobiografia Alencar escreve que o lado menos esperado por ele em sua vida foi o lado político aflorado anos mais tarde:

O único homem novo e quase estranho que nasceu em mim com a virilidade, foi o político. Ou não tinha vocação para essa carreira, ou considerava o governo do estado coisa tão importante e grave, que não me animei nunca a ingerir-me nesses negócios. Entretanto eu saía de uma família para quem a política era uma religião e onde se haviam elaborado grandes acontecimentos de nossa história (ALENCAR, 1893, p. 11).

Sua carreira política será em certa medida explicada em consequência de sua convivência familiar com políticos. Era filho do padre e mais tarde senador José Martiniano Pereira de Alencar e Ana Josefina de Alencar, uma família em certa medida abastada. Alencar foi um homem nascido na região hoje conhecida como Nordeste,

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19 mas que viveu em diferentes lugares durante sua vida e estava presente mais ao centro sul do país, onde ocorriam as diversas mudanças políticas em âmbito nacional. Esse lado do escritor estaria contido nas linhas de seus romances? O Alencar político pode ter influenciado em seus conhecimentos e no modo como descrevia os espaços e significativamente os sertões do romance.

Cresceu em um período em que o cenário político se modificava, o Brasil já independente de Portugal, porém governado por D. Pedro I que abdica em 1831 em favor de seu filho D. Pedro II, menor de idade. Neste período, o Brasil era, um país em grande medida rural. Esses fatores políticos serão de grande importância na trajetória de José de Alencar, pois ele ingressará na carreira política por volta de 1860 como deputado estadual do Ceará, já em 1868 torna-se ministro da Justiça do Império ficando no cargo até 1870 quando deixa a política tendo sido filiado ao Partido Conservador.

Sua carreira como escritor inicia-se antes do Alencar político, desde o início de sua faculdade ele já escrevia, mas depois de formado é que “[...] ao cabo de quatro anos de tirocínio na advocacia, a imprensa diária, na qual apenas me arriscara como folhetinista, arrebatou-me” (ALENCAR, 1893, p. 13) e em 1854 começa a publicar como folhetinista no periódico Correio Mercantil, tendo publicado seu primeiro romance em 1856 intitulado Cinco Minutos5 mesmo ano em que foi redator-chefe no

Diário do Rio de Janeiro6 os dois jornais cariocas são de grande relevância na vida e carreira do escritor. Pois a maioria dos seus primeiros romances foram publicados em jornais como crônicas e só depois se tornaram livros para entender um pouco a construção do jornal Correio Mercantil e mais tarde refletir sobre a posição de Alencar nesse jornal, observemos a escrita do professor José Alcides Ribeiro:

O Correio Mercantil foi publicado na cidade do Rio de Janeiro de 1 de janeiro de 1848 a 15 de dezembro de 1868. Nos anos iniciais da década de cinqüenta, o jornal era editado em francês aos domingos. No início de 1848, o cabeçalho do jornal trazia o nome da firma do proprietário, Francisco José dos Santos Rodrigues e Companhia. No cabeçalho vinha registrado, também, o preço da assinatura na corte (trimestral: quatro mil réis-4$000, semestral: oito mil réis-8$000, anual:

5 Cinco Minutos é um dos primeiros romances escrito por José de Alencar, foi publicado em 1856 e

narra a história do casamento do autor com Carlota, o ambiente que se passa a história é o Rio de Janeiro, sendo caracterizado como um romance urbano, trazendo aspectos da burguesia do período (ALENCAR, 1997). [1856]

6 O Diário do Rio de Janeiro foi um periódico/jornal brasileiro publicado entre junho de 1821 a 1878 no

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20 dezesseis mil 16$000) e nas províncias (trimestral: cinco mil réis-5$000, semestral: dez mil réis-10$000, anual:20$000). Um aviso destacava que os artigos e comunicados de interesse geral teriam inserção gratuita e que as assinaturas poderiam ser feitas na Rua da Quitanda. No final do rodapé da página quatro, havia a indicação de que o jornal era impresso no prelo mecânico da Tipografia do Correio Mercantil de propriedade de Francisco José dos Santos Rodrigues e Cia, na Rua da Quitanda, 13. (RIBEIRO, 2005, p. 1).

O Correio Mercantil, era publicado diariamente. E tinha quatro páginas. A estrutura era dividida basicamente em: local, dia, mês, ano, nome do jornal, o proprietário, Corpo Legislativo, Assembleia Provincial, Páginas Menores, Notícias Diversas, Estatísticas da Cidade, Exterior, Comercio, Publicações a Pedido, Avisos Marítimos, Anúncios, Escravos Fugidos (gratificação). A seguir podemos observar uma imagem da primeira página do periódico:

IMAGEM 01 – PRIMEIRA PÁGINA DO PERIÓDICO CORREIO MERCANTIL DE 03 DE SETEMBRO DE 1854

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21 A maioria dos periódicos continham essas mesmas colunas, mas diferenciavam em alguns pontos. Na coluna de folhetim intitulada Páginas Menores era onde José de Alencar publicava crônicas entre elas Ao correr da pena, suas publicações não eram diárias, variavam com outros escritores que também publicavam folhetins. Mais detalhadamente a divisão das colunas:

Um exemplar característico do Correio Mercantil possuía quatro páginas com textos ligados a gêneros jornalísticos informativos e literários bastante variados. Cada página era organizada geralmente em cinco colunas separadas por filetes pretos. Os textos ligados aos gêneros informativos apareciam em todas as páginas. Na primeira e na segunda página, eram inseridas geralmente as seções denominadas: Exterior, Interior, Variedades, Rio de Janeiro - Notícias e Fatos Diversos, Folhetim do Correio Mercantil. Os textos pertencentes aos gêneros literários eram veiculados na primeira e na segunda página, muito raramente na terceira e apareciam nas seções Folhetim do Correio Mercantil e Pacotilha. Na terceira página, apareciam as seções Correspondências, Publicações a Pedido, Avisos, Leilões e Anúncios. Na quarta página, os anúncios ocupavam a quase totalidade do espaço gráfico (RIBEIRO, 2005, p. 2).

Alencar começou a escrever no Correio Mercantil em 3 de setembro de 1854, no periódico Nº 243, vale ressaltar que o periódico citado era tido como abolicionista, defendendo a libertação dos escravos no Brasil. É interessante refletir a respeito do posicionamento de Alencar. Será que ele seguia os mesmos ideais do jornal ou será que sua condição social, meio político e de convivência o faziam pensar de maneira diferente? Na escrita de alguns de seus romances ele escolhe a figura do índio para representar um dos aspectos da identidade nacional, deixando um pouco de lado personagens como os negros africanos que construíram economicamente e com elementos culturais a América portuguesa.

Nesse trecho do artigo de Oliveira podemos refletir sobre tais questionamentos à respeito de Alencar: “Foi defensor da escravidão no Brasil, um argumento para a explicação da escolha dos índios como heróis nacionais, em detrimento do negro escravizado. Essa postura política gerou calorosas discussões com os abolicionistas” (OLIVEIRA, 2009, p. 3). A seguir observamos mais uma imagem ampliada do Correio Mercantil, o primeiro que José de Alencar começou a escrever e foi anunciado como folhetinista das Páginas Menores:

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22 IMAGEM 02 – CORREIO MERCANTIL DE 03 DE SETEMBRO DE 1854

FONTE: Biblioteca Nacional Digital

O jornal é um importante veículo de comunicação e informação para a sociedade. No Brasil seu surgimento se dá no início do século XIX com a criação da imprensa nacional, junto com o jornal impresso – e como todos os avanços tecnológicos posteriores (televisão, computadores, celulares) – modificou-se o imaginário das pessoas a respeito dos mais diversos fatos, tanto relacionados à política, economia, assuntos internacionais e também acontecimentos do cotidiano. Vejamos a descrição do professor José Luiz Braga:

Todo jornal é uma superfície impressa, organizada em seções que ocupam certa proporção dessa superfície. Estas seções se distinguem por seu gênero e seu conteúdo ou matéria. Classificar e medir as seções são passos que permitem descrever comparativamente a estrutura interna do texto de jornais (BRAGA, 1986, p. 326).

Fica entendido que a estrutura e disposição dos textos/publicações no jornal nos dizem muito sobre os interesses das narrativas a serem publicadas, sobre a importância e a hierarquia da escrita naquele espaço por exemplo, ao observamos uma notícia publicada na primeira página do jornal nos dá a entender que esta informação é a que os leitores têm de se atentar primeiro, e que é mais relevante –

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23 partindo do interesse do jornal – do que uma notícia na última página do periódico. Neste ponto devemos nos atentar, qual o lugar em que Alencar ocupa nesse jornal? Seria ele relevante?

O tamanho das letras dos anúncios, das matérias também nos informam isso, nos dizem sobre qual comércio ou serviço prestado tem mais condições financeiras, pois ocupam determinados espaços no jornal, acaba por se tornar um espaço de divisão social e como todo meio de comunicação age segundo interesses próprios a serem fixados, manipulados e/ou informados. Ainda pensado na análise do jornal, Braga nos esclarece:

Além das posições ideológicas, deve-se levar em conta também as condições materiais da produção; os processos de cooperação (pois um jornal é obra composta); as relações concretas entre as forças em presença; as relações entre os interlocutores. Para o leitor, as condições de sua leitura intervêm na interpretação que ele faz dos enunciados; para o jornalista, as condições de leitura que ele pressupõe para seu artigo fazem parte de suas condições de produção (BRAGA, 1986, p. 328).

Com isso podemos pensar a respeito da posição ocupada por Alencar no periódico Correio Mercantil, tratando-se de um homem de família politicamente engajada, de boas condições financeiras, além de outros fatores que incluem sua formação em Direito e sua habilidade para escrita, pressupõe-se que ele provavelmente não teria qualquer lugar para publicação de suas crônicas, observando isso no jornal (IMAGEM 02) a descrição de quando José de Alencar começa suas publicações no mesmo:

CORREIO MERCANTIL. Rio, 3 de setembro.

O Sr. F.. Octaviano tomou conta da redacção desta folha, como seu redactor principal.

O Sr. Dr. J. de Alencar encarregou-se da revista hebdomadaria das

Páginas Menores.

Hoje começa uma nova serie daquellas revistas sob o título Ao correr

da penna.

Continuão fazendo parte da redação os outros senhores que nella se acharão (CORREIO MERCANTIL, p.1, 3 de setembro de 1854). Esta anunciação está na primeira coluna e página do jornal, indicando a significativa relevância do escritor, embora não fosse ainda tão afamado nesse setor literário. A publicação de suas crônicas em formato de folhetins também foram boa

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24 parte das vezes na primeira página do dito jornal. Mais descrições de Ribeiro a respeito do espaço dos folhetins:

O espaço gráfico da seção Folhetim do Correio Mercantil abrigava textos isolados ou muitas seções especiais de crônicas, críticas ligadas a várias áreas do conhecimento e textos ficcionais variados: contos, romances europeus traduzidos e romances brasileiros. Os romances seriados, publicados em pedaços, ocupavam geralmente o rodapé das duas primeiras páginas, parte localizada da metade para baixo e graficamente isolada por um traço em negrito (RIBEIRO, 2005, p. 3).

Foi justamente dessas crônicas publicadas nos jornais que saíram vários dos romances mais conhecidos de José de Alencar, como O Guarani7 e Iracema. Fato interessante encontrado no artigo Correio Mercantil do Rio de Janeiro: Modos Jornalísticos e Literários de Composição de José Alcides Ribeiro foi a existência de um espaço no jornal intitulado Pacotilha que era escrito uma vez por semana “A seção Pacotilha funcionava como uma micro-enciclopédia jornalística e literária dentro do Correio Mercantil, pois no seu espaço gráfico eram publicadas crônicas, notícias sobre o interior e o exterior, comentários” (RIBEIRO, 2005, p. 6) e que havia iniciado em fevereiro de 1851 e terminado em julho de 1854, mesmo ano em que Alencar inicia suas publicações no jornal.

Segundo Ribeiro (2005), a seção Pacotilha se diferenciava das outras seções do jornal “pela genialidade da mistura do jornalístico e do literário e pelo tom extremamente satírico” (RIBEIRO, 2005, p. 7), porém, em julho de 1854, ela deixa de ser publicada e em seu lugar foi inaugurada outra seção denominada Páginas Menores. A justificativa para a exclusão de a Pacotilha foi devido aos escritos ditos de “ódio” e “perigos” daquele tempo, em substituição, a nova seção traria artigos sobre as artes, as letras, a política e a indústria:

A substituição da Pacotilha pela seção Páginas Menores funcionou como uma espécie de golpe de estado na criatividade jornalístico-literária e no perfil de tribuna política da primeira. Pouco tempo depois, José de Alencar, com a assinatura Al. , iniciou as crônicas da subseção

7 O Guarani é um romance escrito por José de Alencar, publicado primeiramente na forma de folhetim

no periódico Diário do Rio de Janeiro em janeiro de 1857, alcançando notável público teve sua versão publicada como livro. A narrativa conta a história do índio Peri e da jovem Cecília filha do português D. Antônio Mariz, a trama é repleta de personagens e representa a chegada dos portugueses a América portuguesa, os conflitos com os indígenas e a história de amor do casal Peri e Ceci (ALENCAR, 2011). [1857]

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25 Ao Correr da Pena, com as características anunciadas no comentário aqui exposto (RIBEIRO, 2005, p. 7).

Tais mudanças com viés conservador objetivando evitar possíveis críticas e sátiras acompanhada da inserção de Alencar no jornal, justamente na nova seção, reforma em nós a interpretação de que possuía uma posição tradicionalista em diversos setores sociais, políticos. Posições que podem ser observadas na sua escrita literária e no seu conceito de sertão, já tão estereotipado na sociedade.

Uma das principais temáticas trabalhadas por Alencar e que contribuíram para que ganhasse notoriedade na literatura foram seus romances indianistas. Eles tinham como personagens principais os indígenas em diferentes momentos da história do Brasil. Acreditamos que tais personagens eram entendidos pelo autor como sendo de grande importância para a construção identitária do Brasil, pois são a base dessa sociedade brasileira, os nativos, os primeiros a estarem aqui.

Na escrita de José de Alencar, assim como em tantas outras existe um olhar interessado, no caso de Alencar especialmente havia um interesse em se construir uma identidade nacional brasileira curiosamente o autor enfatizou em algumas de suas obras traços culturais de várias regiões do país, como nas obras O Gaúcho8 (1870), O Tronco do Ipê9 (1871), Til10 (1872) e O Sertanejo (1875), esta última será fonte dessa pesquisa e servirá de base para pensar as representações feitas na obra, mas qual seria a intenção do autor ao escrever sobre tantas regiões diferentes? Será que as intenções iam além da construção dessa “identidade” nacional? Tais questionamentos poderão ser revistos mais adiante. Alguns outros escritores também tiveram sua parcela de produção regionalista como escreve o historiador Francisco Fabiano de Freitas Mendes:

8 Obra publicada em 1870 que retrata o Brasil, em especial os Pampas, ambientes mais afastados da

movimentação citadina, conta a história do menino de nove anos Manuel Canho que perde o pai, a quem tanto admirava. A narrativa apresenta fatos que fazem parte da história do Brasil como a Guerra dos Farrapos, além de descrever um pouco da paisagem do sul do Brasil (ALENCAR, 1998). [1870]

9 Romance regionalista de José de Alencar que narra uma história de amor, mistérios e crime,

ambientada no Rio de Janeiro do século XIX, retratando a decadência do café. Contando a história de Mário que viveu desde criança na Fazenda Nossa Senhora do boqueirão, na trama também tem a personagem de Alice que faz par romântico com Mário (ALENCAR, 1998). [1871]

10 Romance regionalista, que trata de temas como a cultura, o folclore e o linguajar de uma determinada

região, publicado em 1872 retrata o cotidiano numa fazenda do interior paulista do século XIX. Berta, também conhecida pelo apelido Til, é a típica heroína romântica de alma bondosa que se sacrifica em prol de todos (ALENCAR, 2012). [1872]

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26 Autores como Jorge Amado (1921-2001), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Érico Veríssimo (1905-1975) também aparecem em estudos que, se apontam para discussão da construção identitária da nordestinidade, da mineirice, do gauchismo, embora nela não se detenham, sendo mais forte a discussão sobre o Brasil e o papel de cada um desses literatos em determinados processos e períodos (MENDES, 2014, p. 15).

No caso de Alencar, nas obras citadas ele se detém a escrita do romance regionalista que pode ser entendida como um caminho literário que descreve uma determinada região, acentuando características físicas e sociais desse espaço, ainda podemos entender como sendo:

[...] um fenômeno universal, como tendência literária, ora mais ora menos atuante, tanto como movimento - ou seja, como manifestação de grupos de escritores que programaticamente defendem sobretudo uma literatura que tenha por ambiente, lema e tipos uma certa região (CHIAPPINI, 1995, p.153).

Uma das definições/teses para escrita regionalista de Ligia Chiappini em seu texto Do beco ao belo: dez teses sobre o regionalismo na literatura:

A obra literária regionalista tem sido definida como "qualquer livro que, intencionalmente ou não, traduza peculiaridades locais", definição que alguns tentam explicitar enumerando tais peculiaridades ("costumes, crendices, superstições, modismo") e vinculando-as a urna área do país: “regionalismo gaúcho", “regionalismo nordestino", "regionalismo paulista"... Tomado assim, amplamente, pode-se falar tanto de um regionalismo rural quanto de um regionalismo urbano. No limite, toda obra literária seria regionalista, enquanto, com maiores ou menores mediações, de modo mais ou menos explícito ou mais ou menos mascarado, expressa seu momento e lugar. Historicamente, porém, a tendência a que se denominou regionalista em literatura vincula-se a obras que expressam regiões rurais e nelas situam suas ações e personagens, procurando expressar suas particularidades lingüísticas (CHIAPPINI, 1995, p. 155).

A obra que norteia essa pesquisa é um romance regionalista, caracteristicamente um “regionalismo nordestino” e rural como descreve Chiappini (1995) no tocante ainda à citação um fato interessante é quando a autora diz que “toda obra literária seria regionalista” no sentido de que “expressa seu momento e lugar” acrescento a isso o fato de mesmo que seja um lugar que esteja apenas no imaginário de quem escreve, esse consciente e inconsciente é constituído por imagens vividas e

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27 lugares visitados e consequentemente o ambiente imaginado terá características dessas regiões existentes.

Dando continuidade ao objeto deste estudo, o romance de José de Alencar analisado é O sertanejo, obra publicada em 1875. Diferentemente dos outros romances regionalistas escritos por ele, este tem um ar nostálgico percebido logo no início de sua narrativa quando o autor assim escreve “Esta imensa campina, que se dilata por horizontes infindos, é o sertão de minha terra natal” (ALENCAR, 2006, p. 12).

Por tratar-se do sertão do Ceará, lugar de origem do escritor, intimamente ele faz a descrição de pratos típicos, de costumes ditos “sertanejos”, da fauna, da flora, detalhadamente descreve a região a partir do seu olhar/interesse e das lembranças que tinha período em que viveu no Ceará, tendo se mudado ainda jovem com a família para o Rio de Janeiro onde viveu a maior parte de sua vida.

A época em que a narrativa se passa é de 10 de dezembro de 1764 a 1765, aproximadamente um ano o século XVIII foi de muitos acontecimentos importantes na formação da América portuguesa, até então colônia de Portugal, dentre eles está a marcante presença do Marquês de Pombal11 e as suas idealizações para a colônia como a reestruturação administrativa, a centralização do poder, uma nova política de urbanização e controle das fronteiras, estimular a agricultura e o desenvolvimento da indústria, influenciado pelas mudanças no mundo, a Revolução Industrial na Inglaterra e a expansão do mercado. Pombal foi barrado pela então rainha de Portugal D. Maria. Além desses acontecimentos se dava cada vez mais o adentramento aos “sertões”, em busca de expandir os domínios da Coroa, colonizar novas regiões e encontrar riquezas que pudessem beneficiar a metrópole. Será que existe na narrativa do livro O Sertanejo alguma referência aos acontecimentos vivenciados na colônia na época em que é contada a obra?

Já o espaço em que a narrativa de O Sertanejo se desenrola fica entre Aracati e Icó, no Vale do Jaguaribe, no Ceará, é um grande espaço que vai desde o litoral adentrando aos sertões. A narrativa não especifica um local único, pois se dá em um campo aberto. O estado do Ceará historicamente durante séculos foi povoado por

11 Sebastião José Carvalho e Melo, foi um político português e dirigente do país, durante o reinado de

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28 diferentes grupos indígenas que viviam da pesca, caça e da extração de recursos naturais.

José de Alencar é um dos expoentes que escreve acerca do estado do Ceará, província a época, sendo filho da terra, em alguns trechos da obra que analisamos o autor fala de si próprio como narrador da história e conhecedor do espaço:

O narrador desta singela história teve em sua infância ocasião de ver na fazenda da Quixaba, próxima à serra do Araripe, esse aluvião de leite, na máxima parte desaproveitado pelo atraso da indústria, e que podia constituir um importante comércio para província (ALENCAR, 2006, p. 113).

A narrativa do romance conta a história de Dona Flor e Arnaldo, personagens principais. Ela é filha de um capitão-mor e ele é vaqueiro que trabalha para Gonçalo Pires Campelo, o pai de Dona Flor. Os dois tem uma ligação muito forte desde a infância, que vai além do sentimento de afeição de duas crianças e cresce com eles. Entre eles surgem os personagens de Marcos Fragoso e Leandro Barbalho, ambos possíveis pretendente de Dona Flor. Na trama Arnaldo cria laços com índios da nação Jucás e o seu chefe Anhamum e essas relações e as representações feitas por José de Alencar sobre esses indígenas no sertão do Ceará são pontos interessantes a serem tocados também nessa pesquisa, que busca compreender essas impressões do autor a respeito dos sujeitos que vivem no sertão.

No próximo capítulo será explorado com mais ênfase a obra “O Sertanejo” e as representações que Alencar faz de um dos sertões do Ceará, dos personagens que retratam um determinado período da história colonial e como esses sujeitos se relacionam e transmitem ou não símbolos de uma nacionalidade brasileira.

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O SERTÃO DO SERTANEJO E SEUS PERSONAGENS

Esta imensa campina, que se dilata por horizontes infindos, é o sertão de minha terra natal.

José de Alencar – O Sertanejo

De acordo com Luiz Gonzaga Marchezan (2006) a definição do que seria o sertão é pensada a partir do volume XXVIII da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira em que seria “terra ou povoado afastado do litoral” dividindo o espaço entre litoral e sertão, conhecido e desconhecido. Cita inclusive José de Alencar e sua obra que é analisada nessa pesquisa, ao pensar o sertão como próximo do escritor, em suas lembranças e vivências da infância.

Segundo José Guilherme Merquior (1996):

Nas imediações de 1860, o romance brasileiro ainda não possuía nem penetração psicológica nem ressonância poética. O relato sentimentalóide predominava, e a única ruptura do esquematismo folhetinesco – o costumismo das Memórias de um Sargento de Milícias – ficara sem descendência. Caberia ao maior prosador romântico, José Martiniano de ALENCAR (1829-77), até hoje o mais lido romancista do país (Iracema: em cem anos, mais de cem edições!), assegurar a nossa novelística o seu primeiro grande vôo literário. Alencar veio ao mundo em Mecejana, perto de Fortaleza, no lar do Padre – que há muito deixara de oficiar – José Martiniano, político de projeção, duas vezes presidente da sua província, correligionário de Feijó, arquiteto do golpe da Maioridade, senador do Império. O menino foi criado no Rio, mas fez, aos dez anos, uma viagem pelo sertão, do Ceará à Bahia, que lhe deixaria impressões indeléveis de gente e de natureza (MERQUIOR, 1996, p. 111).

A escrita literária sobre o Nordeste e o sertão surge com o intuito de enaltecer tal região e valorizar o Brasil, criando na mente dos leitores tipos característicos daquele ambiente, o que pode ser perigoso, pois a partir daí criam-se os estereótipos de lugar como encontramos “lugar de seca”, de “miséria”, de “fome”. Há também estereótipos ligados aos habitantes da região que são vistos como um “povo forte” devido às condições em que vivem e como suportam as adversidades do tempo.

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30 Se por um lado alguns escritores cultivam a idealização do passado, por outro a sociedade precisa de novos modelos de “brasilianidade” e procura defini-los. A literatura participa à pesquisa criando uma personagem que possa representar o povo do interior: o sertanejo (GRECO, 2009, p. 311).

No texto de Riccardo Greco (2009) intitulado O Sertanejo no Sertão-Mundo ele analisa a figura do sertanejo em momentos distintos, de herói a anti-herói, como os personagens se modificam de acordo com as narrativas e situações diversas. No livro que estamos analisando O Sertanejo de José de Alencar publicado em 1875, porém a versão utilizada na pesquisa faz parte da Coleção Grandes Mestres da Literatura Brasileira publicado no ano de 2006, iremos perceber mais a frente como a figura de Arnaldo é caracterizada entre esses dois tipos. Outros autores também reconheceram o diferencial da escrita do jovem Alencar como observa Maria Elisa Collier Pragana no livro Literatura do Nordeste: em torno de sua expressão social (1983):

Aqui impõe-se destacar ter sido uma dessas resistências mais expressivas a representada no século XIX, por José de Alencar, dentro, quer da língua, quer da literatura e no sentido, num e noutro caso, de uma regionalização das duas que importasse, como importou, numa sua ostensiva liberação de cânones europortugueses e no seu corajoso e até, para os puristas, escandaloso, abrasileiramento. Fenômeno que tendo se manifestado em termos lingüísticos, literários, estéticos, estilísticos, correspondeu a movimentos, no mesmo sentido, em setores sócio-econômicos (PRAGANA, 1983, p.27).

O livro O Sertanejo faz parte de uma fase regionalista do escritor José de Alencar, assim como outras de suas obras como O Gaúcho (1870), O Tronco do Ipê (1871) e Til (1871). Segundo o professor Afrânio Coutinho (2001, p. 1352-3) o “Regionalismo foi uma das formas que assumiu o nacionalismo literário brasileiro, a partir do Romantismo” sendo assim tal escola literária foi expoente da identidade nacional. Pensando a partir de Pragana:

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31 A literatura nordestina é abundante em expressões míticas ou mágicas reveladoras do caráter do brasileiro do Nordeste, em particular. Reveladoras também do que vêm sendo as reações específicas desse homem regional a crises na sua vida econômica, na sua convivência social, na sua experiência de secas e de enchentes tanto quanto as invasões estrangeiras (PRAGANA, 1983, p. 27).

Esse “abrasileiramento” típico da escrita alencariana fazia parte do projeto político da construção de uma identidade nacional, no século XIX. Pós independência era preciso dá uma “cara” ao país que surgia, como ressalta Pragana “Compreende-se que no movimento de abrasileiramento da língua literária e da literatura, representando de modo brilhante e bravo por José de Alencar, encontrem-se atividades com os movimentos políticos” (PRAGANA, 1983, p. 28). Como Merquior irá reforçar:

[...] a coincidência entre o romantismo e a época de fundação nacional dos países latino-americanos. No caso do Brasil, a consolidação da nacionalidade se identificou com o esforço centralizador do Império, empreendido pelas oligarquias rurais, e que remonta ao afastamento de Feijó (1837). O grande alicerce da centralização foi o sucesso da lavoura cafeeira, a princípio no Vale do Paraíba, depois no Oeste paulista; o café veio a ser a mola mestra da nossa segunda sociedade senhorial, e suas folhas figuram, significativamente, nas armas do Império (MERQUIOR, 1996, p. 78 a 79).

Diante de todos esses acontecimentos políticos e econômicos que ocorriam na sociedade, muitos intelectuais se envolveram nessa construção social de uma nação brasileira, e um dos maiores representantes do “povo da terra” eram os indígenas: “Esse período de afirmação nacional necessitava, ao nível da cultura e de suas elites, de um complexo mitológico suscetível de celebrar a originalidade da jovem pátria ante a Europa e a ex-metrópole” (MERQUIOR, 1996, p. 79).

Alencar foi um desses românticos brasileiros que buscou exaltar a brasilidade no indianismo e sendo filho do Ceará que era berço de várias etnias indígenas, como Isabelle Braz Peixoto da Silva (2005) assinala: “À época do descobrimento, as terras do Ceará eram densamente ocupadas, havendo indicações de cerca de 75 grupos

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32 humanos espalhados no litoral, nas serras e no sertão” (SILVA, 2005, p. 57). Além desses grupos, haviam grupos de outras capitanias que migravam:

Quando os jesuítas missionários chegaram ao Ceará (1607), o método do aldeamento já era praticado na zona litorânea da Bahia, Pernambuco e São Paulo [...] O Ceará de então abrigava, além dos grupos indígenas nativos, diversos outros grupos provenientes, especialmente, do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, os quais ali se refugiavam da dominação colonial (SILVA, 2005, p. 84).

Durante a narrativa do romance O Sertanejo o autor traz diversas passagens que falam sobre os ferozes indígenas que habitam a província do Ceará como nesse trecho: “De novo espalhou-se o terror pelos campos de Quixeramobim. Anhamum, o feroz chefe dos Jucás, voltara à frente de quinhentos arcos, e desta vez para assaltar a Oiticica e tirar a desforra” (ALENCAR, 2006, p. 201), nessa passagem o autor nos deixa um nome de um grupo indígena que existiu de fato na região do alto sertão do Ceará, que foram os Jucás, que segundo a leitura de Silva (2005) e Studart Filho (1965) eram índios não agrupados, que tinham uma filiação linguística duvidosa e não se sabia sua ligação cultural se seria com os Tupis, Cariris, Tarairiús, Tremembé ou Jê, que eram as famílias indígenas encontradas no Ceará.

Alencar também cita outro grupo indígena que existiu no território cearense como podemos ler a seguir: “[...] que veio visitar e conhecer nossos sertões [...] filho do dono das Flechas dos Inhamuns” (ALENCAR, 2005, p. 90), os Inhamuns faziam parte de um grupo indígena da família linguística dos Cariris, diferentemente dos Jucás.

Entre as obras que se assemelham com a temática de O Sertanejo uma das mais conhecidas é o romance Os Sertões de Euclides da Cunha (1902), enquanto a primeira possui um texto de ficção, a segunda tem um caráter mais jornalístico. A obra de Cunha foi um dos marcos da literatura brasileira, dando cara a um dos tantos sertões existentes, sejam eles somente imaginários ou reais, a narrativa descreve o ambiente do sertão da Bahia, os personagens sertanejos tendo como figura principal Antônio Conselheiro, a Guerra de Canudos, as lutas de um povo, a narrativa sobre o vaqueiro, a religiosidade e o misticismo que também é encontrado na obra de Alencar.

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33 Além dos termos anteriores como regionalismo, Greco nos traz um novo termo “sertanismo”:

[...] um certo culto do espaço rural, pelos pré-modernistas chamado de “sertanismo”, será ultrapassado pelos herdeiros do Realismo. O sertanismo, ou seja, a valorização do sertão e da tipologia humana do sertanejo, é uma forma de idealização sentimental cuja dimensão rural é considerada apenas no seu aspecto positivo: um sertão bom e genuíno, povoado por seres generosos, fortes e puros (GRECO, 2009, p. 312).

Esse espaço dito rural deve ser pensado de acordo com a realidade do período entre os séculos XVIII e XIX em que se prevalecia à ruralidade e os costumes desse tipo de vida, o termo sertanismo como descrito por Greco pode se aplicar de maneira coerente com o romance “O sertanejo” na medida em que o autor valoriza a paisagem sertaneja, embora nos períodos de seca seja mais duro viver nesse ambiente como escreve “Ao longo do caminho, de um e outro lado, alvejavam, entre as maravalhas dos ramos queimados pelo sol, as ossadas dos animais que já tinham sucumbido aos rigores da seca” (ALENCAR, 2006, p. 16), de forma poética isso é amenizado e o que sobressai é a admiração pelo sertão:

A primeira gota d’água que cai das nuvens é para as várzeas cearenses como o primeiro raio do sol nos vales cobertos de neve; é o beijo de amor trocado entre o céu e a terra, o santo himeneu do verbo criador com a Eva sempre virgem e sempre mãe.

Nunca vi o despertar da natureza depois da hibernação. Não creio, porém, que seja mais encantador e para admirar-se do que a primavera do sertão. Aqui a transição se opera com tal energia que assemelhava-se de certo modo à mutação [...]

Aquela árvore também que ainda ontem parecia um tronco morto já tem um aspecto vivaz. Pelos gravetos secos pulula a seiva fecunda a borbulhar nos renovos para amanhã desabrochar em rama frondosa. Que prodígios ostenta a força criadora desta terra depois de sua longa incubação! Dela pode se dizer sem tropo que vê-se rebentar do solo o grelo e crescer, assistindo-se ao trabalho da germinação como a um processo de indústria humana (ALENCAR, 2006, p. 59).

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34 Nos fragmentos anteriores vemos outro lado do sertão, o da transformação, da vida, de quando ele vive o período das chuvas e se modifica, sua paisagem sofre uma “mutação” como Alencar mesmo descreve, e tal processo é vivenciado dentro dos sertanejos também, que renovam suas esperanças de boa colheita e prosperidade no ano. Tais períodos de secas castigam a região da caatinga e quando a chuva vem o sentimento é de gratidão por esta ter o poder de mudar o contexto vivenciado. Vejamos o diálogo que expressa bem esse sentimento:

― Chuva!

Arnaldo proferiu esta palavra, dirigindo-se a Nicácio que estava ao seu lado, possuído do vivo prazer que a vinda do inverno desperta sempre no homem do sertão, sua alma expandiu-se para dar aos outros as alvíssaras dessa alegria.

― Deus a traga! (ALENCAR, 2006, p. 57).

O livro O Sertanejo conta uma narrativa vivida no sertão do Ceará, é preciso pensar três períodos diferentes e distantes na análise da obra. O enredo da narrativa acontece entre os anos de 1764 a 1765. Alencar escreve e publica a obra no século XIX, no ano de 1875, e estamos analisando-a em 2017/2018.

O ambiente da narrativa é o sertão do Ceará “terra natal” de Alencar como ele mesmo descreve, em vários momentos da trama percebe-se a ligação existente entre autor e obra, sentimentos de nostalgia, saudade e distanciamento. Mas que, além disso, traz características de como é entendido o sertão por ele, sendo não apenas aquele lugar da recordação de infância como no trecho:

A chapada, que os viajantes atravessavam neste momento, tinha o aspecto desolado e profundamente triste que tomam aquelas regiões no tempo da seca.

Nessa época o sertão parece a terra combusta do profeta; dir-se-ia que por aí passou o fogo e consumiu toda a verdura, que é o sorriso dos campos e a gala das árvores, ou o seu manto, como chamavam poeticamente os indígenas (ALENCAR, 2006, p. 14).

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35 O escritor relata no trecho o período da seca no sertão, como a região se modifica “negativamente” trazendo um aspecto de tristeza em sua paisagem, tal pensamento alencariano é observado em muitos outros escritores também como Graciliano Ramos (1938) em sua obra Vidas Secas – mesmo tendo sido escrita mais de meio século depois – as obras se aproximam em alguns pontos, trazendo características comuns que delineiam o sertão e o Nordeste como lugar de seca, de desanimo, melancolia e sofrimento de seus moradores como lemos em uma passagem: “O sol ardentíssimo coa através do mormaço da terra abrasada uns raios baços que vestem de mortalha lívida e poenta os esqueletos das árvores, enfileirados uns após outros como uma lúgubre procissão de mortos” (ALENCAR, 2006, p. 15).

A literatura regionalista feita por José de Alencar tem contida em si a literatura sertaneja ou sertanista como observa Albertina Vicentini (1998). Segundo a autora, um dos maiores objetivos da literatura é a reinvenção do imaginário, ou seja, a mudança naquilo que já se conhece imaginariamente, algo novo escrito sobre um assunto já conhecido, e ela aponta esse como um dos grandes problemas desse tipo de literatura.

Tendo em vista a narrativa do espaço sertanejo, a repetição de uma linguagem já conhecida pelo leitor, personagens tidos como típicos, são elementos que dão suporte a permanência de um imaginário já concebido, sem modificações ou reinvenção. Esse é um ponto que se modifica na leitura do livro O Sertanejo que de início encontramos excertos como:

Apenas ao longe se destaca a folhagem de uma oiticica, de um joazeiro ou de outra árvore vivaz do sertão, que elevando a sua copa virente por sobre aquela devastação profunda, parece o derradeiro arranco da seiva da terra exausta a remontar ao céu (ALENCAR, 2006, p. 15).

Que nos faz compreender que o sertão vive uma seca árdua. De forma romanceada a descrição no faz imaginar um lugar quase impossível de se viver, em seguida o autor escreve “Estes ares em outra época povoados de turbilhões de pássaros loquazes, cuja brilhante plumagem rutilava aos raios do sol, agora ermos e

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36 mudos como a terra, são apenas cortados pelo vôo pesado dos urubus que farejam a carniça” (ALENCAR, 2006, p. 15).

Trazendo a reflexão de que o sertão é um espaço de mudanças, de transição, que em outros períodos a situação é diferente da seca, que existe vida ou existiu, mas que nesse dado momento diante dos fatores climáticos que assolam a região, a realidade vivida é a da falta de chuvas:

Às vezes ouve-se o crepitar dos gravetos. São as reses que vagam por esta sombra de mato, e que vão cair mais longe, queimadas pela sede abrasadora ainda mais do que inanidas pela fome. Verdadeiros espectros, essas carcaças que se movem ainda aos últimos arquejos da vida, inspiraram outrora as lendas sertanistas dos bois encantados, que os antigos vaqueiros, deitados ao relento no terreiro da fazenda, contavam aos rapazes nas noites do luar (ALENCAR, 2006, p. 15).

O romance tem uma dose de misticismo e acontecimentos misteriosos que deixam o leitor cismando a respeito do que possa ter acontecido, a própria figura de Arnaldo, nomeado como o sertanejo em inúmeras passagens, é um ser muitas vezes sobrenatural que faz coisas inexplicáveis como nessa passagem “Arnaldo, que se debruçara ao punho da rede para conversar com a onça” (ALENCAR, 2006, p. 40). Além desse momento que indica sua conversa com o animal em outro trecho em que ele luta corporalmente com Aleixo Vargas o mesmo pensa a respeito do sertanejo “Quem o derrubara não fora seu camarada, o Arnaldo, mas a própria pessoa do demo na figura do rapaz” (ALENCAR, 2006, p. 50) indicado que ele estaria possuído por uma força maligna.

Arnaldo é um dos personagens principais da trama, é ele o sertanejo evidenciado tantas vezes no romance, filho de vaqueiro, traz várias características do pai, além de muitos mistérios em sua relação com a natureza, que vai além do natural e torna-se místico, Alencar o descreve como:

Era o viajante moço de vinte anos, de estatura regular, ágil, e delgado do talhe. Sombreava-lhe o rosto, queimado pelo sol, um buço negro como os compridos cabelos que anelavam-se pelo pescoço. Seus

Referências

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