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40 O mapa anterior representa graficamente o Estado do Ceará e sua divisão dos domínios naturais do estado do Ceará no mapa Geoambiental (Mapa 01), podemos observar ao centro do mapa o território de Quixeramobim, ambiente em que a narrativa de O Sertanejo é construída.

Além disso, podemos atentar aos detalhes da legenda que traz as cores de acordo com os domínios naturais da região, em lilás se destaca a Planície Litorânea, a faixa praial do estado, campos de dunas e complexo flúvio-marinho; na cor laranja identificamos os Tabuleiros Costeiros; em amarelo os Tabuleiros Interiores; na cor ciano (turquesa) encontramos a Planície Ribeirinha; em vários tons de verde estão os planaltos sedimentares que são divididos em três: Planalto da Ibiapaba, Chapada do Araripe e Chapada do Apodi; as serras (maciços residuais) estão nas cores cinza que são as serras secas e em verde escuro as serras úmidas; para finalizar essa legenda de cores temos o marrom que está presente em maior parte do território do Ceará e é denominada sertões, não um só sertão, mas vários.

Além das cores o mapa está dividido em macrorregiões de planejamento, enumeradas de 1 a 8, a região número 1 é denominada Baturité, a número 2 é o Cariri- Centro Sul, a região número 3 é o Litoral Leste Jaguaribe, a número 4 é o Litoral Oeste, a região número 5 é a RMF, a número 6 é o Sertão Central, a região número 7 é o Sertão dos Inhamuns e a número 8 é Sobral-Ibiapaba.

O sertão do romance é o Sertão Central (número 6) que compreende a faixa de Quixeramobim e fica bem ao centro do estado, além de sertões no Mapa 01 a região possui algumas serras secas e alguns corpos d’águas, próximo a região do Sertão dos Inhamuns (número 7) que faz recordar na leitura da obra a presença dos indígenas no estado, um dos indígenas da trama tem o nome de Anhamum que lembra o nome da região vizinha e os índios Jucás que iremos analisar melhor no próximo capítulo.

Refletindo sobre a escrita de Alencar, a narrativa se inicia em finais do ano de 1764, em dezembro e vai até o ano seguinte, esse período em que inicia com o retorno da família do Capitão-mor a fazenda da Oiticica a região encontra-se assolada pela falta de chuvas, devido ao período do ano a paisagem é descrita pelo autor mostrando o sertão através da ótica da seca, mas com o decorrer do romance e as mudanças

41 climáticas também muda-se o ambiente narrado, iremos perceber ao longo das citações:

Quem pela primeira vez percorre o sertão nessa quadra, depois de longa seca, sente confranger-se-lhe a alma até os últimos refolhos em face dessa inanição da vida, desse imenso holocausto da terra. É mais fúnebre do que um cemitério. Na cidade dos mortos as lousas estão cercadas por uma vegetação que viça e floresce; mas aqui a vida abandona a terra, e toda essa região que se estende por centenas de léguas não é mais de que o vasto jazigo de uma natureza extinta e o sepulcro da própria criação.

Das torrentes caudais restam apenas os leitos estanques, onde não se percebe mais nem vestígios da água que os assoberbava. Sabe-se que ali houve um rio, pela depressão às vezes imperceptível do terreno, e pela areia alva e fina que o enxurro lavou (ALENCAR, 2006, p. 15).

Percebemos aqui como o estereótipo de sertão de seca, fome e miséria aparece na escrita de José de Alencar, quando compara o sertão a um cemitério, “cidade dos mortos”, “sepulcro”, dá a entender ao leitor que esse lugar é o fim, fim da vida, fim dos sonhos, lugar sem esperança. Vamos perceber em passagens mais adiante como se chega a pensar que o autor escreveu esse romance em momentos distintos de sua vida, de tão contrastantes que são, ou seria isso um recurso utilizado por ele para nos apavorar e depois nos encantar com a beleza do sertão? É um intrigante questionamento.

Ainda assim, mesmo com essas passagens penosas da paisagem sertaneja, o escritor nos traz a crença de que ainda há chance de mudança, de que diante da seca existe a vida no verde das árvores, nas qualidades do sertanejo, de seu povo:

Aí se encontram, semeadas pelo campo, touceiras erriçadas de puas e espinhos em que se entrelaçam os cardos e as carnaúbas. Sempre verdes, ainda quando não cai do céu uma só gota de orvalho, estas plantas simbolizam no sertão as duas virtudes cearenses, a sobriedade e a perseverança (ALENCAR, 2006 p. 15 a 16).

42 O escritor traz elencadas duas virtudes cearenses à “sobriedade” que nos faz refletir e pensar em um significado adequado que poderia ser a “prudência diante do sofrimento” e a “perseverança” sendo a “qualidade de quem não desiste com facilidade, perseverar” (FERREIRA, 2000, p. 530).

Tais qualidades são atribuídas aos sertanejos do Ceará, mas também em outras obras aos demais sertanejos de outros estados, como no livro Os sertões de Euclides da Cunha em que ele escreve: “o sertanejo é, antes de tudo, um forte” (CUNHA, 1902, p. 31) fazendo relação com os sertanejos da Bahia, podemos refletir acerca dessa relação em períodos e estados diferentes quando encontramos na leitura estilos parecidos de representar o sujeito sertanejo. Na narrativa de Alencar ele traz trechos que nos faz refletir acerca da coragem desse povo:

– Seca muita, já se sabe! [...] isto não é terra de cristão.

– [...] pois ao cristão ensinou o divino mestre a paciência e o trabalho. Para quem não serve a minha terra é para aqueles que não aprendem com ela a ser fortes e corajosos.

– Pois é coisa que se aprenda, morrer de fome e de sede ainda mais? – Tudo aprende o homem, quando não lhe falta coragem. O cavalo deste sertão de Quixeramobim caminha o dia inteiro, come um ramo de juá, e só bebe água quando encontra a cacimba (ALENCAR, 2006, p. 47).

O enredo acontece em sua maior parte na fazenda da Oiticica, propriedade do Capitão-mor que segundo o autor “Datava do fim do século dezessete a primeira fundação da herdade ou fazenda” (ALENCAR, 2006, p. 29). Ou seja, nos faz compreender que essa região foi colonizada nos séculos iniciais de avanço europeu na colônia, que o sertão da capitania foi sendo desbravado e conhecido, um dos fatores que ajudaram nessa expansão e conhecimento territorial foi à pecuária como Alencar nos informa: “O gado de várias espécies, que os primeiros povoadores tinham introduzido na capitania do Ceará, se propagara de um modo prodigioso por todo o sertão, coberto de ricas pastagens” (ALENCAR, 2006, p. 29). O autor escreve alguns trechos sobre como a capitania foi se desenvolvendo:

43 Chegando a notícia desta riqueza às capitanias vizinhas, muitos de seus habitantes, já abastados, vieram estabelecer-se nos sertões do Ceará; e ali fundaram grandes herdades, obtendo as terras por sesmaria.

Nessa ocupação do solo, a cobiça de envolta com o orgulho gerou as lutas acérrimas e encarniçadas que durante o século dezoito assolaram a nascente colônia.

[...] Só em 1755 fundou-se sob a invocação de Santo Antônio de Pádua a primeira freguesia, a qual mais tarde foi criada vila pela carta régia de 13 de junho de 1789, que a separou do termo de Aracati (ALENCAR, 2006, p. 30).

Nesses trechos já percebemos certa valorização do ambiente sertanejo, sendo disputados em lutas que provavelmente podem ter sido entre os próprios colonos e também entre estes e os indígenas que habitavam o ambiente, o que deixa claro suas “riquezas”. Além dos aspectos físicos da paisagem, do clima, o autor escreve sobre os costumes das pessoas do sertão como nesse trecho “É este um dos traços do sertanejo cearense; gosta de dormir ao sereno, em céu aberto, sob essa cúpula de azul marchetado de diamantes, como não a têm nos mais suntuosos palácios” (ALENCAR, 2006, p. 37).

Arnaldo, o sertanejo desta narrativa é em especial muito atento as coisas do sertão, sabe decifrá-las como ninguém como podemos observar na leitura “[...] ele demorava-se a examinar a copa das árvores, os rastos dos animais, as moitas de ervas e todos os acidentes do caminho” (ALENCAR, 2006, p. 56). Alencar nos faz refletir sobre a diferença entre o homem da cidade e o homem do sertão:

O homem da cidade não compreende esse hábito silvestre. Para ele a mata é uma continuação de árvores, mais ou menos espessas, assim como as árvores não passam de uma multidão de folhas verdes. Lá se destaca apenas um tronco secular, ou outro objeto menos comum, como um rio e um penhasco, que excita-lhe a atenção e quebra a monotonia da cena.

Para o sertanejo a floresta é um mundo, e cada árvore um amigo ou um conhecido a quem saúda passando. A seu olhar perspicaz, as clareiras, as brenhas, as coroas de mato, distinguem-se melhor do que as praças e ruas com seus letreiros e números (ALENCAR, 2006, p. 56).

44 Compreende-se que realmente esses espaços do rural e urbano modificam a maneira de ver o mundo de seus sujeitos habitantes, o que para um homem da cidade possa ser simplesmente um caminho ou uma árvore, para o homem do sertão significa mais, em particular o personagem do sertanejo tem esses sentidos aguçados e é envolto de um certo mistério e misticismo. Nessa passagem que se segue podemos entender mais um pouco desses sentidos:

Se Arnaldo conhecesse a cidade como conhecia o deserto e seus habitantes; se estivesse habituado a observar a fisionomia do homem com a perspicácia do olhar que penetrava a mais basta espessura e investigava o semblante, o gesto, o porte da floresta; com certeza adivinharia o que falavam entre si os quatro mancebos (ALENCAR, 2006, p. 104).

Esse trecho trata-se de um momento em que Arnaldo observa a comitiva de Marcos Fragoso e deseja compreender o que eles conversam, a comparação tem a finalidade de nos fazer entender essa percepção que Arnaldo tem do ambiente do sertão e que se ele conhecesse os hábitos da cidade e tivesse a convivência com seu povo, poderia facilmente descobrir do que se tratava o assunto do diálogo entre os quatro homens.

Podemos refletir também acerca da palavra “deserto” utilizada por Alencar ao se referir ao sertão, em várias passagens da obra a palavra é repetida e nos faz lembrar os colonizadores que ao invadir os territórios da América e do continente africano depararam-se com o desconhecido, a vastidão dos sertões e dos desertos que talvez para eles se assemelhassem em alguns aspectos.

Entre outros aspectos que o narrador descreve no livro, encontramos também características das moradias, das funções dos empregados livres ou escravos, das cordialidades e comportamentos como vemos a seguir “O sertanejo curvou-se e beijou a mão ao fazendeiro, costume patriarcal já em voga no sertão e que ele praticava por um impulso d’alma” (ALENCAR, 2006, p. 74), essa passagem reflete como o próprio texto diz um costume do passado que era muito comum entre as pessoas mais abastadas e seus empregados ou cativos, nesse caso Arnaldo não se considera

45 pertencente ao Capitão-mor, ele se considera um homem livre e assim prefere viver, mas ainda sim guarda esse costume e em respeito a Campelo é que pratica.

As mulheres livres ou escravas, umas pilavam milho para fazer o xérem; outras andavam nos poleiros guardando a criação para livrá- las das raposas; e os moleques as ajudavam na tarefa, batendo o mata-pasto, ou dando cerco às frangas desgarradas [...]

Nos currais tirava-se o leite, acomodavam-se os bezerros, e cuidava- se de outros serviços próprios das vaquejadas, que já tinham começado com a entrada do inverno (ALENCAR, 2006, p. 112).

Aqui analisamos algumas funções, das mulheres, das crianças, além de alguns afazeres diários, comuns das fazendas e do modo de vida rural, outros fragmentos nos fazem ter uma visão mais apurada das moradias:

À exceção da cozinha, cada aposento tinha uma rede de algodão muito alva. No dormitório a rede faz as vezes de cama; na varanda faz as vezes de sofá, e é o lugar de honra que o sertanejo, fiel às tradições hospitaleiras do índio seu antepassado, oferece ao hóspede que Deus lhe envia (ALENCAR, 2006, p. 61).

Neste trecho o autor fala das tradições hospitaleiras dos indígenas, que serve de reflexão para comparação com tantos outros textos que deturpam a imagem do índio, nesse caso o narrador nos mostra que foram herdadas desses povos “bons costumes” e que descendemos deles, são nossos antepassados. Há em algumas partes da escrita de Alencar uma certa valorização dos indígenas, não só nesta obra, mas como já vimos a sua tríade indianista, que reconhece a importância desses povos.

Entretanto vamos perceber muitas das descrições feitas pelo autor são de posses de pessoas abastadas e até mesmo o costume hospitaleiro, como forma de esbanjar suas riquezas:

Era costume de casa, e não só desta como de todas as grandes fazendas, não deixar partir os hóspedes sem os regalar; e isso usavam os ricaços, não tanto por obséquio e satisfação dos estranhos, como

46 principalmente por ostentação do fausto com que se tratavam (ALENCAR, 2006, p. 93).

Como vimos anteriormente o vaqueiro é uma figura muito presente no sertão e nas narrativas sobre sertão e sobre o Nordeste: “É um dos traços admiráveis da vida do sertanejo, essa corrida veloz através das brenhas; e ainda mais quando é o vaqueiro a campear uma rês bravia. Nada o retém” (ALENCAR, 2006, p. 103). No caso da obra O Sertanejo não é diferente, o falecido vaqueiro da fazenda da Oiticica era o pai de Arnaldo, Louredo. Tal posto seria passado para o próprio Arnaldo, que mesmo tendo todas as qualificações para o trabalho, não o quer.

IMAGEM 03 – FIGURA DE UM SERTANEJO, VAQUEIRO DA ÉPOCA, DESCRITA POR HENRY KOSTER

47 Na figura anterior vemos a imagem de um vaqueiro com toda sua indumentária de couro descrita pelo escritor e viajante Henry Koster em seu livro Viagens ao Nordeste do Brasil publicado em 1942. Tal figura assemelha-se com o tipo vaqueiro que Alencar descreve no romance.

Mesmo não sendo o vaqueiro oficial da fazenda, o sertanejo Arnaldo não deixa de ser um, pois em alguns trechos percebemos suas habilidades e a importância dessa figura no sertão:

Quem nunca ouviu essa ária rude, improvisada pelos nossos vaqueiros do sertão, não imagina o encanto que produzem os seus harpejos maviosos, quando se derramam pela solidão, ao pôr do sol, nessa hora mística do crepúsculo, em que o eco tem vibrações crebras e profundas (ALENCAR, 2006, p. 116).

Arnaldo mostra toda sua destreza como vaqueiro quando encontra a novilha perdida de D. Flor, Bonina. Que tinha sido procurada por todas as partes pelo o então vaqueiro da fazenda Inácio Góis e que não havia encontrado, além da inquietação do Capitão-mor para que ele assumisse o lugar de vaqueiro da fazenda havia também o casamento arranjado para ele com Alina, que era filha de um parente de D. Genoveva e tinha ficado órfã, foi recolhida por eles e havia sido criada na fazenda: “Da mesma idade que a filha do capitão-mor, e também formosa, tinha essa moça o tipo inteiramente diverso. Era loura, de olhos azuis, e corada como uma filha das névoas boreais” (ALENCAR, 2006, p. 84).

A passagem anterior é uma das descrições que o autor faz de Alina, outro fragmento é este em que ele nos faz refletir sobre o processo de mestiçagem na Província do Ceará:

Foi ela talvez um dos primeiros frutos dessa anomalia climatológica do sertão de Quixeramobim onde, sob as mesmas condições atmosféricas, se observa com frequência e especialmente nas moças, aquela notável aberração do tipo cearense, em tudo mais conforme a influência tropical (ALENCAR, 2006, p. 84).

48 O autor não deixa claro o que seria essa anomalia, acreditamos ser o tipo tão diferente da jovem Alina, já que nascida no sertão do Ceará tinha características tão diferentes dos habituais.

Esse processo de mestiçagem ocorreu em toda a América portuguesa, além dos próprios portugueses, italianos, holandeses, franceses, africanos, entre outras etnias e culturas adentraram os sertões e o território da colônia por motivos variados. Desses encontros e relações se originaram diversos biotipos diferentes, entre eles o da personagem Alina.

Indiferente a esse casamento arranjado com Alina, Arnaldo não tem olhos para outra personagem, senão D. Flor. Tão grande era o amor por ela que em determinado trecho o sertanejo compara a perca de sua amada com as mazelas da seca:

Eu era como esse angelim, que nasceu no outro inverno. Quando ele crescia e copava, não sabia que a seca havia de chegar e despi-lo das folhas, matando-lhe a raiz. Como ele, eu não vi a desventura que vinha roubar-me toda a minha alegria! (ALENCAR, 2006, p. 95).

Voltando para o tema da seca, como já foi dito no início da trama o autor traz esse sertão assolado, em processo de transição da escassez para bonança com as chuvas que virão: “A seca tem sido grande, e os garotos estão pela espinha, não é assim? [...] aí vem o inverno e com ele reses gordas e carniça à farta. A chuva não tarda” (ALENCAR, 2006, p. 40).

E quando a chuva finalmente chega para o alívio de todos, Alencar não poupa palavras de encantamento para os leitores que imaginam esse sertão verde: “A gentil feiticeira dos nossos sertões é a linfa, que, descendo do céu nos orvalhos da noite e nas chuvas copiosas do inverno, semeia os campos de todas as maravilhas da vegetação” (ALENCAR, 2006, p. 106). Mais um trecho de descrição da paisagem sertaneja:

A cavalgada atravessa agora uma zona, onde o sertão ainda inculto ostenta a riqueza de sua vária formação geológica.

49 De um lado, para o norte, os tabuleiros como uma vegetação pitoresca e original, que forma grupos ou ramalhetes de arbustos, semeados pelo branco areal e divididos por um interminável meandro.

Do outro lado, o campo coberto de matas, no meio das quais destacam-se as clareiras, tapetadas de verde grama e fechadas por cúpulas frondosas, como rústicos e graciosos camarins.

Além a várzea, levemente ondulada como um regaço, e coberta de grandes lagoas formadas pelas águas das chuvas recentes.

Do seio desse dilúvio, surge uma criação vigorosa e esplêndida, que parece virgem ainda, tal é a seiva que exubera da terra e rompe de toda a parte nos abrolhos e renovos.

Ali são as carnaúbas que flutuam sobre as águas, como elegantes colunas, carregadas de festões de trepadeiras, donde pendem flores de todas as cores e aves de brilhante plumagem.

Mais longe as touceiras de cardos entrelaçam suas hastes crivadas de espinhos e ornadas de lindos frutos escarlates, que atraem um enxame de colibris. Aí dentro da selva espessa, fez a nambu seu ninho, onde piam os pintinhos implumes.

Era então a força do inverno (ALENCAR, 2006, p. 126).

Entendemos assim, que o sertão narrado por José de Alencar não é unicamente o sertão da seca, da miséria, da fome e das mazelas, mas é também um sertão verde, de esperança, de boas colheitas: “A frescura deliciosa das manhãs serenas do sertão no tempo do inverno derramava-se pela terra, como se a luz celeste que despontava trouxesse da mansão etérea um eflúvio de bem-aventurança” (ALENCAR, 2006, p. 120). No trecho seguinte vamos observar esses dois sertões que encontramos na narrativa:

Por toda esta vasta região, na qual um mês antes fora difícil encontrar uma gota d’água a não ser no fundo de alguma cacimba, rolam as torrentes impetuosas de rios caudais formados em uma noite.

A terra combusta, onde não se descobria nem mesmo uma raiz seca de capim, vestia-se de bastas messes de mimoso, que a viração da manhã anediava como a crina de um corcel. E eram já tão altas as relvas do pasto, que inclinando-se descobriam as reses ali ocultas. A vegetação incubada por muito tempo desenvolvia-se com tamanho arrojo, que mais parecia uma explosão; sentiam-se os ímpetos da terra a abrolhar essa prodigiosa variedade de plantas que se disputavam o solo, e acumulavam-se umas sobre outras.

50 Eram como cascatas de verdura a despenharem-se pelos vargedos, confundidas num turbilhão de folhas e flores, e soçobrando não só a terra, como as águas que a inundavam.

A superfície de cada uma dessas grandes lagoas efêmeras, produzidas pelo inverno, tornara-se um solo fecundo, onde mil plantas palustres erguiam seus pâmpanos formando uma floresta aquática [...] Não era somente na terra, mas também no espaço que a vida sopitada durante a maior parte do ano, jorrava agora com uma energia admirável (ALENCAR, 2006, p. 126 a 127).

Não só a vegetação ficava verde, como também os rios aumentavam sua força, e o céu se enchia de pássaros “Havia festas nos ares: a festa suntuosa da natureza. No meio da orquestra concertada pelos cantos dos sabiás, das graúnas e das patativas [...] e os gritos dos tiés e das araras” (ALENCAR, 2006, p. 127). Além do

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