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O benefício de prestação continuada na contemporaneidade brasileira: defesa de direitos nos percursos de ajuste do Estado

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA NA CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA: defesa de direitos nos percursos de ajuste do Estado

KAMYLLA QUEIROZ DE MOURA

NATAL-RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

KAMYLLA QUEIROZ DE MOURA

O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA NA CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA: defesa de direitos nos percursos de ajuste do Estado

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – PPGSS do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como etapa para obtenção de título de mestre.

Orientadora: Profª. Drª Eliana Costa Guerra

NATAL-RN 2016

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KAMYLLA QUEIROZ DE MOURA

―O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA NA CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA: defesa de direitos nos percursos do ajuste do Estado ao sistema do capital‖

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Serviço Social.

Aprovada em 31/10/2016

Banca Examinadora

__________________________

Profa. Dra. Eliana Costa Guerra - UFRN

(Orientadora)

_________________________________________ Profa. Dra. Íris Maria de Oliveira - UFRN

(Membro Titular)

_________________________________________ Profa. Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho - UFC

(Membro Titular Externo)

__________________________________________ Profa. Dra. Eliane Andrade da Silva - UFRN

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Moura, Kamylla Queiroz de.

O benefício de prestação continuada na contemporaneidade brasileira: defesa de direitos nos percursos de ajuste do Estado / Kamylla Queiroz de Moura. - 2016.

126f.

Orientadora: Profª. Drª. Eliana Costa Guerra.

Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço Social. Natal, RN, 2016.

1. Serviço Social – Dissertação. 2. Seguridade Social – Deficiente – Dissertação. 3. Seguridade Social – Legislação. 4. Assistência Social - Dissertação. 5. Benefício da Prestação Continuada – Dissertação. I. Guerra, Eliana Costa. II. Título.

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RESUMO

Este trabalho dissertativo demarca como objeto de estudo, analisar a expansão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no Estado do Rio Grande do Norte, no período de 2003 a 2014. O BPC é um direito previsto na Constituição Federal de 1988, inscrita na política de Assistência Social e compõe o rol da seguridade social. Para tanto, destina-se à pessoa com deficiência, incapacitada ao trabalho, e à pessoa idosa, com idade igual ou superior a 65 anos, que não dispõem de meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Nos marcos da contemporaneidade brasileira, o referido benefício integra a tendência nacional da Política Social no século XXI – delineada pela prevalência dos programas e benefícios de transferência de renda no circuito histórico em que o Partido dos Trabalhadores esteve à frente do poder executivo brasileiro. Isso acontece no cenário de crise estrutural do capital e, portanto, do agravamento das expressões da questão social, com desemprego crescente e alargamento da pobreza. Vis-à-vis, a política de Assistência Social se expande, por meio dos programas e benefícios de transferência de renda, e assume centralidade no sistema de proteção social brasileiro, diante do quadro contraditório de ajuste do Estado ao capital mundializado, a empreender cortes orçamentários para implementação e execução dos serviços sociais públicos. O estudo em questão fundamenta-se em uma perspectiva crítica, visando apreender o objeto de pesquisa mediante as determinações sócio históricas da sociedade do capital, em tempos de crise, partindo do abstrato ao concreto. O processo investigativo combinou pesquisa bibliográfica e documental, possibilitando apreensão de categorias teóricas e empíricas e análise dos relatórios e estudos disponibilizados pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais (ANFIP), Banco Mundial (BM), Agência Nacional de Saúde (ANS), Auditoria Cidadã da Dívida, bem como, dados disponibilizados pelo Sistema Único de Informações de Benefícios (SUIBE) que compõe o sistema de informações da Previdência Social (DATAPREV).

PALAVRAS-CHAVES: Crise Estrutural; Ajuste do Estado; Seguridade Social; Assistência Social; Beneficio da Prestação Continuada

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ABSTRACT

This work marks as objects of study to analyze the expansion of the Continuous Cash Benefit (BPC) in the State of Rio Grande do Norte, in the period 2003 to 2014. The BPC is a right stipulated by the Federal Constitution of 1988, enrolled in politics of Social Assistance and composes the list of Social Security. Therefore, it is designed to the disabled, incapacitated to work, and the elder, aged over 65, who do not have the means to provide for their own support or having it provided by his family. In Brazilian contemporary, that benefit is part of the national trend of social policy in the XXI century - outlined by the prevalence of income transfer programs and benefits in the historic circuit when the Workers' Party (PT) headed the Brazilian executive. All of this situation developes in the structural crisis of capital's scene and in face of the worsening of social question expressions, like growing unemployment and widening poverty. In fact, the Social Assistance policy expands through the programs and benefits of transfering income, assuming centrality in the Brazilian social protection system in face of the contraditory situation of the state adjustment to the globalized capital, to undertake cuts in budget for implementation and execution of public social services. The study in question is based on a critical vision to grasp the object of research by the social historical determinations of capital's society in times of crisis, starting from the abstract to the concrete. The investigative process combined bibliographical and documental research, allowing understand the theoric and empiric categories, report analysis and avaliable studies by the National Association of Tax Auditors (ANFIP), World Bank (WB), the National Health Agency (ANS), Citizen Audit Debt, as well as data provided by the Unified Benefits information system (SUIBE) that is a part of the information system of Social Security (DATAPREV).

KEYWORDS: Structural Crisis; State adjustment; Social Security; Social assistance; Benefit of Continuous Cash

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À Maria Giovanna e a Gustavo, com todo amor. À minha avó Tiquinha (in memorian), com toda saudade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em especial:

Aos meus pais, Francisco e Lúcia, que com amor, sabedoria, dedicação, zelo e esforço me ensinaram a dar valor à vida, a não desistir dos meus sonhos e a lutar de forma honesta para alcançar meus objetivos;

Às minhas irmãs Kalinny e Kalianny, por terem acreditado em mim e se alegrado com cada conquista, me transmitindo coragem e incentivo. A companhia, união e apoio de vocês, na minha trajetória da graduação ao mestrado, foi muito importante para que eu pudesse chegar até aqui;

À minha tia Laudeci, pelas orações direcionadas a mim;

Às minhas irmãs de coração: Ticiane, Camila Vanessa, Camila Morais, Monalisa, Fabíola e Flavianne, amigas responsáveis por trazer leveza, alegria, amor e entretenimento;

Às minhas primas irmãs: Amanda, Silvania, Silvinha, Sandra, por toda torcida e incentivo, empreendido a mim neste processo;

À Juliana Maria do Nascimento, professora e amiga, responsável, em grande medida, e incentivadora número 1, para que eu trilhasse o caminho da pesquisa; À Professora Eliana pela orientação e a toda sua família pela acolhida, incluindo a Sra Socorro;

Às professoras Alba Maria Pinho de Carvalho e Íris Maria de Oliveira pelas contribuições desde o processo de qualificação até a defesa da dissertação;

Aos meus parceirinhos de trabalho do Centro de Referência de Assistência Social/ N. Sra da Apresentação, pelo apoio e torcida, em especial, a Andreza, minha companheira de turno;

Ao Instituto Nacional do Seguro Social pela disponibilidade de dados, na figura de Silvana, Assistente Social e diretora técnica do Serviço Social no Rio Grande do Norte;

Aos amigos e amigas colegas do curso de graduação e mestrado da UFRN, pelos ricos momentos de partilha de experiências, encontros e reencontros, dos quais guardo boas lembranças e aprendizado.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Segurados dos planos privados de saúde por cobertura assistencial do plano (Brasil - 2000-2015)

TABELA 2 - Quantitativo de famílias integrantes do cadastro único e participantes do Programa Bolsa Família e o valor médio dos benefícios a elas distribuídos (2003 a 2014)

TABELA 3 – Benefício de Prestação Continuada (BPC) previstos na LOAS e da RMV para idosos e para deficientes, quantitativo de benefícios emitidos e as despesas orçamentárias por exercício, em valores correntes – 2005, 2007 e 2009 a 2014

TABELA 4 – Total de BPC requeridos no RN TABELA 5 – Total de BPC indeferidos no RN TABELA 6 – Total de BPC concedidos no RN

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Orçamento Geral da União 2016 Executado (pago) Total = R$ 2,572 trilhões

GRÁFICO 2 – Assistência Social e Orçamento Fiscal/Seguridade Social GRÁFICO 3 – Assistência Social em perspectiva comparada

GRÁFICO 4 – Destinação dos recursos da Assistência Social, em 2013

GRÁFICO 5 – Investimentos dos Fundos de Pensão, distribuídos em segmentos de alocação para o ano de 2008

GRÁFICO 6 – Total de BPC requeridos no RN GRÁFICO 7 – Total de BPC indeferidos no RN GRÁFICO 8 – Total de BPC concedidos no RN

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANFIP – Fundação Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal ANS – Agência Nacional de Saúde

BPC – Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social BC – Banco Central

BM – Banco Mundial

CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe CF- Constituição Federal

CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social

CONADE - Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda

DRU – Desvinculação das Receitas da União DRE – Desvinculação das Receitas do Estado DRM – Desvinculação das Receitas do Municípo EC – Emenda Constitucional

EFPC – Entidades Fechadas de Previdência Complementar FGV – Fundação Getúlio Vargas

FNAS – Fundo Nacional da Assistência Social FMI – Fundo Monetário Internacional

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LBA- Legião Brasileira de Assistência

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social

MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDSA – Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário

MPAS- Ministério da Previdência e Assistência Social

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OMS - Organização Mundial da Saúde

ONU- Organização das Nações Unidas OS – Organização Social

OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PBF – Programa Bolsa Família

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PCS – Programa de Comunidade Solidária PEC - Projeto de Emenda Constitucional

PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PIB – Produto Interno Bruto

PNAS - Política Nacional de Assistência Social

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PT – Partido dos Trabalhadores

PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RGPS- Regime Geral de Previdência Social

RGPPS – Regime Próprio da Previdência Social RMV - Renda Mensal Vitalícia

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STF – Superior Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça

SUAS - Sistema único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde

UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro na UFPE – Universidade Federal de Pernambuco UnB – Universidade de Brasília

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11 2 CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA: a saga da construção de direitos

no contexto de redemocratização e do ajuste do Estado ...

25

2.1 A atual crise do capital: repercussões econômicas e sociais e suas particularidades no Brasil ...

25

2.2 Brasil contemporâneo: confluência contraditória de democratização e de ajuste do Estado à nova ordem do sistema do capital ...

35

2.3 O BPC no contexto de ajuste do Estado e de desmonte da seguridade social: o paradoxo do sistema de seguridade social ...

47

3 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: campo de disputas na luta por direitos...

72

3.1 A luta pela Assistência Social na contramão do ajuste do Estado na década de 1990 ...

72

3.2 A Política de Assistência Social nos governos petistas: institucionalização do SUAS e consolidação da política...

82

4 O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA NO CONTEXTO DA POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ...

86 4.1 O Benefício de Prestação Continuada no contexto das políticas de transferência de renda: avanços e contradições no acesso a direitos...

86

4.2 Implementação do Benefício de Prestação Continuada, no Brasil contemporâneo: critérios de elegibilidade sob o foco da crítica ...

93

5 O BPC nos ciclos de expansão dos governos do Partido dos Trabalhadores: o Rio Grande do Norte no foco... 100 5.1 Nordeste e Rio Grande do Norte: características sociais e históricas 101 5.2 A materialização da contradição do BPC no Rio Grande do Norte: uma ampliação importante, contudo insuficiente ... 104 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 113 REFERÊNCIAS ... 117

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1 – INTRODUÇÃO

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) situa-se no âmbito da Política de Assistência Social, compondo o rol dos programas e benefícios de transferência de renda. Além disso, consiste em uma provisão pecuniária de caráter assistencial com maior expressão, devido ao reconhecimento constitucional, no artigo 203 da Carta Magna, motivo pelo qual se diferencia dos demais programas e serviços da Assistência Social, a exemplo do Programa Bolsa Família. Ademais, o BPC por estar inscrito na Assistência, integra, concomitantemente, o sistema de seguridade social, enquanto benefício socioassistencial, ao lado das políticas de Previdência e Saúde.

Desse modo, o BPC constitui o primeiro mínimo social de caráter não contributivo, objetivando garantir renda mínima, por meio de prestações mensais, não exigindo, portanto, contrapartida financeira da pessoa requerente. Destina-se a dois segmentos específicos da população: pessoas idosas e pessoas com deficiência. Para ambos os grupos, o acesso ao referido direito é condicionado, por um lado, à situação familiar, cuja renda per capta mensal não deve ultrapassar ¼ do salário mínimo e, por outro à condição. Assim, a pessoa idosa deve ter idade mínima de 65 anos e, no caso da pessoa com deficiência, deve ser comprovada a incapacidade duradoura de exercer atividade laboral.

O BPC, portanto, assegura renda àqueles que, não podendo acessar o mercado formal de trabalho, não têm direito aos benefícios oriundos da condição de trabalhador, a exemplo das aposentadorias (benefícios previdenciários). Assim, o BPC configura-se como renda de substituição aos benefícios originários da condição de trabalho formal.

Todavia, no contexto controverso em que o BPC foi institucionalizado, na década de 1990, em tempos de ajuste do Brasil ao processo de mundialização1 do capital, expresso pela adoção do ―receituário‖ neoliberal – iniciado com o governo Collor, cuja continuidade, resguardada algumas diferenças de um governo para outro2, parece inconteste nos governos presidenciais Itamar Franco, Fernando

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Partindo do entendimento, que na história do Brasil, as reformas de cunho progressista nunca foram empreendidas de fato, mas sim, as ―reformas‖ voltadas para o ajuste do Estado aos preceitos neoliberais e de interesse do grande capital, utilizamos o termo ajuste do Estado, para nos remetermos à estas mudanças.

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É mister destacarmos, que, neste processo de reordenamento do País ao sistema do capital, os diversos ciclos de ajuste do Estado são consubstanciados por condições, política, econômica e social diferentes. Logo, as reflexões também são distintas no âmbito da Proteção Social em cada governo.

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Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e o atual Michel Temer3, trouxe sérias implicações no que diz respeito aos princípios norteadores do sistema de seguridade social, gerando um largo distanciamento entre o que está previsto legalmente na Constituição de 1988 e o que tem acontecido na realidade, penalizando, sobremodo, a classe trabalhadora, com o rebaixamento dos direitos sociais.

Assim, a década de 1990, mostrou, rapidamente, o paradoxo brasileiro: por um lado, um sistema institucional construído no fim da década de 1980, imbuído pelo desejo e luta da abertura democrática do País, apontando para a ampliação do Estado, nos termos gramscianos4 e, por outro, os acordos assinados entre os governos, as agências internacionais e bancos privados, concebidos como mecanismos de ajuste para ―estabilizar‖ a economia brasileira, indicando a regressão de direitos, a restrição do Estado voltado para o social e a falta de investimento em serviços sociais públicos.

Já no fim do século XX, como admitir a existência de um País que despontava, então, no cenário mundial, como uma economia emergente, com mais de 30 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza?

Frente a isso, considerando a luta da sociedade de classes, cujos reflexos contraditórios perpassam o Estado brasileiro na contemporaneidade, que se apresenta como agente garantidor do processo de acumulação de capital, mas, em alguma medida, primordialmente, nos governos petistas, implementa as chamadas

Nos anos 2000, já com o Partido dos Trabalhadores a frente do poder executivo, alguns ajustes foram tocados no âmbito da política previdenciária, enquanto o Sistema Único de Assistência Social foi instituído, constituindo-se em grande marco para a Proteção Social. Além disso, houve a expansão dos programas e benefícios de transferência de renda, aumentando acesso da população. Os tensionamentos dos movimentos sociais para a consagração do SUAS nestes governos foram intensos. Destarte, com o Michel Temer na presidência da república, o Estado de ajuste segue intransigente e nenhuma concessão ou atenção para com as demandas da classe trabalhadora. 3

A conjuntura política atual brasileira está bem complexa, diante do impeachment instaurado, contra o governo da presidenta Dilma Rousseff. Seu vice, Michel Temer, assume a chefia do poder executivo. Diante do exposto, há uma polarização entre apoiadores do governo Dilma, liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), e as principais forças burguesas oposicionistas, sejam essas forças de caráter institucional (partidos e sindicatos patronais) ou na forma de ―movimentos‖ de direita, responsáveis por concretizar um golpe institucional.

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Segundo Gramsci (1968, p. 149), o Estado ampliado, apreendido sob o contexto do capitalismo monopolista, refere-se a somatória da ―sociedade política + sociedade civil‖. Nesse sentido, as duas esferas são organicamente vinculadas e constituem uma unidade dialética. Por isso, Carvalho e Guerra (2015) explicam que o Estado, espaço de disputa entre as classes, se amplia na proporção que a sociedade civil, por meio das lutas sociais, consegue se impor na disputa por hegemonia, na sua direção política.

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políticas de enfrentamento à pobreza, embora de forma limitada, dado o inconteste alinhamento às prerrogativas das agências internacionais.

Neste cenário, no início dos anos 2000, com a chegada de Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, à presidência da república e sua proposta de governo, somada à regulamentação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em 2004, a política de Assistência Social assume posição central no sistema de proteção social brasileiro, principalmente, pela vertiginosa expansão dos programas e benefícios de transferência de renda, com destaque para o Programa Bolsa Família (PBF) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que se apresentam, na realidade, como os dois maiores benefícios de transferência monetária direta e de combate à pobreza no Brasil (MOTA, 2010).

Assim, em junho de 2016, os dados referentes ao Benefício de Prestação Continuada, apontam que o BPC mantém aproximadamente 4,3 milhões de beneficiários, divididos em 2,3 milhões de pessoas com deficiência e 1,9 milhão de pessoas idosas, exigindo um montante de R$ 3,8 bilhões de reais mensalmente5 (MDS, 2016).

Comparando os dados do BPC referentes aos anos anteriores, podemos constatar o quanto, nacionalmente, o benefício se expande ao longo dos anos 2000. No início da década, mais precisamente em 2002, último ano do governo FHC, aproximadamente 1,5 milhão de pessoas estavam na condição de beneficiárias do BPC, compreendendo pessoa idosa e com deficiência, com gastos na ordem de 3,4 milhões de reais6 (MDS, 2002).

De fato, os dados supracitados evidenciam ter havido expansão expressiva do BPC, ao longo dos anos 2000, quando se avalia a quantidade de pessoas beneficiárias e o volume orçamentário, no âmbito do território nacional. Assim, o BPC apresenta-se como o programa de Assistência Social com maior expressão de gastos e o segundo maior programa não contributivo de transferências de renda no Brasil, considerando a quantidade de pessoas beneficiárias, ficando atrás apenas do Programa Bolsa Família (PBF).

Partindo da realidade nacional em que o Benefício de Prestação Continuada é implantado, esta pesquisa de mestrado procedeu à análise da expansão do BPC no

5

Disponível em: http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/docs/downloads/2016/JunTodos.pdf 6

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Estado do Rio Grande do Norte com recorte temporal, de 2003 a 2014. O período escolhido marca a afirmação da política pública da Assistência, com o SUAS, e, nos interstícios dela, a expansão, de um modo geral, dos programas e benefícios de transferência de renda, ao longo dos dois governos Lula (2003-2006/2007-2010) e do primeiro governo Dilma (2011-2014).

Em seus estudos Mota (2012), Castelo Branco (2012), Silva (2013) justificam o aumento da modalidade de transferência de renda, por meio da estratégia político-econômica adotada pelos governos do PT nos últimos anos, denominada ―neodesenvolvimentismo‖7

, como resposta à catástrofe social deflagrada no fim da década de 1990 – caracterizada pela estagnação econômica, geração de empregos de baixa qualidade, aumento dos índices de desemprego, bem como da pobreza e da desigualdade social. Na entrada do século XXI, o Estado, sob a imposição dos organismos internacionais, assume tônus diferente, na medida em que logra manter inalterada parte do receituário neoliberal, a exemplo da defesa do equilíbrio fiscal e do controle inflacionário, ao mesmo tempo em que, do ponto de vista social, acata e expande o sistema de proteção social, privilegiando a via da assistência social, com seus programas e benefícios de caráter emergencial, focalizados na extrema pobreza (CASTELO, 2012).

É, portanto, neste cenário contraditório, que por ocasião do mestrado, decidimos analisar a expansão do BPC no Rio Grande do Norte, enquanto benefício da política de Assistência Social, no contexto de contrarreformas neoliberais em tempos de redução das possibilidades de trabalho formal e, mais que isto, de informalização da economia (ANTUNES, 2008).

As interpelações referentes à temática abordada sugiram com as experiências de estágio, mais precisamente, nas políticas previdenciária e de Assistência Social, vivenciadas ao longo da graduação em Serviço Social na UFRN, diante do contexto de expansão contraditória da seguridade social, pela via dos programas e benefícios

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Rodrigo Castelo, em entrevista concedida a Raichelis (2014, p. 584), cita as principais proposições do projeto neodesenvolvimentista: 1) complementariedade da atuação de um Estado forte nas falhas de mercado, com o objetivo de fortalecê-lo, leia-se fortalecer o atual padrão de reprodução do capital imposto desde os anos 1980/90 e aprofundá-lo e consolidá-lo no século XXI; 2) na política econômica: responsabilidade fiscal, superávit primário, metas inflacionárias, câmbio flutuante e tributação regressiva, com intervenções pontuais no câmbio e nos juros; 3) incentivos fiscais, tributários e subsídios para conglomerados do capital monopolista aumentarem suas taxas de lucro, sob o manto de uma política industrial e de inovação tecnológica, a chamada política de ―campeãs nacionais‖; 4) aumento da massa salarial e do crédito para ampliação do consumo do mercado interno e; 5) nas expressões mais agudas da ―questão social‖, a política social de transferência de renda de larga abrangência e focalizada nas camadas mais miseráveis da nossa sociedade.

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de transferência de renda, como sinaliza os estudos de Mota (2010), Sitcovsky (2010) e Maranhão (2010), na obra intitulada O MITO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: ensaios sobre Estado, Política e Sociedade.

Neste quadro conjuntural, em meados de 2011, tive a primeira experiência de estágio, de natureza não obrigatória, no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS8), mais precisamente no setor do Cadastro Único. O CRAS estava localizado no bairro Nossa Senhora da Apresentação, região periférica da cidade de Natal. Com o intuito de justificar as limitações identificadas nas equipes do CRAS, é importante fazer menção à gestão do município de Natal, na época em que estive inserida no campo de estágio. A gestão de 2009 a 2012 estava sob a responsabilidade da então Prefeita Micarla de Sousa, gestão esta, marcada pelo alto índice de reprovação dos cidadãos natalenses9, devido aos inúmeros escândalos de corrupção, bem como ao visível sucateamento da infraestrutura urbana e dos equipamentos públicos da cidade, além do descaso para com os serviços sociais, sob a responsabilidade do município, notadamente, com a rede de serviços de saúde e de educação sob a responsabilidade do poder municipal.

À época, movimentos sociais se organizaram e foram às ruas denunciando o caos instaurado e a péssima administração, além dos escandalosos casos de corrupção envolvendo a prefeita Micarla de Sousa. Nas ruas, milhares de pessoas seguiam em marcha reivindicando o impeachment da prefeita. Tais manifestações repercutiram nacionalmente, sendo manchete nos principais canais televisivos de abrangência nacional. Estas manifestações ganharam eco, em um contexto nacional marcado por manifestações lideradas por jovens estudantes e trabalhadores, a

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O CRAS destaca-se como a unidade pública estatal responsável pela oferta de serviços continuados de proteção social básica de assistência social às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social. A unidade de referência e contrarreferência do usuário na rede socioassistencial do Sistema Único de Assistência Social - SUAS e unidade de referência para os serviços das demais políticas públicas; a ―porta de entrada‖ dos usuários à rede de proteção social básica do SUAS. No CRAS são oferecidos os seguintes serviços e ações: apoio às famílias e indivíduos na garantia dos seus direitos de cidadania, com ênfase no direito à convivência familiar e comunitária; serviços continuados de acompanhamento social às famílias ou seus representantes; proteção social proativa, visitando as famílias que estejam em situações de quase risco; acolhida para recepção, escuta, orientação e referência.

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De acordo com a pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), em 2012, moradores da cidade de Natal foram indagados acerca da administração da prefeita, e 93% dos entrevistados responderam que achavam ruim e péssima sua administração. Quando perguntados se aprovam ou desaprovam a forma como a prefeita vinha administrando a cidade, 97% dos entrevistados responderam que desaprovavam. Pesquisa realizada no ano de 2012 a respeito da gestão da prefeita Micarla de Souza. Disponível em: <http://g1.globo.com/rn/rio-grande- do-norte/eleicoes/2012/noticia/2012/10/desaprovacao-da-gestao-micarla-em-natal-chega-95-aponta-ibope.html> Acesso em: 06/06/2015

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reivindicar, de modo especial, melhores condições de vida nas cidades. O aumento da tarifa dos transportes coletivos constituiu apelo inicial da mobilização na cidade.

Neste cenário político, a instituição estava permeada por debilidades. Os serviços socioassistenciais ali oferecidos ficavam bloqueados cotidianamente pela carência de recursos humanos e materiais. Além desses problemas, as equipes enfrentavam atraso no pagamento dos salários, escassez ou inexistência de recursos para combustível, a fim de realizar visitas domiciliares, ausência de internet, corte de linha telefônica, por não pagamento de faturas. Tais dificuldades a configuravam-se como verdadeiros empecilhos, a colocar em xeque as possibilidades de atendimentos e de oferta dos serviços no município de Natal. Ao mesmo tempo, demandas de usuários para realização do cadastro pela primeira vez ou para atualização do Cadastro Único eram atendidas, a despeito das dificuldades. Tal realidade demonstra quão contraditório e complexo tem se revelado o cotidiano do trabalho no âmbito da Assistência Social.

Nesta experiência de estágio no CRAS, uma preocupação foi constante: a supressão de grande parte dos serviços que deveriam ser oferecidos pelo CRAS, como o serviço de Proteção e Atenção Integral à Família – PAIF; o serviço de Convivência e fortalecimento de vínculos e o Serviço de suporte domiciliar, conforme consta na Tipificação dos Serviços Socioassistenciais. A atuação dos CRAS limitava-se à manutenção do setor do Cadastro Único – porta de entrada para acesso aos programas de transferência de renda, que se mantinha com intensa atividade. Ou seja, nas sedes dos CRAS, suas principais prerrogativas ficavam paralisadas, rebaixando a perspectiva de atuação concebida no âmbito da política de Assistência Social. Os CRAS permaneceram, assim, como uma espécie de balcão a viabilizar estritamente o acesso ao recurso financeiro, sem qualquer tipo de acompanhamento social previsto na política.

No início de 2012, a segunda experiência de estágio, também de natureza não obrigatória, realizada na Agência da Previdência Social (APS), situada no bairro Lagoa Nova, na cidade de Natal/RN, no setor de Serviço Social foi bastante profícua. A expectativa central a respeito daquela experiência era que os potenciais assistidos viessem buscar benefícios previdenciários a exemplo das aposentadorias, pensões, auxílio-doença, auxílio-reclusão. No entanto, ao começar o estágio e acompanhar o cotidiano das assistentes sociais na APS/Natal-Sul, em meio a uma profusão de demandas e situações ali apresentadas, pude notar que havia uma

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demanda diária latente: pessoas idosas e deficientes em busca do direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), assegurado na Carta Magna e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Diante desta realidade, indaguei-me: porque as principais demandas direcionadas ao Serviço Social da APS/Natal-Sul não eram relativas à Previdência Social, mas à Assistência Social pela via do BPC? De fato, compreendi que o BPC, apesar de ser parte da política de assistência, assegurado pelo Fundo Nacional de Assistência Social, é operacionalizado pelas agências da previdência social, que dispõem de estrutura e capacidade operacional, tanto do ponto de vista social, quanto do ponto de vista médico, para assegurar, em particular, as perícias, exigidas para as pessoas com deficiência, razão pela qual havia intensa procura das agências por potenciais beneficiários. A rede vinculada à previdência contava ainda com experiência de gestão do Programa de Renda Mensal Vitalícia, vigente entre 1974 a 1995. O afluxo de pessoas a demandarem benefícios assistenciais também nos chamou a atenção. Com efeito, as agencias da Previdência Social recebiam um volume de demandas por benefícios assistenciais bem maior do que os benefícios da previdência, como por exemplo, aposentadorias, auxílios e pensões, o que parecia indicar a dimensão do pauperismo na sociedade e a centralidade assumida pela política de Assistência Social na seguridade social.

Também em 2012, aproximei-me da problemática do idoso, por meio da experiência de estágio, de natureza obrigatória, no Programa SOS idoso, na cidade de Natal10. O objetivo central do programa era receber denúncias de maus-tratos e encaminhar à equipe, constituída por psicólogo, assistente social e terapeuta ocupacional. Estes profissionais eram incumbidos de averiguar a veracidade da queixa e tomar as medidas cabíveis. As denúncias eram variadas, porém, o abandono da família, agressões psicológicas e abuso financeiro, apareciam mais corriqueiramente. Nesse sentido, visto a conjuntura política de 2011, é importante sinalizar que os mesmos dilemas vivenciados pelo CRAS, fizeram-se presente no programa SOS idoso, no ano seguinte, chegando a parar por vezes os serviços oferecidos.

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As denúncias poderiam ser realizadas através dos seguintes telefones, 0800 084 1021 ou 3232-9301; bem como através de demanda espontânea, assegurando o anonimato do denunciante. A central do programa, funcionava na Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS), localizado na avenida Bernardo Vieira, 2180, bairro de Dix-Sept Rosado, na zona Oeste da capital. mu

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Minha experiência no SOS idoso revelou-me um quadro bastante complexo em torno da problemática do idoso na contemporaneidade, levando em consideração o momento em que o Brasil vive, com o aumento da expectativa de vida, atingindo a média de vida de 75,2 anos, em 2014, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a se expressar na mudança da curva demográfica do País11. Diante de tal fato perguntava-me: como a sociedade está se preparando para atender esta parcela da sociedade? Conforme o estágio ia sendo realizado, percebia quanto o Estado se desresponsabilizava, à medida que crescia a responsabilização da família com relação à problemática do idoso. Entretanto, no período de estágio, o que mais me chamou atenção foi o fato da maioria dos idosos, atendidos pelo SOS idoso serem dependentes financeiramente do BPC. Por que, então, a maioria dos idosos e suas famílias dependiam financeiramente do BPC, benefício assegurado pela assistência social e não eram assegurados pela aposentadoria prevista pela previdência social?

Em minhas incursões em pesquisas sobre a temática, comecei a descortinar uma complexa realidade. De fato, logo após a instituição da CF de 1988, na década de 1990, a política previdenciária tornou-se alvo de sucessivas ―reformas‖, previstas pela agenda neoliberal, passando a dificultar o acesso à aposentadoria, com o aumento da idade mínima e do tempo de serviço. Combinado a isso, vivenciamos um dado período histórico de crescimento acentuado de vínculos trabalhistas informais12, que não compreendem evidentemente, proteção previdenciária. Ademais, as mudanças na configuração demográfica da população brasileira indicam expectativa de vida ainda crescente, com aumento da população idosa. Assim, a população idosa passa a constituir demanda potencial da Assistência Social, por meio do BPC.

Nesse sentido, as vivências de estágio, e os questionamentos ali surgidos, foram aprofundados na graduação, com leituras13 acerca do debate contemporâneo sobre a história da Política Social brasileira, proporcionadas pelas disciplinas,

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O aumento da expectativa de vida brasileira traz alguns rebatimentos para as políticas de previdência e Assistência Social. A demanda por benefícios que substitua a renda do trabalho só aumenta. No âmbito da previdência social, estão as aposentadorias para as pessoas que conseguiram pagar o seguro social. No âmbito da política de Assistência Social, contamos com o Benefício de Prestação Continuada, direcionados para pessoas idosas e pessoas com deficiência que não tiveram acesso a política previdenciária, e que atenda alguns critérios como, por exemplo, a per capita familiar de até ¼ do salário mínimo.

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Antunes (2011), refere-se à informalização da economia no Brasil, especialmente a partir dos anos 1990, momento em que houve amplo processo de reestruturação da produção, com desregulação dos contratos de trabalho formais, bem como aumento do desemprego estrutural, devido a inserção das tecnologias de alta performance na esfera produtiva.

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Política Social 1 e 2, ofertadas pela grade curricular do curso de Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O debate em si, despertava-me atenção, visto que, no cerne da sociedade capitalista, o terreno da política social tem se configurado como verdadeiro espaço de luta para garantir os direitos sociais (MIOTO e NOGUEIRA, 2013).

Ademais, chamava-me a atenção, a condição estrutural do trabalho, nos marcos do capitalismo contemporâneo, especialmente, em um contexto de aprofundamento de crise estrutural do capital e de intensas mudanças no mundo trabalho, ocasionadas pelo processo de reestruturação produtiva, afastando o trabalhador da situação formal de trabalho, constituindo-se grande desafio assegurar-lhe direitos derivados desta condição. De fato, a flexibilização dos contratos de trabalho, responsável pelo aumento da informalidade e de empregos temporários têm rebaixado a proteção dos trabalhadores, via política de seguridade social, inviabilizando o acesso aos direitos previdenciários, por exigir contrapartida financeira, obedecendo à lógica de seguro. Assim, uma parcela de ex-trabalhadores assalariados, ao permanecerem na condição de desempregados ou informais, ao invés de demandarem benefícios à política previdenciária, passam a demandar da política de Assistência Social, configurando aumento da demanda para a política de natureza não contributiva (MOTA, 2010).

Deste modo, a combinação das leituras realizadas com a vivência e os questionamentos levantados durante os estágios, ainda na graduação resultou no trabalho de conclusão de curso, de caráter bibliográfico e documental intitulado: A CENTRALIDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL VIA PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA14‖. Considerando os resultados obtidos, bem como as contribuições da banca examinadora, decidi seguir os estudos acerca do BPC no Rio Grande do Norte, participando da seleção do Mestrado Acadêmico em Serviço Social.

No tocante à importância da problemática candente levantada pelo estudo, do ponto de vista específico, ressalto a maturação intelectual, enquanto pesquisadora da área, proporcionada pela proposta de pesquisa, na medida em que constitui uma continuidade e um aprofundamento do objeto/tema abordado no trabalho

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Trabalho de conclusão de curso realizado sob a orientação da Professora Msª Juliana Maria do Nascimento, em 2013, configurando-se em pré-requisito para obtenção do título, bacharel em Serviço Social, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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monográfico na graduação em Serviço Social. Ademais, durante minha trajetória neste curso superior, o interesse pelos estudos na área de Política Social combinado às vivências de estágio - seja de natureza obrigatória ou não -, no âmbito da seguridade social, constituíram elementos motivadores para continuar em busca por entender a realidade social e, particularmente a problemática do direito e acesso a benefícios socioassistenciais, em aproximações sucessivas, identificando condicionantes e determinantes do processo de ampliação da demanda e de expansão dos benefícios.

A pesquisa se destaca por sua importância, tanto para o Serviço Social, bem como para as áreas das ciências sociais e humanas como um todo, visto que o debate acerca da Assistência Social e da expansão dos benefícios de transferência de renda tem sido arena de profícuo debate, constituído por convergências e divergências entre alguns grupos de pesquisa situados, principalmente, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), na Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Os grupos de pesquisa da PUC/SP, UnB e UFMA situam o debate da Assistência Social no eixo analítico da afirmação de direitos, tendo sido pioneiros na contribuição teórica e política da construção da política pública de Assistência Social, especialmente, ao longo dos governos do Partido dos Trabalhadores. Na concepção de Netto (2010, grifos do autor), os grupos de pesquisa da UERJ, UFRJ e, sobretudo, da UFPE, expressam uma renovação crítica, na seara de debate da Assistência Social, na medida em que o eixo de análise é centrado na relação existente entre a nova morfologia do trabalho, na contemporaneidade, e a política de Assistência Social. Todavia, em meio às divergências analíticas algo é consensual: há visível expansão dos programas de transferência de renda a partir dos anos 200015, eixo de análise no qual se situa a pesquisa ora apresentada.

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É consensual, entre os tais grupos de pesquisa, que houve a expansão dos programas de transferência de renda. Por meio da pesquisa bibliográfica foi encontrado o livro intitulado ―A POLÍTICA SOCIAL BRASILEIRA NO SÉCULO XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda‖ dos autores Maria Ozanira Silva e Silva, Maria Carmelita Yazbek e Geraldo di Giovanni (2008); como também o livro organizado pela Ana Elizabete Mota (2010) intitulado ―O MITO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: ensaios sobre Estado, Política e Sociedade‖ que conta com uma coletânea de artigos, entre eles de Marcelo Sitcovsky (2010), ―As particularidades da expansão da Assistência Social no Brasil‖.

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Além de todos esses debates que atravessam a Política de Assistência Social e o Serviço Social, observamos certa escassez de estudos sobre o BPC, ao realizarmos ampla busca em revistas, periódicos, livros e também nos bancos de teses e dissertações, disponibilizados online, dos principais programas de pós-graduações do Brasil16, que tivessem como tema central a problematização deste benefício, particularmente, no Estado do Rio Grande do Norte.

Debruçando-nos sobre o artigo recente de Behring e Boschetti (2016), intitulado ―Serviço Social e política social: 80 anos de uma relação visceral‖, identificamos a relevância da proposta de pesquisa em foco, no lócus do Serviço Social, expressa pelo vínculo ontológico existente entre a profissão e a política social, requisitado pelo movimento dialético na totalidade concreta do sistema capitalista. De fato, como ressalta Iamamoto (2012b), o Serviço Social se apresenta como referência, enquanto área de conhecimento da política social, consubstanciando as dimensões prático-formativas – teórico-metodológica ético-política e técnico-operativa – que perpassam a formação e o exercício profissional17

. Além disso, historicamente, as políticas sociais têm constituido arena, onde se processa o exercício de trabalho dos assistentes sociais, ao mesmo tempo em que têm se destacado como respostas às expressões da questão social18, viabilizando direitos para a classe trabalhadora (BEHRING e BOSCHETTI, 2016), refletindo na relevância social do estudo.

Do ponto de vista metodológico, faz-se necessário situar a problemática em sua totalidade histórica, apreendendo e explicitando os elementos característicos da conjuntura política, econômica e social vivenciada pelo nosso país, terreno em que se desenvolvem as relações sociais. Outro ponto merecedor de destaque é a

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Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Brasília (UNB), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Pontifícia Universidade Católica de Rio Grande do Sul (PUC/RS).

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A dimensão teórico-metodológica faz referência à capacidade de apreensão do método e das teorias e, por conseguinte, da relação que faz com a prática. A dimensão ético-política diz respeito ao desenvolvimento da capacidade de analisar a sociedade e a própria profissão como campo de forças contraditórias, considerando-se o caráter eminentemente político do exercício profissional assim como a consciência do profissional acerca da direção social que imprime em sua intervenção. E a dimensão técnico-operativa refere-se mais estritamente aos elementos técnicos e instrumentais para o desenvolvimento da intervenção (IAMAMOTO, 2012b).

18 ―A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão‖. (IAMAMOTO e CARVALHO, 2009, p. 77).

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importância da aproximação com o objeto estudado para que consigamos apreender o movimento da realidade, na tentativa de ultrapassar o aparente. Por isto, o método de análise adotado foi o crítico-dialético por avaliarmos ser esta a perspectiva que nos possibilita desvendar as múltiplas determinações históricas do objeto de estudo (NETTO, 2009).

Nesse sentido, empreendemos um processo de conhecimento empírico da realidade escolhida para a pesquisa, e, ao mesmo tempo, de aprofundamento teórico, realizando estudo bibliográfico e documental. Pesquisamos bancos de teses e dissertações, revistas, periódicos e livros. Ademais, apoiamo-nos em documentos e relatórios disponibilizados pelo Banco Mundial, Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), Fundação Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP), Agência Nacional de Saúde (ANS) e Dataprev. Elaboramos sínteses de dados estatísticos disponibilizados pelo IBGE, sobre população e dados do DATAPREV sobre beneficiários do BPC, destacando, o BPC Idoso e Deficiente, sua expansão no Brasil e no Rio Grande do Norte, para analisarmos como estes benefícios têm se configurado nestes três níveis de abrangência territorial. Assim, estabelecemos como prioridade a análise qualitativa dos dados quantitativos no processo investigativo, além de dados documentais e dados secundários de outras pesquisas, o que nos possibilitou apreender os condicionantes que levam à expansão do BPC, no contexto de crise estrutural do capital.

De fato, o BPC, enquanto direito constitucional destinado à pessoa com deficiência e à pessoa idosa, em situação que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família, é fruto das conquistas da classe trabalhadora. No entanto, as ameaças constantes aos direitos sociais, colocam trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, em situação de instabilidade e de ausência de proteção social, principalmente, quando diz respeito aos segmentos de idosos e das pessoas com deficiência severa, devido à incapacidade produtiva, própria da condição de vida destes sujeitos.

No atual governo, com Michel Temer à frente do poder executivo, os direitos sociais estão sob forte ameaça. De fato, medidas estão em tramitação (Projetos de Emendas Constitucionais, Leis Complementares), podendo comprometer a capacidade de financiamento do Estado. Outras ações do governo têm visado reduzir o quantitativo de pessoas elegíveis para acesso ao BPC, a exemplo do

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Decreto nº 8.805, de 7 de julho de 2016, alterando o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, contido no Decreto no 6.214, de 26 de setembro de 2007.

Neste cenário complexo de agravamento da questão social, a luta por direitos destaca-se como fundamental, na medida em que o desmonte da seguridade social está colocado na ordem do dia. As medidas relacionadas com o ajuste do Estado provocam impacto negativo e destrutivo inconteste nos direitos sociais assegurados pela Constituição de 1988, incluindo as políticas de seguridade social. Por certo, ao longo de quase 30 anos, os movimentos sociais se articularam para incidir sobre a implementação do que havia sido pactuado na Constituição, tendo tido derrotas, nos diversos ciclos de ajuste, que afetaram e restringiram direitos, dando vazão à perspectiva do mercado. A partir da chamada ―Era Lula‖, a Política de Assistência Social e alguns benefícios sociais ganham relevo. Todavia, proporcionalmente ao crescimento do PIB, os investimentos em políticas sociais, a exemplo da saúde e da educação têm crescimento abaixo das expectativas.

Mas, o que está posto na atual conjuntura é o desmonte mais completo dos direitos sociais, na configuração assumida nas duas últimas décadas. Especialmente, se considerarmos o que vem sendo proposto, debatido e mesmo implementado no tempo mais recente, sob a política governamental de caráter ortodoxa e ultraliberal, empreendida pelo Presidente Michel Temer, elegendo como esfera de desmonte os direitos históricos destinados à classe trabalhadora, encarnada no conjunto de projetos e propostas de novas leis e emendas constitucionais, a exemplo do Projeto de Lei complementar de nº 257 e a Proposta de Emenda Constitucional 241/2016.

O Projeto de Lei complementar de nº 25719, aprovado na câmara federal segue tramitando no Senado Federal, prevê a eliminação dos direitos dos servidores públicos (nas três esferas), como licença prêmio, quinquênios, sexta parte, progressões, promoções e vantagens de natureza transitória, a exemplo das gratificações. Somado a isso, é previsto congelamento dos salários dos servidores, suspensão da contratação de pessoal, bem como de criação de empregos, cargos, e funções, limitação do reajuste do salário mínimo à inflação, cerceamento das expectativas acerca de mudança na carreira dos servidores, dentre outras medidas

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No momento da revisão final deste trabalho dissertativo, ou seja, em julho de 2017, o Projeto de Lei Complementar 257 já foi aprovado pelo Senado Federal e transformado na Lei Complementar 156/206.

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(ANDES, 2016). A PEC 241/2016, também em tramitação20, concebe novo limite financeiro para o gasto público, estabelecendo como limite a despesa do ano anterior. Além disso, prevê o congelamento de 20 anos deste gasto, com a intenção de garantir o pagamento da dívida, implicado no sucateamento ainda maior dos serviços públicos, na medida em que teremos maior população e orçamento público estanque.

Além desta introdução (primeira sessão), este trabalho compreende mais três sessões e as considerações finais (quinta sessão). Na segunda sessão, procede-se a uma reflexão a respeito da construção de direitos no contexto de redemocratização e do ajuste do Estado na contemporaneidade brasileira. Neste sentido, delineamos a crise do capital e suas repercussões de ordem econômica, social e as particularidades brasileiras. Além disso, contextualizamos o Brasil contemporâneo e sua confluência contraditória de democratização e de ajuste do Estado à nova ordem do sistema do capital e suas implicações para a classe trabalhadora. Por fim, situamos e explicitamos o paradoxo do BPC em um contexto de ajuste do Estado e de desmonte da seguridade social.

O estudo da Assistência Social imbricada à luta por direitos é delineado a partir da terceira sessão. Para dar conta do objetivo desta sessão, elegemos como subitem a temática da luta pela Assistência Social na contramão do ajuste do Estado na década de 1990, bem como, discutimos a consolidação da política de Assistência Social nos governos petistas: a institucionalização do SUAS.

A quarta sessão é dedicada ao aprofundamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no contexto da Política Pública de Assistência Social. Analisa o BPC no contexto das políticas de transferência de renda; situa a instituição e implementação do Benefício de Prestação Continuada no contexto do Brasil contemporâneo, com ênfase na crítica aos critérios de elegibilidade; e, por fim elucida a condição do BPC nos ciclos de expansão dos Partidos dos Trabalhadores, fazendo algumas interlocuções com a realidade nacional e discutindo a particularidade do Rio Grande do Norte.

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Após revisão final, em julho de 2017, a Proposta de Emenda Constitucional 241, já se encontra transformada na Emenda Constitucional 95/2016.

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2 – CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA: a saga da construção de direitos no contexto de redemocratização e do ajuste do Estado

Em um contexto global de aprofundamento da crise do capital, especialmente, a partir dos anos 1970, com repercussões incontestes sobre a configuração do mundo trabalho e, em especial, sobre a configuração da Questão Social, o Brasil vivencia momento contraditório de reconstrução da democracia e de ampliação de direitos sociais interrompido por processos de ―ajustes‖ e/ou ―contrarreformas‖. Neste cenário, a política de Assistência Social nasce marcada pelo signo da focalização, expressa, de modo particular, nos programas de transferência de renda, especificamente, no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Assim, a seara na qual as políticas sociais se ampliam tem sido marcada por uma crise de ordem econômica, política e social, em escala global, que atinge de modo peculiar nossa sociedade, agravando dimensões da Questão Social, ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, se abrem perspectivas de respostas a demandas históricas das camadas pauperizadas de nossa sociedade.

Nesta direção, este capítulo objetiva apreender e elucidar a dinâmica da crise capitalista contemporânea que se processa de modo globalizado, considerando as vicissitudes do Brasil, com a sua inserção tardia e intensa no processo de mundialização, para aprender as repercussões da reestruturação produtiva e do ajuste neoliberal sobre as políticas constitutivas da seguridade social (saúde, previdência e Assistência Social), com destaque para os Benefícios de Transferência de Renda e, em particular, para o BPC, nas tramas do processo contraditório em que se dá a reconstrução do Estado democrático no Brasil, hoje, no contexto do governo Michel Temer, sob fortes ameaças.

2.1 A atual crise do capital: repercussões econômicas e sociais e suas particularidades no Brasil

As crises são constitutivas do Modo de Produção Capitalista (MPC). Estas fazem parte da natureza mesma do modo de produção e são cíclicas, visto que entre uma crise e outra, ocorrem ciclos econômicos, constituídos por fases – crise, depressão, retomada e auge. Nesse sentido, as crises irrompem, em termos gerais, quando a potencialização do processo de acumulação do capital repercute,

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contraditoriamente, na reprodução dos elementos que viabilizam e evidenciam a crise (BRAZ, 2012). Assim, a contradição estrutural do MPC – formada, de um lado, pelo crescimento da riqueza socialmente produzida e, do outro, pela apropriação privada – somada à natureza anárquica da produção, repercutem no ―[...] desdobramento das crises capitalistas que podem se expressar na tendência de queda da taxa média de lucro e/ou na combinação superprodução de mercadorias/subconsumo das massas trabalhadoras‖ (BRAZ, 2012, p. 470).

Decerto, na contemporaneidade, a dinâmica reprodutiva do capital tem-se apresentado em sua forma mais sedenta e voraz na procura da valorização do valor, combinado ao capital excedente (op cit). Por isso, nos termos de Mandel (1990), a crise atual ocorre devido à elevação do capital constante – que compreende investimento com máquinas e matérias primas – na composição orgânica do capital, refletindo na redução da mercadoria força de trabalho necessária à produção, graças, notadamente, aos avanços tecnológicos, resultando em decréscimo relativo da taxa de mais-valia apropriada pelo capitalista - valor não pago ao trabalhador pela sua força de trabalho, logo, responsável pelo lucro dos empresários. Isto combinado à subsunção do capital variável (mão de obra) ao capital constante deixa os trabalhadores em situação de vulnerabilidade e instabilidade, constituindo terreno favorável para o avanço de medidas de reestruturação, com vistas à reprodução do capital, precarizando o trabalho, expropriando direitos historicamente conquistados, pondo em marcha novos processos de espoliação.

A atual crise capitalista teve início na entrada dos anos de 1970 e, por isso assume formato de uma crise de ordem estrutural, indo além de uma crise clássica de superprodução, assumindo as seguintes peculiaridades: caráter universal, ao invés de restrito a um determinado setor econômico; alcance global, em lugar de estar centrada em algum lugar específico do mundo; escala de tempo permanente, em detrimento da característica cíclica e limitada, presente nas crises anteriores; e, por último, caráter rastejante contrastando-se com os colapsos mais dramáticos ocorridos no passado. Além disso, a crise se processa em intervalos cada vez mais curtos, entre expansão e recessão, apontando para uma tendência de depressed continuum (MÉSZÁROS, 2002, grifos do autor). Nessa direção, Antunes (2011), ao introduzir o livro de Mészáros, intitulado ―a crise estrutural do capital‖, apoiado na tese defendida pelo autor infere que

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[...] o sistema de capital não pode mais se desenvolver sem recorrer à taxa de utilização decrescente do valor de uso das mercadorias como mecanismo que lhe é intrínseco. Isso porque o capital não considera valor de uso (que remete à esfera das necessidades) e valor de troca (esfera de valorização do valor) de forma separada, mas, ao contrário, subordinando radicalmente o primeiro ao segundo. (ANTUNES, 2011, p. 12).

Então, temos um modo de produção orientado, não pelo interesse em responder às necessidades básicas humanas21 e, sim, para garantir, cada vez mais, a autorreprodução do capital. Neste sentido, não se limita apenas a precarizar as relações e condições de trabalho, mas a destruir, abruptamente, os recursos naturais, no intuito de aumentar a taxa de lucratividade, garantir a produção e acumulação (MÉSZÁROS, 2011). Assim, é notório o poder destrutivo do capital, evidenciando seu desdém em relação ao ambiente no qual vivemos e nos reproduzimos, pondo em risco as condições básicas que garantem o futuro da humanidade, a exemplo do acesso à água potável.

Aprofundando a discussão sobre a crise iniciada na década de 1970, é fundamental destacarmos suas principais manifestações. Uma delas corresponde ao declínio do padrão de produção fordista-taylorista, um dos pilares do sucesso, embora efêmero, dos ―gloriosos anos de ouro‖ do capitalismo (1943-1973), marcados, pela expansão das taxas de crescimento econômico, combinadas à política de (quase) pleno emprego e ampla proteção social22, responsável por consubstanciar o Estado Social23. Tal padrão produtivo pautava-se: na produção em

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A necessidade humana, na análise da estudiosa Potyara Pereira (2006), se refere ao que é fundamental à vida das pessoas, expressos tanto pela intenção em satisfazer às necessidades materiais de sobrevivência biológica como também o da autonomia do sujeito, ultrapassando a concepção que homens e mulheres além de seres da natureza, são seres sociais. Assim, a autora ao estudar política social e seus dilemas na contemporaneidade defende que os direitos sociais sejam orientados para atender às necessidades básicas humanas e não as necessidades mínimas, visto que o atendimento ao mínimo se coloca na iminência da desproteção social.

22 Segundo Boschetti (2016, p.26) ―[...] um sistema de proteção social não é somente a justaposição de programas e políticas sociais, e tampouco se restringe a uma política social, o que significa dizer que a existência de políticas sociais em si não constitui um sistema de proteção social. O que configura a existência de um sistema de proteção social é o conjunto organizado, coerente, sistemático, planejado de diversas políticas sociais, financiado pelo fundo público e que garante proteção social por meio de amplos direitos, bens e serviços sociais, nas áreas de emprego, saúde, previdência, habitação, Assistência Social, educação, transporte, entre outros bens e serviços públicos. Tem como premissa o reconhecimento legal de direitos e a garantia de condições necessárias ao exercício do dever estatal em garanti-los‖.

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A partir da década de 1970, analistas comprometidos com a acumulação de capital apontam os gastos estatais como elemento central para explicar a crise. Questionam os níveis salariais, o compromisso e a produtividade do trabalhador, além das formas de negociação empreendidas pelos sindicatos. As bases do Estado Social são postas em xeque. As novas formas de gestão do trabalho confrontam a política de ―pleno emprego‖, rebaixando os direitos sociais (BOSCHETTI, 2016).

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massa e em larga escala, por meio de uma linha de montagem e de produtos uniformizados; o tempo e os movimentos eram cronometrados; o trabalho era parcelar e as funções fragmentadas; havia divisão clara entre o processo de elaboração e execução; as unidades fabris concentravam todo o processo produtivo em amplas áreas. Neste contexto, constrói-se e consolida-se o operário-mas-as (ANTUNES, 2008, grifos do autor).

Em resposta à crise, o grande capital procura novas estratégias para garantir o aumento das taxas de lucro. Aposta, pois, na simbiótica relação constituída entre reestruturação produtiva e neoliberalismo. A reestruturação produtiva concebeu novo padrão produtivo, o toyotismo ou acumulação flexível, substituindo gradualmente ou mesclando-se ao padrão fordista-taylorista. O novo padrão trouxe consigo a prospecção do enxugamento dos custos produtivos. Por isso, baseia-se na inserção intensa da microeletrônica nos processos produtivos e no trabalhador polivalente, ocasionando desemprego estrutural; a produção é diversificada e determinada pela demanda, sustentando-se no estoque mínimo; há descentralização do trabalho em ilhas de produção, dispersando os trabalhadores em determinados espaços e ―convidando‖ o trabalhador a gerir seu processo de trabalho, gerando concorrência entre eles, fragmentando a luta sindical autônoma e independente (ANTUNES, 2008).

Para Antunes (2008), a crise iniciada no século XX atinge de forma letal não apenas a materialidade da classe trabalhadora, mas repercute na sua subjetividade afetando profundamente – sua forma de ser. Isto se deve aos efeitos do novo padrão de produção, com as decorrentes transformações oriundas das novas maneiras de inserção na estrutura produtiva e de gestão da força de trabalho, gerando significativas mudanças no mundo do trabalho e, consequentemente, na classe trabalhadora, com implicações sobre as formas de organização e de representação sindical e política.

Em nível mundial, a adoção da política neoliberal em substituição a política de orientação keynesiana constitui uma das principais respostas à crise, deflagrada na década de 1970. Segundo seus precursores, as raízes da crise dos anos dourados foram justificadas pela combatividade e o excesso de poder dos sindicatos e do movimento operário, responsáveis por corroer ―[...] as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais‖

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(ANDERSON, 1995, p. 1). Nesse sentido, contrariando a base e os preceitos que fundamentaram o Estado Social, existente durante os 30 anos gloriosos do capitalismo, o neoliberalismo se impõe com seu corolário de restrições e medidas liberalizantes. Seu formato é uma reedição do liberalismo clássico, tendo como preceito básico a redução do tamanho do Estado para o social e sua maximização para o mercado. Então,

[...] o neoliberalismo é em primeiro lugar uma doutrina das práticas político-econômicas que propõe que o bem estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuas no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos à propriedade privada, livres mercados e livre comércio. (HARVEY, 2008, p.12).

Para tanto, o Estado é chamado a manter uma estrutura institucional capaz de dar suporte a essas práticas e, especialmente, garantir a integridade do dinheiro. Deve ainda estabelecer e/ou preservar as funções militares, de defesa, da política e legais, indispensáveis para assegurar os direitos de propriedade e, se necessário, prover, pela força, o funcionamento adequado dos mercados (HARVEY, 2008).

Assim, doravante, a previsão é de um Estado forte para atender às necessidades do capital, capaz de romper com o poder sindical e diminuir os gastos sociais, para, soi-disant, garantir a estabilidade monetária. Além disso, em um cenário de crescimento do desemprego e de ampliação do exército industrial de reserva, dada a crescente substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, com a produção mediada por máquinas de alta performance, o valor da força de trabalho é calculado nos menores níveis possíveis, rebaixando o poder dos sindicatos. A ideia de Estado mínimo e de um mercado, com amplas liberdades, regulando a vida social é disseminada pelos discursos dominantes. Amartya Sen24 chega a defender a teoria da liberdade das capacidades individuais. Castelo Branco (2012), contrapondo-se à Sen, adverte para o fato destas medidas serem tomadas como pretexto para

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Amartya Sen, estudioso indiano, vencedor do prêmio Nobel da economia, tem ganhado espaço nas agências multilaterais devido a formulação de teorias políticas e econômicas que têm orientado o mundo. Em muitos dos relatórios das agências nacionais, o Sen tem aparecido como um crítico ferrenho da política neoliberal, o que não é verdade. Em seus estudos, há o reconhecimento ―[...] que, apesar do crescimento econômico atual não ter evoluído naturalmente para uma melhoria na qualidade de vida das pessoas, só a economia de livre mercado tem a possibilidade de oferecer as oportunidades sociais para permitir a construção do que ele chama de desenvolvimento como liberdade (MARANHÃO, 2012, p. 90).

Referências

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