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A Política de Assistência Social nos governos petistas: institucionalização do SUAS e consolidação da política

Em meados da década de 1980, no contexto de redemocratização do Brasil, inicia-se a construção da política de Assistência Social como Política Pública, encarnando novos valores, sentidos e significados, distanciando-a dos mecanismos de clientelismo e dominação, ao transitar para a seara dos direitos sociais. Para Carvalho e Silveira (2011), este movimento, construído na sociedade civil, assume marcas de ousadia e resistência ao conquistar espaços no âmbito do Estado e, tornar a Assistência Social direito, em face das negações e desmontes, empreendidos pelo ajuste do Estado ao capital mundializado, iniciado na década de 1990. Como vimos anteriormente, a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993, foi possível apenas à custa de muitos enfrentamentos realizados pelo Movimento Social em luta pela Assistência Social pública. (op cit).

Os percursos da saga na construção da Política de Assistência Social não cessam com a instituição da LOAS. No século XXI, com Luís Inácio Lula da Silva

(Lula), do Partido dos Trabalhadores, eleito à Presidência da República, inaugura-se momento importante para a consolidação da Política de Assistência Social. A partir de 2004, ocorre processo ousado de reordenamento da Política de Assistência Social, proveniente da luta direta e organizada da categoria de Assistentes Sociais, mobilizada em fóruns, conselhos, colegiados, grupos de estudos e em partidos políticos, pressionando o governo recém-eleito a convocar a IV Conferência Nacional de Assistência Social. Neste espaço, finalmente, onde foi deliberada, democraticamente, a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Nos termos de Colin e Silveira (2007), o Decreto 5.085, aprovado em 19 de maio de 2004, constitui ação pioneira para regular o SUAS, ao estabelecer caráter continuado das ações financiadas pelo Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), assegurando atendimento sistemático aos usuários. Ainda neste ano, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004), como requisito essencial para dar efetividade à Assistência Social como política pública, também foi aprovada.

Desse modo, a PNAS/2004 fundamenta e delineia o caminho para a implantação do SUAS. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), por sua vez, configurando um padrão de gestão para todo território nacional, articulando ações das três esferas de governo, para construir e implementar a Política de Assistência Social. Assim, o SUAS tem como objetivo regular e organizar os serviços socioassistenciais em todo território nacional, consubstanciando inovações no nível da gestão, do financiamento e dos procedimentos técnicos e tecnológicos.

Entre 2004 e 2005, no espaço contraditório do Estado, especificamente, no Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a Política de Assistência Social enquanto Política Pública de Estado, no seu processo histórico vai se tornando realidade. A V Conferência de Assistência Social, realizada em 2005, empreendeu esforço para delimitar as especificidades da Assistência Social no âmbito da Proteção Social brasileira, com a perspectiva de demarcar, no plano conceitual, o campo de intervenção socioassistencial (CARVALHO e SILVEIRA, 2011).

Este campo compreende dez dimensões, expressas da seguinte forma: I) Todos os direitos de proteção social de Assistência Social consagrados em Lei para todos; II) direito de equidade rural-urbana na proteção social não-contributiva; III) direito de equidade social e de manifestação pública; IV) direito à igualdade do cidadão e cidadã de acesso à rede socioassistencial; V) direito do usuário à

acessibilidade, qualidade e continuidade; VI) direito em ter garantia a convivência familiar, comunitária e social; VII) direito à proteção social por meio da intersetorialidade das políticas públicas; VIII) direito à renda; IX) direito ao co- financiamento da proteção social não contributiva; X) direito ao controle social e defesa dos direitos sócio assistenciais (BRASIL, 2005)

A Conferência, portanto, resulta na criação coletiva destas dimensões58 que consubstancia a Política de Assistência Social no plano da proteção social brasileira (CARVALHO e SILVEIRA, 2011). Decerto, a instituição do Sistema Único da Assistência Social (Lei 12.435/2011), que altera a Lei orgânica da Assistência Social (Lei 8742/1993), incorpora, no plano jurídico, princípios e diretrizes, construídas de forma democrática, ao longo da primeira década dos anos 2000, reordenando a Política de Assistência Social (CARVALHO e SILVEIRA, 2011). Para as autoras, nos anos 2000, esta política avança, consideravelmente, em sua consolidação como Política Pública, ao

[...] circunscrever os direitos socioassistenciais, afirmando direitos a seguranças e a proteções para a ―coletividade de despojados‖, gestada nesta civilização do capital; é a construção da política de Assistência Social como política de Proteção Social, fundada na territorialização, na matricialidade familiar, na intersetorialidade, nos marcos da Proteção Social Básica e Proteção Social Especial; A partir daí, foram implantados, nos considerados ―territórios de vulnerabilidade e risco‖, os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS – nos municípios brasileiros. Tais centros tinham por objetivo estabelecer as ―raízes da rede de proteção social, em meio às tensões do patrimonialismo e do assistencialismo‖, nos termos de Carvalho e Silveira (2011). As autoras se referem ainda, nos marcos da institucionalização do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), à elaboração da NOB-RH/SUAS, como marcos da afirmação, nos Estados e Municípios brasileiros, da exigência da valorização dos trabalhadores do SUAS, mediante o reconhecimento de direitos, no contexto da precarização do trabalho e do desmonte de conquistas trabalhistas (CARVALHO°e°SILVEIRA,°2011,°p.°147).

58 O documento intitulado ―Fotografia da Assistência Social no Brasil na perspectiva do SUAS‖, resultado da V Conferência de Assistência Social elenca e explica cada um destes direitos socioassistenciais.

Além disso, em meio às discussões travadas pelo Conselho Nacional de Assistência, deflagra-se, em 2010, a luta democrática pela instituição da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, que contribuiu para o reconhecimento de funções e habilidades, definindo as diversas categorias profissionais que compõem o SUAS (op cit) e delineando suas respectivas responsabilidades e competências.

A primeira referência do SUAS é a proteção social a seus usuários, expressa na acolhida, segurança de renda e de sobrevivência a riscos circunstanciais (público atingido por ―calamidade pública‖), convivência e autonomia. Para melhor readequação político-organizativa da Política de Assistência Social, com vistas ao melhor atendimento das famílias e indivíduos, a proteção está hierarquizada em Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE), em virtude dos distintos níveis de riscos e vulnerabilidades que cercam as famílias.

A concretização da Política de Assistência Social enquanto política e dever do Estado, a relação dessa política com as demais políticas de seguridade social e a ampliação da proteção social constituem dimensões fundamentais do debate que perpassa a implantação do SUAS, cuja compreensão evidencia-se fundamental para apreender os impactos da ofensiva neoliberal nas políticas sociais.

Na contracorrente do avanço da perspectiva neoliberal e do ajuste, a aprovação da PNAS/2004 e do SUAS no governo Lula, constituíram-se em valiosos avanços para a Política de Assistência Social, assim como para a implantação do SUAS em todo território nacional. Ademais, a instituição do Estatuto do Idoso e a redução da idade para acesso ao BPC de 67 para 65 anos, a implantação do Cadastro Único e a unificação dos programas sociais no Programa Bolsa Família, endossaram os avanços neste campo.

Neste complexo e contraditório cenário de implementação de desenvolvimento do SUAS, unidades específicas foram concebidas para que, nos territórios onde atuam as redes de política de Assistência Social, de modo especial, nos territórios da Assistência Social de cada município, atuem equipes responsáveis para articular em seus territórios as redes sociaoassistenciais, em benefício de proteção integral às famílias em maior vulnerabilidade. Obedecendo isto, a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, em consonância com os objetivos do SUAS, elege como público alvo dos Centro de Referência de Assistência Social, os usuários do Benefício de Prestação Continuada

[...] Famílias beneficiárias de programas de transferência de renda e benefícios assistenciais; - Famílias que atendem os critérios de elegibilidade a tais programas ou benefícios, mas que ainda não foram contempladas; - Famílias em situação de vulnerabilidade em decorrência de dificuldades vivenciadas por algum de seus membros; - Pessoas com deficiência e/ou pessoas idosas que vivenciam situações de vulnerabilidade e risco social (BRASIL, 2009, p.13).

Além disso, as equipes que compõem o SUAS, compete ainda atuar na construção da intersetorialidade desta política com as políticas de Saúde, Previdência, Educação, nos territórios, por exemplo.

Para Stopa (2012), a implantação do SUAS garante a sequência no processo de descentralização das políticas públicas no Brasil, no sentindo mais amplo de uma descentralização política com proeminência da participação popular. Contudo, para o SUAS seguir são necessárias algumas garantias, como o financiamento nas três esferas de governo, a utilização de mecanismos democráticos de gestão e o aprimoramento e a qualificação permanente dos/as trabalhadores/as. Assim, a aprovação da Lei 12.435 em 06 de julho de 2011, que altera a LOAS, o SUAS é garantido enquanto sistema descentralizado e participativo59.

Todavia, os determinantes de ordem política e econômica no Brasil não contribuem com as possibilidades de ampliação do sistema de seguridade social e, portanto, da Assistência Social. A aprovação da Emenda Constitucional de nº 95, ao final do ano de 2016, que congela pelo período de vinte anos o investimento das políticas de Previdência Social, Saúde e Assistência Social, potencializa o processo não só de restrição das políticas sociais públicas, mas o desmoramento do que a classe trabalhadora conquistou ao longo da história, a exemplo do Benefício de Prestação Continuada.

59

Art. 6º: A gestão das ações na área de assistência social fica organizada sob a forma de sistema descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de Assistência Social (Suas), com os seguintes objetivos: I - consolidar a gestão compartilhada, o cofinanciamento e a cooperação técnica entre os entes federativos que, de modo articulado, operam a proteção social não contributiva; II - integrar a rede pública e privada de serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social, na forma do art. 6º-C; III - estabelecer as responsabilidades dos entes federativos na organização, regulação, manutenção e expansão das ações de assistência social; IV - definir os níveis de gestão, respeitadas as diversidades regionais e municipais V - implementar a gestão do trabalho e a educação permanente na assistência social; VI - estabelecer a gestão integrada de serviços e benefícios; e VII - afiançar a vigilância socioassistencial e a garantia de direitos (BRASIL, 2011, p.03).

4 – O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA NO CONTEXTO DA POLÍTICA