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“Amour” e outras histórias, segundo a visão masculina

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Academic year: 2021

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“Amour” e outras histórias, segundo a visão masculina

“E enquanto não tiveres passado por Isto: morrer e assim nascer,

És apenas hóspede perturbado na terra sombria”. Goethe, citado por Hollis, J. (2002: 75)

Por Luciana Helena Mussi

obre o amor, dizia Fernando Pessoa: “Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?”. Pelas palavras de Antoine de Saint-Exupéry: “O verdadeiro amor nunca se desgasta. Quanto mais se dá mais se tem”.

Ou, seguindo o pensamento de Vitor Hugo: “A medida do amor é amar sem medida”.

Homens célebres que falam do amor e dão depoimentos particulares sobre esse estranho sentimento que toma, acolhe e, ao mesmo tempo, fere e imobiliza aquele que quer manter o objeto amado do mesmo jeito que sempre foi, ou seja, eternizá-lo na linha do tempo. E por mais piegas que possa parecer, não há como negar: o amor continua sendo ingrediente devastador das nossas mais profundas inquietações sejam elas da carne ou do espírito. As questões abordadas neste trabalho são o “Amour” e outras histórias, vistas pela perspectiva masculina. São histórias com começo e meio, desprovidas de fim.

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“Amor”, o filme, e seus protagonistas Haneke e George

Bem, essa é a hora e a vez dos homens que sofrem pelos seus próprios males e dores da perda do objeto amado. Do macho que limpa, cozinha, cuida, ama e conta histórias. Sim, esse é o “Amour” apresentado pelo cineasta austríaco Michael Haneke, 70 anos (Oscar de melhor filme estrangeiro de 2012 e prêmio máximo da 65ª edição do Festival de Cinema de Cannes).

Em meio a tantas discussões sobre o envelhecimento da população mundial, Haneke surge com essa pérola negra, uma forma talvez nada delicada ou suave de contar a história de um homem e uma mulher que se amam.

Georges (Jean-Louis Trintignant, 81) e Anne (Emmanuelle Riva, 85) são um casal ativo, como tantos outros. Vivem a rotina em um apartamento em Paris. É a normalidade de duas pessoas comuns, entretidas com as pequenas tarefas: compras, manutenção da casa, atenção e paciência com as manias recíprocas. Até que...

Certo dia, ela sofre um derrame, e o amor dos dois é testado com a deterioração da saúde de Anne. Isabelle Huppert, em seu terceiro longa com o diretor, faz a filha do casal, Eva, que ora aparece dando sugestões de filha envolvida e preocupada, ora desaparece, angustiada pelo insuportável.

Como assinala Neusa Barbosa em sua reportagem: “A doença de Anne quebra este equilíbrio a dois. E se não há muitas surpresas na evolução de uma progressiva descida ao inferno, temperada por um profundo amor, o desenrolar das opções à frente deles é conduzido com grande respeito a tudo o que eles sempre foram. Nunca se instala, também, uma visão piedosa da velhice. Eles poderiam ter outra idade e ter pela frente outros desafios”.

Por terem vivido e partilhado uma vida de amor e cumplicidade, Georges e Anne lutam para manter a dignidade, para tentar levar adiante, ao menos dentro da própria casa, a vida comum que criaram ao longo dos anos.

Dizem os críticos de “Amour”: “Um filme sobre dedicação e o enorme poder de um amor que dura toda uma vida. Ao mesmo tempo, o diretor apresenta a velhice, a doença e a decadência física de forma crua, sem estilização”.

O enfrentamento da finitude é difícil, mesmo para aqueles que a estudam em profundidade. Confesso que quando vi o ator Jean-Louis Trintignant, o galã do

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filme “Un homme et une femme” (1966, direção de Claude Lelouch), fiquei um tanto assustada, golpeada duramente pelos efeitos do tempo.

Pensei: é a constatação de que até os galãs da nossa juventude envelhecem, contrariando a imagem que guardamos deles, sempre jovens, viris e sedutores. E se o tempo passa para os “incrivelmente belos”, o que dirá para nós...

Sobre o filme, Jean-Louis Trintignant confessa: “Haneke me ofereceu esse papel, ele é um dos grandes diretores do mundo, então foi uma exceção. Mas não vai acontecer de novo. Foi muito doloroso, mas bonito também. Prefiro o teatro porque nunca me vejo. Foi a primeira vez que fiquei confortável de me ver na tela”.

O que deve ter sido tão doloroso para o experiente ator? Vestir um personagem velho, frágil emocionalmente, e ainda tomado pelo medo da perda de sua companheira? Defrontar-se com o inevitável, não de si, mas do outro, da perda do ser amado?

Como será, pela lente masculina, ver-se numa situação “quase inimaginável”, pois quem cuida, limpa e ama é, na arrasadora maioria das vezes, a mulher? Lidar com as mazelas, dores, fragilidades e pior, ausência do outro, parece ser algo não reservado aos homens, normalmente poupados da crueza do tempo.

“Em seu trabalho, o cineasta alemão coloca à prova o amor de um casal octogenário, ao substituir os desafios românticos dos filmes pela crueza da vida real, quando a deterioração da saúde da esposa força o idoso marido a passar

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por situações cada vez mais difíceis, como ter de alimentá-la, dar-lhe banho e trocar sua fralda”, diz Leonardo Vinícius Jorge.

A atriz Isabelle Huppert, talvez um pouco mais fria ou um pouco mais jovem, respondeu, quando indagada se era difícil fazer os personagens sofridos do diretor: “Os atores não sofrem, são os espectadores que sofrem”.

Eu diria: “Cara Isabelle, sofremos todos, e creio que a maturidade nos deixa um ‘tantinho’ mais sensíveis, mais apaixonados e também mais desolados porque sabemos que, um dia, o ‘The End’ de todos nós chegará”.

As origens de “Amour”

Um homem contando a história de dor de outro homem, esse é Haneke que lembra que seu filme nasceu de preocupações pessoais, não com a necessidade de falar sobre a velhice na sociedade moderna. A trama é inspirada em seus pais, que foram artistas de teatro e cinema, passaram pela mesma dolorosa situação narrada no filme. “Quando chegamos a certa idade, somos confrontados com o sofrimento de quem amamos. Isso é inevitável, e na minha vida também. Não escrevo filmes para mostrar algo, não quis falar sobre a sociedade em si”.

O cineasta acrescentou que “Amour” é uma “ilustração” da promessa que fez com a esposa, caso um deles enfrente uma situação semelhante: “Dedico este prêmio à minha esposa, que me atura há 30 anos”.

Eu prefiro dizer que “Amour” é um pequeno recorte da imensidão do que significa amar na visão masculina, da sensação de ter o “outro” – no caso, a mulher que outrora emanava força e hoje fragilidade – como parte, quase uma extensão, sem medida, sem contornos e sem limite de si mesmo. Uma história sem fim.

Sobre “Amour”, a palavra de Contardo Calligaris, psicanalista, doutor em Psicologia Clínica e escritor

Adolescente, eu já achava bizarra a certeza com a qual alguns amigos se expressavam: “Se eu ficar assim, eu me mato na hora. E, por favor, se eu não me matar, seja generoso comigo, mate-me você”.

Eu não concordava com a certeza suicida de meus amigos; imaginava que, antes de decidir me matar, seria bom experimentar minha nova condição durante um tempo. Afinal, em geral, as imperfeições nunca impediram os humanos de viver - ao contrário.

Anos atrás, conheci alguém realmente preocupado (muito mais do que eu) com essa eventualidade. Ele envelheceu desesperado, oscilando entre o medo de se matar cedo demais, quando ainda poderia viver um tempo que valesse a pena, e o perigo de esperar além da conta e decidir sair de cena quando ele não tivesse mais condição de se matar ou de pedir a alguém que o matasse.

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O mesmo alguém se consolava pensando assim: no caso extremo em que eu não pudesse mais pedir, quem me ama (ou melhor, quem amava aquela pessoa que eu era antes) saberá decidir que eu, embora impedido de me manifestar por minha invalidez, não estou querendo mais viver. Nessa situação, para quem me ama (ou amava, que seja), me ajudar a morrer seria um gesto de amor.

Barbara Gancia escreveu, com razão, que “o fardo de cuidar dos idosos tornou-se um dos maiores dramas da atualidade”. Os avanços da medicina fazem que, hoje, sejam cada vez mais numerosos os que cuidam de próximos que sobrevivem transformados pela idade, pela invalidez ou pela demência. E sobrevivem, muitas vezes, tanto irreconhecíveis quanto incapazes de reconhecer os que cuidam deles.

Como o ser amado ousa abandonar-me?

Em “A dor de amar”, o psicanalista e psiquiatra J.D.Nasio diz: “O que dói não é perder o ser amando, mas continuar a amá-lo mais do que nunca, mesmo sabendo-o irremediavelmente perdido” (2007: 41). Como ousas, então, abandonar-me?

Calligaris continua: “Acontece que alguém se suicide depois de ter matado um amado inválido e demente, de quem não consegue mais cuidar. É mais que uma maneira de evitar a culpa: renunciando a viver sem você, confirmo que foi por amor que matei você - ou melhor, que matei o desconhecido que tinha tomado seu lugar”.

Pois é, foi mesmo por amor que matei você? Ou por vingança, por você ter me deixado sozinho? Seja como for, fica confirmado, embora num sentido inabitual, que o amor resiste dificilmente ao tempo.

“Amour” por Jack Potter

Direto do jornal “Daily Mail” para o website Ibahia: A história de amor de um casal de idosos parece coisa de cinema. Todos os dias, Jack Potter, de 91 anos, visita sua esposa Phyllis, de 93 anos, que sofre de demência e perda de memória, no lar de idosos na cidade de Rochester, na Inglaterra.

Ele lê um diário que manteve ao longo dos mais de 70 anos em que estiveram casados para manter a memória dela viva.

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O idoso mostra para a sua mulher fotos e relembra boas memórias dos tempos de namoro e dos feriados. Segundo a publicação, Potter conheceu Phyllis em um baile e se apaixonou desde o primeiro instante.

Então, ele escreveu em seu diário, no dia 4 de outubro de 1941, que foi “uma noite muito agradável. Dancei com uma garota muito simpática. Espero encontrá-la novamente”. Depois de 16 meses, eles se casaram, e Potter continuou a escrever sobre a vida juntos.

“Eu me lembro como se fosse ontem a primeira vez que a conheci - ela veio até mim e me convidou para dançar”, conta Potter, de acordo com o site do “Daily Mail”. “Ela era uma excelente parceira de dança, e era uma mulher mais velha. Eu a achei maravilhosa e ainda acho”.

“Foi amor à primeira vista”, relatou Potter. Em fevereiro, eles comemoraram o 70º aniversário de casamento no lar de idosos, segundo a publicação.

“Amour”, por Lauren Fleishman, sim, por que não: uma mulher

O casamento duradouro e suficientemente bom para as partes envolvidas, se é que isso ainda existe, parece ser um raro fenômeno em constante discussão nos dias atuais. Como diz Rodrigo Olller em sua reportagem: “São raros os casais que conseguem passar uma vida juntos, compartilhando fases boas e más, defeitos e virtudes”.

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Pensando nisso, a fotógrafa nova-iorquina Lauren Fleishman, a partir do “Projeto Love Ever After”, decidiu contar as histórias de casais que estão juntos há pelo menos 50 anos, nas fotos registradas abaixo:

Recortes dos anos, momentos de carinho: um beijo dado, roubado, partilhado. Olhos fechados e um abraço de afeto, calor e perfume.

A música que embala na dança “cheek to cheek” que faz o corpo tremer, gemer e... sem sentir dor. O encontro na praia, os segredos sussurrados no ouvido. Sim, apenas um homem e uma mulher, em qualquer fase da vida.

“Amour”, ou amor, seja pelo homem ou pela mulher, será sempre um encontro muito especial, algo próximo do que diz o poeta persa – Rumi – em busca do “Outro mágico”, citado por Hollis (2002: 54):

“No momento mesmo

Em que ouvi a primeira história de amor, Comecei a procurar-te...

...não sabendo como isso era cego.

Não há lugar onde os amantes possam se encontrar. Um está no outro o tempo todo”.

Referências

BARBOSA, N. Estreia - No premiado ‘Amor’, Haneke contempla a dignidade na

velhice. Disponível em

http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,estreia-no-premiado-amor-haneke-contempla-a-dignidade-na-velhice,985471,0.htm. Acesso em 23/01/2013.

CALLIGARIS, G. Amor Letal. Disponível em

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/1222907-amor-letal.shtml. Acesso em 01/01/2013.

HOLLIS, J. O Projeto Éden. São Paulo: Paulus, 2002.

IBAHIA. Idoso lê diário para esposa que sofre de demência relembrar

momentos juntos. Disponível em http://www.ibahia.com/detalhe/noticia/idoso-le-

diario-para-esposa-que-sofre-de-demencia-relembrar-momentos-juntos/?cHash=05912927ee504b20caa6ba251b9b96ed. Acesso em 31/03/2013.

IMAGENS. Fotógrafa conta história de casais que estão juntos há mais de 50

anos. Disponível em

http://www.rodrigooller.com/autocontrole/fotografa-conta-historia-de-casais-que-estao-juntos-ha-mais-de-50-anos/. Acesso em 14/04/2013.

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JORGE, L.V. Michael Haneke encara a velhice. Disponível em

http://pipocamoderna.com.br/michael-haneke-encara-a-velhice-2/227004. Acesso em 23/01/2013.

NASIO, J.D. A dor de amar. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

Data de recebimento: 16/05/2013; Data de aceite:16/05/2013.

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Luciana Helena Mussi - Engenheira, psicóloga e mestre em Gerontologia pela PUC/SP. Doutoranda em Psicologia Social PUC/SP. Membro associada do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (OLHE) ativa na

Referências

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