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Artefactos culturais na aprendizagem escolar da Matemática

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Academic year: 2021

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Artefactos culturais na aprendizagem

escolar da Matemátic

Madalena Pinto dos Santos Escola Básic 2 de Caxias

Neste artigo pretendo dar conta de algumas das ideias sobre as quais me debrucei na investigaçà desenvolvida durante a minha tese de Mestrado a qual se centrava sobre aspectos que realça a natureza cultural da aprendizagem escolar da Matemá tica. No entanto, aqui, irei dedicar-me a uma questã particular - como se processa, nos alunos, a apropriaçà dos artefactos matemático escolares?

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enquadrando- a numa dada perspectiva da aprendizagem (aprendizagem situada) e procurando relacioná-l com uma determinada postura sobre a natureza da Matemátic (um saber que reside numacomunidade). Nestainvestigaçãoassum metodologicamente, uma abordagem qualitativa com algumas preocupaç6e próxima dos estudos etnográficos Em suma, adoptei claramente um ponto de vista cultural para olhar a aprendizagem escolar da Matemática

De inÃ-cio apresento a base conceptual que enquadrou o referido trabalho dando particular atençà aos aspectos relacionados com a questã deste artigo. Em seguida, descrevo de forma muito sucinta, os pontos fundamentais da opçà metodológic assumida. Num terceiro momento, dou conta de alguns resultados obtidos a partir da anáiis de dados com especial relevo para o que diz respeito apropriaçà dos artefactos culturais. Finalmente, saliento as conclusõe que me parecem mais pertinentes relativamente ao processo de apropriaçã p l o s alunos, desses mesmos artefactos.

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Op@o conceptual

No trabalho que serviu de base a este artigo, procurava compreender como à que o saber matemátic dos alunos se estrutura e desenvolve na relaçà com as actividades vividas no contexto da aula de Matemática Para a compreensã desse fenómen considerei fundamentais trê conceitos - Cultura, Aprendizagem e Matemática Nesta primeira parte procuro dar conta da forma como os encarei e de como eles tê estado presentes em alguns estudos sobre a aprendizagem escolar da Matemática

Falando de cultura

A cultura6 um produto davida e da actividade social do homem (Vygotsky, 1930/91, p. 40).

O conceito de cultura e o reconhecimento da natureza cultural das actividades humanas tem vindo a estar cada vez mais presente na discussã de temas educaci- onais, em especial com a anális e integraçà dos trabalhos de Vygotsky e seus seguidores. Embora seja, por eleiçã o corpo de estudo da antropologia, nã parece, no entanto, muito fáci apresentar uma definiçà satisfatóri de cultura. Aliás R. D'Andrade (1984) alerta-nos para o facto de que "tecnicamente, as 'definigks' antropológica de cultura nã são de facto, definiçõe (p. 115). Mais ?frente, i clarifica esta sua afirmaçà dizendo que as tentativas de definir cultura tê sido mais no sentido de "descrever o que se passa a' - isto é formular proposiçõ substan- tivas acerca de um aspecto do mundo humano" (p. 115). Nã pretendendo apresentar uma definiçà de cultura parece, no entanto, importante reflectir sobre alguns aspectos deste conceito que me parecem relevantes para pensar sobre a aprendiza- gem escolar da Matemática

Por exemplo, M. Rosaldo (aluna do antropólog C. Geertz) apresenta a cultura como:

uma questã nã tanto de artefactos e proposiç'es regras, programas esquem6ticos ou crenças mas antes de cadeias associativas e imagens que podem ser razoavelmente interligadas.( ...) A sua verdade reside nã em formulaçõ explÃ-cita dos rituais da vida di&ria,mas nas prática diária de pessoas que ao actuar $m como garantido um conceito de quem sã e de como comureendem os movimentos dos seus oarceiros (M. Rosaldo. citada por Bruner e outros, 1987, p. 90).

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Nesta afirmaçà a autora realç dois aspectos importantes da noçà de cultura - (i) a valorizaçà das representaçõ (as imagens) e da forma como à utilizado (as cadeias associativas), e (ii) a chamada de atençà para a ideia de que a cultura nã està no explÃ-cit mas sim no implÃ-cit dos rituais e prática diárias Assumindo como fundamental a prátic diári em que as pessoas se envolvem e relacionando-a com a evoluçà de um determinado conceito de si Rosaldo vai de encontro 2i posiçã defendida por diversos autores, de que "cultura e mente fazem-se uma 5 outra" (Shweder e outros, 1993, p. 511).

Embora exista uma tendênci para se olhar a cultura como algo uniforme, alguns autores procuram salientar o carácte distribuÃ-d da cultura. Assim, Cole e outros (1993) realça que,

a cultura à necessariamente um fen6meno distribuÃ-do pois crescendo e sendo adquirida nas intera-s di&ias entre as pessoas, toma impossÃ-ve que duas pessoas partilhem toda a cultura do grupo a que pertencem (p. 15).

Os antropólogo que contrariam, igualmente, a uniformidade da cultura, estã a pô em causa a ideia de que a "cultura reproduz cultura, atravé da socializaçã (Lave, 1988, p. 14). A socializaçà (do ponto de vista da antropologia) està a deixar de ser encarada como o mecanismo central para a reproduçà do sistema social, sendo cada vez mais aceite a ideia de que os rituais sã factores formativos mais fortes para manter a ordem social ou ainda, como sugere Ortner (1984, citada por Lave, 1988), as rotinas da vida diária

Num campo diferente do antropológic - o da psicologia que se apoia no esquema conceptual de Vygotsky - a cultura surge como um mediador, um filtro, atravé do qual se percebe o mundo como significativoe coerente, mas que ao mesmo tempo constrange o nosso entendimento e a nossa actuaçã Para este autor, o carácte mediador da utilizaçà das ferramentas (fÃ-sica mas també psicológicas como a linguagem) à algo fundamental na evoluçà humana permitindo distinguir as funçõ naturais (nã mediadas) das culturais (mediadas). E pelas interacçõ entre sujeito e objecto, mediadas por meios auxiliares (por exemplo, a linguagem), que O percurso natural do homem (enquanto animal) vai evoluindo filogenicamente

para um percurso cultural de seres humanos em virtude da sua capacidade de criar, transmitir e adquirir cultura. A mediaçà cultural permite, assim, usufruir nã sà da nossa experiênci mas també da dos nossos antepassados, ou no dizer de Cole e outros. (1993) "( ...). a cultura é neste sentido, históri no presente." (p. 9). Os psicólogo soviético (que desenvolvem trabalho com base nas ideias vy gotskianas), ao discutir a cultura, dã portanto um relevo especial ao papel mediador dos

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artefactos (ideais e materiais). O seu funcionamento, para a organizaçà do compor- lamento, à encarado simultaneamente como ferramenta e como constrangimento. Cole (1992) recorre a ideias de Luria, Vygotsky e Geertz para explicitar o que considera ser a funçà básic dos artefactos - "coordenar os seres humanos com o mundo fÃ-sic e uns com os outros" (p. 9) - reconhecendo que num plano ideal, os artefactos contê (numa forma codificada) o passado que lhes deu forma, ao mesmo tempo que medeiam o presente. Conclui assim, que "as criança aprendendo a dominar aspectos do mundo, estã a aprender a dominar-se a si próprias (p. 11).

Assumo assim uma ideia de cultura como "conjunto de artefactos e compreens'es partilhadas, que à transmitida no implÃ-cit das rotinaslrituais diários que permite a comunicaçà entre as pessoas, ao mesmo tempo que medeia a sua interacçã (Santos, 1996).

Cogniçà e cultura. Parece, portanto, sobressair a ideia de que existe uma relaçà muito forte entre cogniçà e cultura sobre a qual vale a pena reflectir. A integraçà de aspectos contextuais e culturais na anális de questõe cognitivas levou, por exemplo, Butterworth (1992) a dizer que se està num momento de mudanç de uma forma "fria" para uma forma "quente" de pensar a cogniçã

A tendênci actual 6 de se ver a cogniçà como sendo tipicamente situada num contexto social e fÃ-sico e raramente descontextualizada (p. 1).

Na perspectiva das teorias cognitivistas a atençà à orientada para o estudo do interior das mentes, defendendo que as estruturas cognitivas sã pré-existentes que os conceitos sà podem ser aplicados depois de adquiridos e considerando que a transferênci de conhecimentos se toma tanto mais fáci quanto mais eles tenham sido adquiridos de uma forma descontextualizada.

Na psicologia materialista (que segue as ideias de Vygotsky) parte-se do contexto do comportamento e da situaçà social em que ele tem lugar encarando-se O desenvolvimento cognitivo como um processo de descontextualizaçà de conceitos conseguida atravé das interacçõ sociais. E, assim, negada uma separaçà estrita entre o individual e o social, sendo estes encarados como elementos mutuamente constitutivos. O desenvolvimento cognitivo à tratado como um processo de adquirir cultura, pois considera-se que à atravé do uso das ferramentas psicológica (linguagem e outros sistemas de sinais1) que a crianç evolui dos processos naturais, ou funçõ mentais elementares (como a atençà involuntária para os processos de ordem elevada ou funçõ mentais elevadas (como a atençà voluntári e a memóri lógica) Nesta teoria, considera-se, ainda, que o desenvolvimento cognitivo tem

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inÃ-ci no que à públic e intersubjectivo, tomando-se cada vez mais individual e privado, e seguindo a "lei genétic geral do desenvolvimento cultural".

Cada funçà [psicol6gica elevada] aparece duas vezes: primeiro, no nÃ-ve social e depois no nÃ-ve psicol6gico; primeiro entre as pessoas (interpsicol6gico) e depois dentro da crianç (intrapsicol6gica) (Vygotsky, 1978, p. 57).

Tal como Santos (1996) salienta, pode ler-se nesta visã de dois nÃ-vei de funcionamento algum paralelismo com aquilo a que Mead (1934) se referia quando comparava "o pensamento com uma conversa com o outro generalizado (itálic do autor)" (Levine e outros, 1993, p. 5%) sugerindo opensar como uma versã interna de um diálogo ou revisã de ideias que ocorreria primeiro na argumentaçà com os outros. Esta relaçà entre a actividade externa e interna nã à vista por Vygotsky como uma transferênci ou isomorfismo de um plano para outro, mas antes como uma relaçà genétic (ou de desenvolvimento) em que os processos externos2 sã transformados em processos internos atravé da internalizaçã

Actualmente, nenhuma abordagem da cogniçà parece negar que os factores sociais sejam parte do meio em que o homem se desenvolve. No entanto, continua a ser diferente a imporiânci que cada uma das vária perspectivas reconhece a esses factores. Wertsch (1985) por exemplo, classifica as teorias de desenvolvimento em duas grandes categorias, conforme a integraçà que fazem das componentes sociais: fenómeno individuais vs sociais, que considera partilharem dois aspectos fundamentais - (i) os fenómeno sociais sã governados por um conjunto únic de princÃ-pio explicadores, e (ii) assumem que pelo menos alguns aspectos do funcionamento psicológic individual sã determinados por esses fenómenos

a perspectiva social, que explica o desenvolvimento cognitivo pela "apropri- açã dos meios mediacionais e modos de actividade socioculturais. Da mesma forma, Schoenfeld (1992, p. 349) refere-se especificamente a duas visõe da cogniçá que nã sendo maioritária se encontram em amplo desenvolvi- mento:

Cogniçà distribuÃ-da proposta por Pea (1989, segundo Schoenfeld, 1992) - nesta perspectiva Salomon (1993) considera a existênci de duas linhas: (i) uma mais radical de Pea, Cole, Engestrom e Moll, que argumenta ser desadequado localizar o conhecimento na cabeça defende que o saber reside na comunida- de, nos artefactos e nas interaces dos indivÃ-duo com o ambiente; prop'e como unidade de anális a actividade socialmente mediada num contexto cultural; (ii) outra linhaem que se integram Perkins, Salomon, Hatch e Gardner,

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Brown e outros, que considera as cogniçõ individuais e a distribuÃ-d distintas mas em interacçà interdependente e dinâmica

Cogniçà situada, em que se integra Lave (1988) que a denomina també por cogniçà na prática Os pressupostos desta perspectiva baseiam-se na convic- çà de que as representaçõ mentais nã sã completas e que o pensamento nã opera sobre abstracçõ mas, pelo contfio, explora as caracterÃ-stica do mundo em que cada um està inserido. Lave procura caracterizar, emp'rica e teoricamente, "a actividade cognitiva situacionalmente especÃ-fic

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o que é e porquê (Lave, 1988, p. 3) e utiliza uma abordagem que se foca nas actividades diária vividas pelos indivÃ-duo em ambientes culturalmente orga- nizados. Por isso, nas suas pesquisas, utiliza como unidade de anális "a pessoa total em acçã actuando com os ambientes dessa actividade" (Lave, 1988, p. 17) o que de alguma forma lembra a posiçà de Werstch3 ao defender que se analise(m) o(s) "indivÃ-duo(s)-actuando-com-meios-mediadores (1991, p. 12). Lave (1988), denomina o seu projecto de "antropologia social da cogniçã em virtude de considerar que "aquilo a que nó chamamos cogniçà à de facto um fenómen social complexo" (p. 1).

Escola e cultura. Se a relaçà entre cogniçà e culturajà é hoje em dia, reconhecida (embora nem sempre explicitamente) a relaçà que se verifica entre escola e cultura, nã sendo negada, parece quase esquecida quando se discute a aprendizagem escolar. De facto, aescolaà uma das organizaçõ sociais onde se tem como intençà explÃ-cit uma transmissã cultural. A sala de aula, por seu lado, &o local onde grande parte das actividades escolares diária dos alunos se desenrolam de uma forma que se pressupõ de acordo com os objectivos da instituiçà escolar, assim como com os princÃ-pio gerais da educaçà definidos pela sociedade em que està inserida. Como H. Arendt (1968) afirma "a funçà da escola (. ..) à ensinar aos alunos o que o mundo é (p. 195). Mas o "que o mundo é engloba conhecimentos, valores, artefactos, emoçÃ-je formas de pensar e de sentir, ou seja, envolve cultura. O acto de ensinar (e o de aprender) està portanto associado nã sà a saberes mas també a concepçõe valorizando determinadas formas de pensar. Na escola, as actividades proporciona- das e a sua organiza@o, os recursos disponibilizados, as atitudes que sã reforçada ou ignoradas, as associaçõ e interacçõ de saberes que sã fomentadas, reflectem e transmitem uma dada perspectiva cultural. Portanto, um(a) professor(a) mesmo quando ensina um conteúd que pensa ser espec'fico e objectivo, està a ensinar uma parte do que o "mundo é" ou seja, està a participar numa "forma deliberada e intencional de transmissã cultural (itáiic do autor)" (Bishop, 1991, p. 5).

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depois de apresentar as raÃ-ze da escolaridade formal ocidental, resume em cinco pontos aquilo que considera ser "a organizaçà especial do comportamento peculiar da escolaridade formal" (p. 96):

Existênci de uma ligaçà estreita entre o desenvolvimento da escolaridade e o desenvolvimento dos grandes centros urbanos.

Existênci de um meio mediacional especial, a escrita. A escrita à usada para representar nã sà a linguagem como também por exemplo, a Matemática

Os ambientes de actividade onde decorre a escolaridade sã diferentes pois foram removidos dos contextos das actividades práticas e as capacidades que mais tarde (numa futura actividade) virã a ser os meio são na escola, os objectivos.

Existênci de uma estrutura social própri da escolaridade, um adulto interagindo com muitas criança em simuliâneo sem nenhum laç de parentes- co com elas.

Existênci de um sistema de valores peculiar associado com a escolaridade que coloca a pessoa educada acima dos seus pares.

Na cultura ocidental, ainda hoje orientada maioritariamente por um paradigma industrial e racional, a escolaridade formal pode ser entendida como "uma parte integrante da economia polÃ-tic e uma das instituiçõ principais para a socializaçà das crianças (Cole, 1990, p. 97). Por um lado, temos entã a escolaridade como o reflexo da cultura da sociedade em que està inserida mas, por outro lado, pode també afirmar-se que existe uma cultura da escolaridade e, por vezes, atà uma cultura de uma escola. De facto, as regras e procedimentos que regulam a vida escolar acabam por proporcionar aà uma "coerênci e significado &s actividades diária e &s interacçõe (Popkewitz, 1988, p. 222). O carácte de rotina das actividades diária escolares suscita expectativas e mostra como esse ambiente (a escola) està estrutu- rado para essas actividades ao mesmo tempo que as condiciona também E por isso que Lave (1988) refere, que "os espaço de casa ou da escola, estruturados culturalmente, podem ser pensados como formas constituintes de significaçã (1988, p. 183)4. Olhar a Escola enquanto instituiçà é portanto, chamar a atençà para os padrõe de conduta e os valores que a sociedade espera que orientem as praticas escolares, nã esquecendo que estes estã embebidos, nã sà nos padrõe de comportamento normalizados, mas també na linguagem que està associada a essa escolaridade.

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Falando de aprendizagem

Os estudos tradicionais sobre a aprendizagem encaram-na como um processo que se passa no interior da mente do indivÃ-du que aprende, quase ignorando o mundo em que ele vive. A base conceptual destas abordagens apoia-se fortemente nas ideias da psicologia de desenvolvimento de Piaget que considerava "a aprendizagem subordinada ao desenvolvimento" (Piaget, 1967, citado por A. Davis, 1991, p. 22). Numa outra perspectiva, Vygotsky (1978) e as tradiçõ de investigaçà sociogenéticas abordam o desenvolvimento cognitivo do ser humano como um produto essencialmente sociocultural (ou histórico-cultural) Embora nã negando a linha natural (ou biológica desse desenvolvimento, dã umaênfas bastante maior $i linha cultural5 do processo de desenvolvimento humano. Vygotsky discute, por exemplo, como à que a mente primitiva de uma crianç se transforma na mente de um homem cultural adulto, adquirindo "novas capacidades, novas formas de pensamento, lógic e novas atitudes perante o mundo" (Vygotsky e Luria, 1993, p. 168). Vê assim, o desenvolvimento cultural da crianç como uma sociogénes das "formas elevadas de comportamento", no qual a crianç nã amadurece como se 'rearma", ou seja, adquire meios culturais (a linguagem e outras ferramentas psicológicas que - nã sendo exteriores 5 mente mas crescendo no seu interior - acabam por criar como que uma "segundanatureza". Constitui-se, assim, a diferenç mais pronunciada entre a evoluçà dos seres humanos e a dos animais:

os animais sã incapazes de aprenderem no sentido humano do termo; a aprendizagem humana pressup'e uma natureza social especÃ-fic e um processo pelo qual a crianç cresce na vida intelectual daqueles que a rodeiam (Vygotsky e Luria, 1993, p. 171).

Assim, a aprendizagem seria, fundamentalmente, um processo de realizar algo que sà pode ser feito com os outros o que justifica que Bruner apresente a perspectiva vygotskiana como "um modelo de como se aprende com os outros" (1985, p. 33). Por outro lado, embora as questõe sobre a aprendizagem sejam frequentemente associadas $is questõe da escolaridade, diversos investigadores de área tã distintas como a psicologia, a antropologia e a sociologia tê procurado compreender a aprendizagem atravé do estudo das actividades humanas em ambientes nã esco- lares. Podem citar-se, como exemplos, os estudos sobre: (i) a natureza da aprendi- zagem dentro e fora das instituiçõ formais (Lave, 1988), (ii) as formas nã institucionalizadas de aprendizagem (Rogoff, 1990), (iii) as relaçõ entre a apren- dizagem e as prática culturais, tais comoaliteracia(Scribnere Cole, 1981, referidos por Cole, 1990) e a numerada (Saxe, 1991a) e (iv) as consequência das mudança

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tecnológicas nos ambientes de trabalho, para a aprendizagem (Engestam, 1990, citado por S'ljo, 1991a, p. 180).

Embora existam diferença importantes entre algumas abordagens da relaçà aprendizagem-desenvolvimento, Bauersfeld (1992) apresenta a seguinte definiçà como uma convicçà partilhada tanto por construtivistas radicais como pelos interaccionistas sociais, sendo atà visÃ-ve em algumas abordagens de teorias de sistemas:

Aprender 6 um processo de formaçà da vida pessoal, um processo de adaptaçà interactiva aumaculturaatravé daparticipaçãoacti (aqual també produze desenvolve paralelamente a própri cultura), mais do que uma transmissã de normas, saber e items objectivos (1992, p. 20).

Uma ideia semelhante jà era apresentada em 1989 por Davis quando afirmava "aprende-se tornando-se parte de uma cultura viável (itálic do autor, p. 144).

Parece, portanto, existir uma inter-relaçà das noçõ de aprendizagem, cultura e participaçã Uma das perspectivas que encara a aprendizagem como algo estreitamente ligado ao mundo sociocultural em que se vive à a da aprendizagem situadaem que seintegra J. Lave. Em 1991, Lavee outros concretizam de uma forma mais explÃ-cit a sua visã da aprendizagem, defendendo que para a compreender à importante "mudar o foco analÃ-tic do indivÃ-du como algué que aprende, para uma ideia de aprendizagem como participaçà no mundo social, e do conceito de processo cognitivo para a visã de prátic social" (p. 43). Nesta perspectiva, Lave e outros (1991) consideram que deve deixar de se ver a aprendizagem como um tipo de actividade mas antes olhá-l como um aspecto de qualquer actividade. Falando de Matemátic

Na nossa prátic diári (de cidadãos alunos de um curso de Matemátic ou professores de Matemática vemos a Matemátic habitualmente associada a algo abstracto, preciso, rigoroso, universal, cuja "verdade" se demonstra e que à aplicá vel. Mas pensemos no percurso do significado da palavra Matemátic (e da ciência que D'AmbrÓsi (1990) nos apresenta no seu vocabulári crÃ-tico Platão cerca de 428-347 (a. C.), utiliza-a para significar aquilo que se aprende mas, no tempo de Aristóteles 384-322 (a. C.) jà se considera como um corpo de conhecimentos lidando com números grandezas, figuras e suas mediçõe D'AmbrÓsi mostra que aquilo que hoje se entende por Matemátic à uma evoluçà desse corpo de conhecimento originado na Grécia da era antes de Cristo, que incorporou e

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sistematizou saberes de outras culturas mediterrânea mais antigas, foi transmitido pelos árabe e romanos e desenvolvido na Idade Médi e Renascenç atà atingir a forma como hoje à vivida e pensada pelos matemáticos A sua universalizaçà para o que se chama mundo civilizado està ligada aos processos de conquista e coloniza- çã Ora este retrato sugere uma relaçà forte com a evoluçà da nossa civilizaçà ocidental oque contraria a forma como a históri &Matemátic "( ...) à escrita de um ponto de vista vitorioso" (D'Ambrósio 1990, p. 57) e sem a dimensã social que poderia esclarecer a natureza do conhecimento matemático

Paralelamente ao desenvolvimento de investiga*~ (embora poucas) no que poderia ser denominada como a antropologia do saber matemático tê tamMm decorrido fortes discussõe sobre a natureza da Matemática como nos dà conta Pateman (1989) e Emest (1991a). Questõe como: "A Matemátic à descoberta ou inventada? Como à que essa descoberta ou invençà se relaciona com a ideia de realidade?" (Pateman, 1989, p. 15) tê provocado debates tã fortes que quase me arriscaria a dizer que eles sã mais uma prova de como esta ciênci à um produto cultural e humano.

Diversos autores tê reflectido sobre a natureza da Matemátic realwdo o carácte humano da evoluçà desta ciência Por exemplo, Davis e Hersh afirmavam em 1981 que,

a definiçà de Matemitica muda. Cada geraçà e cada matemitico na sua geraçà formula uma definiçà de acordo com o que pensa (p. 8).

Esta associaçà da definiçà da Matemátic com o indivÃ-duo poderà ser entendida como uma visã individualista. No entanto aqueles autores estã a r e a l p a caracterÃ-stic claramente humana, e portanto social, desta ciência como se pode ver, aindamais claramente, quando mais i3frente afirmam que "a Matemática sendo uma actividade humana (...) aproveita do géni individual, mas sà se afirma com a aprovaçà Ã-ácitadacomunida mais vasta" (Davis e Hersh, 1981, p. 60). Salientam, assim, como uma componente importante e fundamental da definiçà do que à Matemátic

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a própri comunidade dos matemáticos Davis reafirma, mais tarde, que "nó nã criamos este saber como indivÃ-duos mas fazemo-lo como parte de uma comunidade de convicçã (1988, p. 12) chamando de novo a nossa atençà para caracterÃ-stica humanas muitas vezes excluÃ-dada discussõe sobre a Matemátic

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a dos valores e das crenças Estamos, portanto, perante uma perspectiva que encara a Matemfitica como uma actividade humana para a definiçà da qual a existênci de um certo grau de consenso no seio de uma comunidade assume um papel fundarnen-

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tal. Numa linha, de alguma forma consonante com esta ideia, encontra-se Lerman ao afirmar que osobjectosmatemático "( ...) s'oobjectivosnum sentidointersubjectivo, concordado, útil de longa duraçà mas potencialmente mutáveis (Lerman, 1994, p. 198).

Assim, diversos investigadores, tal como acontece, por exemplo, com Emest (1991a), optam por uma perspectiva falibilista da Matemática caracterizando esse saber como "contextualizado", com um significado, relevânci e verdade que à fruto do seu contexto cultural, social e histórico e do consenso construido numa comuni- dade.

Paralelamente ao aumento da pesquisa de natureza antropológic e o desenvol- vimento das discussõe sobre a natureza da Matemática um outro campo vem sendo aprofundado, o da sociologia da Matemática Uma nova abordagem tem vindo a defender que os fundamentos da Matemátic se devem procurar examinando as prática culturais em que estã inseridas as actividades dos matemáticos Por exemplo, Stigler e outros (1988) discordando, também da visã da Matemátic como um domÃ-ni do saber universal e formal 5 espera de ser descoberto, considera- a antes

um conjunto de representaçõ simbólica e procedimentos construÃ-do para manipular essas representaçõe Este report6rio de sÃ-mbolo e procedimentos està inserido e à preservado por vária instituiçõ e actividades culturais, incluindo a escola, o trabalho, a televisão (...) e a comunidade dos matemático profissionais (p. 258).

Assim, Stigler, ao assumir a Matemátic como um corpo de conhecimentos culturalmente transmitido, està a considerar que a cultura funciona como uma parte constitutiva do própri saber matemático Vai, por exemplo, defender que aquilo que existe de especificamente cultural na representaçà do númer nã influencia sà o desenvolvimento do saber matemátic mas mantém-s como parte desse conheci- mento. Apresentadiversos estudos que comparando o conhecimento matemátic em diferentes culturas mostraram como variam muitos dos temas da Matemática Realça ainda, alguns dos aspectos mais especÃ-fico em que se pode observar a influênci da cultura quer na Matemátic quer na sua aprendizagem, nomeadamente: (i) nas ferramentas (fÃ-sicas como por exemplo, os ábacos a rosa dos ventos na navegaçà mas també para representar o tempo, assim como a linguagem e outras representaçõ como as dos sistemas de numeraçã os sistemas de fazer operaçõ com números) (ii) nas prática (dos membros nã escolarizados em actividades profissionais tais como navegaçà e comércio dos escolarizados mas em activida- des da vida diária e (iii) nas instituiç'e (por exemplo, a escolar, que à diferente de

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sociedade para sociedade).

A minha opçà aqui (tal como em Santos, 1996) à encarar a "Matemátic como um sistema cultural" (D'AmbrÓsio 1985, p. 42) cujo saber reside na comunidade de prático em que nã incluo sà os profissionais da Matemátic mas també os seus utilizadores mais vastos.

A aprendizagem escolar da Matemátic

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A abordagem da cogniçà situada Como à que se pode eniã encarar a aprendizagem escolar da Matemátic de um ponto de vista cultural? Considerando a aprendizagem como algo inerente a toda a actividade, serà pertinente clarificar que actividade à que os alunos desenvolvem nas aulas de Matemátic - o contexto em que se pressupõ decorrer o ensino e a aprendizagem da Matemátic dos jovens. Nã podemos esquecer que esse contexto existe num espaç socialmente organizado para e pela actividade que se pretende que a à decorra - actividade escolar. Assim, as condiçõ que sã proporcionadas (a professores e a alunos) para o ensino e aprendizagem da Matemátic estã relacio- nadas com aquilo que socialmente se reconhece como sendo as caracterÃ-stica do objecto de estudo - a Matemátic - e da sua prátic e nã tanto com aquilo que a comunidade dos matemático considera ser inerente A Matemática Parece portanto úti que se procure compreender a aprendizagem escolar da Matemátic do ponto de vista da perspectiva situada da aprendizagem.

De entre os estudos empÃ-rico desenvolvidos com esta abordagem que se debruça sobre a aprendizagem da Matemátic considero importante realça alguns que nã sã especificamente da áre da educaçà matemátic mas de campos como, por exemplo, a psicologia ou atà a antropologia. De facto, os resultados a que chegaram parecem suficientemente interessantes para nos ajudar a pensar sobre esta temática E o caso de J. Lave que, com um interesse mais focado na "antropologia social da cogniçã (Lave, 1988, p. 1), se tem dedicado a estudar a actividade aritmétic que decorre durante as actividades diária habituais das pessoas (as compras num supermercado, a vivênci de um programa de emagrecimento, a prátic num atelier de alfaiate, etc.). Por exemplo, em 1984, desenvolveu um estudo empÃ-ric sobre a actividade aritmétic que tem lugar durante as usuais compras em supermercados. Lave identifica os problemas que surgem no cenári (setting) rotineiro das compras no supermercado e mostra como à que eles emergem ii consciênci do comprador enquanto pequenas modificaçõ daquilo que ele espera encontrar. Sentindo necessidade de se adaptar a essas alteraçõe o comprador utiliza a aritmétic para o ajudar a tomar decisões Lave chama, no entanto, a atençà para o facto de lhe ter sido possÃ-ve analisar essas prática aritmética em virtude de estar

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a usar O que ela denomina como a "ideologia da rotina" e a estrutura complexa de escolha que existe no cenári de supermercado, o que nã seria possÃ-ve se tivesse optado pela "ideologia escolar", habitualmente preocupada com os algoritmos lineares da resoluçà de problemas. Conclui, assim, pela importânci de se "analisar tanto o contexto da actividade como a actividade em contexto" (1984, p. 93) realçand a relaçà dialétic que reconhece existir entre contexto e actividade. Por outro lado, salienta ainda a importânci da monitorizaçà dos processos de resoluçà dos problemas para o sucesso dessaresoluçã Esse controlo, no entanto, à facilitado pela própri organizaçà do cenári do supermercado, ou seja, as formas como a informaçà està organizada e exposta e como proporciona meios que conduzem a uma dada organizaçà das sequência de actividade. Esta natureza do cenári acaba por funcionar como "um instrumento de cálcul mas també dà forma 2 maneira como o problema à construido pelo comprador" (Lave, 1984, p. 94). Temos, assim, que:

a aritmktica do gap-closing (a geraçà simultâne de problema e soluçà e o processo de os conjugar) (...) formam uma classe geral de processos aritmeticos, cujas implicaçõ se estendem para IA do supermercado (p. 94).

Desta forma, Lave assinalao carácte situado dacogniçã ou seja, defende a ideia de que, emboraa utilização determinado conceito ou procedimento nã se confine a um determinado contexto, para se compreender a sua aprendizagem à necessári que se tenha em conta o contexto e a actividade em que foi desenvolvida.

Quando, em 1993, Lave volta adebmçar-s explicitamente sobre o significado do contexto e a suarelaçà com aactividade, vai fazê-l apartir daanális desteconceito sob dois pontos de vista, um deles assumido pela teoria da actividade e o outro pela teoria social fenomenológica Embora as duas perspectivas assumam um papel fundamental para os intervenientes na actividade, elas distinguem-se na sua concep- çà acerca das relaçõ que constituem o contexto. Assim, enquanto a teoria da actividade defende que, "a relaçà teóric central à constituÃ-d historicamente entre as pessoas envolvidas na actividade socioculturalmente construÃ-d e o mundo com O qual elas estã envolvidas", para a perspectiva fenomenológic o que à central à "a relago intersubjectiva entre os co-participantes na interacçà social" (Lave, 1993, p. 17). Na teoria da actividade os efeitos das estruturas sociais, embora com um peso históric reconhecido, nã sã vistos com um carácte totalmente determi- nante. Por outro lado, essa abordagem assume uma natureza relacional para o significado, uma vez que o entende como constituÃ-d nas relaçõ entre os sistemas de actividades e as pessoas-em-acçã E esta a opçà de Engestrom (1993) ao

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identificar contexto com sistema de actividade uma vez que "se integra nos sistemas de actividade, o sujeito, o objecto e os instrumentos (ferramentas materiais assim como sinais e sÃ-mbolos num todo unificado" (Engestrom, 1993, p. 67). Para as teorias fenomenológica as situaçõ nã sã construÃ-da historicamente. De uma forma análog A da discriminaçà figura-fundo, as situaçõ surgem enquanto as pessoas "se organizam para atingir e dar significado aos aspectos figurativos contra o fundo da interacçà social" (Lave, 1993, p. 19). E com base em semelhança e diferença como as que aqui expus que Lave (1993) sumaria, da seguinte forma, O

que estas duas correntes exploram: "como à que as pessoas vivem na história e como à que as pessoas vivem na história (iiálico da autora) (p. 21). Ao colocar a ênfas (atravé da escrita a iHico) ora na históri ora no viver, Lave està a salientar O que cada uma das abordagens traz de mais importante para a discussã do contexto o que a leva a concluir que o próxim passo serà a reformulaçà do problema do contexto. Ou seja, em vez de tentar identificar a relaçà constitutivaentre as pessoas-em-acçà e os contextos, considera que, agora, talvez seja importante saber "quais as relaçõ entre as prática locais que contextualizam as formas como as pessoas actuam em conjunto, tanto dentro dos contextos como entre eles" (1993, p. 22).

Embora os trabalhos de Lave se tenham debruçad fundamentalmente sobre a prátic de adultos, algumas das suas ideias tê ajudado a colocar questõe que sã útei para pensar sobre a aprendizagem escolar dos jovens. E o caso, por exemplo de Schoenfeld, um dos autores que na Educaçà Matemátic se debruç sobre a aprendizagem. Embora muito preocupado inicialmente com os aspectos cognitivos e individuais dessa aprendizagem (nomeadamente com a metacogniçã foi estando cada vez mais atento ao que se relacionava com o envolvimento social e cultural dessa aprendizagem. Num artigo de 1992, chega a assumir que uma das questõe fundamentais que se colocam, agora,

A

comunidade da Educaçà Matemátic à compreender melhor como à que se adquire um "ponto de vistamatemático" ou seja, tem de se dedicar ao "estudo da enculturaçã (1992, p. 363). Num dos seus escritos - "Ideas in the air: speculations on small group l d n g on cognition, and epistemology" - à bastante perceptÃ-ve esta evoluçà da sua linha de pensamento sobre a aprendizagem. Aà ele propõe-s "examinar os papéi de interacçà em pequenos grupos e das influência culturais no moldar da aprendizagem dos indivÃ-duos (1989b, p. 71) dando-nos conta, em simultâneo de como ele própri ia evoluindo na interacçà com os seus parceiros de investigaçà com quem reflectia sobre os dados da investigaçà em curso. A orientaçà deste trabalho decorreu dos resultados que Schoenfeld tinha vindo a obter ao longo dos vário anos em que procurou compreender a forma como os alunos percebiam e sentiam a Matemátic

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atravé das suas aprendizagens escolares. Das investigaçõ anteriores concluiu, por exemplo, que os alunos: (i) encaram a Matemátic escolar como um corpo formal de conhecimentos que nã tem nada a ver com a soluçà dos problemas do mundo real; (ii) acreditam que os problemas matemático se resolvem em menos de 10 minutos e quando nã sã capazes de o fazer nesse penodo de tempo desistem; (iii) envolvem- se na resoluçà dos problemas procurando executar imediatamente qualquer coisa, sem terem ainda compreendido o problema, sem o planificarem e sem se preocupa- rem em verificar os resultados obtidos; (iv) consideram que "aprender Matemátic à sobretudo memorizar uma séri de regras" (1989a, p. 344) o que exige, portanto, muita prática Schoenfeld em 1992 relaciona estas atitudes e crença com a forma como a Matemátic tem sido ensinada: "algo que os especialistas sabem ser verdade, mais do que um processo de investigaçà cientÃ-fic (o que os matemático dizem ser)" (Lave, 1990, p. 320) e, portanto, sem nenhuma relaçà com aquilo que à a prátic dos matemático profissionais.

Saljo à outro estudioso que tem vindo, consistentemente, a desenvolver trabalho dentro da perspectiva da cogniqã e aprendizagem situada (e na linha do Laboratory of Comparative Human Cognition em que Lave també trabalhou). Em 1987, Sdjo apresentaum estudo experimental com que pretende "contribuir paraa compreensã da determinaçà contextual das actividades cognitivas" (1987, p. 233). Mais especificamente, debruça-s sobre a forma como 207 alunos (de doze anos de idade) definiam e lidavam com as tarefas cognitivas em situaçõ de carácte pedagógic (pelo menos aos olhos dos alunos). Para tal propôs-lhe tarefas em que o problema apresentado e as premissas que eram estabelecidas por meios "externos" (cabeçalho e instruç'es estavam em conflito. Pretendia ver se os alunos resolviam o conflito optando pela "lógic interna" ou se, pelo contrário funcionavam como nas aulas (em que lhes sã dadas instruçõ orais e se apresentam cabeçalho 2s questões recorrendo 2s pistas do própri texto. Uma das conclusõe obtidas neste estudo foi a de que os alunos, ao resolverem problemas, aprendem de tal maneira a confiar em pistas contextuais que ignoram a lógic interna da própri tarefa. Ou seja, essas pistas contextuais funcionam como recursos estruturantes6 da sua actividade.

Um outro investigador da educaçà matemática Sayeki, prop'e-se estudar "o papel dos artefactos cognitivos no pensamento matemático (Sayeki e outros, 1991, p. 230) utilizando como base teóric o conceito de mediaçà de Vygotsky e a noçà de recurso estruturante de Lave. Considera que o papel dos recursos estruturantes tem sido estudado essencialmente nas prática aritmética que se relacionam, de alguma forma, com as prática levadas a cabo em actividades diárias Procurou, então fazê-l para o cálcul da áre do paralelogramo a que "aparentemente nã

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corresponde a manipulaçà de objectos concretos em situaçõ da vida di&iaW (1991, p. 230). Para o ensino da áre do paralelogramo, nã utilizou o métod habitual nas escolas japonesas (e també nas portuguesas) em que, recortando um paralelogramo de papel, à possÃ-ve transformá-lo num rectângulo Pelo contrário optou pelo métod de Cavalieri (um dos precursores do cálcul integral de Leibnitz) e que se resume na utilizaçà de uma pilha de cartõe (teoricamente infinitamente finos) - o recurso estruturante - que pode representar, simultaneamente, a áre e o volume. Com estaexperiênci Sayeki chama aatençà parao facto de queos alunos podem compreender melhor a natureza dos conceitos matemático se for utilizada uma mediaçà adequada podendo, portanto, funcionar como oposiçà ?ideia i frequente nos alunos de que "a verdade sà à conhecida pelo professor e nó devemos simplesmente seguir o que o professor nos diz para fazer" (1991, p. 241).

Saxe à um autor que tem desenvolvido bastante trabalho com o objectivo de compreender a relaçà entre as aprendizagens matemática feitas na escola e fora da escola, mas numa perspectiva de desenvolvimento, embora relacionada com as abordagens vygotskiana e situada. O que ele salienta como mais pobre nestas duas abordagens à a faltade estudos do ponto de vista do desenvolvimento, ou seja, o facto de nã se encontrarem "análise do carácte das mudança das formas cognitivas enquanto formas interligadas com a alteraçà nas actividades das pessoas dirigidas para um objectivo" (1991, p. 12). O interesse deste autor tem-se focado assim essencialmente neste aspecto - "a anális do processo de enculturaçà que acontece enquanto as compreensõe da crianç se interligam com as capacidades cognitivas atingidas eas prática nos seus grupos sociais" (1991, p. 13). Começo por investigar (Saxe, 1982) as formas de pensamento aritmétic dos habitantes num grupo da Papua Nova Guinà (com um sistema de contagem diferente do nosso e em actividades que os confrontam com outro sistema). Posteriormente (Saxe, 1991) analisou o pensa- mento aritmétic que era desenvolvido durante a prátic da venda de guloseimas nas ruas do Brasil (num perÃ-od de mudanç da moeda) por grupos de criança e adolescentes. A partir destes dois projectos, Saxe elaborou um esquema de anáiis que depois vai utilizar para compreender a instruçà matemátic em ambientes escolares dos Estados Unidos da Améric (o projecto em que actualmente està envolvido). Uma das riquezas do trabalho desenvolvido atà agora por Saxe (em termos da aprendizagem escolar da Matemática parece-me residir no seu esquema de anális que nos permite relacionar as aprendizagens com as actividades e os ambientes social e culturalmente organizados em que elas decorrem.

A abordagem situada da aprendizagem tem sido utilizada maioritariamente para estudar o que se passa em ambientes nã escolares ou para comparar os escolares e

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os nã escolares. No entanto, daqueles que se tê debruçad sobre a escola e, em particular, sobre a aprendizagem matemátic escolar podemos afirmar que as questõe mais investigadas dizem respeito 2 análise (i) do papel das ferramentas e artefactos mediacionais; (ii) dos contextos da prátic matemática (iii) dos alunos ou classes enquanto comunidades de prática (iv) da actividade enquanto socialmente situada; (v) do papel dos recursos estruturantes envolvidos nessas actividades. Por outro lado, à també saliente a ligaçà estreita desta linha de trabalho 21 abordagem vygotskiana e ?ts perspectivas etnometodológicas

OpçÃ

metodológic

Nesta segunda parte procuro, de uma forma sintética pô o leitor a par dos elementos fundamentais da opçà metodológic feita no estudo que serviu de base a este artigo. A questã em estudo e a abordagem teóric de base, apontavam para a necessidade de ser ultrapassada a tendênci de procura de r e l a e s causais. Winegar e Valsiner (1992) apoiam a ideia de que,

para alguns processos dinâmico (. . .) as descriçõ interpretativas podem funcionar como explicaçõe [e] estas abordagens nã se confrontam com o problema de como reintegrar causa e efeito; as duas nunca se encontram totalmente separadas (p. 260).

Segundo estes autores, nas abordagens interpretativas, o que à explicado e o que à usado para explicaçà nã ficam completamente distintos, ou seja, o fenómen e a teoria com a qual se reflecte e se discute esse fenómen estã intimamente ligados. A minha curiosidade pela questã inicial colocada foi dando origem a diversas facetas do trabalho. Assim, a recolha de dados foi dando corpo a uma reflexã mais profunda sobre o fenómeno ou seja, a recolha funcionou como "pretexto" para procurar teoria, mas esta ia també contribuindo para novas perspectivas no meu olhar sobre area1idade.A necessidade de aprofundar alguns conceitos teórico fazia- me despertar para determinados aspectos da realidade e portanto, acabava por me fazer questionar mais profundamente o fenómen em estudo

-

como à que o saber matemátic escolar se estrutura e desenvolve - contribuindo para a sua melhor compreensão Desta forma, conceitos como artefacto e recurso estruturante nã foram aprofundados previamente

A

recolha eanáiis dos dados mas sim durante essa mesma fase. Sã um exemplo de alguns dos aspectos teórico que devido 2

interacçà constante entre teoria e fenómeno ou seja, entre recolha e reflexã sobre o fenómen (análise emergem como importantes para a compreensã do fenómen

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em estudo. Assim, para alé de descrever e justificar essaopçãoapresen igualmen- te uma breve caracterizaçà desses dois conceitos.

Breve caracterizaçÃ

O problema colocado inicialmente e as opçõ conceptuais em que me baseei justificaram a existência na abordagem metodológica de preocupaçõ em alguns aspectos semelhantes 5s que sã habituais nas investigaçõ etnogH~cas. Procurar estar atenta nã sà ao que as pessoas dizem, mas també h forma como actuam e aos artefactos que usam, sã algumas das caracterÃ-stica que Spradiey (1979) considera necessária num estudo etnográfico Da mesma forma, procurar compreender o ponto de vista dos alunos e tentar que a investigaçà se desenrole em Ã-ntim relaçà com o cenári natural do fenómeno sã aspectos que Ball(1993) reconhece como importantes em etnografia.

Existem ainda outros traço neste trabalho, que sugerem a possibilidade de o enquadrar nas abordagens etnográtlcas Estã neste caso, a procura de padrõe de comportamento ede pensamento, assim comoa utilizaçà de acontecimentos-chave, para focar a anális de determinados aspectos culturais do processo em estudo. Tal como Fetterman (1989) refere,

os etn6grafos procuram padrõe de pensamento e acçà em situaçie variadas e com actores diferentes. (. . .) Procurar padrõe 6 uma forma de análise (. . .) Alguns [acontecimentos chave] dizem mais acerca de uma culturado que outros, mas todos proporcionam um foco para anális (p. 92 e 93).

No entanto, outros aspectos da metodologia seguida, apontam para algumas diferença daquilo que se pode classificar como um estudo etnográfico aproximan- do-a da abordagem denominada por interacçà simbólica A existênci de traço comuns entre estas duas abordagens (a etnografia e a interacçà simbólica à aliá realçad por diversos autores de que Spradley (1980, citado por R. Bogdan e S. Biklen, 1994) à um exemplo, ao salientar que "o conceito de cultura enquanto conhecimento adquirido tem muito de comum com a interacçà simbólica (1994, p. 60). Damesmaforma, D. Hustler e G. Payne (1985), aoapresentarem ediscutirem a anális e t n ~ g r ~ c a do diáiog (enquanto abordagem da conversa da sala de aula), comparam a etnografia e a interacçà simbólica distinguindo-as pela forma como cada uma delas encara a anális do diálogo

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significados e padrõe de interaqã dos sujeitos, està relacionada com o desenvolvimento de modelos desses significados a partir, muitas vezes, de outras fontes de informaçà para IA da fala, e à apresentada para ilustrar e documentar esses significados e padrõe de interawo (p. 267).

No presente estudo, procurei significados e padrõe de interacçà nã sà atravé da anális da fala dos sujeitos, mas tamMm atravé da observaçà das suas práticas interacçõ e relaçõ com os artefactos.

Onde e com quem

A natureza do problema em investigaçã assim como as quest'es aque pretendia responder, levaram-me a considerar como objecto de anális a actividade dos alunos na sala de aula de Matemática tendo por base o dia-a-dia "normal" de uma determinada turma com o seu professor. Assim, para realizar este estudo acompanhei a prátic matemátic escolar vivida por uma turma do 8" ano, de uma escola secundári oficial de Lisboa - 28 alunos e um professor de Matemátic - a quem foi solicitado que permitissem a "invasão das suas aulas num determinado perÃ-od de tempo. Assim, eu, professora de Matemátic no papel de investigadora como observadora participante, acompanhada de algum aparato técnic de registo de dados, partilhei a vida diári destes alunos e professor. Observei durante trê semanas, no inÃ-ci do 3" perÃ-odo todas as aulas de Matemátic da turma.

A Escola em que decorriam as aulas (regime duplo, 3" ciclo e secundário à de construçà relativamente recente (cerca de 15 anos) situada em Lisboa e apresenta- se em bom estado de conservaçà enquadrando-se no conjunto de escolas cuja estrutura de construçà se baseia em pavilhõe definitivos. Nã existia uma sala própri para cada turma, para uma disciplinaou professor pelo que alunos e professor tinham de mudar de sala em cada um dos tempos lectivos. A escola tinha uma sala equipada com computadores mas a que era difÃ-ci recorrer de uma forma assÃ-du e continuada. As salas em que decorriam as aulas de Matemátic da turma observada eram muito semelhantes entre si, no primeiro andar dos pavilhõe e com bastante luz. O material existente era també semelhante: mesas para cada dois alunos, cadeiras, uma secretári para o professor, e um quadro.

A turma em observaçà era constituÃ-d por 28 alunos, relativamente homogéne em termos de idades (2 volta dos 13 e 14 anos, a idade "normal" de frequênci do 8' ano) e sem grandes disparidades de aproveitamento em Matemática embora com alguns alunos considerados (pelo professor) como sendo mais "fracos e outros com maior facilidade". Era uma turma com que o professor achava agradáve trabalhar,

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embora bastante viva e podendo-se, atà classificar de algo "barulhenta". No entanto, essa sensaçà de agitaçà que, h primeira vista, poderia ser considerada perturbadora era, essencialmente, devida 2 liberdade de movimentaçà e diálog da dinâmic permitida e promovida pelo professor eresultante da existência por parte dos alunos, de trabalho e discussã efectivas sobre o que faziam.

Concentrei as minhas observaes em dois pares de alunos - dois rapazes e duas raparigas - mas abrangendo també os colegas com que eles trabalhavam nas aulas em que funcionavam em grupo. No entanto, na análise foquei-me nos dados relativos aos dois rapazes uma vez que com o registo vÃ-de tinha obtido uma maior riqueza de informaçà sobre sua actividade. Estes dois alunos sã colegas desde O primeiro ciclo e sentavam-se na mesma mesa (na fila mais afastada da secretária) Quando trabalhavam em grupo nã escolhiam deliberadamente os colegas, pelo que era variáve a constituiçà do grupo mais alargado em que podiam funcionar. Algumas das aulas observadas decorreram em trabalho de grupo, com os dois alunos a trabalhar sempre com o mesmo colega, formando assim, um grupo com trê elementos. Aceitaram com facilidade, alguma curiosidade e atà uma ponta de orgulho serem objecto de uma observaçà mais intensa.

A recolha de dados

A recolha de dados da vivênci diári da turma foi feita em situaçõ diversifica- das de aula de Matemática surgidas ao longo do desenvolvimento do trabalho numa unidade temátic e inÃ-ci de outra (12 aulas). Foram utilizadas as seguintes técnica de recolha de dados: (i) observaçà presencial, (ii) gravaçà vÃ-de de sessõe de trabalho de um grupo de alunos e duas aulas de um outro grupo, (iii) gravaçà sonora de sessõe de trabalho de um grupo de alunos, (iv) gravaçà sonora do discurso do professor, (v) recolha de elementos escritos produzidos pelos alunos no âmbit das actividades e (vi) entrevistas ao professor e aos alunos observados.

A anális de dados

Para este estudo a unidade de anális foi "(.

.

.) a actividade da pessoa-actuando num cenário (p. 177) tal como Lave (1988) propõe Prossegui uma via indutiva, tÃ-pic dos trabalhos de investigaçà centrados no fenómen e que procuram utilizar os dados como instância para discussã do aprofundamento teóric que vai sendo realizado. Uma primeira forma de anális (para là daquela que decorreu em paralelo com a recolha de dados) foi sendo feita 2 medida que transcrevia os registos das observaçõ das aulas para texto. Apó uma pesquisa sobre ferramentas de anális

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conceptual optei pela abordagem metodológic utilizada e descrita por Saxe (1991)

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cujo objectivo central à "compreender as relaçõ intrÃ-nseca entre os objectivos individuais e a vida social que orientam os indivÃ-duo na apropriaçà e a especiali- zaçà de formas ligadas ?i sua participaçà social" (p. 15). Considerei que esta abordagem ia ao encontro e permitia encontrar charneiras entre conceitos previa- mente aprofundados, ajudando a dar sentido 2s primeiras interpretaçõe

O esquema conceptual que Saxe prop'e à composto por trê componentes analÃ-ticas cada uma delas com as seguintes preocupaçõe (i) os objectivos emergen- tes da participaçà em prática culturais; (ii) o tipo de formas e funçõ cognitivas que os indivÃ-duo constroem para atingirem esses objectivos ligados ?i prática e (iii) a inter-relaçà das vária formas cognitivas que as criança estruturam atravé das diferentes prática culturais7.

No estudo a que me propus centrei-me unicamente em trê parâmetro da sua primeira componente, que irei descrever muito brevemente.

Objectivos emergentes da prática Para Saxe os objectivos são

fen6menos emergentes, que mudam e tomam novas formas conforme os indivÃ-duo usam o seu conhecimento e capacidades sozinhos ou na interaqã com os outros para organizar os seus contextos imediatos (1991, p. 17).

Para se identificar os objectivos das actividades culturais dos indivÃ-duos Saxe (1991) considera necessári "uma anális in situ dos objectivos que emergem da participaçà na prátic e (.

.

.) o desafio à a produçà de uma etnografia da prática (p. 21), focando-se tanto na (i) estrutura geral dos objectivos, como no carácte dos objectivos emergentes que està ligado aos processos socioculturais, tais como, (ii) as interacçõ sociais e (iii) as convençõ e os artefactos culturais. Para tal, salienta a necessidade de se proceder a observa@es sistemática da participaçà dos indivÃ-duo nas suas práticas Reconhece ainda como necessári o conhecimento de indivÃ-duo com diferentes nÃ-vei de domÃ-ni da prátic para determinar em que medida à que as suas (iv) compreensõe prévia podem estar implicadas no carácte desses objectivos emergentes. Estes são então os quatro parâmetro que Saxe propõ para a anális dos objectivos ligados 2 prática

A estrutura dos objectivos de uma prátic cultural consiste nas tarefas gerais que devem ser levadas a cabo no âmbit da participaçà numa prática estando esta intimamente relacionada com determinados motivos. Assim, uma tarefa

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por exemplo, o cálcul de um troco - que serà natural numa troca comercial verdadeira (com os motivos próprio dessa actividade profissional) quando pensada como

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tarefa a propor aos alunos num contexto de aula de Matemátic (com outros motivos que lhe estã associados) serà entendida como enquadrada num outro tipo de actividade (escolar) e fará possivelmente, emergir outro tipo de objectivos matemá ticos.

As interacçõ sociais que se verificam entre os participantes num determinada prátic podem també influenciar os objectivos a que os indivÃ-duo procuram responder.

As convençõ e os artefactos culturais també interferem na emergênci dos objectivos matemático de uma prática Todos nó temos consciênci dos constran- gimentos mas també das potencialidades do uso, por exemplo, de um determinado algoritmo para o calculo, ou de um determinado sistema de numeraçã Da mesma forma, cada prátic tem as suas convençõ e artefactos próprio que servem de apoio mas que també condicionam os objectivos que se podem atingir com eles. Por exemplo, numa resoluçà geométric o rigor a que nos propomos pode depender da graduago da régu a utilizar, assim como o métod que escolhemos para resolver um problema pode ser condicionado pelo domÃ-ni que temos da utilizago de um compasso. Os objectivos matemático que emergem na utilizaçà de recursos diversificados, como por exemplo, uma calculadora, uma folha de cálcul ou, meramente, o papel e o lápi para a resoluçà de um mesmo problema sã igualmente diversos, permitindo diferentes aprofundamentos e fazendo apelo a conceitos també diferentes.

Artefacto e recurso estruturante. Tal como referi no inÃ-ci desta segunda parte o conceito de artefacto mostrou-se relevante para a compreensã da aprendizagem matemátic escolar dos alunos observados. Foi, portanto, necessári clarificá-l em termos que fossem consistentes com a nossa cultura matemática Para tal, pareceu úti conhecer a definiçà de artefacto dada pelos antropólogos "qualquer objecto construÃ-d conscientemente pelo homem para ser usado pelo homem" (M. Titiev, 1959169, p. 388). O reconhecimento da sua utilidade para o estudo do homem Ã

evidenciado pelo interesse dos antropólogo culturais "em compreender como, quando, onde e porquà eles entraram em uso, quais os método de manufactura e os modos como sã utilizados" (p. 84). Esta noçà de artefacto enquanto objecto fÃ-sic parece, de alguma forma, restrictiva no que diz respeito 2 Matemátic mas realç o aspecto de que os artefactos sã construidos pelo homem para um determinado fim. Assim, està de acordo com a perspectiva epistemológic com que neste trabalho Ã

encarada a Matemática Saxe (1991), por seu lado, assume os artefactos como "produtos hist6ricos [que] podem ser conceptuais (por exemplo, os conceitos cientÃ-ficos formas simbólica (por exemplo, os sistemas de numerago) ou materi-

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ais (por exemplo, as ferramentas)" (p. 4). Destas duas ideias & volta do conceito de artefacto parece possÃ-ve afirmar-se que, alé das réguas compassos e calculadoras, també os objectos matemático podem ser pensados enquanto artefactos. E qual serà o papel dos artefactos na relaçà entre pessoa e situaçã Serà interessante reflectir na forma como Snow (1994) coloca a ideiade artefacto - um interface entre ambientes internos (pessoas em acçã e externos (a situação Ora isto implica, tal como Matos e Santos (1995) salientam, o carácte situado dos artefactos uma vez que se reflectem na harmonia entre "o indivÃ-du particular e as exigência e oportunida- des particulares da situaçà vivida residindo, portanto, na uniã da pessoa em situaçà e nã apenas na mente" (Stemberg e Wagner, 1994, p. 31). Um outro autor que pode ajudar a pensar sobre a importânci dos artefactos no desenvolvimento do indivÃ-du à Vygotsky. Segundo ele, para compreender como à que as criança ganham controlo sobre as interacç'e num dado contexto, à necessári perceber como se apropriam de artefactos socioculturais e de outras formas de apoio (tais como a ajuda do outro, os conceitos cientÃ-ficos para mediar a sua interacçà com o ambiente. A apropriaçà de artefactos culturais tenderà assim a criar uma ligaçà intrÃ-nsec entre desenvolvimento cognitivo e cultura.

Um outro conceito que foi assumindo maior pertinênci ao longo da anális do processo de apropriaçà dos artefactos culturais na prátic matemátic escolar foi o de recurso estruturante (Lave, 1988). Uma das ideias que J. Lave introduz ao analisar a prátic social - por forma a evitar que tal seja feito de um modo fechado - à a de considerar que essa anális se refere &ordem sociocultural implicada nos recursos estruturantes que dã e adquirem forma, a partir das pessoas-em-acçã da actividade e do contexto (Lave, 1988). E com esta perspectiva que, ainda em 1988, descreve e analisa a actividade matemátic observada em algumas experiência e afirma que essa actividade parece "derivar de recursos estruturantes articulados de formas diversificadas" (p. 114). Ao falar de recurso estruturante, Lave està a falar de algo - actividade, pessoa, objectos - que pode auxiliar a estruturaçà de uma determinado processo dando, e adquirindo ao mesmo tempo, forma a partir das pessoas em acçã da actividade e do contexto. Vejamos, num exemplo muito simples, como à que Lave encara esta estruturaçà mútua Duas actividades podem dar forma uma 2 outra como, por exemplo, ler um livro e ver televisão O processodeleituraadquirirà forma e serà organizado pelo nosso interesse num determinado programa televisivo, ao mesmo tempo que a nossa atençà a esse programa serà maior ou menor conforme o nosso interesse numa parte especial da leitura do livro. As duas actividades funcionam como recursos estruturantes uma para a outra, embora com força diferentesem momentos diferentes. Damesma forma, as questõe que sã introduzidas

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nas propostas de trabalho que os professores colocam aos alunos, ajudam adar forma A abordagem que eles fazem do problema funcionando como recursos estruturantes da sua resoluçã Assim, aquilo que pode ser, para o professor um artefacto matemátic (um método um conceito) pode nã o ser imediatamente para o aluno.

Resultados

Os dados recolhidos foram analisados com o objectivo de compreender como à que o conhecimento matemátic dos alunos se estrutura e desenvolve durante a sua prátic matemátic escolar. Para tal, seguindo o esquema de anális jà anteriormente apresentado, procurei: (i) identificar a estrutura da pdtica escolar da Matemática assim como os motivos presentes nessa prática (ii) salientar o papel das interaces sociais entre os diversos intervenientes; (iii) compreender o processo de apropriaçà dos artefactos matemático escolares que tem lugar nessa prática Atravé da anális de dados realizada 2 luz dos fundamentos teórico do estudo, foi possÃ-ve entã identificar os principais objectivos matemático que emergiam na prátic dos alunos observados durante as aulas de Matemática Os trê parâmetro referidos foram analisados separadamente mas, como foi realçad na fundamentaçà teórica eles nã sã vistos como distintos e independentes uns dos outros. Aliás a interligaçà dos dois primeiros motivou, por exemplo, que tivessem sido discutidos em conjunto. No âmbit deste artigo pretendo chamar a atençà e discutir, essencialmente, os resultados relativos ao terceiro parâmetr - o processo de apropriaçà dos artefac- tos matemático escolares. No entanto, farei uma apresentaçà breve dos resultados sobre a estrutura da prátic e as interacç'e sociais de forma a tomar mais claro para o leitor o contexto das aulas8.

Estrutura da prátic e interacçõ sociais

A estrutura da prátic matemátic vivida na aula de Matemátic tem por base motivos de natureza principalmente institucional e escolar, ou seja, à marcada por elementos caracterÃ-stico do espaç institucional - escola - em que tem lugar. Aulas de cinquenta minutos, umas apó outras, com a correspondente mudanç hora ap5s hora de disciplina curricular, de sala e de professor, conduzem a uma necessi- dade de ajuste de comportamentos (tanto no professor como nos alunos) que condiciona aparte inicialdas aulas. Nestes momentos, as interacç'e entre os alunos assumem, por vezes, um carácte contraditório Podem observar-se atitudes de grande cumplicidade (perante o professor) e cooperaçà (partilha de recursos) entre

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eles mas, também situaçõ de conflito relacionadas com a mesma partilha dos recursos e com o clima geral da aula (em momentos de discussã entre professor e alunos sobre o comportamento). Por outro lado, os alunos recorrem ao professor com muita frequênci mostrando-se ainda pouco concentrados nas tarefas escolares propostas e pouco autónomo em relaçà ?i referênci institucional que à a figura do professor. O professor, nesta primeira parte daaula, també manifestaexplicitamen- te as suas preocupaçõ institucionais (relativas 5 disciplina e ao ritmo de trabalho). Na segunda parte da aula encontra-se um clima geral de trabalho em que as acçõ se desenvolvem com o objectivo principal de serem resolvidos os problemas propostos pelo professor. Os alunos mostram-se mais autónomos ou seja, recorrem ao professor depois de algum trabalho entre eles revelando, portanto, maior especi- ficidade nos apelos que lhe fazem. Embora a actividade dos alunos ainda seja marcada por motivos essencialmente escolares, reconhecem-se algumas diferença nos seus objectivos consoante esses motivos tê um carácte mais social ou mais individual. Assim, encontram-se alunos que se preocupam fundamentalmente com a execuçà das tarefas, enquanto outros se revelam bastante interessados em compreender o que fazem; para uns a interacçà com os colegas à um recurso fundamental do pensamento mas outros procuram-na para aspectos mais especÃ-fico (confirmar dados, comparar resoluçõe pedir ajuda ou esclarecer dúvidas) Da mesma forma, embora continue presente entre os alunos um clima global de cooperaçà (partilha de recursos, ideias e informações as interacç'e entre eles revelam uma preocupaçà de aferir processos e resultados mas també de verificar o seu posicionamento (do aluno individual ou do grupo) em relaçà aos outros (estou muito atrasado ou vou ?i frente?; ainda sou o seu parceiro preferido ou estou a ser substituÃ-do?) Das interacçõ entre os alunos com necessidades diferentes resulta frequentemente uma reorientaçà dos seus objectivos. E assim que alunos preocu- pados com a compreensã contaminam os colegas ao questionarem os seus proces- sos e decisões enquanto sã pressionados por estes para assumirem um sentido mais pragmátic nas resoluçõe

E ainda nesta segunda parte da aula, que se observam situaçõ de interacçà que conduzem a uma construçà consensual e intersubjectiva de um saber enquanto "interpretaçà individual num background partilhado" (Winograd e Flores, citados por Clancey, 1994, p. 200), pelo menos entre os alunos que tê algumas afinidades. Por exemplo, procuram discutir no grupo, ou com os colegas a quem reconhecem um dado estatuto (no saber matemático) as interpretaçõ das situaçõ e as razõe que os levam a escolher uma determinada abordagem; observam e participam em discussõe de outros colegas (ou grupos), alargando assim o seu espaç de interacçÃ

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habitual; procuram comparar resoluçõ entre si, assumindo-as como correctas se sã idênticas Pode encontrar-se aqui como que uma construçà de saber numa comunidade de prátic escolar, atravé da participaçà mas també das interacçk (entre os elementos dessa comunidade) centradas essencialmente nas discussõe sobre as tarefas - neste contexto, o papel mediador està na tarefa e nã no professor.

O papel do professor, nesta segunda parte da aula, també apresenta algumas diferença do inÃ-ci da aula. Assim, vai-se preocupando cada vez menos com a manutençà de uma ordem adequada ?situaçà i de aula, embora manifeste ainda alguma necessidade de implementar um ritmo de trabalho apropriado para O cumprimento do programa. No entanto, esta marcaçà do ritmo de trabalho també evidencia a sua preocupaçà com o que ele considera fundamental num ambiente de aprendizagem de Matemática Ou seja, revela a sua convicçà de que os alunos "precisam de resolver problemas" para apreenderem um determinado sentido matemático precisam de actuar para compreenderem. O seu diálog com eles procura, por isso, centrar-se na interpretaçà das situaçõ e nos processos de resoluçà que decorrem da iniciativa dos alunos, ao mesmo tempo que OS vai introduzindo nalguns aspectos da cultura matemática

No final da aula, no final do tempo lectivo - de que os alunos dã conta quando toca a campainha a assinalar o fim dos 50 minutos - vário alunos procuram aferir os resultados obtidos na resoluçà dos problemas ou, pelo menos, verificar se desenvolveram a mesma quantidade de trabalho que os colegas, ou seja se nã ficaram com muito trabalho por fazer, relativamente ao que o professor tinha proposto para a aula. A prátic de aferir os resultados e processos com os colegas à aliá frequente em diferentes momentos das aulas, tal como veremos mais adiante. Artefactos culturais da Matemátic

No trabalho que serviu de base a este artigo foram descritos e analisados em detalhe trê exemplos da utilizaçà que os alunos fizeram dos artefactos culturais da Matemátic (mediatriz, ampliaçà e teorema de Pitágoras assim como dos artefac- tos escolares ( ~ o ~ ~ a s s o , régua calculadora, caderno, livro). Dessa anáiise sobres- saiu um percurso de utilizaçà dos artefactos matemático que denominei por "processo de apropriação Neste processo, a estrutura da tarefa proposta, as intervençlk do professor e as interacçõ com os colegas jogaram um papel primordial. Analisando as relaçõ entre os diversos elementos, procurei identificar aquilo que proporcionava a transformaçà de um recurso estruturante em artefacto (matemático e a forma como um ajuda ao desenvolvimento do outro. Os trê casos de que foi feita a descriçà analÃ-tic foram observados ao longo de vária aulas em

Referências

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